Impasses e
perspectivas das guerras atuais
Francamente,
eu não esperava que isso acontecesse. Julguei, sim, que Donald Trump venceria
em 5 de novembro. Mas não esperava que, depois de se conter por tanto tempo,
Joe Biden – um presidente, afinal, vencido – daria luz verde à Ucrânia para
usar seu Atacms (Sistema de mísseis táticos do exército americano). Não é de
admirar que a Grã-Bretanha tenha seguido o exemplo logo depois. O governo do
primeiro-ministro trabalhista, Sir Keir Starmer, concedeu permissão para que os
seus foguetes (Storm Shadows) atingissem alvos dentro da Federação Russa.
Apenas alguns dias depois, a França seguiu o exemplo com seus mísseis Scalp. A
Alemanha, por razões próprias, comportou-se de modo completamente diferente. O
chanceler Olaf Schultz, apesar das constantes reclamações de seus belicosos
colegas da coalizão Verde, recusa-se teimosamente até mesmo a fornecer os seus
mísseis de cruzeiro Taurus para a Ucrânia. Volodymyr Zelensky foi rápido em
usá-los. Uma bateria de Atacms foi lançada em 19 de novembro – a Rússia afirma
que abateu cinco deles e danificou um sexto. Fontes militares dos EUA, por
outro lado, admitem que, embora dois deles tenham sido interceptados, seis dos
oito atingiram com sucesso seu alvo, ou seja, um depósito de munição em
Karachev. Então, vieram as “sombras da tempestade”; doze deles foram
lançados. A Ucrânia e seus facilitadores ocidentais reivindicam sucesso. De
qualquer forma, esses mísseis não podem vencer a guerra… Ademais, a Ucrânia não
tem um grande suprimento desses mísseis. Na verdade, os seus estoques são muito
limitados. Portanto, atualmente, o seu uso é mais simbólico do que militar. Daí
a afirmação instintiva, feita pelo editorial do Morning Star, de
que dar luz verde a Atacms e Storm Shadows consiste numa tentativa que visa
“tentar inclinar a vantagem militar de volta a favor de Kiev, antes que Trump
entre na Casa Branca”. Ora, isso revela uma ignorância verdadeiramente profunda
do estado real das coisas. Também reflete uma certa afeição “comunista oficial”
pelos ocupantes do Kremlin; ora, o fato é que eles têm hoje uma política de
extrema-direita, profundamente reacionária; eis que estão estreitamente
alinhados no plano ideológico com a Igreja Ortodoxa.
·
A doutrina nuclear
Diante
do cruzamento de outra linha vermelha com o lançamento dos mísseis Atacms e
Storm Shadows, o regime Putin e aliados respondeu mudando a doutrina nuclear da
Rússia. Anteriormente, a opção nuclear estava reservada para a situação em que
houvesse uma ameaça à “existência” da Rússia. Agora, essa escolha pode ser
feita por ocasião de um grande ataque ou ataques que “criam uma ameaça crítica
à soberania e (ou) integridade territorial” da Rússia e de seu vizinho e
aliado, a Bielorrússia.A nova doutrina de Putin também afirma que os países que
ajudam e incentivam um ataque serão considerados cobeligerantes. Portanto, a
Rússia está ameaçando a OTAN com uma resposta nuclear diante de ataques
ucranianos fortes usando armas convencionais. Ora, essa estratégia é amplamente
conhecida como “escalar para diminuir a escalada”; contudo, John Hyten,
ex-chefe do Comando Espacial dos EUA, diz que isso pode ser traduzido com mais
precisão por “escalar para vencer”. Para
enfatizar a nova doutrina, um míssil balístico de alcance intermediário
Oreshnik, projetado para transportar cargas nucleares, foi lançado da base de
foguetes Kapustin Yar, na Rússia. Cerca de 15 minutos depois, atingiu alvos a
500 milhas de distância, em Dnipro. Esses mísseis não são apenas muito rápidos,
10 vezes a velocidade do som, mas também podem manobrar no meio do curso e,
portanto, são muito difíceis de interceptar. O que foi lançado carregava seis
ogivas direcionadas independentemente, embora, como foi depois visto, nenhuma
fosse nuclear (os Estados Unidos receberam um aviso 30 minutos antes “através
de canais de redução de risco nuclear”, presumivelmente porque são armas
estratégicas.
