segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Guilherme Mazieiro: Cérebro da gestão Bolsonaro, Braga Netto comandou crise de covid, reeleição e golpe

A Polícia Federal prendeu neste sábado, 14, o homem forte do governo Jair Bolsonaro (PL), general Walter Braga Netto (PL). Indiciado por tentativa de golpe de Estado, o militar foi o cérebro do governo passado. Sobre sua mesa correram decisões institucionais e ilegais que serão contadas nos livros de História do Brasil. 

Ele é o primeiro general de quatro estrelas preso na história do Brasil - posto mais alto na carreira - e ficará preso no mesmo pelotão que comandou em 2016, Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro.

Como ministro da Casa Civil, comandou e decidiu sobre compra de vacinas, a crise de oxigênio em Manaus e importação de cloroquina. No comando do Ministério da Defesa, a participação do Exército no processo eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como político filiado ao PL, foi vice na chapa de reeleição de Bolsonaro e um dos coordenadores da campanha com os partidos do centrão, PP e Republicanos. 

Nas tramas ilegais em que esteve à frente, como mostra a Polícia Federal, foi quem aprovou, em reunião no dia 12 de dezembro de 2022, na sua casa em Brasília, o plano para matar Lula (PT), Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes, pressionou generais para aderirem ao golpe que ele coordenou e estruturou.

As investigações mostraram que em arquivos guardados na sede do PL, na mesa do seu braço direito, o coronel Flávio Peregrino, havia um roteiro com detalhes do passo a passo para concretizar o golpe, a transição e a efetiva estabilização do novo governo ilegal.

No inquérito do golpe militar, a PF destaca que ele teve "participação concreta" na tentativa de golpe. Junto do general Augusto Heleno, seria o coordenador de um gabinete de crise ligado à Presidência a fim de realizar novas eleições.

A investigação apontou que naquele dezembro de 2022, Braga Netto participou de uma ofensiva para pressionar os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano. A estratégia de "milícia digital" além de pressionar, xingou colegas e familiares dos fardados. E isso, mais do que as ilegalidades golpistas, criou alguma indisposição com seus pares.

Mas o que deu condições para a prisão do poderoso político e militar Braga Netto? Segundo nota da PF na manhã deste sábado, o general estaria atrapalhando a livre produção de provas durante a instrução processual penal. Mas um ponto nessa história é importante, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, em fevereiro de 2023, que determinou que qualquer pessoa - militar ou não - envolvida no 8/1 seria investigada pela Polícia Federal e julgada no Supremo, não na Justiça Militar.

À época, em conversas com a cúpula da PF, ouvi que essa decisão era fundamental para autonomia da investigação e que a lei chegaria a quem quer que fosse, seja um criminoso de farda ou não.

Por ser peça chave no plano de golpe e não ter sido preso, não foi surpresa para o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, a pergunta feita por jornalistas durante um café da manhã no dia 4 de dezembro deste ano: “Por que o general Braga Netto não foi preso?”

“É muito oportuna essa pergunta. Porque a gente não age com emoção, por deleite, por vontade individual, a gente age com a Constituição e com a lei. É importante reler a representação que ensejou as prisões [dos militares envolvidos no plano de assassinato de Lula], ali estão os fundamentos técnicos e jurídicos para as prisões e na leitura da investigação, não eram aplicáveis a este cidadão", nos respondeu Rodrigues. 

Passados dez dias dessa resposta, o contexto dos fatos parece ser outro e o militar chega na prisão. Braga Netto nega os crimes apontados no indiciamento e se diz perseguido. Sobre a prisão deste sábado, a defesa não tinha se manifestado até às 10h.

<><> Das fileiras do Exército ao comando da Casa Civil

O militar de carreira brilhante na caserna já tinha passado próximo ao poder quando, em 1997, se tornou assessor da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, na estruturação e implantação do Sistema de Proteção da Amazônia, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Mas é em 2013 que começa a transitar por assuntos de interesse nacional para além da competência das fardas. 

