Ana Penido: O militar no melhor dos dois mundos
Peço desculpas por interromper
a cantora Simone e seu hit “Então é Natal”, mas desde que o vídeo da Marinha
veio à público, só consigo pensar na banda Van Halen e no clássico Best
of Both Worlds, lançado dias antes do meu nascimento. A música provoca uma
reflexão sobre o equilíbrio entre diferentes aspectos da vida, entre o mundo
material e o espiritual; a busca pela felicidade terrena e celestial; o melhor
dos dois mundos, uma existência plena. Combina com esse momento de balanços de
final de ano.
No vídeo institucional da
Marinha do Brasil, dois mundos são retratados: o de trabalho duro, com grande
exigência física, e o do lazer e autocuidado, contendo momentos de descanso e
festividades. Entretanto, na peça publicitária, os dois mundos não são
apresentados como complementares, mas antagônicos. O esforço hercúleo é associado
ao mundo militar, e a festa, ao mundo civil. Na dicotomia, o militar não tem
momentos de lazer; e o civil, festeiro e preguiçoso, tem o privilégio de ser
protegido enquanto desfruta a vida. O final do vídeo não contém uma ironia, mas
uma provocação: “Privilégio? Vem pra Marinha!”. A frase sai da boca de uma
marinheira, provando que a inclusão de mulheres nas Forças Frmadas, por si só,
não é suficiente para democratizar as relações entre Estado – Forças Armadas –
sociedade.
O final do vídeo foi produzido
como uma resposta ao pacote de cortes apresentado por Haddad. Ao mesmo tempo,
dois movimentos de comunicação institucional ocorreram, o que os mais sabidos
chamariam de operações psicológicas, com o apoio da imprensa hegemônica. De um
lado, apresentou-se os 2% de cortes para a caserna como os sacrifícios do mundo
militar que, junto com os civis, estão salvando as contas públicas dessa nação.
De outro, veículos como a CNN divulgaram matérias sobre a
evasão entre militares, notadamente na Aeronáutica e Marinha, com dados brutos
desde 2019 (reforma na carreira feita por Bolsonaro). Os dados não foram
discriminados, então não é possível saber porque saíram (passaram num concurso
melhor? Saíram de diferentes especialidades ou da mesma? Em que proporção?), mas
entrevistas com mulheres (mais uma vez, não é implicância minha, é linha
editorial do Comando) nas matérias relatam como a jornada de trabalho deixou de
ser compensatória diante das exigências da carreira.
Quanto ao vídeo, à operação
aberta das Forças Armadas na imprensa, e à operação encoberta das Forças
Armadas no parlamento contra o pacote do governo, não tecerei mais comentários.
Trata-se de desafio explícito ao Comandante em Chefe da Nação. Caberia ao
Ministro da Defesa ordenar imediatamente a retirada do vídeo do ar e demitir o
Almirante Olsen. Ele não ficará triste, pois levou um milhão de reais na aposentadoria.
Quanto à proposta do governo
(saliente-se, ainda uma proposta), é extremamente tímida na área militar. Não
chega a totalizar 2% do tamanho dos cortes anunciados, embora seja,
proporcionalmente, a área com maior déficit da previdência. Pouparei o leitor
da descrição atual do mundo do trabalho civil. Além disso, civil é muita gente,
assim como marinheiro também é muita gente. A sociologia raramente maneja a
dicotomia civil-militar, mas com as condições de trabalho das diferentes classes
sociais, civis e militares. Aqueles que pensam e decidem sobre o conteúdo da
peça publicitária institucional têm condições de trabalho bastante distintas
daqueles que foram os personagens do vídeo. Note-se: ambos podem ter a mesma
mentalidade política, ou a mesma maneira de ver o “civil” inventado e
generalizado, mas as condições de trabalho são diferentes. No caso da Marinha,
também tem grande peso o local de exercício do trabalho: embarcados por longos
períodos, ou no apoio terrestre.