A
propósito, Atacms, Storm Shadow, Scalp etc. são geralmente chamados de “mísseis
de longo alcance” no jargão popular. Isso causa uma confusão sem fim; Afinal,
eles têm um alcance de cerca de 150-190 milhas. Isso é muito, em comparação com
os mísseis antitanque empregados no campo de batalha. Na verdade, eles
dificilmente darão à Ucrânia a capacidade de atacar “profundamente parte do
território da Rússia”. O país é, afinal,
bastante grande, com 11 fusos horários e 5.600 milhas de leste a oeste. O
míssil balístico de alcance intermediário, lembre-se, tem um alcance de menos de
3.420 milhas. Mísseis balísticos intercontinentais atingem mais de 3.000
milhas. De qualquer forma, o The New York Times relata que a
mudança de opinião de Biden sobre os Atacms foi devido ao envio de tropas
norte-coreanas para lutar em Kursk. Existem lá, no momento, cerca de
12.000 norte-coreanos, mas sugere-se que seu número possa eventualmente
aumentar para 100.000. A própria Rússia acumulou um exército de 50.000
soldados, prontos para outra tentativa de recapturar o saliente controlado pela
Ucrânia capturado em agosto.
A
primeira falhou, presumivelmente porque as forças ucranianas rapidamente
cavaram e plantaram dentes de dragão e outras defesas semelhantes. A Rússia
supostamente contra-atacou de frente com tanques e sofreu pesadas perdas. No
entanto, a Ucrânia já perdeu mais de 40% do território que inicialmente havia
tomado dos russos. Em seu auge, as forças ucranianas controlavam
aproximadamente 531 milhas quadradas de território russo, agora reduzido para
aproximadamente 309 milhas quadradas.
Mas
certamente o principal objetivo de Biden com sua decisão sobre o Atacms tem
menos a ver com estoques de munição russos, postos de comando e silos de
combustível e mais com o novo governo Trump. Afinal, embora de uma forma
hiperbólica, o candidato Trump prometeu trazer a paz dentro de 24 horas após
sua eleição. Com exceção de pessoas irremediavelmente estúpidas, ninguém
acreditou nisso por um momento; contudo, é claro que ele tem toda a intenção de
forçar a Ucrânia a se sentar à mesa de negociações e oferecer à Rússia algum
tipo de acordo.
A
determinação do governo Biden sempre foi usar o conflito na Ucrânia como uma
“guerra por procuração para prejudicar a Rússia”; nunca pretendeu ajudar
verdadeiramente a Ucrânia a vencer a guerra. Ora, isso explica por que os
Estados Unidos “não fizeram nada” para promover um cessar-fogo ou acordo de
paz, conforme argumentou a campanha “make America great again”. A escolha de
Trump de Keith Kellogg como enviado especial para tratar do conflito
Ucrânia-Rússia ressalta, portanto, a ideia de que há um desgaste geral: “uma
vez” que o conflito russo-ucraniano “chegou a um impasse e se tornou uma guerra
em situação de impasse, tornou-se interesse da Ucrânia, dos Estados Unidos e do
mundo buscar um cessar-fogo e negociar um acordo de paz com a Rússia”.
