Depois de
25 anos de negociações, Mercosul e União Europeia anunciam acordo de livre
comércio
O
acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia foi anunciado
oficialmente nesta sexta-feira (6), após a reunião dos líderes dos blocos na
cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai.
A
assinatura do acordo só acontece depois que os textos passarem por uma revisão
jurídica e de serem traduzidos para os idiomas oficiais dos países envolvidos.
O anúncio, portanto, significa que as negociações entre os dois blocos estão
encerradas.
Iniciadas
em 1999 e paralisadas depois de um acordo inicial alcançado em 2019, as
conversas foram retomadas nos últimos meses a pedido da Comissão Europeia, que
determina a política comercial para toda a UE.
Cinco
anos depois do primeiro compromisso, a medida não havia saído do papel desde
então por pressão dos europeus. Parte dos países da UE, em especial a França,
não é favorável a uma abertura de mercado que beneficie competidores do
Mercosul.
Em
entrevista coletiva, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen,
disse que o "acordo com Mercosul é vitória para Europa".
"Este
é um acordo ganha-ganha, que trará benefícios significativos para consumidores
e empresas, de ambos os lados. Estamos focados na justiça e no benefício mútuo.
Ouvimos as preocupações de nossos agricultores e agimos de acordo com elas.
Este acordo inclui salvaguardas robustas para proteger seus meios de
subsistência", disse von der Leyen.
A
presidente destacou que os padrões de saúde e alimentos da União Europeia
permanecerão "intocáveis" e que os exportadores do Mercosul deverão
cumpri-los "rigorosamente".
"Esta
é a realidade de um acordo que economizará 4 bilhões de euros em taxas de
exportação por ano para empresas da União Europeia".
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O que é o acordo entre Mercosul e União Europeia?
O
acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia tem o objetivo de reduzir
ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos.
Estão
previstos tratados em temas importantes, tais como:
• Cooperação política;
• Cooperação ambiental;
• Livre-comércio entre os
dois blocos;
• Harmonização de normas
sanitárias e fitossanitárias (que são voltadas para o controle de pragas e
doenças);
• Proteção dos direitos de
propriedade intelectual; e
• Abertura para compras
governamentais.
As
negociações começaram em 1999 e um termo preliminar foi assinado em 2019. Desde
então, o texto passou por revisões e exigências adicionais, principalmente por
parte da União Europeia, devido à pressão imposta principalmente por
agricultores dos países-membros.
O
acordo não vale apenas para produtos agrícolas, mas foi esse setor que
protagonizou boa parte dos embates. Um dos receios dos produtores é de que o
tratado torne os alimentos sul-americanos mais baratos na UE, reduzindo a
competitividade das mercadorias europeias. (saiba mais abaixo)
Agora,
mesmo com o acordo assinado, ainda será necessário passar o texto final pela
aprovação dos Legislativos dos países do Mercosul, do aval do Conselho Europeu
(27 chefes de Estado ou de governo) e do Parlamento Europeu (720 votos).
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Por que a finalização do acordo demorou?
Parte
dos temas já havia sido resolvida em 2019, quando os dois blocos conseguiram
alcançar um acordo inicial. O texto, no entanto, precisava passar por processos
de validação, como a ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos.
Foi aí que o acordo travou.
Agricultores
europeus, principalmente os franceses, têm se manifestado contra a aprovação do
acordo. A França é um dos maiores produtores agrícolas da UE e deve ser
bastante prejudicada pelo acordo, já que a América do Sul tem grandes
produtores de grãos e alimentos.
Os
trabalhadores alegam que haveria uma concorrência desleal, já que, segundo
eles, a produção desses alimentos no bloco sul-americano não está submetida aos
mesmos requisitos ambientais e sociais, nem às mesmas normas sanitárias em caso
de controles defeituosos que a europeia.
Na
França, o agro tem grande relevância no cenário político, influenciando no
posicionamento dos líderes, afirmou recentemente ao g1 Paulo Feldmann,
professor de economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e
Atuária da Universidade de São Paulo (FEA/USP).
Do
lado sul-americano, o acordo também divide opiniões. Apesar do potencial de
trazer benefícios para os países do Mercosul, a leitura de especialistas é a de
que o bloco também pode sofrer com a concorrência vinda da Europa, nos setores
industriais, químicos e automobilísticos.
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Quais eram as críticas ao acordo?
