Bolsonaro será o
próximo? O que prisão de Braga Netto indica sobre futuro do ex-presidente
A prisão do general
da reserva Walter Braga Netto, homem forte do
governo de Jair Bolsonaro (PL),
reacendeu as especulações sobre uma possível prisão do ex-presidente, apontado
pela Polícia Federal como o líder da
organização criminosa que planejou um golpe de Estado para mantê-lo
no poder após a derrota nas eleições de 2022.
Apesar da sensação
de que há um cerco da Justiça se fechando sobre Bolsonaro, criminalistas
ouvidos pela BBC News Brasil dizem que, até o momento, não há elementos que
justifiquem sua prisão preventiva — ou seja, uma prisão por medida cautelar,
antes de um eventual processo criminal com condenação e trânsito em julgado
(quando não cabem mais recursos).
Segundo a lei
brasileira, a prisão preventiva só pode ser decretada sob algumas condições,
como nas hipóteses de o suspeito continuar cometendo crimes, estar tentando fugir
da Justiça ou atuar para atrapalhar as investigações.
A prisão de Braga
Netto, por exemplo, foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Alexandre de Moraes sob a justificativa de que ele teria tentado
interferir nas investigações, ao buscar obter dados sigilosos do acordo de
colaboração de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
As acusações contra
Braga Netto, no entanto, não passam automaticamente para Bolsonaro, ainda que
ambos fossem próximos, ressalta Mauricio Dieter, professor da Universidade de
São Paulo (USP).
O general foi
candidato a vice na chapa de Bolsonaro à Presidência pelo PL em 2022 e ministro
da Casa Civil e da Defesa do ex-presidente.
"Para que seja
decretada uma prisão sem trânsito em julgado, os investigados têm que tomar
atitudes concretas que impeçam a aplicação da lei penal. Não temos notícia de
que Bolsonaro está tentando embaraçar as investigações, suprimir evidências ou
fugir do país", nota o professor da USP.
Ele ressalta que
outras medidas podem ser adotadas para restringir a liberdade de investigados
antes da prisão, o que já ocorreu no caso de Bolsonaro, que teve seu passaporte
aprendido e foi proibido de se comunicar com outros suspeitos, como o
presidente do PL, Valdemar Costa Neto.
"A prisão antes
de uma condenação é uma medida extrema. A regra deve ser a liberdade. A pessoa
tem o direito de responder em liberdade, principalmente porque uma pessoa que
está presa tem menos condições concretas de se defender. Vai ter mais
dificuldade de pagar um advogado, por exemplo", acrescenta Dieter.
Considerando o que
se sabe das investigações, o advogado João Pedro Pádua, professor de direito da
Universidade Federal Fluminense (UFF), também não vê elementos que justifiquem
a prisão preventiva de Bolsonaro no momento.
"Pelo conteúdo
da decisão [que determinou a prisão de Braga Netto], nada indica que estejam se
aproximando da figura de Bolsonaro", disse.
Para Pádua,
eventual prisão preventiva do ex-presidente pode ocorrer se novos elementos
apurados na investigação apontarem alguma atuação para tentar fugir ou
interferir nas investigações, por exemplo. Ele nota que Polícia Federal ainda
está analisando o material apreendido na operação que prendeu Braga Netto e
teve também como alvo o coronel Flávio Botelho Peregrino, militar da reserva e
ex-assessor do general.
Bolsonaro foi
indiciado pela Polícia Federal com mais 36 investigados em novembro, acusado de
tramar um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luíz Inácio Lula
da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.
Segundo as
investigações, o plano autoritário envolveria até a intenção de matar Lula,
Alckmin e Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Bolsonaro nega as
acusações. Ele reconhece que discutiu com o comando das Forças Armadas a
possibilidade de instaurar Estado de Sítio no país depois que sua tentativa de
questionar a validade das eleições de 2022 foi rejeitada no TSE, mas alegou que
isso estaria dentro das regras constitucionais.
·
Questionamentos
à prisão de Braga Netto
Apesar de a prisão
de Braga Netto ter sido fundamentada na sua suposta interferência nas
investigações, o que é um motivo legal para a preventiva, a decisão está sendo
questionada pelo campo bolsonarista.
O próprio
ex-presidente criticou na rede social X (o antigo Twitter) o fato de Braga
Netto ter sido preso sob acusação de atrapalhar investigações que já estariam
concluídas, quando a Polícia Federal indiciou 37 pessoas por tentativa de golpe
de Estado em novembro, incluindo Bolsonaro e Braga Netto.
"Como alguém,
hoje, pode ser preso por obstruir investigações já concluídas?",
questionou Bolsonaro.
A PF, porém, ainda
tem investigações em curso. Inclusive, houve o indiciamento de mais três
pessoas na quarta-feira (11/12), elevando o total para 40.
Mauricio Dieter, da
USP, diz não ver ilegalidade na prisão do general.
"Não vejo
ilegalidade flagrante porque, de fato, ele fez mais de um contato tentando se
apropriar das declarações do Mauro Cid para, em função delas, produzir uma
outra versão, inclusive com alguma esfera de influência sobre o próprio Mauro
Cid por meio do pai dele", afirma Mauricio Dieter, da USP.
"Essa
tentativa de interferência em evidências já produzidas pela autoridade pública
é um dos pressupostos que autoriza a prisão preventiva", reforçou.
João Pedro Pádua,
da UFF, diz que, ao contrário do que alega Bolsonaro, é possível um suspeito
tentar interferir após a conclusão das investigações, já que o inquérito ainda
pode dar origem a uma ação penal, em que serão colhidos novos depoimentos dos
investigados pelo Ministério Público.