Vamos às propostas do governo
para a área militar. A primeira medida é a extinção da “Morte Ficta”, ou seja,
os dependentes do militar que perder o posto e a patente deixarão de receber
pensão. Lembremos, alguém só é expulso após condenação pela justiça militar. Na
Marinha, segundo a imprensa, 87 pessoas estariam nessa situação. Não enchem nem
um vagão de metrô. A segunda medida é a elevação da alíquota de contribuição
para os Fundos de Saúde para 3,5%. Os outros 96,5% seguirão sendo custeados
pelo orçamento do governo (vulgo, pelo povo brasileiro), aplicados em hospitais
militares usados exclusivamente pela família militar que, por sua vez, é mais
ampla que a das carreiras civis. No mundo militar, filhos naturais são mantidos
como dependentes até os 24 anos, e enteados podem ser incorporados. No mundo
civil, o plano de saúde universal se chama SUS, e as modalidades civis são
inúmeras, a depender do plano privado contratado ou do acordo coletivo
conquistado pelo sindicato da categoria. A terceira medida extingue as pensões
para beneficiários de segunda ou terceira ordem, limitando-a ao cônjuge e
filhos. Para civis, essa possibilidade nunca existiu.
A quarta e última medida é a
mais polêmica, e se refere a estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria
(reserva remunerada) de 55 anos, lembrando que, entre civis, essa idade é de 62
anos para mulheres, e 65 para homens. Hoje, militares (de carreira, não aqueles
com contratos temporários que podem ficar na força por até oito anos) não têm
referência etária, podendo se aposentar a pedido. A regra de transição iria até
2032! Personagem importante nessa situação é o ex-presidente Jair Bolsonaro,
que foi para a reserva após 15 anos na Força, e desde 1988 (ele tinha 33 anos),
recebe sua aposentadoria integral à sua patente legal, capitão do
Exército.
Duas reações são dignas de
nota. A primeira, aponta que a carreira tem baixa atratividade, e sofreria com
êxodo. Será? Quais dados indicam isso? Aqueles disponíveis ao público mostram
concursos altamente concorridos, e uma instituição que conta com altos índices
de aprovação entre a população. Quem se quer atrair? Quem tem entrado? Os
problemas decorrem do modo como as Forças estão organizadas ou de como o
trabalho no interior da Força é organizado? A segunda reclamação está correta,
e vem das baixas patentes, que foram prejudicadas na reforma da carreira de
2019. Na ocasião, Bolsonaro privilegiou as altas patentes e prometeu um grupo
de trabalho para olhar a situação das baixas patentes que nunca se mobilizou.
As altas e baixas patentes seguiram votando em Bolsonaro, mas a bomba
trabalhista ficou para o presidente eleito, Lula.
Os privilégios militares,
quando comparados ao horroroso mundo de trabalho civil, poderiam abundar, mas
seriam comparações levianas, como leviano foi o vídeo da Marinha. Cabe conhecer
o mundo de trabalho militar, com seus direitos, deveres e privilégios, como
fizemos em texto sobre a carreira militar. Cabe questionar os quartéis,
levando em conta as condições de trabalho das diferentes patentes e modalidades
de contratação militares, a forma como a carreira é organizada, as condições do
mercado de trabalho fora dos quartéis, as necessidades técnicas de defesa
nacionais, e mesmo as condições internacionais para o exercício do trabalho de
defesa nacional, muito distintas em tempos de paz e de guerra.
Por fim, quero comentar sobre a
habilidade militar de usar “os dois mundos” de Van Hallen para conquistar sempre
o melhor para si. Dois exemplos breves. No Brasil, alunos de escolas públicas
têm o direito duramente conquistado de cotas de acesso ao ensino superior
público. Os colégios militares são considerados escolas públicas, mesmo
recebendo um orçamento por aluno cerca de três vezes maior que o da escola
pública normal. É a mesma realidade dos colégios de aplicação de universidades.