Basicamente,
o plano imediato de Trump é congelar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia e
estabelecer uma zona tampão de 800 milhas ao longo da linha de frente
existente. Margus Tsahkna, ministro das Relações Exteriores da Estônia, já
ofereceu “botas no chão” para esse propósito. Mas, estão previstos contingentes
bálticos, polacos, britânicos, neerlandeses e nórdicos para ocupar essa
zona. Tenha em mente, no entanto, que as forças de paz podem não se manter
como tais; eis que elas são de fato constituídas por combatentes que se mantêm
ativos. Com o fim dos combates, as negociações continuarão. Trump – isso é
ventilado – insiste que a Ucrânia terá que ceder a Crimeia à Rússia e, assim,
permitir o livre acesso às águas quentes do Mediterrâneo. Além desse território
em particular, o acordo pode forçar a Ucrânia a conceder todo ou parte do
Donbass. Alternativamente, ela deve permitir a existência de dois oblasts
autônomos dentro da Ucrânia. Zaporizhzhia e Kherson também poderiam ser
cedidas, divididas ou, possivelmente, trocadas em troca do enclave de Kursk.
Também se fala que Trump impedirá a Ucrânia e a Geórgia de ingressar na OTAN,
outra concessão estratégica à Rússia. Um tratado seriamente desigual poderia –
como argumentei em uma série de artigos recentes sob o título de “Notas sobre a Guerra” –
acabar com a deposição de Zelensky por meio de um golpe dos batalhões de Azov.
É possível imaginar o tenente-coronel Denys Prokopenko – também chamado de
camarada ‘Redis’ – marchando sobre Kiev.
Os
golpistas, se bem-sucedidos, acusariam Zelensky de ser um vendido, de ser um
traidor judeu, de não ser um verdadeiro ucraniano. Mas sem poderosos apoiadores
externos, qualquer regime pós-Zelensky não poderia fazer nada sério. Afinal, a
Ucrânia carece de uma indústria de armamento independente. Por exemplo, embora
a Ucrânia possa atualizar os tanques T-72 da era soviética; contudo, mesmo para
isso, ela é fortemente dependente de suprimentos militares ocidentais. Também não se deve descartar, quando se trata
do plano de paz de Trump, o fato de que existe um partido democrata-republicano
em prol da guerra, o qual exerce uma influência poderosa no congresso e senado
americanos: sim, há uma minoria republicana ativa no Congresso que quer guerra
e mais guerra – e não conversa e mais conversa. Essencialmente, o que
une o partido em favor da guerra é o plano de restabelecer a hegemonia global
dos EUA descrito no best-seller de Zbigniew Brzezinski de 1987, O
Grande Tabuleiro de Xadrez. Ao custo de US $ 64,1 bilhões, relativamente
escassos, a Rússia, em quase três anos de “operação militar especial”, chegou
naquilo que é uma versão do século XXI da Frente Ocidental de
1914-18. Trata-se, na verdade, de um atoleiro que até agora custou entre
113.000 e 160.000 vidas russas. E, quanto mais baixas russas, mais os cofres da Rússia são
drenados, mais inflação, mais uma revolução colorida e a instalação de algum
regime neocolonial frouxo se torna possível – é esse pelo menos o raciocínio em
vigor tanto no Pentágono quanto na sede da CIA em Langley, Virgínia. Portanto,
a Ucrânia deve ser forçada a manter o seu compromisso de continuar lutando até
a retirada de todos os soldados russos de cada centímetro do território
pré-2014… uma concepção estratégica dos EUA que serve ao objetivo central de
conter e cercar a China e acabar com sua ascensão “inevitável”.
Lembre-se,
ademais, que Trump não vem apenas com um ramo de oliveira: ele também vem com
um grande porrete. Se o regime Putin e aliados rejeitar seu acordo de paz, isso
acarretará provavelmente um “aumento do apoio dos EUA à Ucrânia”. Assim,
talvez Trump venha a abraçar o plano de vitória de Zelensky em sua
totalidade… isto é, incluindo suas três cláusulas secretas. Elas
implicam, supostamente, no fornecimento de mísseis de cruzeiro subsônicos
Tomahawk com alcance de 1.350-1.550 milhas e, muito mais importante do que
isso, o Ocidente forneceria um forte “pacote de dissuasão”, ainda que não
nuclear. Em outras palavras, embora Trump esteja buscando algum tipo de
acomodação com a Rússia, a alternativa é “ir para a Terceira Guerra Mundial”.
