terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Fim do regime de Assad na Síria mudará equilíbrio de poder da região

queda do presidente da Síria, Bashar al-Assad, era algo quase impensável há apenas uma semana, quando os rebeldes começaram sua surpreendente campanha contra o regime partindo da sua base em Idlib, no noroeste da Síria.

Este é um ponto de virada para a Síria. Assad chegou ao poder em 2000 após a morte de seu pai Hafez, que governou o país por 29 anos com punho de ferro. O mesmo estilo foi adotado por Assad.

O jovem Assad herdou uma estrutura política rigidamente controlada e repressiva, onde a oposição não era tolerada.

No início, havia esperanças de que ele pudesse ser diferente — mais aberto, menos brutal. Mas isso durou pouco.

Assad será sempre lembrado como o homem que reprimiu violentamente protestos pacíficos contra seu regime em 2011, o que levou a uma guerra civil. Mais de meio milhão de pessoas foram mortas, seis milhões de outras se tornaram refugiadas.

Com a ajuda da Rússia e do Irã, ele esmagou os rebeldes e sobreviveu. A Rússia usou seu formidável poderio aéreo, o Irã enviou conselheiros militares para a Síria e o Hezbollah, a milícia no vizinho Líbano, mobilizou seus combatentes bem treinados.

Essa ajuda não veio dessa vez.

Seus aliados, preocupados com seus próprios assuntos, na prático o abandonaram. Sem a ajuda deles, suas tropas foram incapazes — e, em alguns lugares, aparentemente não estavam dispostas — de deter os rebeldes, liderados pelo grupo militante islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS).

Primeiro, o HTS tomou Aleppo, a segunda maior cidade do país, na semana passada, quase sem resistência. Depois Hama. E dias depois, a estratégica cidade de Homs, isolando Damasco. Em questão de horas, eles entraram na capital, a sede do poder de Assad.

O fim do regime de cinco décadas comandando pela família Assad mudará o equilíbrio de poder na região.

O Irã, mais uma vez, está vendo sua influência sofrer um revés significativo. A Síria sob Assad era parte da conexão entre os iranianos e o Hezbollah no Líbano, e foi fundamental para a transferência de armas e munições para o grupo.

O próprio Hezbollah foi severamente enfraquecido após sua guerra de um ano com Israel e seu futuro é incerto.

Outra facção apoiada pelo Irã, os Houthis no Iêmen, foram repetidamente alvos de ataques aéreos. Todas essas facções, mais as milícias no Iraque e o Hamas em Gaza, formam o que Teerã descreve como o Eixo da Resistência, que agora foi gravemente atingido.

Este novo quadro será celebrado em Israel, onde o Irã é visto como uma ameaça existencial.

Muitos acreditam que esta ofensiva não poderia ter acontecido sem a bênção da Turquia. A Turquia, que apoia alguns dos rebeldes na Síria, negou apoiar o HTS.

Por algum tempo, o presidente Recep Tayyip Erdogan pressionou Assad a se envolver em negociações para encontrar uma solução diplomática para o conflito que pudesse permitir o retorno dos refugiados sírios.

Pelo menos três milhões deles estão na Turquia, e esta é uma questão sensível localmente.

Mas Assad se recusou a fazê-lo.

Muitas pessoas estão felizes em ver Assad partir.

Mas o que acontece agora? O HTS tem suas raízes na Al-Qaeda e um passado violento.

Eles passaram os últimos anos tentando se reinventar como uma força nacionalista, e suas mensagens recentes têm um tom diplomático e conciliatório.

Mas muitos não estão convencidos e estão preocupados com o que os rebeldes podem estar planejando fazer depois de derrubar o regime.

Ao mesmo tempo, as mudanças dramáticas podem levar a um perigoso vácuo de poder e, eventualmente, resultar em caos e ainda mais violência.

 

¨      Como o mundo reage ao fim do regime de Assad na Síria

O surpreendente e repentino fim da ditadura de Bashar al-Assad na Síria, anunciado por rebeldes islamistas neste domingo (08/12) após uma campanha que durou menos de duas semanas, é observado com atenção por todo o mundo.

Ainda não se sabe se a queda de Assad, festejada por muitos sírios mundo afora, significa de fato o fim de uma sangrenta guerra civil que durou quase 14 anos, deixou mais de 500 mil mortos e forçou a fuga de quase a metade de seus 23 milhões de habitantes, muitos deles vivendo hoje no exterior.

