Paulo José Cunha: ‘Qual a diferença entre
Silvio Almeida e Arthur Lira?’
O escândalo de assédio
envolvendo o ex-ministro Silvio Almeida vem sendo analisado no direito e pelo
avesso. Até porque da eclosão das denúncias à condenação e demissão foi um
pulo. Bem diferente do que sempre ocorre nesses casos. Uma amiga me lembrou que
até hoje, anos depois da primeira denúncia, nada de concreto ocorreu com o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusado abertamente pela ex-mulher
de violência sexual, agressão, estupro e o diabo. Seria pelo fato de um ser
branco e o outro, negro?
Mas no caso de Silvio
Almeida há um aspecto que até agora permanece na zona de sombra, talvez por
conveniência, algo como “é melhor não mexer com isso, deixa pra lá”. Trata-se
da dificuldade de seus fãs dentro da esquerda em aceitar pura e simplesmente o
fato inexorável de que ídolos e líderes, de políticos a religiosos, de
esportivos a artistas de sucesso, em todos os tempos, uma hora ou outra, de
repente revelaram seus pés de barro. Pelo simples fato de que todos são…
humanos.
No caso do ministro,
apesar de seu currículo exemplar, seus “cultores” precisam ter a coragem de
reconhecer, pura e simplesmente, que ele errou feio. Cometeu crimes, sim. E o
primeiro gesto para curar a ferida exposta é o reconhecimento sincero de seu erro.
Depois vem a adoção de medidas capazes de revelar que seus adeptos não
concordam com suas atitudes, deixando muito claro que ele, depois de livremente
exercer seu direito à defesa, precisa receber a punição que lhe cabe, para não
comprometer a imagem da equipe de que faz parte. No caso, a equipe é o governo
Lula.
Se levarmos para o
campo do esporte, isso fica bem fácil de entender. Durante anos, jogadores ou
treinadores idolatrados pelas torcidas como Daniel Alves, Robinho e Cuca
ocuparam um lugar de glória no coração de seus fãs. Até pisarem na bola com a
revelação de terem cometido crimes sexuais como o estupro. Para um torcedor
fanático, é muito difícil reconhecer o erro de seu ídolo. Mas, para seguir em
frente apoiando sua equipe, o jeito é baixar a bola, curvar-se em desculpas às
arquibancadas, concordar com a pena imposta, que às vezes é a expulsão e,
humildemente, continuar acompanhando o jogo.
Na área da religião,
figuras admiradas e altamente respeitadas de repente se revelaram criminosos
comuns. Foi o caso de vários pastores evangélicos apanhados em crimes de abuso
sexual ou de estupro de vulneráveis. Para muitos fiéis, eram verdadeiros ídolos,
aos quais se curvavam e reverenciavam, mas que, de repente, se revelaram
autores dos crimes mais abjetos. O médium João de Deus arrastava milhares de
fiéis em Abadiânia, Goiás. Até ser denunciado por dezenas de mulheres por abuso
sexual. E tudo em nome de… Deus! Será que tais descobertas são capazes de
derrubar uma religião milenar como o espiritismo ou apenas confirmam a
existência de falibilidade entre os ídolos religiosos? Na época das denúncias,
apareceram fiéis indignados, debitando tudo a essa imprensa cheia de comunistas
ateus. Só que o João, de Deus não tinha era nada.
Na política, não
faltam histórias escabrosas envolvendo figuras
idolatradas. De Trump a Clinton. De Berlusconi a Schwarzenegger. Ainda
outro dia, por aqui, o ex-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Bolsonaro,
Pedro Guimarães, foi acusado da prática de assédio, crime igual ao que derrubou
Silvio Almeida. Claro que Guimarães nunca foi idolatrado, fica apenas o
registro. Como igualmente vale o registro de denúncias gravíssimas feitas pela
ex-mulher do atual presidente da Câmara, Arthur Lira. Uma amiga me lembrou que até hoje, anos
depois da primeira denúncia, nada de concreto ocorreu com ele, acusado dia e
noite pela ex-mulher de violência sexual, agressão, estupro e o diabo. A
diferença de tratamento entre um e outro seria pelo fato de um ser branco e o
outro, negro? Sim, é bem possível. Como também, é claro, a boa articulação de
Lira na área política.