A partir do governo Dilma Rousseff (PT) se dividiu entre a coordenação de postos estratégicos na organização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio e comando de unidades do Exército. O grande passo para a política aconteceu em 2018, no governo Michel Temer (MDB), quando se tornou interventor federal na Área de Segurança Pública no Rio de Janeiro, praticamente um governador sem ter nenhum voto.

Coincidentemente, Braga Netto esteve envolvido nas ações de organização dos Jogos do Rio quando Alexandre de Moraes era ministro da Justiça do governo federal e Andrei Passos Rodrigues era Secretário Extraordinário de Segurança para Grandes Eventos. Veja os rumos que a História toma.

O general passou à chefia do Estado-Maior do Exército, já no governo Jair Bolsonaro (PL) em 2019. Foi chamado para ser ministro da Casa Civil ainda como militar da ativa em fevereiro de 2020. Passou à reserva às pressas para ser a sombra da Presidência e coordenar os demais ministérios.

Além do destaque que a função tem, Braga Netto se empoderou ainda mais ao ser designado como centralizador na gestão da pandemia. Ele se tornou chefe do Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise da Covid-19 poucas semanas após tomar posse. 

Quando alguém falar das negociações sobre vacina, cloroquina, falta de oxigênio, demora e desprezo institucional para atender às 700 mil pessoas que morreram, se lembre que quem coordenava isso tudo era Braga Netto. Contei detalhadamente o papel de Braga Netto na gestão da pandemia e por que se safou de ir à CPI da Covid nesta reportagem no The Intercept Brasil.

Com o avanço do centrão no governo Bolsonaro e o arranjo para coligação que tentaria a reeleição, o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), assumiu a Casa Civil. Braga Netto mudou de endereço para ocupar o Ministério da Defesa, nomeado em 31 de março de 2021, data de aniversário do golpe militar de 1964.

O cérebro do governo Jair Bolsonaro foi preso em um dia 14 de dezembro, data do aniversário de Dilma Rousseff (PT), que fora presa e torturada pela Ditadura Militar (1964-1985) que Braga Netto saudava. E um dia após o aniversário do AI-5, ato mais gravoso da Ditadura. Dessa história toda, a única coincidência está nas datas que citei neste parágrafo. O restante, caberá a Braga Netto e seus advogados explicarem.

 

¨      Como funcionava a organização que planejou golpe e qual a participação de Braga Netto, segundo a PF

Um grupo extremamente organizado, com tarefas bem definidas e estruturada em pelo menos seis núcleos. Era assim que, segundo a Polícia Federal (PF), funcionava a organização criminosa da qual faria parte o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 39 pessoas, incluindo o general da reserva Walter Braga Netto, preso neste sábado (14/12).

Segundo a Polícia Federal, o grupo planejava dar um golpe de Estado após a derrota nas eleições presidenciais de 2022, quando Bolsonaro perdeu para o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022 e ministro da Casa Civil e da Defesa do ex-presidente, foi um dos indiciados em novembro no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder. Braga Netto nega as acusações de que é alvo no inquérito. A defesa do militar divulgou nota oficial após a prisão dele no sábado, afirmando que "se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos" e que acredita que terá "oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução às investigações".

Em suas investigações, a PF indicou "participação concreta" de Braga Netto na tentativa de golpe. O general da reserva é um dos personagens mais mencionados no relatório de 884 páginas da Operação Contragolpe. O militar foi citado 98 vezes.

O ex-ministro da Defesa teria chefiado com Augusto Heleno um suposto gabinete de crise que seria instaurado após a execução do plano a fim de realizar novas eleições. Ele também teria participado da elaboração dos planos golpistas e, inclusive, realizado uma reunião sobre o tema em sua residência em Brasília.

Conforme o relatório, Braga Netto teria aprovado o planejamento operacional do golpe em uma reunião realizada em sua casa em 12 de novembro de 2022. O encontro contou com a presença de militares como o tenente-coronel do Exército e então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. Braga Netto e o general Augusto Heleno chefiariam um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe. A função do gabinete seria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para conquistar apoio nacional e internacional.

