Quem foi Messalina, a imperatriz cuja a
vida sexual escandalizou os romanos
Uma das maiores
vilãs do Império Romano é a
Imperatriz Messalina. Terceira esposa do Imperador Cláudio, ela é lembrada
até hoje como a mulher mais promíscua de Roma, a “imperatriz
ninfomaníaca”. Neste 6 de agosto, Dia do Sexo, apresentamos a
história impressionante dessa mulher que subverteu as convenções da
época na Roma antiga.
Seu apetite
sexual é incomparável, e suas motivações são bastante perversas. Quando Mikhail
Bulgakov estava preparando o baile de Satanás em “O Mestre e Margarita”,
ele incluiu Messalina como convidada. Quando a escritora inglesa Charlotte
Bronte precisou descrever a esposa louca no sótão em Jane Eyre,
Bronte a comparou a um vampiro alemão, assim como a Messalina.
De todas as mulheres que violaram os papéis de gênero romanos, Messalina entrou para a história como a mais
escandalosa de todas.
Valeria
Messalina tinha no máximo 18 anos no ano 38 d.C. quando se
casou com seu único marido, o imperador Tiberius
Claudius Nero Germanicus. Claudius, por outro lado, tinha 47 anos, era
divorciado duas vezes e pai de dois filhos. Os dois eram primos de
primeiro grau, ambos descendentes da irmã do Divino Augusto, Otávia.
O casamento foi
uma grande honra para Cláudio, pois suas esposas anteriores eram de prestígio
moderado em comparação com Messalina. Seu casamento com uma descendente de
Otávia coincidiu com sua entrada tardia na vida pública e foi um
sinal de que o novo imperador – seu sobrinho Calígula – o
aprovava e o estava vinculando estreitamente à linha de sucessão.
Para Messalina,
no entanto, o casamento foi provavelmente menos emocionante. Seu novo
marido havia passado toda a sua vida até aquele momento como um constrangimento
familiar. Ele tinha deficiências visíveis que, supostamente, levaram
sua mãe a se referir a ele como um monstro, seu tio-avô Augusto a
proibi-lo de se sentar com o resto da família em público e seu tio Tibério a
bani-lo de qualquer cargo público.
A Roma Imperial
era um lugar hostil para pessoas com deficiência, e
ninguém sabia disso melhor do que Cláudio. Ele tinha visto seus irmãos
receberem honras gloriosas e casamentos vantajosos. Cláudio não tinha
prestígio e trouxe pouco além de sua linhagem para melhorar a de
Messalina. É difícil imaginar que ela estivesse ansiosa para se casar
com um homem 30 anos mais velho, de cujas realizações ela não podia nem
mesmo se gabar.
O casal teve dois
filhos em rápida sucessão, e Cláudio inesperadamente – e de forma
controversa – tornou-se Imperador. Depois que Calígula foi assassinado em
41 d.C., Cláudio se refugiou nos campos do exército e regateou por dois dias
para convencer o Senado a aceitá-lo como imperador.
O marido de
Messalina, sem experiência e pouco promissor, havia superado as
expectativas de todos quando assumiu o poder. Ainda com 20 e poucos anos e
preparada para uma vida de lazer aristocrático, Messalina havia se tornado
Imperatriz. Poucas semanas depois que seu marido subiu ao trono romano, ela fez
história ao ser a primeira mulher a dar à luz o filho de um imperador romano.
·
A reputação de Messalina
A maioria das
informações sobre o relacionamento de Messalina com Cláudio vem
dos historiadores Tácito e Suetônio, dos séculos 1 e 2 d.C., cada um
deles escrevendo décadas após a morte dela, em uma época crítica aos
primeiros imperadores de Roma. Suetônio escreve sobre o casal no livro “A
vida dos Doze Césares”, mas suas descrições são curtas e superficiais.
Já Tácito tinha muito mais a dizer sobre o assunto.
Os primeiros anos
de Messalina como esposa e Imperatriz de Cláudio não foram incluídos
nessas obras, portanto, não está claro se sua notoriedade estava presente desde
o início do governo de seu marido. Os homens romanos tendiam a perceber as mulheres como
constitucionalmente corruptas. A lei romana considerava as mulheres como
menores perpétuas e não confiava nelas para controlar sua própria
propriedade.
É possível que
as opiniões sobre Messalina tenham mudado com o tempo, mas quando
a narrativa de Tácito começa por volta de 47 d.C., seis anos após o início
do reinado de Cláudio, o historiador acha que Messalina é um monstro. A
primeira menção de Tácito à Imperatriz a descreve manipulando o marido
para punir dois de seus inimigos pessoais: Valerius Asiaticus e
Poppaea Sabina.
