sábado, 7 de dezembro de 2024

Agro brasileiro deve ser um dos setores mais beneficiados, com o acordo de livre comércio

O agro brasileiro deve ser um dos setores mais beneficiados no acordo de livre comércio entre União Europeia e o Mercosul, anunciado nesta sexta-feira (6).

Grande produtor de alimentos como carne, soja e café, o país poderá expandir suas vendas para o bloco europeu se as tarifas de exportação sobre os produtos forem zeradas ou reduzidas.

E esse também é dos principais pontos que fazem com que produtores de alguns países da Europa, sobretudo franceses, pressionem seus países para serem contra o acordo.

Segundo especialistas ouvidos pelo g1, eles temem perder mercado com o aumento da concorrência com alimentos brasileiros.

A tensão chegou a gerar estresse na relação entre o governo e agricultores brasileiros e algumas empresas com sede na França, como Carrefour e Danone, cujos executivos anunciaram medidas restritivas que atingiam produtos do Mercosul ou especificamente do Brasil.

<><> Afinal, o que está em jogo para o agro brasileiro?

A União Europeia representa, hoje, o segundo maior mercado importador do agronegócio brasileiro, atrás apenas da China.

No ano passado, o bloco recebeu 12,93% dos produtos exportados pelo Brasil, totalizando US$ 21,5 bilhões, segundo informações do Ministério da Agricultura e Pecuária.

Alguns dos pontos do acordo UE-Mercosul relativos ao agronegócio são:

•                        a UE vai isentar de tarifas parte dos produtos agrícolas do Mercosul;

•                        exportadores brasileiros também terão preferência na venda de determinados produtos;

•                        alguns itens ficarão sujeitos a um valor estabelecido por cotas, como carnes, açúcar e queijos;

•                        diversos produtos, do Mercosul e da Europa, serão reconhecidos em ambos os blocos pela sua origem: é a chamada indicação geográfica. Na prática, ela serve garantir que esses itens típicos de um país não sejam reproduzidos em outros países, ou seja, ficam protegidos de imitações. Na primeira lista, de 2019, entre os produtos brasileiros com indicação geográfica estavam a cachaça, o queijo Canastra, a linguiça Maracaju e o café Alto Mogiana;

•                        UE e Mercosul se comprometem a implementar efetivamente o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, que inclui, entre outros assuntos, combate ao desmatamento e redução da emissão de gases do efeito estufa;

•                        segundo a UE, não haverá mudanças nos padrões de segurança alimentar e saúde animal do continente – ou seja, o bloco europeu continuará podendo barrar a entrada de produtos que não se enquadrem aos requisitos locais.

<><> Crescimento do PIB

O Brasil seria o país mais beneficiado pelo livre comércio e entre União Europeia e Mercosul, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea).

Entre 2024 e 2040, o acordo provocaria um crescimento de 0,46% no PIB brasileiro, mais do que a União Europeia (0,06%) e os demais países do Mercosul (0,2%).

Ainda segundo o Ipea, o acordo aumentaria os investimentos vindos do exterior no Brasil em 1,49%, na comparação com o cenário sem a parceria.

Na balança comercial, o país teria um ganho de US$ 302,6 milhões, enquanto para o restante do Mercosul seria de US$ 169,2 milhões.

Já a União Europeia teria uma queda de US$ 3,44 bilhões, com as reduções tarifárias e concessões de cotas de exportação previstas.

Considerando somente as exportações brasileiras, elas aumentariam continuamente até alcançarem um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões.

Isso seria possível porque o Brasil teria uma grande redução nas tarifas de exportação, que hoje tem uma média de 17% do valor do produto, mas que em alguns casos chegam até a 200%, disse Pedro Henrique Rodrigues, assessor de Relações Internacionais da CNA.

O acordo também permitiria acesso a um mercado de valor agregado, com consumidores de produtos "premium", além de garantir renda para os agricultores, uma vez que, em setores como a pecuária, o país produz mais do que consume, afirmou Rodrigues, em entrevista ao g1 em novembro deste ano.

Os principais produtos exportados para a União Europeia em 2023, segundo a Agrostat, plataforma do Ministério da Agricultura e Pecuária, foram:

•                        complexo soja, que é o conjunto de produtos derivados da soja (US$ 8,5 bilhões)

•                        café (US$ 3,7 bilhões)

•                        produtos florestais (US$ 2,6 bilhões)

•                        carnes (US$ 1,6 bilhão)

•                        sucos (US$ 1,3 bilhão)

•                        complexo sucroalcooleiro, que são produtos derivados da cana-de-açúcar (US$ 1,7 bilhões)

•                        fumo e seus produtos (US$ 1 bilhão)

•                        frutas, incluindo nozes e castanhas (US$ 919 milhões).