O
acordo é apoiado pelos governos da Espanha e Alemanha, mas sofre oposição do
presidente da França, Emmanuel Macron. Ele disse à presidente da Comissão
Europeia, Ursula Von der Leyen, que o país não poderia aceitar o acordo em seu
estado atual.
"Continuaremos
a defender incansavelmente nossa soberania agrícola", acrescentou a
presidência francesa em uma publicação no X.
Em
dezembro de 2023, em meio às discussões da COP 28, o presidente francês havia
chamado a proposta de antiquada e “mal remendada”. Disse ainda que a versão
discutida era contraditória com políticas e ambições ambientais do Brasil.
“E
é justamente por isso que sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um
acordo completamente contraditório com o que ele [Lula] está fazendo no Brasil
e com o que nós estamos fazendo [...] Não leva em conta a biodiversidade e o
clima dentro dele. É um acordo comercial antiquado que desmantela tarifas”,
disse, na ocasião.
Nesta
sexta-feira, a ministra do Comércio da França, Sophie Primas, reafirmou a
oposição do país ao acordo comercial entre a UE e o Mercosul, afirmando que o
acordo vincula apenas a Comissão Europeia, e não os Estados-membros.
A
ministra se comprometeu a resistir às próximas etapas do acordo, citando
"preocupações sobre os impactos ambientais e agrícolas".
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Como o Brasil pode ser beneficiado?
O
Brasil seria o país mais beneficiado pelo livre comércio entre União Europeia e
Mercosul, segundo uma pesquisa do Ipea. Entre 2024 e 2040, o acordo provocaria
um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro, mais do que a União Europeia (0,06%)
e os demais países do Mercosul (0,2%).
Ainda
segundo o Ipea, o acordo aumentaria os investimentos vindos do exterior no
Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria.
Na
balança comercial, o país teria um ganho de US$ 302,6 milhões, enquanto para o
restante do Mercosul seria de US$ 169,2 milhões. Já a União Europeia teria uma
queda de US$ 3,44 bilhões, com as reduções tarifárias e concessões de cotas de
exportação previstas.
Considerando
somente as exportações brasileiras, elas aumentariam continuamente no período
até alcançarem um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.
Ao
g1, a leitura de especialistas é a de que o acordo pode ter tanto efeitos
positivos quanto relativamente negativos para o Brasil.
👍Efeitos positivos: a facilitação do comércio e a eliminação
gradual das tarifas de importação para a maioria dos produtos comercializados
entre os blocos tende a aumentar o acesso do Brasil ao mercado europeu.
Segundo
Welber Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ
Consultores Associados, o acordo é bastante positivo tanto para a Europa quanto
para os países do Mercosul nesse sentido, incluindo o Brasil.
“Os
países do Mercosul vão ganhar mais acesso a um bloco que é um grande importador
de alimentos. Isso sem contar que a Europa é um ‘mercado premium’, que tem uma
exigência maior de qualidade e que também paga os melhores preços,
principalmente nas importações agrícolas”, explica o especialista.
Na
prática, isso poderia aumentar as oportunidades de exportação do Brasil para a
Europa e possibilitar um aumento significativo de investimentos nas terras
brasileiras, trazendo efeitos diretos no país.
Segundo
o Ipea, a melhora nas exportações seria resultado de três possíveis efeitos:
• A queda das tarifas de
importação na UE;
• O aumento das
quantidades exportadas em alguns setores, em função das cotas de exportação
concedidas pela UE; e
• A redução do custo
doméstico de insumos e de bens de capital propiciado pela queda das tarifas no
país, tornando os produtos brasileiros mais baratos e competitivos no mercado
internacional.
Além
disso, outras áreas abordadas pelo acordo também poderiam trazer benefícios
para o Brasil, como a facilitação do acesso de empresas brasileiras a serviços
europeus e da participação de pequenas e médias empresas aos benefícios do
acordo, por exemplo.
👎Efeitos negativos: apesar do potencial de benefícios, a leitura
dos especialistas é que setores específicos da economia devem sentir mais
intensamente o impacto da concorrência europeia.
Enquanto
o Brasil exporta muitas commodities e matérias primas para a Europa, as
importações vindas dos países europeus são principalmente focadas em produtos
manufaturados – o que pode pressionar a indústria brasileira.
“A
indústria brasileira vai ter que analisar quais são as oportunidades e quais
são os riscos”, diz Barral.
Os
especialistas citam como problema, por exemplo, o alto custo de logística no
país. “Alguns setores vão ter que enfrentar uma concorrência maior e devem
precisar aumentar eficiência, digitalização e escala para enfrentar a
competitividade europeia”, completa Barral.