Ambos gozam do melhor dos dois mundos: as cotas para alunos oriundos das
escolas públicas, e os orçamentos por aluno mais elevados. Um segundo exemplo:
militares têm recorrido ao sistema de justiça civil para conquistar direitos
trabalhistas que eram negados a eles, injustamente, pelas instituições
militares, como o acesso aos sistemas de saúde, moradia e previdenciário para
cônjuge do mesmo sexo. Entretanto, esse mesmo indivíduo segue sujeito à justiça
militar, contando com seus bônus e ônus, a depender da patente hierárquica.
Novamente, é o melhor dos dois mundos.
Elis Regina eternizou a música
de Guilherme Arantes e ensinou que vamos vivendo e aprendendo a jogar. “Nem
sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”. Será? A teoria
dos jogos discorda, dizendo que é possível construir jogos ganha-ganha, em que
indivíduos racionais podem cooperar e todos saírem ganhando. Seria a habilidade
militar de extrair “o melhor dos dois mundos” um exemplo da teoria do
ganha-ganha? Deveríamos substituir o dilema do prisioneiro pelo dilema do
marinheiro? O senso comum se esquece de que a cooperação e a fraternidade
ocorrem entre o próprio grupo, desconsiderando as dinâmicas de poder e
desigualdade que imperam na sociedade.
A trabalhadora do mundo real
está como Elis, tentando se equilibrar entre as múltiplas jornadas; e com Van
Hallen, procurando um pouco do céu aqui na terra, e se esquecendo que não
existe céu com Brigadeiros, Almirantes ou Generais.
Feliz Natal.
¨
Além de Braga, haverá outros presos e a pressão da anistia vai aumentar. Por Roberto Nascimento
Braga Neto foi o
primeiro general de quatro estrelas preso, o que tem causado um enorme espanto
no Exército. Estão incomodados e pressionando Lula para trabalhar pela anistia.
Os golpistas são desumanos, torturam e matam em qualquer idade e na história do
Brasil, estão sempre a postos para agir.
É bom lembrar que
tivemos na história brasileira dois marechais presos. O primeiro foi o
marechal-presidente Hermes da Fonseca, em 1922, que ficou seis meses detido.
O segundo marechal
preso foi Henrique Teixeira Lott, em 1961, por 30 dias, mas só cumpriu 15 dias.
Os militares golpistas daquela época não queriam que o vice João Goulart
assumisse, e Lott fez uma carta-aberta à nação, protestando. Ficou preço três
dias na insalubre Fortaleza da Laje, uma covardia, porque Lott tinha quase 70
anos.
O Poder Judiciário
erra muito no Brasil, além de haver demandas que quase nunca acabam. Tem de
tudo: juízes que sentam em cima dos processos, advogados que usam de artifícios
para protelar as demandas, chicanas mil e um sistema de recursos sem fim, até
chegar à prescrição e liberdade para todos.
Sem pretender
captar o condão da verdade absoluta, inexistente na vida humana, entendo que a
prisão de Braga Neto foi para impedir que atuasse contra as investigações em
curso, mas isso seria improcedente, porque o inquérito já foi concluído e está
sob análise da Procuradoria-Geral da República. No entanto, há fatos novos
surgindo que podem justificar a prisão preventiva.
Braga Neto tentava
acesso à delação de Mauro Cid, porque o tenente-coronel o acusou de financiar
os “kids pretos” para assassinar autoridades. Cid relatou uma reunião na
residência do general em Brasília e a pressão pesada que Braga fazia contra
generais do Alto Comando, contrários ao golpe.
Falam muito no dia
oito de janeiro de 2023, mas, o que tentaram fazer em dezembro de 2022 não tem
precedentes na História do Brasil. Foi uma loucura total, a ponto de não
estarmos livres de uma nova intentona golpista.
Esquerdistas,
comunistas, humanistas, sindicalistas, que se cuidem. Ao invés da Polícia
Federal as seis da manhã, poderemos receber uma patrulha militar a qualquer
hora do dia, inclusive na calada da noite, para nos levar não se sabe aonde.
Militares e civis
golpistas são desumanos. Desta vez, a conspiração fracassou. Agora, antes dos
julgamentos, já existe uma pressão muito forte pela anistia, que só tende a
aumentar.