O paradeiro de Assad, cuja família comandou a Síria com mão de ferro por mais de 50 anos, ainda é incerto. A Rússia, aliada do regime, afirma que ele deixou o país. Citando fontes do governo, veículos russos afirmam que o ditador e sua família estão em Moscou – mais cedo, haviam circulado registros de radar mostrando uma aeronave que decolou de Damasco, sede do governo, e que teria sido possivelmente abatida no entorno de Homs.

<><> Rússia e Irã, aliados de Assad

Durante muitos anos na guerra civil, Assad dependeu da ajuda de aliados para conter os rebeldes. Aviões de guerra russos conduziram bombardeios, enquanto o Irã enviou tropas aliadas, incluindo o Hezbollah libanês e milícias iraquianas, para reforçar o Exército sírio e atacar redutos insurgentes.

Irã afirmou por meio de seu Ministério do Exterior respeitar a unidade e soberania nacional da Síria e pediu o "rápido fim de conflitos militares, a prevenção de atos terroristas e o início do diálogo nacional" com todos os setores da sociedade síria. Também disse esperar a continuidade das relações "duradouras e amigáveis" entre os dois países.

Já o Ministério do Exterior russo declarou que Assad deixou a Síria após instruir seus emissários a organizar uma transição de poder pacífica, mas frisou não ter participado das negociações para a saída do ditador.

Rússia tem bases militares naval e aérea na Síria, e afirma que elas estão em alerta, mas negou que estejam sob ameaça.

O Kremlin opera a base aérea de Hmeimim na província de Latakia, que já foi usada para lançar ataques aéreos contra rebeldes, e mantém uma instalação naval em Tartus, na costa síria. 

Tartus é o único ponto russo de reparo e reabastecimento no Mediterrâneo, além de servir como um ponto estratégico para o transporte de militares russos de e para a África – daí, segundo analistas, a importância da base para a estratégia de influência russa no Oriente Médio, no Mediterrâneo e na África.

O Kremlin diz estar em contato com todos os grupos de oposição na Síria e conclama todos os lados a não praticarem atos de violência. O país também moderou sua retórica, deixando de usar o termo "terroristas" para se referir aos rebeldes.

<><> Israel comemora queda de Assad, mas parece apreensiva com rebeldes

A Síria de Assad era parte do chamado Eixo da Resistência, grupo de países hostis a Israel. O governo do premiê israelense Benjamin Netanyahu comemorou a queda do ditador, atribuindo-a aos ataques israelenses ao Hezbollah no Líbano e ao Irã e dizendo-se interessado em uma política de "boa vizinhança".

Por outro lado, Tel Aviv também parece acompanhar a movimentação dos rebeldes com alguma apreensão.

Segundo observadores sírios, forças israelenses também teriam atacado neste domingo bases do Exército sírio no entorno de Damasco e em províncias no sul do país. Esses ataques, segundo o jornal The Jerusalem Post, seriam motivados pelo temor de que essas armas possam cair nas mãos dos rebeldes.

O Exército israelense também avançou neste domingo sobre a zona tampão nas Colinas de Golã, na fronteira com a Síria, uma área onde durante 50 anos apenas soldados em missão de paz da ONU eram permitidos. Israel, contudo, argumenta que o tratado perdeu validade diante da retirada das tropas sírias e diz agir em nome da segurança de seus próprios cidadãos.

A região foi anexada por Israel em 1967 durante a Guerra Árabe-Israelense. Com exceção dos Estados Unidos, a comunidade internacional considera a anexação ilegal.

"Não permitiremos que nenhuma força hostil se estabeleça em nossa fronteira", disse Netanyahu.

<><> Estados Unidos: Trump rejeita envolvimento

Os Estados Unidos têm apoiado forças curdas no norte do país, na fronteira com a Turquia, que rivalizam com os rebeldes que depuseram Assad e com o Estado Islâmico.

O presidente eleito Donald Trump, porém, declarou no sábado à noite que seu país não deveria se envolver no conflito, e sim "deixar as coisas seguirem seu curso".

Segundo a agência de notícias Reuters, rebeldes apoiados pela Turquia estariam tomando neste domingo posições das forças curdas no norte do país.

No domingo, Trump disse que Assad caiu por ter sido abandonado pela Rússia. "Para começo de conversa, não havia razão para a Rússia estar lá", escreveu o republicano na rede social Truth Social. "Eles perderam todo o interesse na Síria por causa da Ucrânia [...], uma guerra que nunca deveria ter começado, e que pode durar para sempre", acrescentou, antes de apelar a Vladimir Putin por um cessar-fogo.