O documento afirma também que, em dezembro de 2022, Braga Netto teria participado de uma ofensiva para pressionar os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano. A prisão preventiva do general Braga Netto neste sábado foi determinada por uma decisão do ministro Alexandre de Moraes do STF. Segundo a decisão, que teve seu sigilo levantado, o ex-ministro teria tentado obter dados sigilosos dos depoimentos prestado à Polícia Federal "com a finalidade de obstruir as investigações". Na tarde do sábado, Braga Netto participou, por videoconferência, de uma audiência de custódia com um juiz instrutor do STF, onde corre a investigação. Após o procedimento de rotina, a prisão preventiva foi mantida.

<><> Os seis núcleos

O grupo foi indiciado em novembro pela Polícia Federal e o sigilo do relatório foi derrubado pouco depois. O documento detalhou a preparação e as intenções dos grupos que, segundo a PF atuaram por um golpe de Estado. O indiciamento é a etapa na qual a Polícia Federal encaminha o resultado de suas investigações à Justiça, no caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). O relatório foi enviado à Procuradoria Geral da República (PGR) que pode solicitar novas informações ou decidir se denuncia ou não as pessoas indiciadas. Após a apresentação da denúncia, caberá ao STF decidir se a aceita ou não. Caso a denúncias seja aceita, Bolsonaro e os demais virarão réus.

Ainda de acordo com a PF, "os investigados se estruturaram por meio de divisão de tarefas, o que permitiu a individualização das condutas".

A estrutura da organização era dividida em seis núcleos:

# Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;

# Núcleo de Incitação Militar;

# Núcleo Jurídico;

# Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;

# Núcleo de Inteligência Paralela;

# Núcleo de Oficiais de Alta Patente e Apoio (nomeado anteriormente como Núcleo para Cumprimento de Medidas Coercitivas).

O grupo foi indiciado por três crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. As penas variam de três a 12 anos de prisão.

A BBC News Brasil analisou documentos já divulgados referentes à investigação e mostra, com base em relatórios divulgados ao longo de 2023 e 2024, quais foram os núcleos identificados e quem fazia parte deles. Houve mudanças na nomenclatura de alguns deles, mas a estrutura é bastante semelhante à identificada no início do ano. Como os documentos analisados são do início do ano e na época Bolsonaro ainda não havia sido indiciado, a estrutura abaixo não aponta, ainda, qual seria o papel de Bolsonaro na organização. O retrato da organização abaixo é baseado na Operação Tempus Veriatis, de fevereiro deste ano.

Confira como funcionava e quem fazia parte de cada núcleo, segundo a PF. E aqui, veja como os indiciados se manifestaram sobre o caso até agora.

<><> Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral

De acordo com a Polícia Federal, a função deste núcleo era produzir, divulgar e amplificar notícias falsas sobre a lisura das eleições presidenciais de 2022 com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem em frente a quartéis e instalações militares para criar um um ambiente "propício para o Golpe de Estado".

De acordo com a PF, os integrantes desse núcleo eram: o tenente-coronel do Exército e então ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, o então ministro da Justiça Anderson Torres, Ângelo Martins Denicoli, Fernando Cerimedo, Eder Lindsay Magalhães Balbino, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida, Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, e o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud Tomaz.

Lançar dúvidas sobre o processo eleitoral parecia ser uma estratégia fundamental para manter a militância mobilizada. Desde que assumiu o poder, Bolsonaro e seu grupo fizeram críticas sem provas sobre a suposta vulnerabilidade as urnas eletrônicas e chegaram a propor a adoção do voto impresso. Um dos pontos altos dessa estratégia foi a convocação de uma reunião entre Bolsonaro e embaixadores de países estrangeiros na qual o então presidente voltou a lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral do país. Por conta desta reunião, Bolsonaro acabou sendo condenado pelo suposto abuso do poder político em processo que tramitou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Deste núcleo, todos, exceto Eder Lindsay Magalhães Balbino, foram indiciados.

<><> Núcleo de Incitação Militar

A PF diz que este núcleo tinha a função de eleger alvos para amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam aos supostos planos golpistas. Esses ataques, segundo a PF, eram realizados a partir da difusão de conteúdo que pusesse pressão sobre militares que hesitavam ou se mostravam contrários ao suposto plano golpista. Ainda de acordo com a PF, os integrantes deste núcleo eram: o general da reserva e ex-ministro da Casa Civil Walter Souza Braga Netto, o jornalista Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Ailton Gonçalves Moraes Barros, Bernardo Romão Correa Neto e Mauro Cid.