¨
Trama liderada por Braga Neto indica até que ponto os golpistas iam
chegar.
Por Pedro do Coutto
Ainda sobre o impacto da prisão
do general Walter Braga Netto e a participação de oficiais de alta patente na
trama golpista contra a Constituição e a democracia, esquece-se um aspecto
importante, uma vez que nesse projeto pelo poder, o grupo de articuladores
incluíram não apenas um golpe de Estado, o que já seria abominável, mas também
o assassinato de três pessoas, o presidente Lula da Silva, o vice-presidente
Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
É incrível saber que nas
reuniões para tratar da subversão, os principais arquitetos do plano planejavam
crimes e atos hediondos, envolvendo pessoas inocentes em tal trama. Um fato que
leva tais intenções ao descrédito absoluto, inclusive moral por parte dos
favoráveis ao golpe.
A audiência do ex-ajudante de
ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, no último dia 21 de
novembro, trouxe novidades que foram fundamentais para o elenco de provas que
levou o general Walter Braga Netto à prisão, decretada no último sábado.
A tentativa de obter dados
sigilosos da delação de Mauro Cid foi caracterizada como ação de obstrução da
Justiça, ao “impedir ou embaraçar as investigações em curso”, apontou o relator
do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com o relatório da
Polícia Federal, há “diversos elementos de prova” contra Braga Netto, que teria
atuado para impedir a total elucidação dos fatos e “com o objetivo de controlar
as informações fornecidas, alterar a realidade dos fatos apurados, além de
consolidar o alinhamento de versões entre os investigados”.
Para chegar a essas provas, os
policiais federais realizaram perícia no celular do general Mauro Cesar Lourena
Cid, pai do coronel que trabalhava com Jair Bolsonaro. Havia “intensa troca de
mensagens” via aplicativo de mensagens, que foram apagadas e depois recuperadas
pela PF. O tema principal era a respeito do desvio de joias por parte de
Bolsonaro, em agosto de 2023. A PF identificou que o nome de Braga Netto estava
salvo na agenda do general Lourena Cid como “Walter BN”.
Outras conversas recuperadas
ocorreram em 12 de setembro, quando o general Mário Fernandes disse ao coronel
reformado Jorge Kormann que os pais de Mauro Cid ligaram para os generais Braga
Netto e Augusto Heleno, ex-ministro na gestão Bolsonaro, informando que a
divulgação do conteúdo da delação por parte da imprensa era “tudo mentira”. A
PF argumenta que Braga Netto tentou obter os dados do acordo por meio de
familiares do coronel Cid, o que foi determinante para a prisão. Outra prova
encontrada foi na sede do PL, em Brasília, na mesa do coronel Flávio Peregrino,
assessor direto do general Braga Netto.
Era uma folha com perguntas
(supostamente feitas por Braga Netto) e respostas (que seriam de autoria de
Mauro Cid). Entre as perguntas: “O que foi delatado?”, com a seguinte resposta:
“Nada. Eu não entrava nas reuniões. Só colocava o pessoal para dentro”. Há
outras cinco questões pedindo mais informações sobre o que a PF dispunha.
O ex-ajudante de ordens disse,
em depoimento à PF, que as respostas não foram escritas por ele. “Talvez
intermediários pudessem estar tentando chegar perto de mim, até pessoalmente,
para tentar entender o que eu falei, querer questionar, mas como eu não podia
falar, eu meio que desconversava e ia para outros caminhos, para não poder
revelar o que foi falado”, disse Cid para o delegado da PF, Fábio Shor.
Será que nenhum integrante da
equipe dos que tramavam o golpe de Estado não acordou para a realidade que
estava sendo preparada? Cometer uma série de ações criminosas, incluindo o
assassinato de um presidente da República, constitui-se numa pretensão que
demonstra o caráter dos envolvidos. Não tem cabimento. É impossível levar a
sério esse projeto que, embora de difícil execução, reflete até que ponto os
seus autores pretendiam chegar.
Fonte:Opera Mundi
Nenhum comentário:
Postar um comentário