Carlos Wagner: Imprensa não esmiuçou o
abandono do “não tô nem aí” pelo governador Tarcísio
Imagens
gravadas por câmeras de celulares e de segurança das cenas de violência
cometidas em operações da Polícia Militar (PM) de São Paulo fizeram o
governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), 49 anos, “engolir as
palavras”, um dito popular que significa admitir que estava errado. São muitas
as gravações e todas as semanas surge uma nova. Vou citar duas que considero
importantes pela repercussão que tiveram na opinião pública. Na quarta-feira
(4), Lenilda Messias Santos Lima, 63 anos, foi agredida com socos, pontapés e
cassetetes na cabeça na garagem da sua casa, em Barueri, na Região
Metropolitana de São Paulo, durante uma operação da PM que envolveu uma moto e
o seu filho. As imagens da senhora sangrando na cabeça e sendo agredida
circularam o mundo. O outro vídeo foi de um caso que ocorreu no dia 2,
segunda-feira. O entregador Marcelo Barbosa do Amaral, 25 anos, ao ser parado
em uma barreira da PM na Zona Sul de São Paulo, se assustou, desequilibrou-se e
derrubou a moto e saiu correndo. Alcançado pelos policiais, foi agredido antes
de ter tempo de se explicar.
Um
dos PMs, o soldado Luan Felipe Alves Pereira, 29 anos, levou Amaral até a
murada de uma ponte. Durante a caminhada, segundo declarou o entregador para a
Polícia Civil, o soldado Luan falou o seguinte: “Você têm duas opções, ou pula
da ponte ou eu jogo você e a moto”. Amaral não respondeu. O soldado, como
mostram as imagens do vídeo, ergueu Amaral e o empurrou por sobre a murada, uma
queda de cerca de três metros até a água do riacho, que tem uns 10 centímetros
de profundidade. O entregador sobreviveu para contar a história. O vídeo foi
capa de todos os jornais. O policial militar está preso. Agora, a história das
palavras engolidas pelo governador. Em 2023, a PM deflagrou a Operação Escudo,
na Região Metropolitana da Baixada Santista, em represália à morte do policial
militar Patrick Bastos Reis, da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), em
Guarujá, uma das nove cidades da Baixada. Em 40 dias de operação foram mortas
28 pessoas. Houve uma gritaria de protestos na imprensa e nas organizações de
defesa dos direitos humanos e o caso foi parar nas Nações Unidas (ONU). Aos
protestos, o governador deu a seguinte resposta: “Olha, podem procurar a ONU,
podem procurar a Liga da Justiça, podem ir para o raio que o parta, porque não
tô nem aí”. Essas palavras foram o sinal verde para seguir em frente com a
política de “olho por olho, dente por dente” do secretário de Segurança Pública
de São Paulo (SSP-SP), Guilherme Detrite, 40 anos, capitão da reserva da PM e
ex-comandante de um pelotão da Rota do qual foi afastado por excesso de
letalidade. Para ser afastado da Rota por excesso de letalidade é preciso “se
puxar”. Para se ter uma ideia de como este órgão da PM paulista funciona
recomendo a leitura do livro do repórter Caco Barcellos, 74 anos, Rota
66: A história da polícia que mata”, publicado em 1992. Desta vez, a
repercussão das mortes foi bem maior porque foram documentadas em vídeos que,
na última semana de novembro e na primeira de dezembro, ocuparam os espaços
nobres das capas dos jornais e dos noticiários das TVs, rádios e sites, expondo
a violência da Polícia Militar de São Paulo. Para não ser soterrado pela
avalanche de protestos, o governador engoliu o “não tô nem aí” e passou a
defender a punição dos culpados e o uso de câmeras pelos policiais militares, o
que até então Tarcísio era contra. Mas não demitiu o secretário.
Aqui
há uma questão que a imprensa está deixando passar batido e que merece atenção.
O governador e o secretário de Segurança, que está no seu segundo mandato de
deputado federal pelo PL de São Paulo, são crias do ex-presidente da República
Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, um defensor ferrenho do uso do discurso do ódio
como ferramenta política. Neste discurso, a letalidade da polícia é defendida
pelos seus seguidores com unhas e dentes. Costumam falar que “bandido bom é
bandido morto”. A primeira vez que vi o discurso do ódio ser usado de maneira
profissional na política foi em 2016, por Donald Trump (republicano), 78 anos,
quando venceu a eleição presidencial americana contra a democrata Hillary
Clinton, 77 anos. Em 2018, Bolsonaro seguiu o exemplo e apostou no discurso do
ódio para vencer o seu adversário Fernando Haddad (PT), 61 anos. Agora, em
novembro, Trump, usando fartamente o discurso do ódio, concorreu novamente à
presidência dos Estados Unidos e derrotou a vice-presidente Kamala Harris
(democrata), 60 anos. Vamos ver agora qual será o futuro político do governador
de São Paulo. Até o meio do ano, ele era o candidato número um para substituir,
nas eleições presidenciais de 2026, o ex-presidente Bolsonaro, que foi
declarado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Nos
últimos seis meses, Bolsonaro passou a defender a tese de que irá concorrer a
presidente. Não vai conseguir, é o que dizem os especialistas. A aposta real
do ex-presidente é fazer a campanha, e na hora que tiver a sua candidatura
negada, colocar um dos seus filhos parlamentares como candidato. Se o
governador paulista brigar com Bolsonaro por ter sido deixado de lado nas
eleições presidenciais ele seguirá o caminho de todos aqueles que desafiaram o
ex-presidente e não se elegeram nem para síndico de prédio.