·
A moral é importante
Os
comentaristas neoisolacionistas americanos – com um eco da esquerda crédula,
especialmente aquela pró-Kremlin – admitem teses do seguinte tipo: a invasão
russa está tendo sucesso; a Ucrânia é terrivelmente incapaz; a incursão de
Kursk foi um erro terrível; ela não passou de uma armadilha brilhante de Putin;
Zelensky tolamente desviou tropas vitais da frente de Donbass etc. Desse tipo
são vários colaboradores que participaram de um simpósio sobre a guerra na
Ucrânia organizado pelo Quincy Institute for Responsible Stewardship em meados
de agosto de 2024 – cujos patrocinadores incluem George Soros e a Fundação
Ford. Eis o disseram alguns palestrantes:
Ivan
Eland: “A Ucrânia corre o risco de ser cercada por forças superiores.” Mark
Episkopos: “é improvável que produza qualquer benefício estratégico para a
Ucrânia e exigirá um investimento maciço sustentado ao longo do tempo de tropas
e equipamentos que podem enfraquecer as defesas ucranianas”. Lyle Goldstein:
“Perguntas legítimas podem ser feitas sobre a sabedoria do novo ataque.” Maitra
acrescenta: Isso poderia “encorajar os linhas-duras do governo russo e
dissuadir Putin de pressionar por uma negociação de paz”. Stephen Walt: “um
espetáculo marginal” que “não afetará o resultado da guerra”. John Mearsheimer
também: “um grande erro estratégico, que acelerará a derrota [da Ucrânia]”.
Esse
tipo de avaliação da incursão ucraniana bem-sucedida em Kursk
anda de mãos dadas com a alegação de que os Estados Unidos atingiram seus
limites na Ucrânia. Mas ninguém nos círculos dominantes da Europa, muito menos
nos Estados Unidos, esperava seriamente que a Ucrânia derrotasse a Rússia e
empurrasse suas forças armadas de volta às fronteiras anteriores a 2014. Isso
nunca iria acontecer. Não, nem mesmo obtendo mísseis antitanque Javelin,
tanques de batalha Leopard II, caças F-16 ou mísseis de cruzeiro Atacms. Na
verdade, a expectativa generalizada era de rendição ucraniana em fevereiro de
2022. O equilíbrio nas frentes, mesmo que a Ucrânia esteja no momento recuando,
é, portanto, uma grande vitória, no que diz respeito aos falcões do Ocidente. Além
disso, em Kursk, as forças ucranianas não apenas conseguiram manter a saliência
de Sudzha. Foi a Rússia que foi forçada a desviar recursos preciosos para
expulsá-los. Putin teria estabelecido um prazo de fevereiro de 2025. Se os
atacantes precisam de uma vantagem de 3 a 1 sobre os defensores, isso explica
os 50.000 soldados russos prontos para uma “luta massiva” em Kursk. Também
explica a presença desses 12.000 soldados do Exército do Povo Coreano.
Dito
isso, um colapso ucraniano não pode ser completamente descartado. Não pode ser
rejeitado simplesmente por causa do lento e esmagador avanço russo na Frente
Oriental. Eles capturaram mais de 386 milhas quadradas entre 1º de setembro e 3
de novembro, indicando que o ímpeto russo acelerou marginalmente nos últimos
meses. Não pode também porque a presidência de Trump começa em apenas algumas
semanas e ele está ameaçando cortar o fornecimento de armas a menos que a
Ucrânia aceite uma perda significativa de território soberano. Em consequência,
o moral das tropas deve estar muito baixo. Veja-se: as tropas ucranianas estão
dispostas a morrer por terras que poderiam ser trocadas em algum grande
negócio? Eles acham que ainda podem vencer? E, uma vez que eles estão em menor
número e desarmados, deve haver uma relutância crescente em sair das
trincheiras para algum contra-ataque fútil. Cada vez mais eles desafiam as
ordens gritadas, fogem à noite, recusam-se a voltar das licenças. Outros, talvez,
procurem os “traidores” em Kiev. A expressão mais extrema de perda de moral é a
ocorrência de “motins”, escreve Edgar Jones, do King’s College London… no
caso da brigada Azov, isso seria, ironicamente, uma expressão de seu espírito
de corpo constituinte.