A menção a todos eles
apenas reforçam a necessidade, insisto, de saber encarar com naturalidade o
fato inexorável de que os ídolos, uma hora ou outra, dão lá suas vaciladas. No
caso de Silvio, uma análise dos comentários postados nas redes sociais por
esquerdistas ranhetas demonstra claramente a dificuldade de lidarem com as
acusações. A palavra ídolo se aplica bem a ele, que durante todo o governo
tornou-se uma das figuras mais representativas da luta pela afirmação de
direitos fundamentais, e por isso mesmo o baque foi bem maior do que se o
assédio tivesse sido praticado por algum ministro que cuidasse de áreas menos
sensíveis do governo.
Mas o que precisa
urgentemente ser naturalizado, mesmo arcando com as dores que isso acarreta, é
a pura e simples condenação a quem comete um crime dessa natureza, seja quem
for o autor. É cansativo ficar buscando ou inventando motivos do tipo “isso é
coisa de quem tem inveja do cargo dele”, ou “isso tem dedo dos golpistas dos
Estados Unidos”; ou “isso é coisa da Globo”; ou, ainda: “só pode é ser invenção
dessa direita fascista”. Silvio Almeida pisou na bola, sim. As provas são
robustas. Respeitado seu direito à ampla defesa, foi apanhado em flagrante, com
o depoimento inclusive de uma colega de ministério, que parece ter tido mesmo
um affair com ele, o que não muda uma vírgula na denúncia, porque há outras
testemunhas que já revelaram ter sido intimidadas com tentativas de toques em
suas partes íntimas.
E, aos que alegam que
a direita está se aproveitando do fato, lembro que a esquerda não age nem nunca
agiu de forma diferente. Lá no escândalo do ex-presidente da CEF tocou trombeta
à vontade. No que fez muito bem, diga-se de passagem. Como igualmente o fez no
caso de Arthur Lira, embora sem efeito algum, até agora.
De volta ao início.
Lembra quando a professora pegava a gente numa “maldade” com um coleguinha, nos
fazia reconhecer o erro, pedir desculpas na frente de todo mundo e prometer que
nunca mais faria isso? Pois a lição da professorinha vale até hoje. Quanto ao
caso Arthur Lira, está faltando quem bata mais forte o tambor, dia e noite, até
acontecer alguma coisa. Até porque, se tudo continuar como está, vamos ter de
reconhecer que o racismo estrutural denunciado no livro “O que é racismo
estrutural?” continua mais forte do que nunca. Sabe quem é o autor do livro?
Silvio Almeida.
• Minuta indica detalhes de tentativa de
acordo que envolveria Lira e sua ex-esposa. Por Alice Maciel
A minuta de um acordo
que teria sido negociado entre intermediários do presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e sua ex-esposa, Jullyene Lins, previa um
“acordo de gentilezas”, pelo qual se comprometeriam mutuamente a “em hipótese
nenhuma, falar em público, dar entrevistas usando o nome dos acordantes” e
tratarem-se com “urbanidade”.
A tentativa de acordo
por meio de intermediário de ambos teria ocorrido quando Lira concorria à
presidência da Casa Legislativa em janeiro de 2021.
A Agência Pública teve
acesso ao rascunho da minuta do acordo que teria sido mediado pelo ex-assessor
de Lira Luciano Cavalcante e uma amiga do ex-casal, a advogada Kenya Farias,
conforme troca de mensagens no WhatsApp entre ela e Jullyene, registradas em
cartório em 22 de julho de 2024.
A reportagem procurou
Kenya, que afirmou que não poderia falar sobre o assunto porque “o contrato tem
cláusula de confidencialidade”. A reportagem tentou falar com Luciano por meio
de e-mail e WhatsApp do União Brasil Alagoas, presidido por ele, mas não houve
retorno até a publicação.
Procurado, Lira enviou
uma nota por meio de sua advogada Maria Claudia Bucchianeri. No entanto, antes
da publicação, sua assessoria de comunicação solicitou que a nota não fosse
publicada.