Asiaticus era dono dos
belos Jardins de Lucullus, que Messalina cobiçava. Ela espalhou rumores de um
caso extraconjugal entre Asiaticus e Poppaea. Cláudio mandou prender os
dois e matar Asiaticus. Poppaea foi aprisionada, e Tácito relata que ela
morreu por suicídio após repetidas perseguições dos agentes de Messalina.
Na narrativa de
Tácito, Messalina frequentemente usa o sistema judicial e
as funções do Estado para seus próprios fins egoístas. Por meio
deles, ela se vinga daqueles que a contrariam, rejeitam seus avanços sexuais ou
despertam sua inveja. Ela exila parentes e executa rivais. Ela mente sobre
presságios e faz circular boatos para assustar o marido e fazê-lo cumprir suas
ordens.
·
Casamento e traição
As ações de Messalina
acabaram por derrubá-la. Os historiadores romanos relataram sua ruína e seu
subsequente assassinato com alegria e prazer. Tácito é novamente a
principal fonte de informações sobre o escândalo final de Messalina.
Outros autores
recontaram a história de Messalina, incluindo o poeta romano Juvenal, que
escreveu uma condenação contundente dela em suas Sátiras, compostas
no final do século 1 ou início do século 2 d.C. Escrevendo um século depois, o
historiador romano Cassius Dio continuou a tradição de tornar Messalina
uma vilã, chamando-a de “a mais abandonada e luxuriosa das mulheres”.
O episódio começa
em 48 d.C., quando Messalina inicia um caso de amor com o senador Gaius Silius. A
cumplicidade de Sílio varia entre as fontes; em Juvenal e Dio, ele é uma
vítima passiva do domínio dela, enquanto em Tácito ele é um participante
entusiasmado. Messalina o esbanja com presentes decadentes, desde heranças de
família até casas. O caso deles prossegue até se tornar de conhecimento
público. Sílio se divorcia de sua esposa, mas Messalina não consegue se
libertar do marido imperador.
Os adúlteros então
fazem algo tão inesperado – tão aberto e chocante – que até mesmo as
fontes antigas mal conseguem acreditar. O casal realiza seu próprio
casamento enquanto Cláudio está fora de Roma, em Óstia. Messalina veste o véu amarelo
de uma noiva e segue publicamente pelas ruas até a casa de Sílio, onde trocam
votos. Em seguida, eles organizam uma festa animada que inclui, de
acordo com Tácito, Messalina soltando os cabelos.
Os eventos reais e o
significado desse dia ainda são debatidos pelos historiadores
modernos. Foi um casamento real ou uma encenação? Foi uma tentativa
de golpe em vez de uma afronta descarada? Alguns caracterizam o dia
como uma tentativa de derrubar Cláudio, motivada inteiramente pela ambição
política de governar. A verdade nunca será conhecida porque nenhum
dos conspiradores sobreviveu à noite.
Os rumores sobre
a festa de casamento, sejam eles reais ou encenados, chegaram rapidamente
a Cláudio em Óstia. Para dar a notícia, seus administradores enviam suas duas
amantes favoritas para lhe dizer que sua esposa se divorciou dele publicamente,
casando-se com outro homem.
Cláudio, segundo a
narrativa de Tácito, entra em pânico, acreditando que Messalina e Sílio estão
tentando derrubá-lo. Cláudio manda prendê-los imediatamente. Os guardas
escoltam Messalina até os Jardins de Lucullus, e Sílio é levado diante de
Cláudio nos campos do exército. Sílio e seus aliados são executados no
local por traição, e então o nome de Sílio desaparece da história.
·
A morte de uma imperatriz
Cláudio procrastina
sobre o destino de Messalina. Ela é sua esposa há uma década, a mãe de seus
filhos e uma mulher que ele ama, segundo todos os relatos. Ele se acalma e
decide dar a ela uma audiência no dia seguinte. Os partidários de Cláudio temem
que Messalina escape da punição e, por isso, resolvem resolver o problema com
suas próprias mãos. Eles falsamente dizem aos centuriões romanos e a um tribuno
para irem aos jardins e executarem Messalina sob as ordens do
imperador.
Messalina está nos
jardins com sua mãe. Tácito relata que, mesmo quando está presa, Messalina não
desiste. Ela tenta encontrar uma saída para a situação, mas sem sucesso.