Portanto,
é o seguinte: ao engolir o “não tô nem aí”, Tarcísio faz um aceno à direita
democrática que procura um candidato de centro para concorrer em 2026. E ao não
atirar no colo do secretário Derrite a responsabilidade pelas lambanças das
operações policiais documentadas em vídeos ele mantém os seus vínculos com
Bolsonaro. Se essa estratégia vai funcionar, ninguém sabe. Mas tudo é possível
no jogo político. Já escrevi que as eleições presidenciais de 2026 começaram a
ser disputadas em 28 de outubro, o dia seguinte ao segundo turno das eleições
municipais. O que vem por aí ainda é difícil de decifrar. Tenho procurado ler
tudo que estão publicando sobre o assunto. Recentemente, li o livro O
Pobre de Direita – A vingança dos bastardos, de Jessé Souza. Explica a
adesão dos ressentidos à extrema direita. É uma leitura interessante.
¨ Agora com câmera corporal. Por Eugênio Bucci
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, mudou de ideia sobre a
Segurança Pública. De uma hora para outra, passou a apoiar o uso da câmera dita
“corporal” pela Polícia Militar. Foi um cavalo de pau na postura do Palácio dos
Bandeirantes.
Mas, fora a mise en scene, isso fará alguma diferença? Em
parte, sim. Se o governador cumprir sua (nova) palavra, a tropa terá de lidar
com mais fiscalização. No fundamental, porém, a resposta é não. A vida e a
morte seguirão como dantes no quartel de Abrantes, e fora do quartel também. A
polícia não vai acordar boazinha na segunda-feira só porque traz um aparelho
ótico na indumentária.
As coisas mudam, mas não mudam. Parece contraditório? Nem tanto. O
discurso político tem essa prerrogativa curiosíssima: pode desdizer
espetacularmente o que dizia ontem e não modificar patavinas, num paradoxo já
bastante conhecido. “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo
mude”, lemos no romance O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa.
Trata-se de ceder os anéis para não ter que ceder os dedos, ou, voltando à
perspectiva do governo, trata-se de ceder sobre as câmeras para não ter que
ceder sobre as armas.
Na quinta-feira passada, o chefe do Poder Executivo paulista declarou
que estava “totalmente errado” quando resistiu ao uso do equipamento. Estava
errado mesmo. A câmera virá para o bem. Instalada mais ou menos na altura do
bolso da camisa, registrará tudo o que se passar diante do agente, e isso vai
beneficiar a sociedade.
É bem verdade que, se o soldado estiver de folga e assassinar um homem
com onze tiros pelas costas, nada será documentado, pois também a câmera estará
de folga. Mas, ao menos durante o turno oficial, a lente presa ao lugar que
cabe às medalhas ajudará a diminuir, como se diz tecnicamente, a “letalidade”
policial.
Fora isso, uma polícia estatisticamente menos homicida não é uma polícia
melhor. Se você pendurar um apetrecho desses no pescoço de um pitbull, ele não
vai se comportar como se fosse um chihuahua. O que teremos nas ruas será a
mesma polícia pior de sempre, mas com um novo fator de constrangimento na
lapela. A inovação se limita ao plano das aparências.
Aliás, o que motivou a guinada nas convicções do chefe do Poder
Executivo estadual não foi uma questão de princípio, mas um tropeço de imagem.
A metamorfose da opinião do mandatário foi uma resposta às cenas de um soldado
jogando do alto de uma ponte um jovem trabalhador.
Era domingo à noite, dia primeiro de dezembro. O vídeo, gravado
anonimamente, foi destaque nas redes sociais, nos sites jornalísticos e nos
noticiários de maior audiência da televisão, com direito a incontáveis replays.
O militar pega sua vítima pelas canelas e, num puxão desleixado, faz com que
ela role por cima do guarda-corpo e despenque de três metros de altura. O algoz
se desfaz do moço como quem descarta um entulho, sem nem olhar para ver como o
sujeito caiu lá embaixo. O que aparece no vídeo é o grau máximo da indiferença
pela vida humana: o retrato de um governo.
Não que seja surpreendente. Todos os dias a gente tem assistido a
monstruosidades múltiplas nesse quesito. Anteontem mesmo faz sucesso na praça
um flagrante de três PMs esmurrando uma mulher desarmada que ia pela calçada.
Ontem foi notícia no jornal um assassinato de um rapaz em São Vicente, tendo a
mãe por testemunha. A farda e a imundície se mesclam. No meio de tantas
atrocidades, o lance do jovem ejetado como se fosse uma cusparada se converteu
numa síntese imagética. Mesmo não tendo causado morte ou ferimentos graves, virou
o símbolo da insegurança pública.