<><> 25 anos de negociação

O acordo UE-Mercosul foi assinado em 2019. O texto da época era equilibrado, com vantagens e desvantagens para os dois lados, avaliou Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), que representa produtores brasileiros.

Desde então, os europeus fizeram novas exigências, como uma carta que solicitava maior comprometimento ambiental. E foram implementadas no bloco outras regras de comercialização, como a lei de antidesmatamento, que dificulta a venda de produtos brasileiros para a Europa.

Deste modo, o texto foi se tornando desequilibrado, para beneficiar mais a Europa, afirmou Mori também em entrevista ao g1 em novembro deste ano.

Vale lembrar que o acordo, bilateral, não envolve apenas o agro, mas também a indústria, o setor de mineração, entre outros.

•                        'É uma vitória para a Europa', diz presidente da Comissão Europeia

O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia foi anunciado oficialmente nesta sexta-feira (6), após a reunião dos líderes dos blocos na cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai.

O anúncio veio após a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen ter finalizado as negociações junto aos presidentes dos países do Mercosul. Com isso, os dois blocos concluem uma negociação que já durava 25 anos para um acordo histórico de parceria.

Do lado sul-americano, participaram da reunião os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; da Argentina, Javier Milei; do Paraguai, Santiago Peña; e do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou.

Em entrevista coletiva na manhã desta sexta, von der Leyen, afirmou que o "acordo com Mercosul é uma vitória para Europa", garantindo que o tratado será "vantajoso para ambos os lados", beneficiando consumidores e empresas.

"Hoje, 60 mil empresas exportam para o Mercosul. Dessas, 30 mil são pequenas e médias companhias, que vão se beneficiar dos impostos reduzidos, de procedimentos mais simples e de acesso preferencial às matérias-primas. Isso vai criar grandes oportunidades de negócios", afirmou.

A presidente da Comissão Europeia também direcionou parte de seu discurso para os agricultores europeus, reafirmando o compromisso do bloco em ouvir suas preocupações e resolvê-las.

"Este acordo inclui salvaguardas robustas para proteger os seus meios de subsistência. O acordo UE-Mercosul é o maior de todos os tempos no que diz respeito à proteção dos produtos alimentares e bebidas da UE", disse Von der Leyen.

Nos últimos meses, agricultores de algumas regiões da Europa, especialmente da França, fizeram manifestações em protesto ao acordo entre Mercosul e União Europeia. Isso porqueos produtos agrícolas do Mercosul entrariam na região em condições "desiguais de competitividade", o que prejudicaria a produção local.

De acordo com a Comissão Europeia, mais de 350 produtos da UE agora são protegidos por indicação geográfica, uma espécie de selo de qualidade que vincula o produto à sua origem de produção. Von der Leyen também garantiu que os "padrões europeus de saúde e segurança alimentar permanecem intocáveis".

"Os exportadores do Mercosul terão que cumprir rigorosamente esses padrões para acessar o mercado da UE. Esta é a realidade de um acordo que economizará às empresas da UE 4 bilhões de euros por ano em tarifas de exportação", disse, reiterando que os mercados também serão expandidos nesse processo, gerando oportunidades de crescimento e trabalho para ambos os lados.

"Hoje é um bom dia para o Mercosul, um bom dia para a Europa e um momento crucial para o nosso futuro compartilhado. Uma geração inteira ficou dedicada a dar vida a esse acordo. E, agora, é nossa vez de honrar esse legado. Vamos garantir que esse acordo cumpra com suas promessas e atenda as gerações futuras", completou a presidente da Comissão Europeia.

Apesar de um acerto inicial ter sido firmado há cinco anos, a medida não havia saído do papel desde então por pressão dos europeus. Parte dos países da UE, em especial a França, não é favorável a uma abertura de mercado que beneficie competidores do Mercosul.

A Ministra do Comércio da França, Sophie Primas, reafirmou a oposição do país ao acordo comercial entre a UE e o Mercosul, afirmando que o acordo vincula apenas a Comissão Europeia, e não os Estados-membros.

Apesar da expectativa pelo anúncio, que ocorre 25 anos após o início das negociações, o acordo ainda não possui nenhum efeito prático e imediato e pode demorar até ser implementado, principalmente por contas das regras para a aprovação dentro da União Europeia.

O acordo precisa passar pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, os dois principais órgãos de decisão do bloco.

•                        Já o Parlamento Europeu é composto por deputados europeus, sendo o número de representantes por país proporcional ao tamanho da população. Os poderes deste órgão são legislativos, de supervisão e orçamentários.

Entre as atribuições do Parlamento está decidir sobre os acordos internacionais. Assim, para ser aprovado, o acordo precisa da maioria simples dos votos dos eurodeputados.