Um exemplo elencado pelas investigações da Polícia Federal aconteceu após as eleições de 2022 quando o jornalista Paulo Figueiredo teria recebido informações de outros integrantes do núcleo com os nomes de oficiais que estariam resistindo a aderir ao suposto golpe. Após receber essas informações, Figueiredo teria divulgado, um programa de rádio, os nomes destes militares. Os integrantes deste núcleo identificados pela PF foram indiciados.

<><> Núcleo Jurídico

O chamado "núcleo jurídico" era responsável, segundo a PF, por elaborar minutas de decretos com fundamentação supostamente legal para atender aos interesses do grupo. Esse teria sido, de acordo com as investigações, o núcleo responsável por elaborar a chamada "minuta do golpe", um documento cujo rascunho foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e que previa a decretação de medidas de exceção como o Estado de Sítio como forma de evitar a transferência do poder ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com as investigações, os integrantes deste núcleo eram: o ex-assessor para assuntos internacionais de Jair Bolsonaro Filipe Garcia Martins Pereira, Anderson Torres, Amauri Feres Saad, José Eduardo de Oliveira e Silva e Mauro Cid. Todos os integrantes deste núcleo foram indiciados.

<><> Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas

Os investigadores da PF afirmam que este núcleo realizava e participava de reuniões para planejar e executar ações destinadas a manter as manifestações em frente aos quartéis. Isso incluiria a mobilização, organização logística e financiamento de militares das forças especiais em Brasília. Esse núcleo era considerado estratégico uma vez que a manutenção das manifestações em frente aos quartéis após a vitória de Lula era vista como um elemento de pressão para que outros militares e setores da sociedade aderissem à suposta trama golpista. Os integrantes do grupo, segundo a PF, eram: Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Bernardo Romão Correa Neto, Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Alex de Araújo Rodrigues e Cleverson Ney Magalhães. Deste núcleo, Alex de Araújo Rodrigues não foi indiciado.

<><> Núcleo de Inteligência Paralela

De acordo com as investigações, este núcleo era responsável por auxiliar a tomada de decisões do então presidente Jair Bolsonaro em relação ao plano de golpe de Estado. O grupo era o monitoramento de itinerários, deslocamentos e localização do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que à época presidia o TSE, além de outras autoridades. Um dos objetivos do grupo seria capturar Moraes e outras figuras políticas contrárias à ruptura democrática assim que Bolsonaro assinasse um decreto que viabilizasse o golpe de Estado. Segundo a PF, os integrantes deste núcleo eram: Augusto Heleno, Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e Mauro Cid. O grupo desenvolveu, segundo a Polícia Federal, “diversas ações clandestinas, utilizando, de forma ilícita, órgãos do Estado brasileiro, com a finalidade de consumar o golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder”.

<><> Núcleo de Oficiais de Alta Patente e Apoio

Ele era formado por militares de alta patente com o objetivo de influenciar e incitar apoio aos demais núcleos por meio do endosso às ações que estavam sendo tomadas para consumar o suposto golpe de Estado. Segundo a PF, os integrantes deste núcleo eram: Walter Souza Braga Netto, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o general da reserva Mário Fernandes, o general Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio e o ex-ministro da Defesa e general da reserva Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Ainda de acordo com as investigações, caberia a este núcleo dar suporte e executar ações como o sequestro do ministro Alexandre de Moraes. A tarefa seria responsabilidade de militares Forças Especiais do Exército, os chamados "kids pretos", que à época ficavam subordinadas ao general Theophilo. Segundo relatório da Polícia Federal, o general da reserva Mário Fernandes é citado por Mauro Cid como "um dos mais radicais e sendo apontado como uma das pessoas acionadas para tentar convencer o então Comandante do Comando de Operações Especiais (CopEsp), General Carlos Alberto Rodrigues Pimentel a aderir ao Golpe de Estado".

 

Fonte: Portal Terra/BBC News Brasil

 

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