“O
acordo comercial, qualquer que seja, precisa ser equilibrado em concessões e
ganhos, e até mesmo considerar os riscos corridos por quem concede eventuais
reduções”, diz o ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador Rubens Ricupero.
Voltar
ao início.
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Próximos passos
Após
o anúncio, os próximos passos para a conclusão do acordo são:
• Revisão legal do texto;
• Tradução do texto da língua
inglesa para todas as 23 línguas oficiais da União Europeia e para as duas
línguas oficiais do Mercosul (português e espanhol);
• Assinatura dos líderes
dos dois blocos;
• Encaminhamento do acordo
para aprovação interna dos membros dos dois grupos — e, nesta etapa, o texto
precisa passar pela aprovação do Conselho da União Europeia, possivelmente a
etapa mais difícil em todo o trâmite;
• Conclusão dos trâmites
de aprovação e ratificação das partes do compromisso em cumprir o acordo;
• Só, então, o acordo
entra em vigor.
Os
blocos não apresentaram nenhum prazo para a conclusão de cada uma dessas
etapas. O governo federal afirma que o acordo produzirá efeitos jurídicos no
primeiro dia do mês seguinte à notificação da conclusão dos trâmites internos.
A
aprovação interna pelos blocos segue caminhos diferentes em cada um dos blocos.
No Mercosul, os parlamentos de cada um dos cinco países-membros — Brasil,
Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia — precisa analisar e aprovar o texto.
Já
na UE, a aprovação passa pelo Conselho da União Europeia pelo Parlamento
Europeu (que reúne todos os países do grupo). Essa pode ser a etapa mais
desafiadora, de acordo com especialistas, porque depende do consenso da maioria
qualificada do bloco.
Para
isso, o acordo precisa ser aprovado por, pelo menos, 55% dos países que compõem
o grupo. Porém, esses 55% precisam responder por, no mínimo, 65% da população
total da UE.
Há
um receio de que a França, país que tem protestado contra o acordo, consiga
reunir outros países com grandes populações para barrar o acordo. Para isso,
basta que países que respondam por 35% da população do bloco concordem com o
governo francês.
Em
entrevista à GloboNews, o professor de política internacional da UERJ, Paulo
Velasco, afirma que uma aprovação do acordo pela maioria obriga os países da UE
a cumprirem as regras acertadas. "A soberania comercial da União Europeia
é da União Europeia", disse.
• Lula diz que pacto atual
é diferente do de 2019: 'Era inaceitável'
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou nesta sexta-feira (6) em
Montevidéu, capital do Uruguai, a celebração do acordo comercial entre o
Mercosul e a União Europeia.
Lula
discursou na reunião de Cúpula do Mercosul, onde o acordo foi assinado pelos
presidentes do bloco sul-americano e pela presidente do Conselho Europeu,
Ursula von der Leyen.
"Estamos
criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700
milhões de pessoas. Nossas economias juntas representam um PIB de 22 trilhões
de dólares", disse Lula.
"O
acordo que finalizamos hoje é bem diferente daquele anunciado em 2019. As
condições que herdamos eram inaceitáveis. Foi preciso incorporar ao acordo
temas de relevância para o Mercosul. Conseguimos preservar nossos interesses em
compras governamentais, o que nos permitirá implementar políticas públicas em
áreas como saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia", declarou
Lula.
🔎 O "acordo político" do tratado comercial entre
Mercosul e União Europeia chegou a ser assinado em 2019. Pontos específicos, no
entanto, continuaram sob ressalvas por alguns dos membros (sobretudo, da
Europa). Esses trechos seguiram na mesa de negociação e só agora, cinco anos
depois, os dois blocos chegaram a um consenso.
Lula
e os presidentes Javier Milei (Argentina), Santiago Peña (Paraguai), Luis
Alberto Lacalle Pou (Uruguai) e Luis Arce (Bolívia) se reuniram nesta sexta
tendo o acordo como item principal da pauta.
As
negociações se estenderam por mais de 30 anos, e a conclusão do acordo foi
colocada como prioridade pelo governo Lula desde 2023.
"Após
dois anos de intensas tratativas, temos hoje um texto moderno e equilibrado que
reconhece as credenciais ambientais do Mercosul e reforça nosso compromisso com
o Acordo de Paris. A realidade geopolítica e econômica global mostra que a
integração fortalece nossas sociedades, moderniza nossas estruturas produtivas
e promove nossa inserção mais competitiva no mundo", declarou Lula.