O processo de votação é parecido com o que ocorre no Brasil: primeiro, as propostas são encaminhadas para as comissões parlamentares, que podem propor alterações ou rejeições e preparam a legislação, e depois vão para as sessões plenárias, que aprovam ou não os projetos.

•                        O Conselho da União Europeia é composto por ministros dos governos de cada país do grupo e é responsável por negociar medidas de legislação, coordenar as políticas dos países do bloco, definir a política externa e de segurança, celebrar acordos entre a União Europeia e outros países e aprovar o orçamento.

É o Conselho que precisa ratificar o acordo para que ele tenha validade.

Para ser aprovado pelo Conselho, o acordo precisa do aval da maioria qualificada: pelo menos 55% dos países precisa concordar, sendo que estes devem responder por, no mínimo, 65% da população total do bloco.

Por outro lado, para barrar o acordo, são necessários quatro países contrários, respondendo por 35% ou mais da população do grupo.

Somente assuntos sensíveis, como regras de segurança e política externa, exigem a unanimidade de cotos favoráveis para serem aprovados.

<><> Posição dos países da União Europeia

Alguns dos países mais relevantes dentro da União Europeia já se posicionaram abertamente sobre o acordo entre o bloco e o Mercosul.

A posição mais conhecida é a da França, que lidera a oposição contra o acordo. Nesta quinta-feira (5), inclusive, o presidente Emmanuel Macron disse à Ursula von der Leyen que a França não pode aceitar o acordo em seu estado atual e o classificou como "inaceitável", informou seu gabinete.

"O projeto de acordo UE-Mercosul é inaceitável em seu estado atual", disse Macron à presidente da Comissão Europeia.

"Continuaremos a defender incansavelmente nossa soberania agrícola", acrescentou a presidência francesa em uma mensagem publicada no X.

Outro país que já se declarou contra é a Polônia, que ainda garantiu que vai votar junto com Macron.

Em contrapartida, Alemanha e Espanha são abertamente favoráveis, principalmente após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. O republicano prometeu taxar os produtos europeus e o acordo com o Mercosul pode representar um alívio para a economia da União Europeia.

Também regiões com bastante população em relação ao bloco, Áustria, Itália e Países Baixos não têm uma posição definida sobre o acordo, mas também sofrem com pressões do mercado interno.

<><> Próximos passos para a aprovação do acordo Mercosul-UE

Em nota, a União Europeia disse que o fim das negociações sobre os termos anunciados nesta sexta constitui apenas o "primeiro passo em direção à conclusão do acordo".

Agora, o texto precisa seguir um longo caminho de validação nos dois blocos econômicos, e ainda corre o risco de ser reprovado na União Europeia, tendo em vista as manifestações contrárias de alguns governos europeus.

Após o anúncio, os próximos passos na conclusão do acordo são:

•                        Revisão legal do texto;

•                        Tradução do texto para a língua inglesa, para todas as 23 línguas oficiais da União Europeia e para as duas línguas oficiais do Mercosul (português e espanhol);

•                        Assinatura dos líderes dos dois blocos;

•                        Encaminhamento do acordo para os processos de aprovação interna dos membros dos dois grupos — e, nesta etapa, o texto precisa passar pela aprovação do Conselho da União Europeia, possivelmente a etapa mais difícil em todo o trâmite;

•                        Conclusão dos trâmites de aprovação e ratificação das partes do compromisso em cumprir o acordo;

•                        Só, então, o acordo entre em vigor.

Os blocos não apresentaram nenhum prazo para a conclusão de cada uma dessas etapas. O governo federal afirma que o acordo produzirá efeitos jurídicos no primeiro dia do mês seguinte à notificação da conclusão dos trâmites internos.

A aprovação interna pelos blocos segue caminhos diferentes em cada um dos blocos. No Mercosul, os parlamentos de cada um dos cinco países-membros — Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia — precisa analisar e aprovar o texto.

Já na UE, a aprovação passa pelo Conselho da União Europeia pelo Parlamento Europeu (que reúne todos os países do grupo). Essa pode ser a etapa mais desafiadora, de acordo com especialistas, porque depende do consenso da maioria qualificada do bloco.

Para isso, o acordo precisa ser aprovado por, pelo menos, 55% dos países que compõem o grupo. Porém, esses 55% precisam responder por, no mínimo, 65% da população total da UE.

Há um receio de que a França, país que tem protestado contra o acordo, consiga reunir outros países com grandes populações para barrar o acordo. Para isso, basta que países que respondam por 35% da população do bloco concordem com o governo francês.

Em entrevista à GloboNews, o professor de política internacional da UERJ, Paulo Velasco, afirma que uma aprovação do acordo pela maioria obriga os países da UE a cumprirem as regras acertadas. "A soberania comercial da União Europeia é da União Europeia", disse.

 

Fonte: g1

 

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