O texto do acordo
previa o pagamento de R$ 400 mil para Jullyene, “para cobrir despesas
amealhadas pelo casal”; R$ 600 mil em pensão alimentícia; a transferência de um
carro, o direito de usufruto de um imóvel e a destinação de outro. O montante
seria parte do patrimônio reivindicado por Jullyene na Justiça desde o divórcio
com o político, em 2006. O pagamento estava condicionado ao fim de “qualquer
reclamação futura sobre indenizações”.
Conforme as mensagens
obtidas pela reportagem, o suposto intermediário de Lira teria pedido que fosse
incluída uma cláusula que impedisse a ex-esposa de falar mal dele.
“O Luciano falou aqui
agora que ele [Arthur Lira] pediu para colocar alguma cláusula que dê segurança
a ele, que depois que ele fechar isso ela não vai falar mal dele. Aí você acha
que eu devo colocar o que aqui, qual a sua sugestão?”, disse Kenya por mensagem
de áudio enviada para o atual companheiro de Jullyene, Kleber Bezerra, em 9 de
janeiro de 2021, às 11h26.
Na sequência, Kleber
respondeu em texto: “Que ficam terminantemente proibidos de falarem um do outro
em qualquer canal de comunicação ou mesmo nas redes sociais sob pena de
retratação pública e multa a estipular e que o livre exercício do mandato não
lhe dá o direito de quebrar essa cláusula! Nem como ex esposo nem tampouco como
parlamentar! Arbitrar a multa…”.
As mensagens trocadas
entre a advogada, Kleber Bezerra e Jullyene Lins, referentes às tratativas do
acordo, no período de 26 de novembro de 2020 e 10 de janeiro de 2021, foram
registradas em ata notarial no dia 22 de julho de 2024 com objetivo de atestar
a veracidade do conteúdo das conversas. Nos diálogos, há informações de
encontros que Kenya teria tido com Luciano Cavalcante para tratar do assunto.
“Bom dia, Kleber, o Luciano está vindo aqui em casa”, escreveu Kenya, às 9h41
do dia 8 de janeiro de 2021.
Ex-assessor de Lira,
Luciano Cavalcante foi alvo da Operação Hefesto, da Polícia Federal,
desencadeada em junho do ano passado para investigar supostas irregularidades
na compra de kits de robótica. Em setembro do mesmo ano, a investigação foi
arquivada por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar
Mendes. No entanto, no mês passado o ministro Flávio Dino enviou o caso para
ser analisado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, conforme revelou
a revista piauí.
<><>
“Acordo de gentilezas”
Segundo as mensagens,
às 16h48 do dia 8 de janeiro de 2021 Luciano e Kenya teriam se encontrado,
quando houve o envio de um documento em Word, com o rascunho de um acordo, para
o celular de Kleber Bezerra. A Pública confirmou nos metadados do documento que
o arquivo foi criado por Kenya Farias naquela mesma data, às 16h41. Nele, há
uma cláusula de “acordo de gentilezas”.
“Os requerentes
acordam de livre e espontânea vontade, desde a assinatura desse acordo, que em
hipótese nenhuma, falar em público, dar entrevistas usando o nome dos
acordantes. Declaram também, que a partir dessa data, se trataram
reciprocamente, com urbanidade. Em face do caráter público e político da
personalidade do requerente, da notoriedade e importância das suas funções para
a democracia política”, diz o trecho do documento.
A ex-esposa de Arthur
Lira justificou que aceitou firmar o acordo com o deputado porque estava “sem
condições financeiras” e para “voltar a ter contato com os filhos”, que naquela
época já moravam com pai – o documento trata também da guarda deles e que seria
exclusiva do genitor, sendo que a mãe teria a possibilidade de visitas. “Eu
queria o que era meu de direito no divórcio, eu queria me ver livre desse
problema e ter contato de novo com os meus filhos, eu tinha essa esperança”,
afirmou Jullyene.
Um dos motivos que
teriam travado a efetivação do acordo, segundo o entendimento de Jullyene Lins,
foi porque Lira queria que ela publicasse uma nota elogiando o ex-marido e
negando informações sobre o deputado divulgadas à época pela imprensa, antes de
efetivar o pagamento pactuado.