Lula
aproveitou o discurso para fazer uma referência indireta à crise aberta com a
França, no fim de novembro, após a rede de supermercados Carrefour anunciar que
deixaria de importar carne do Mercosul e criticar a qualidade dos produtos. A
empresa acabou voltando atrás.
"Nossa
pujança agrícola e pecuária nos torna garantes da segurança alimentar de vários
países do mundo, atendendo a rigorosos padrões sanitários e ambientais. Não
aceitaremos que tentem difamar a reconhecida qualidade e segurança de nossos
produtos. O Mercosul é um exemplo de que é possível conciliar desenvolvimento
econômico com responsabilidade ambiental", disse Lula.
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'Maior acordo do mundo', diz Alckmin
O
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços,
Geraldo Alckmin (PSB), comemorou o fechamento dos termos do acordo.
"É
o maior acordo entre povos de todo o mundo. Quero também destacar o grande
significado disso em um mundo fragmentado e polarizado. Isso é prova de
diálogo. Quero destacar também a liderança do presidente Lula. Se ele não fosse
presidente do Brasil, dificilmente esse acordo teria saído", afirmou.
Segundo
o vice-presidente, quando todo o acordo já estiver em vigor com a área de livre
comércio funcionando, os estudos mostram que as exportações para a União
Europeia poderiam crescer na 6,7% agricultura, 14,8% nos serviços e 26,6% na
indústria de transformação.
O
vice-presidente afirmou que não acredita que o resultado da eleição nos Estados
Unidos, onde o protecionista Donald Trump foi eleito, acelerou a celebração do
acordo.
Questionado
se o acordo pressiona países como a França, envolvida em polêmica após uma rede
de supermercados do país anunciar que não compraria mais carne do Mercosul, o
vice-presidente disse que espera que essa tensão termine e que o acordo é
benéfico para sul-americanos e europeus.
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Arthur Lira quer 'observar os termos' do acordo
O
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que só vai se manifestar sobre
o acordo entre o Mercosul e a União Europeia após observar os termos do
tratado.
"Vamos
observar os termos. Eles tiveram 20 anos para votar. Vamos ver se será bom para
nós também", disse ao g1.
No
fim de novembro, o presidente da Câmara criticou duramente a decisão da rede
francesa de supermercados Carrefour pela interrupção de compra de carne bovina
do Brasil e do Mercosul.
Na
sequência, o plenário da Casa aprovou um pedido para fosse votado com urgência
um projeto estabelecendo a reciprocidade ambiental entre os países.
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Outros temas
Além
do acordo entre Mercosul e União Europeia, Lula aproveitou o discurso na Cúpula
do Mercosul para tratar de temas frequentes em suas falas em fóruns
internacionais – como a defesa do meio ambiente e do Acordo de Paris e a
reforma da Organização das Nações Unidas (ONU).
• Meio ambiente
"Os
impasses verificados na COP 16 da Biodiversidade, em Cáli, e as dificuldades de
se chegar a um texto de consenso na COP 29 do Clima, em Baku, acendem um
alerta. Não há alternativas ao planeta Terra. O princípio das
'responsabilidades comuns, porém diferenciadas' é essencial para promover a
justiça climática", disse Lula.
"Isso
não impede que cada um de nós contribua, como pode, para a meta de limitar o
aumento da temperatura global a 1,5 °C. O Brasil já apresentou sua nova
Contribuição Nacionalmente Determinada, que abrange todos os gases de efeito
estufa e setores econômicos. Assumimos a meta ambiciosa para 2035 de reduzir
emissões de 59 a 67% em relação a 2005", listou.
"Convido
os países do Mercosul e associados e a União Europeia a apresentarem NDCs
ambiciosas e a participarem ativamente nos esforços que levarão ao pleno êxito
da COP 30", seguiu o presidente.
• Reforma da ONU
Lula
não entrou em muitos detalhes, mas citou sua defesa de décadas de uma reforma
das Nações Unidas para ampliar a participação do "Sul Global" – ou
seja, de países em desenvolvimento.
O
brasileiro agradeceu a presença dos líderes do Mercosul na reunião do G20 no
Rio de Janeiro, em novembro – o Brasil ocupou a presidência rotativa do grupo
de países ao longo ano.
"Nossa
atuação conjunta foi fundamental para a aprovação de um Chamado à Ação para a
Reforma da Governança Global. É essencial corrigir a baixa representação da
nossa região na ONU e nas organizações de Bretton Woods", disse, sem
aprofundar o discurso.
Fonte:
g1
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