A
moralidade é importante. É muito mais importante do que todos os tanques
Leopard II, F-16 e Atacms combinados. Como Napoleão Bonaparte observou
famosamente: “Na guerra, três quartos giram em torno do caráter e das relações
pessoais; o equilíbrio de forças e equipamentos conta apenas como o quarto
restante.” O teórico militar prussiano Carl von Clausewitz colocou as
“qualidades morais” no centro de seu estudo clássico de 1832, Vom
Kriege (“Na Guerra”). Significativamente, ele escreve que os
componentes físicos da guerra são “pouco mais do que o punho de madeira,
enquanto os fatores morais são o metal precioso, a arma real, a lâmina
finamente afiada”. Não
surpreendentemente, a importância da moralidade há muito é explicitamente
reconhecida nos manuais militares oficiais. Por exemplo, na edição de 1914 dos
regulamentos de serviço de campo do Exército Britânico, está dito que “O
sucesso na guerra depende mais das qualidades morais do que físicas. A
habilidade não pode compensar a falta de coragem, energia e determinação…
Portanto, o desenvolvimento das qualidades morais necessárias é o primeiro dos
objetivos a serem alcançados”.
O
manual prossegue afirmando: “A vantagem numérica no campo de batalha é uma
vantagem indubitável, mas a habilidade, a melhor organização e treinamento e,
acima de tudo, uma determinação de luta bem firme em todas as fileiras para
conquistar a qualquer custo, são os principais fatores de sucesso. [E] a falta
de determinação é a fonte mais segura de derrota. ” Ele também observa que o
ponto de virada de uma batalha é alcançado quando o inimigo está “moral e
fisicamente exausto”. No entanto, não há
dúvida de que o soldado ucraniano médio é mais motivado por considerações
morais do que o soldado russo médio. Eles, ou seja, os ucranianos de língua
ucraniana, estão lutando por sua pátria, seu direito à autodeterminação, sua
honra patriótica, sua família, seus amigos, seus filhos, suas antigas
tradições. Enfrentam um invasor estrangeiro que nega sua própria existência
nacional e já invadiu cerca de 20% do país. Apesar do aumento do número de
mortos, quedas de energia, dificuldade em recrutar novos recrutas e desertar
soldados, um colapso ucraniano é improvável… a menos que seja decidido desafiar
as determinações de Trump.
E
os soldados russos? Pelo que eles estão lutando? Por uma Rússia maior? Pela
desnazificação da Ucrânia? Contra a expansão da OTAN para o leste? Dificilmente
vale uma vida… talvez seja por isso que os recrutas estão oficialmente isentos
de servir na Ucrânia. No entanto, a Rússia está cada vez mais se voltando para
tropas profissionais para seus combates. É-lhes oferecido: três anos de
serviço, alimentação e cama e muitos benefícios adicionais, além de um salário
mensal de 200.000 rublos (cerca de £ 1.500). Bons salários para a Rússia,
especialmente naqueles “oblast” mais pobres, de onde vem a maioria dos
recrutas. Naturalmente, há uma
grande probabilidade de que não sobrevivam. Nesse caso, a Rússia fornece um
pagamento póstumo no valor de 11 milhões de rublos às famílias. Quanto à carne
de canhão da Coreia do Norte, eles devem estar apavorados. Eles estão prestes a
alimentar o moedor de carne para a glória do Grande Sucessor!