Ele ressalta,
porém, que as acusações de interferência contra Braga Netto referem-se a fatos
mais antigos, de que ele teria entrado em contato com o pai do Mauro Cid no
segundo semestre do ano passado, quando a delação premiada estava sendo
negociada. O fato mais recente citado na decisão de Moraes é um documento
encontrado em fevereiro deste ano na sede do PL, sob a mesa de Peregrino,
ex-assessor de Braga Netto, com supostas respostas obtidas de Cid sobre a
colaboração premiada.
Por causa disso, o
professor questiona o timing (momento) da prisão.
"É possível
que, entre o inquérito policial e uma ação penal, o acusado, ou alguém a seu
mando, ameace testemunhas ou interfira com a potencial produção de provas
durante o processo. Porém, nesse caso concreto, a julgar pela fundamentação que
o ministro Alexandre de Morais utilizou para decretar a prisão do general Braga
Netto, isso não está em questão", afirmou.
Braga Netto nega as
acusações de que é alvo no inquérito. A defesa do militar divulgou nota oficial
após a prisão dele no sábado, afirmando que "se manifestará nos autos após
ter plena ciência dos fatos" e que acredita que terá "oportunidade de
comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações".
·
As
acusações para a prisão de Braga Netto
No pedido de prisão
apresentado pela PF ao STF, os investigadores afirmam que Braga Netto teria
atuado, "de forma reiterada e destacada", para impedir a completa
identificação dos fatos investigados.
As primeiras provas
de tais ações, segundo a Polícia, teriam sido encontradas no celular do pai de
Mauro Cid, Mauro César Lorena Cid.
Uma perícia
realizada no celular mostra que as mensagens trocadas com Braga Netto foram
apagadas em 8 de agosto de 2023, três dias antes da operação "Lucas 12:2",
que apurou a tentativa de uma organização criminosa de vender joias que
Bolsonaro recebeu em razão do cargo de presidente da República.
A perícia
conseguiu, porém, identificar que, no dia 7 de agosto, Braga Netto e o pai de
Mauro Cid tiveram duas interações pelo WhatsApp e conversaram por telefone em
uma chamada que durou pouco mais de 3 minutos. O teor das mensagens, no
entanto, não pode ser identificado.
Já a análise do
celular de Mário Fernandes — general preso em novembro sob suspeita de participar
dos planos para matar Lula, Alckmin e Moraes — apontou que, em setembro de
2023, ele comentou com outro militar, o coronel reformado Jorge Kormann, que os
pais de Cid teriam conversado com Braga Netto sobre a delação do filho.
Segundo a PF, os
contatos de Braga Netto para buscar informações sobre o acordo de delação foram
confirmados em novos depoimentos de Mauro Cid, no último dia 5 de dezembro, e
por seu pai, no dia seguinte.
Para a Polícia
Federal, a tentativa de interferência teria dado resultado, já que Cid
preservou inicialmente Braga Netto em sua delação, deixando de citar detalhes
importantes de sua suposta atuação na operação Punhal Verde e Amarelo, que
visava matar Lula, Alckmin e Moraes.
Quando mudou o
conteúdo de sua delação, em novembro deste ano, o delator disse, por exemplo,
que o ex-ministro da Defesa obteve e entregou recursos para essa operação.
Segundo esse novo
depoimento de Mauro Cid à PF, Braga Netto teria repassado dinheiro em "uma
sacola de vinho" ao então major Rafael de Oliveira, integrante dos
chamados "kids pretos" preso na Operação Contragolpe, em novembro
deste ano.
¨ Waack: Prisão é efeito colateral da
politização dos militares
Discute-se se o instrumento da prisão preventiva se
aplicaria ou não ao caso do general Braga Netto, que foi detido pela Polícia
Federal no âmbito da investigação sobre um golpe de Estado, na qual ele surge
como uma das figuras mais destacadas. Os argumentos do ponto de vista jurídico
se dividem.
Mas não parece haver muita dúvida sobre o que, afinal,
levou um general de quatro estrelas a ser preso — um fato de peso histórico
considerável. Foi a quebra de disciplina dentro de uma instituição de Estado —
no caso, o Exército — trazida pela politização da força militar.
Braga Netto é o exemplo perfeito de como a lealdade
política a indivíduos corrói as cadeias de comando, as hierarquias e produz
resultados como os que o inquérito da Polícia Federal — mas não só ele — traz à
luz.
Ao mais tardar, quando o ex-presidente Jair Bolsonaro
começou a chamar o Exército de “seu” Exército, tinha-se uma situação na qual se
confundia o comandante em chefe das Forças Armadas (que é o presidente do país)
com o líder de uma corrente política.
Um pedaço até dos altos escalões embarcou no projeto de
governo e de poder — não só como integrantes de cargos públicos, mas,
principalmente, como defensores de uma determinada corrente política.
Perdeu-se um pedaço significativo da cadeia hierárquica
quando não se puniu um general que participara de um comício político, violando
frontalmente os regulamentos do Exército. O resto, pode-se dizer, é
consequência.
No final, prevaleceu contra aloprados fardados a
postura legalista e correta do Alto Comando, que recusou-se a embarcar em
qualquer aventura golpista. Mas o dano à instituição já tinha sido
causado.
A politização das Forças Armadas é o contrário do
profissionalismo que elas passaram a prezar tanto depois do regime militar de
1964.
Braga Netto é apenas mais uma lição, e bem conhecida.
Mas que não podia ter sido esquecida.
Fonte: BBC News
Brasil/CNN Brasil
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