Quando os soldados chegam, eles lhe dão a opção de se matar, mas ela
não consegue fazer isso. Tácito zomba do fato de que ela era tão desprovida de
virtude que não conseguia nem mesmo tirar a própria vida. Um dos tribunos
a atropela e acaba com sua vida.
Tácito relatou
que Cláudio não se comoveu com a notícia da morte de sua esposa: “[Ele]
pediu uma xícara e seguiu a rotina do banquete. Mesmo nos dias que se seguiram,
ele não demonstrou nenhum sintoma de ódio ou de alegria, de raiva ou de
tristeza, ou, em suma, de qualquer emoção humana.” O governo romano decreta
uma damnatio memoriae contra Messalina, riscando seu nome
de lugares públicos e privados e destruindo suas estátuas.
Mas esse apagamento
oficial não fez com que Messalina desaparecesse da memória. Em vez disso,
seus apetites sexuais e seu casamento bígamo deram origem a rumores,
piadas e fofocas que superariam todas as suas outras ações na imaginação histórica,
inclusive suas maquinações políticas.
·
Boatos e insinuações
Esses boatos começaram
cedo. Plínio, o Velho, que era um jovem oficial do
exército servindo na Alemanha durante o início do governo de
Cláudio, escreveu uma enciclopédia de fenômenos naturais, na qual incluiu
reflexões sobre a sexualidade dos mamíferos.
Os seres humanos,
observa ele, são os únicos animais que não têm épocas de reprodução e
que nunca estão saciados quando se trata de sexo. Como ilustração, ele
conta ao leitor sobre a Imperatriz Messalina, que se envolveu em uma competição
com uma profissional do sexo para ver quem conseguia ter mais amantes.
Depois de 25 “abraços”, Messalina venceu.
Uma geração mais
tarde, a anedota tornou-se ainda mais ultrajante quando foi relatada
pelo famoso misantropo Juvenal em suas Sátiras. Messalina aparece na seção
sobre por que ele odeia as mulheres. Chamando-a de “Prostituta
Imperial”, Juvenal afirma que todas as noites Messalina se disfarçava com
uma peruca loira – uma cor de cabelo associada aos bárbaros – e
trabalhava em um bordel de classe baixa, onde fazia sexo até o sol nascer.
Ela era mandada embora “exausta, mas ainda não satisfeita”.
Por volta do
ano 220 d.C., quando Cassius Dio estava escrevendo seu
livro “História Romana”, o
bordel imaginado por Messalina mudou-se para o palácio imperial,
onde (segundo ele) ela convidava homens para comprar sexo com ela e
de outras mulheres aristocráticas, algumas das quais são forçadas por Messalina
a trabalhar com sexo. Dio também relatou uma história sobre um dançarino,
Mnester, que se vê no centro das investidas indesejadas de Messalina.
Ele a rejeita
repetidamente até que Messalina reclama com o marido que Mnester não a
obedece, fingindo que é apenas insubordinado. Cláudio, sem saber, ordena que
Mnester faça tudo o que sua esposa ordena e, portanto, Mnester deve se
submeter. Essa cena parece ter sido extraída diretamente da comédia grega e
romana: o marido corno e a esposa infiel e sexualmente violenta são
personagens comuns. A história mostra que a queda real de Messalina foi
tão dramática que qualquer coisa poderia ser dita sobre ela e ser
acreditada.
A imaginação
popular não se debruçou sobre esses aspectos. Escritores, de Plínio e
Juvenal a Bronte e Chuck Palahniuk, empregam Messalina apenas
para destacar sua natureza lasciva. Ela não é uma operadora política, mas
apenas uma mulher devassa que opera nas sombras do quarto.
Os escândalos
sexuais a tiram da esfera masculina e pública do poder e da política e a
colocam de volta onde as mulheres pertencem: na esfera doméstica e privada da
esposa e da mãe. Suas bordas mais afiadas se suavizam quando ela é reduzida à
categoria mais simples de vilã feminina: uma mulher que gosta muito de
sexo.
Os verdadeiros
escândalos de Messalina foram o fato de ela ter ultrapassado os
limites definidos do lugar apropriado de uma Imperatriz e
ter se envolvido abertamente na política cruel do sistema imperial romano,
culminando em uma tentativa de golpe muito estranha, mas muito
pública.
Lembrar-se
dela apenas como a “prostituta imperial” e a “mulher mais promíscua
de Roma” é um desserviço. Messalina foi um escândalo muito mais complicado e
interessante do que isso.
Fonte: National
Geographic Brasil
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