Quando
se trata da guerra na Ucrânia, muitos comentários se concentram nos componentes
puramente físicos: homens destacados; números de mortos, capturados e feridos;
produção de projéteis de artilharia; capacidades de mísseis; suprimentos de
caças; gasodutos; redes elétricas. É fácil perceber, portanto, por que tantas
vezes se chega à mesma conclusão: a Ucrânia deve perder. Claro, é preciso ficar
claro que tal avaliação ignora o fato fundamental de que a Ucrânia está
travando uma guerra interposta em nome da OTAN e dos Estados Unidos pela
hegemonia global. Ora, a questão da moralidade raramente é tratada com a
seriedade que merece. O fato é que, embora o moral das tropas ucranianas esteja
certamente baixo no presente momento, o moral das tropas russas provavelmente
está também muito baixo. Suas vidas são desperdiçadas em escala colossal em
ataques de ondas humanas criminosamente irresponsáveis. A disciplina é brutal.
A comida é horrível. A corrupção nos escalões mais altos é galopante. Por suas
próprias razões óbvias, as autoridades militares ucranianas distribuíram um
relatório capturado na região de Kursk em agosto, que pinta um quadro vívido do
moral entre as tropas russas. Ele cita o exemplo de um soldado que cometeu
suicídio em janeiro deste ano. Ele teve, segundo o relatório, “um colapso
nervoso e psicológico, causado por seu prolongado estado de depressão devido ao
seu serviço no exército russo”.
Os
comandantes da unidade foram instruídos a garantir que os soldados tivessem
acesso à mídia estatal russa à sua disposição diariamente para manter sua
“condição psicológica”. Em um documento sem data e datilografado, vieram mais
instruções sobre como manter o moral, pedindo que os soldados recebessem de 5 a
10 minutos por dia, bem como uma hora por semana de instrução política, “com o
objetivo de manter e elevar a condição política, moral e psicológica do
pessoal”. A politização das tropas visa
fazer com que as ordens sejam seguidas. Não é impossível que as tropas se
imponham aos oficiais subalternos e aos suboficiais e elejam os seus próprios
comissários políticos. Muitos soldados da linha de frente terão pais e avós com
um conhecimento elementar dos escritos de Marx, Engels e, acima de tudo, Lenin.
Certamente há uma memória coletiva de como a guerra imperialista se transformou
em uma revolução em 1917. Sabemos que esse medo assombra palpavelmente os
níveis superiores na Ucrânia e na Rússia. O reconhecimento visceral de que os
soldados têm mais em comum uns com os outros do que com seus governantes, os
oligarcas acumuladores e políticos corruptos em Kiev e Moscou, certamente já
existe. De fato, longe dos intensos combates em torno desta ou daquela cidade
ou vila da linha de frente, tréguas não oficiais são sem dúvida observadas nas
trincheiras e buracos de gelo cheios de água, enquanto os soldados cumprem
aquele velho ditado de “viva e deixe viver”… Daí para a confraternização é
apenas um passo.
·
Oriente médio
Alguns
na esquerda não querem ver como a guerra na Ucrânia “poderia desencadear a
Terceira Guerra Mundial”. Com a Rússia possuindo 5.580 ogivas nucleares… e ameaçando
usá-los contra a OTAN na nova doutrina de Putin, tal opinião é difícil de ser
sustentada. Afinal, os Estados Unidos têm seu próprio arsenal de 5.044 ogivas
nucleares e um orçamento militar que excede seus seis ou sete aliados e rivais
mais próximos. Depois, há a Grã-Bretanha (225 ogivas nucleares) e a França (290
ogivas nucleares), ambas presas à aliança da OTAN dominada pelos EUA. Além
disso, a Rússia tem uma amizade “eterna” com a China, um país que tem a segunda
maior economia do mundo e seu terceiro maior estoque de ogivas nucleares
(500). E, como argumentamos repetidamente – e demonstramos citando
inúmeras fontes confiáveis – o principal alvo dos EUA para atolar a Rússia no
extenuante lamaçal ucraniano é a China, seu único rival sério. Certamente uma
receita para a Terceira Guerra Mundial.