Representando o governo em fins de mandato de Joe Biden, um funcionário do Pentágono assegurou que os EUA continuarão mantendo "sua presença no leste da Síria e adotar as medidas necessárias para prevenir o ressurgimento do Estado Islâmico".

<><> Turquia celebra deposição, mas pede cautela

Turquia, que apoia os rebeldes anti-Assad e abriga a maior parte dos refugiados sírios, frisou – no que soou como uma advertência aos curdos na fronteira com a Síria – que "não se deve permitir que organizações terroristas tirem vantagem da situação".

Celebrando a deposição de Assad como um sinal de "esperança", o governo em Ancara afirma que a Síria chegou a um estágio em que o povo moldará o futuro de seu país, mas que não têm como dar conta da tarefa sozinhos, e pediu a união de grupos de oposição.

"Uma nova administração síria precisa ser estabelecida de forma inclusiva. Não deve haver desejo de vingança. A Turquia conclama todos os atores a agir com prudência e cautela", disse o ministro do Exterior turco, Hakan Fidan. "Nós trabalharemos pela estabilidade e segurança na Síria."

<><> A reação em outros países da região

O governo iraquiano, que por muitos anos se viu às voltas com o Estado Islâmico durante a guerra civil síria, disse que acompanhava os eventos no país vizinho com atenção e reafirmou a importância de não interferir em assuntos internos da Síria ou apoiar um lado em detrimento de outro.

A Jordânia, que faz fronteira com o sul da Síria, pediu que se evite qualquer conflito que possa levar ao caos. O rei Abdullah disse que seu país respeita as escolhas do povo sírio. Mensagem semelhante foi emitida pelo Egito, que disse apoiar a soberania e unidade síria.

O Catar voltou a pedir o fim da crise na Síria, com um cessar-fogo e transição política pacífica, e disse observar os eventos no país árabe com interesse. O país é uma das poucas nações árabes que não reconheceu o governo de Assad.

Porta-voz do Ministério do Exterior catari, Majed al-Ansari disse que os países árabes estavam aliviados pela troca limitada de hostilidades na Síria, já que isso facilita a mediação por parte de atores internacionais, e destacou com otimismo que as "instituições estatais seguem intactas, policiamento, água e eletricidade seguem intactas".

"É encorajador que as instituições de governo mantenham suas funções", afirmou ao jornal britânico The Guardian, ressaltando que não há necessidade de derramamento de sangue. "Nenhum grupo, partido ou denominação religiosa deveria se sentir inseguro ou excluído do futuro da Síria."

"Sabemos realisticamente que há muitos desafios. Há muitos militantes na região e existe a possibilidade de a Síria se tornar um Estado fracassado", admitiu al-Ansari, frisando que ainda há incerteza sobre qual é a correlação de forças atual no país.

A Arábia Saudita diz estar em contato com todos os atores regionais na Síria e disposta a fazer o possível para evitar um "resultado caótico para o país".

Já o Afeganistão, que é governado pelos radicais do Talibã, parabenizou "a liderança do movimento e o povo da Síria", citando nominalmente a milícia islamista Hayat Tahrir al-Sham (Organização pela Libertação do Levante, ou HTS) pela "remoção de fatores que contribuíam para o conflito e a instabilidade".

"Esperamos que as fases restantes da revolução sejam gerenciadas de forma efetiva para estabelecer um sistema de governança pacífico, unificado e estável", declarou o Ministério do Exterior afegão.

<><> A reação na Europa

A ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, cobrou punição para Assad pelos crimes cometidos contra a população síria durante a guerra civil, pediu atenção para que o país não caia nas mãos de radicais e apelou a todas as partes para que protejam minorias étnicas e religiosas, criando um "processo político inclusivo e equilibrado".

Para Baerbock, é "impossível dizer exatamente o que está acontecendo na Síria". "Mas uma coisa está clara: para milhões de pessoas na Síria, o fim de Assad significa o primeiro suspiro de alívio após uma eternidade de atrocidades cometidas pelo regime", afirmou. "Assad assassinou, torturou e usou gás tóxico contra seu próprio povo. Ele precisa ser finalmente responsabilizado por isso."

Tom cauteloso semelhante foi adotado pelo Reino Unido. "Se Assad se foi, essa é uma mudança bem-vinda, mas o que vier depois precisa ser uma solução política, e eles terão que trabalhar no interesse do povo sírio", frisou a vice-primeira-ministra Angela Rayner.

O presidente francês, Emmanuel Macron, celebrou a "queda do Estado bárbaro". "Homenageio o povo sírio, sua coragem, sua paciência. Neste momento de incerteza, lhes desejo paz, liberdade e unidade", disse em um post no X. "A França continuará comprometida com a segurança de todos no Oriente Médio."