Premido pelo escândalo, Tarcísio de Freitas se saiu com essa de se
confessar “totalmente errado”. Talvez pretenda ser visto agora como “totalmente
certo”. Em sua autocrítica relâmpago, reconheceu a possibilidade de ser um dos
responsáveis por incentivar as condutas desmesuradas na soldadesca. Suas
palavras soaram como ato falho: “O discurso de segurança jurídica que a gente
precisa dar para os profissionais de segurança para combater de forma firme o
crime não pode ser confundido com salvo conduto para fazer qualquer coisa.” Ao
final, arrematou: “Isso a gente não vai tolerar.”
Não vai tolerar mesmo? Então o governo passará a defender os direitos
humanos? Não aposte nisso. Mesmo que demitam o secretário de segurança, não aposte.
Tudo se resume a uma operação de marketing para maquiar uma
escalada de terror que compromete o capital eleitoral do incumbente.
No mais, a extrema direita vem se mostrando hábil em mudar para
continuar idêntica. Na Alemanha, a AfD (Alternativa para a
Alemanha), que aglutina forças antidemocráticas, tem agora uma nova líder. Seu
nome é Alice Weidel. Ela tem 45 anos e é lésbica (renovação no figurino), mas é
também xenófoba (fiel à tradição). Fascismo camaleônico. Ainda veremos
latifundiários bolsonaristas (protegidos por jagunços com ou sem câmeras no
colete) abraçando a causa ecológica para salvar sua reputação e seus negócios.
Terão se convertido à democracia? Por favor, sem piadas nesta hora.
¨
Como é cidade cenográfica do Exército para treinar militares
em protestos, terrorismo e desastres
O
Exército abriu uma licitação para obras de ampliação da cidade cenográfica do
Centro de Instrução de Operações Urbanas (CIOU). A unidade é usada para treinar
militares brasileiros em ocorrências de sequestros, ataques terroristas,
desastres naturais e protestos violentos.
A
CIOU fica no 28° Batalhão de Infantaria Mecanizado (28° BIMec), em Campinas (SP), e conta
atualmente como uma estrutura improvisada de treinamento feita, principalmente,
de contêineres. O g1 esteve no centro em outubro de
2021 e acompanhou um treinamento.
Com
a nova obra, que teve a primeira fase orçada em R$ 5,6 milhões, o Exército
pretende levantar a cidade cenográfica com alvenaria. Veja abaixo como é
atualmente e o que a planta do projeto prevê de construção (em vermelho as
residências).
Segundo
o edital do Exército, a cidade cenográfica pretende reproduzir a arquitetura de
edifícios e estruturas semelhantes a ambientes urbanos e, com isso, treinar com
mais precisão e realismo técnicas de combate urbano, como reconhecimento de
áreas e resgate de reféns.
"A
falta de realismo prejudica sobremaneira o adestramento das tropas, o que
reflete na capacidade operacional da Força Terrestre. Portanto, a construção da
cidade cenográfica do CIOU, composta por edificações permanentes que possuem
todas as características necessárias para a simulação do ambiente urbano, é de
vital importância para a manutenção da operacionalidade do Exército
Brasileiro", diz relatório anexo à licitação.
·
31
residências e favelas
A
1ª fase das obras deve começar em março de 2025 e inclui a construção de 31
residências de pequeno e grande porte distribuídas entre quatro quadras que
somam uma área total de 2,8 mil metros quadrados. A ampliação total da cidade
cenográfica, no entanto, incluirá a construção de 66 imóveis. A próxima etapa
das obras ainda não tem previsão.
Além
de residências, edifícios e estações, a planta do novo CIOU também descreve
duas áreas no terreno identificadas como 'favelas'. Segundo o projeto, são
estruturas já existentes e utilizadas no centro de instrução que serão
mantidas.
·
Reduzir
efeito colateral
Ao g1,
o Comando Militar do Sudeste (CMSE), responsável pelo Exército no Estado de São
Paulo, informou que o projeto para a ampliação do CIOU pretende capacitar
militares de todo território nacional "a atuar em ambientes altamente
urbanizados".
"Serão
novas instalações, simulando edificações e obstáculos característicos do
ambiente real, permitindo a capacitação em técnicas, táticas e procedimentos em
ambiente urbano", informou.
O
Comando afirmou que o treinamento de militares em condições urbanas é necessário
para trazer mais realismo e, assim, reduzir o risco de efeito colateral à
população.
"Cabe
destacar que, no combate moderno, grande parte dos confrontos ocorrem nas
cidades e que os treinamentos em condições mais realistas reduz o risco do
efeito colateral à população", diz a nota.
·
GLO
e MINUSTAH
Embora
o Exército não tenha competência constitucional primária em Segurança Pública,
onde a atuação em áreas urbanas é comum, a Força já foi acionada para atuar em
operações desta natureza.
Esse
ano, a partir de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (LOA), as Forças
Armadas atuaram na segurança do G20 no Rio de
Janeiro.
O Exército também teve participação importante como força de
paz no Haiti,
a chamada Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (MINUSTAH).
Fonte: Observatório
da Imprensa/A Terra é Redonda/g1
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