Em
vez disso, somos informados de que, embora a guerra Rússia-Ucrânia possa se
transformar em uma guerra Rússia-OTAN completa, o “verdadeiro gatilho” para uma
Terceira Guerra Mundial pode ser uma escalada no Oriente Médio. Por exemplo,
“Com a intensificação e extensão da guerra de Israel contra Gaza e o Líbano,
apoiada pelo imperialismo liderado pelos EUA e totalmente apoiada pelos
governos britânicos e outros governos capitalistas, há um claro perigo de uma
Terceira Guerra Mundial (nuclear)”.
No
Oriente Médio há apenas uma potência com armas nucleares: Israel. Embora não
admita ou negue oficialmente a existência de seu arsenal nuclear, esse país
segue uma estratégia de “ambiguidade deliberada”, recusa-se a assinar o tratado
de não proliferação, que permitiria a inspeção periódica da Agência
Internacional de Energia Atômica. Apesar disso, considera-se que Israel tenha
entre 90 e 400 ogivas nucleares, que podem ser lançadas por terra, mar e ar. Israel pode tentar destruir as instalações
nucleares do Irã, que produziram já urânio suficiente para esse tipo de arma.
Israel, é bom lembrar, lançou ataques militares “cirúrgicos” contra o Iraque
(1981) e a Síria (2007). No entanto, nem a Operação Opera nem a Operação Out of
the Box desencadearam uma guerra mundial, ou mesmo uma guerra regional.
Se
algo assim acontecer em 2025 ou 2026 não se espere um lance fatal: as chances
de Israel usar armas nucleares para eliminar as instalações nucleares do Irã
permanecem zero. As suas armas nucleares estão lá para dissuadir. Tal como o
fez no Iraque e na Síria, Israel usaria mísseis e bombas convencionais.
Contudo, neste caso, terá de empregar bombas muito poderosas e de precisão para
destruir bunkers. O Irã construiu suas instalações nucleares mais valiosas no
subsolo e as cobriu com espessas camadas de cimento e aço. Portanto, algo
semelhante ou talvez o próprio Massive Ordnance Penetrator da América seria
necessário, junto com o tipo de aeronave capaz de lançar tal carga útil: essa
arma estratégica pesa 30.000 libras (muito mais do que o que é transportável
pelos F-16 e F-35 de Israel). No entanto, um bombardeiro furtivo B2 poderia
fazer o trabalho… e talvez Trump venha a concordar com um acordo de empréstimo
e arrendamento para o avião. De qualquer forma, Israel não travaria tal guerra
contra o Irã: certamente não haverá invasão. Não, Israel procuraria degradar
estrategicamente o Irã… e isso só poderia ser feito com a aprovação implícita
dos Estados Unidos ou, até mesmo, mediante a sua participação direta. Por
exemplo, um ataque “preventivo” israelense inicial seguido por uma retaliação
iraniana, que, por sua vez, provoca bombardeios extensivos e intensivos dos EUA
para evitar um segundo holocausto. E essa parece ser a receita que será
empregada. Nem a Rússia nem a China, nessas circunstâncias ou em circunstâncias
semelhantes, correriam em socorro do Irã. Eles não vão – repito – eles não vão
entrar em guerra com Israel por causa de um ataque ao Irã. Nem, para dizer o
óbvio, qualquer outra potência nuclear (Índia, Paquistão, Coréia do Norte).
Atacar Israel, afinal, seria atacar os Estados Unidos. Haveria protestos
diplomáticos… mas pouco mais do que isso. A liga árabe pode muito bem reagir de
maneira completamente diferente. No entanto, isso é outra história.
Fonte:
Por Jack Conrad, pseudônimo de John Chamberlain,no por Sin Permiso, com
tradução de Eleutério F. S. Prado, em A Terra é Redonda
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