O enviado especial das Nações Unidas para a Síria, Geir Pedersen, também celebrou a queda de Assad, mas pediu cautela. "Hoje marca um momento decisivo na história da Síria — uma nação que suportou quase 14 anos de sofrimento implacável e perdas indescritíveis... Este capítulo sombrio deixou cicatrizes profundas, mas hoje olhamos para o futuro com esperança cautelosa na abertura de um novo capítulo — de paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios."

 

 

¨      Por que queda de Assad na Síria é golpe para prestígio de Putin

Por quase uma década, foi o poder de fogo russo que manteve Bashar al-Assad no poder.

Até os eventos extraordinários do último fim de semana: Damasco caiu, o presidente da Síria foi derrubado e voou para Moscou, onde pediu asilo.

Citando uma fonte no Kremlin, agências de notícias russas e a TV estatal relataram que a Rússia concedeu asilo a Assad e sua família "por motivos humanitários".

Em questão de dias, o projeto do Kremlin para a Síria se desfez nas circunstâncias mais dramáticas, com Moscou impotente para impedi-lo.

Em uma declaração, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia anunciou que Moscou estava "acompanhando os eventos dramáticos na Síria com extrema preocupação".

A queda do regime de Assad é um golpe para o prestígio da Rússia.

Ao enviar milhares de tropas em 2015 para apoiar o presidente Assad, um dos principais objetivos da Rússia era se afirmar como uma potência global.

Foi o primeiro grande desafio de Vladimir Putin ao poder e domínio do Ocidente, longe do antigo espaço soviético.

E bem-sucedido, ao que parecia. Em 2017, o presidente Putin visitou a base aérea russa de Hmeimim na Síria e declarou que a missão estava cumprida.

Apesar dos relatos regulares de que os ataques aéreos russos estavam causando vítimas civis, o ministério da defesa russo se sentiu confiante o suficiente para levar a mídia internacional para a Síria para testemunhar a operação militar russa.

Em uma dessas viagens, oficial do exército russo disse à BBC que a Rússia estava na Síria "para o longo prazo".

Mas isso era uma questão maior do que apenas prestígio.

·        Bases militares

Em troca de assistência militar, as autoridades sírias concederam à Rússia autorização para ocupar por 49 anos a base aérea em Hmeimim e a base naval em Tartous.

A Rússia havia garantido uma importante posição no Mediterrâneo oriental. As bases se tornaram importantes centros para transferência de militares para dentro e para fora da África.

Uma questão-chave para Moscou: o que acontecerá com essas bases russas agora?

O comunicado na TV estatal russa anunciando a chegada de Assad a Moscou também mencionou que autoridades russas estavam em contato com representantes da "oposição armada síria".

A reportagem disse que os líderes da oposição garantiram a segurança das bases militares russas e missões diplomáticas no território da Síria.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia diz que as bases na Síria foram colocadas "em estado de alerta máximo", mas afirma que não há "nenhuma ameaça séria a elas no momento".

Bashar al Assad era o aliado mais fiel da Rússia no Oriente Médio. O Kremlin investiu muito nele. As autoridades russas terão dificuldade em esconder que sua queda foi um revés para Moscou.

Ainda assim, eles estão tentando... E procurando bodes expiatórios.

Na noite de domingo, o principal programa semanal de notícias da TV estatal russa mirou no exército sírio, aparentemente culpando-o por não lutar contra os rebeldes.

"Todos podiam ver que a situação estava se tornando cada vez mais dramática para as autoridades sírias", disse o âncora Yevgeny Kiselev.

"Mas em Aleppo, por exemplo, posições foram cedidas sem luta. Áreas fortificadas foram rendidas uma após a outra e então explodidas, apesar de [tropas do governo] estarem melhor equipadas e superarem em número o lado atacante muitas vezes. É um mistério!"

O âncora afirmou que a Rússia "sempre esperou pela reconciliação [entre lados diferentes] na Síria."

"Claro que não somos indiferentes ao que está acontecendo na Síria. Mas nossa prioridade é a própria segurança da Rússia — o que está acontecendo na zona da Operação Militar Especial [guerra da Rússia na Ucrânia]", disse Kiselev.

Há uma mensagem clara aqui para o público russo.

Apesar de nove anos da Rússia despejando recursos para manter Bashar al-Assad no poder, os russos estão sendo informados de que têm coisas mais importantes com que se preocupar.

 

Fonte: BBC News Mundo/Dw Brasil

 

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