O texto que define
Lira como um “pai presente e exemplar” teria sido escrito pela assessoria de
imprensa do deputado, conforme mensagem enviada por Kenya para Jullyene Lins em
8 de janeiro de 2021, às 13h36: “Foi a assessoria dele [Arthur Lira] que passou.
Podemos modificar alguma coisa”, escreveu a advogada após encaminhar o arquivo
em word com o texto. “Eu acho que ele não entendeu mto bem, qq nota é
necessário que intervenha o cumprimento total do acordo”, respondeu Jullyene.
O arquivo encaminhado
por Kenya para Jullyene foi criado em 8 de janeiro de 2021, às 12h51, pela
NovaSB Comunicação Ltda. – uma agência de publicidade que atende a diversos
órgãos públicos –, de acordo com os metadados do documento. A nota se referia a
uma reportagem publicada na revista Veja sobre um processo de violência contra
mulher do qual Lira foi absolvido em 2006 pelo STF.
“Desde que Arthur foi
apresentado como candidato, tenho sido procurada por emissários de adversários
de maneira insistente. No caso desta jornalista, não fui consultada em tempo
hábil nem tive a chance de apresentar uma declaração ao jornal que trouxe uma
matéria antiga, requentada, já objeto de outros veículos de comunicação, sobre
uma ação de 15 anos atrás e arquivada há 6 anos”, dizia o texto.
Seis dias após
Jullyene ter recebido a nota que teria sido escrita pela assessoria do
parlamentar, a Folha de S.Paulo publicou uma entrevista com ela com denúncias
de lesão corporal contra Arthur Lira.
<><> O que
dizem as mensagens
Jullyene Lins contou à
Pública que a advogada Kenya Farias era amiga do ex-casal e que ela teria se
colocado à disposição para, em 2020, mediar um acordo financeiro entre ela e
Arthur Lira, com objetivo de encerrar o imbróglio iniciado desde o divórcio, há
18 anos.
A primeira mensagem de
WhatsApp que aparece no arquivo registrado em cartório por Jullyene foi enviada
por Kenya em 26 de novembro de 2020, às 15h18. “Oi, amiga, Luciano vem falar
comigo amanhã.” “Que Luciano?”, perguntou Jullyene. “Assessor dele [de Arthur
Lira]”, respondeu Kenya.
Depois, elas teriam
voltado a se falar por mensagem em 6 de dezembro de 2020, às 20h58. “Amiga, boa
noite. O Luciano ligou mais cedo para desmarcar, para amanhã de manhã, disse
que o Arthur tinha uma reunião com o Silas, não sei se é o Silas Malafaia, e que
vinha um jato buscar ele aqui, em Maceió, logo cedo, não ia dar tempo, e que
provavelmente ligaria para mim hoje à noite, para ver se poderia ser. Aí eu
fiquei esperando até agora, não falei nada pra você não ficar apreensiva antes,
até agora ninguém ligou, viu? Mas ele disse que pode ser que ligue amanhã de
manhã, que eu ficasse alerta, aí eu vou ficar aqui esperando, ver se ele liga e
diz alguma coisa”, disse a advogada em áudio.
No dia seguinte pela
manhã, Jullyene pediu que Kenya lhe enviasse uma foto de um papel que ela teria
esquecido no apartamento da advogada. Jullyene disse à reportagem que nele foi
rascunhada a proposta que teria sido apresentada a Arthur Lira, com o valores
dos bens que deveriam ser repassados a ela, apesar de não terem sido incluídos
na minuta do acordo.
No dia 10 de dezembro,
às 12h55, Kenya encaminhou um áudio para a Jullyene afirmando que teria marcado
um encontro com Luciano e Arthur Lira. “Amiga, boa tarde. Já ficou marcado
amanhã, às duas horas, tá? Com ele mesmo, aqui em Maceió. O Luciano já chegou,
mas disse que ele vai me atender amanhã, às duas horas.”
Mensagens de Kenya
enviadas para Jullyene no dia seguinte sugerem que o encontro teria ocorrido,
mas sem a participação do deputado.
Em 17 de dezembro,
Kenya escreve para Jullyene falando de novo encontro que teria agendado, na
manhã seguinte. “Amiga, Luciano ligou agora. Marcou amanhã 11 horas”, escreveu
Kenya. Jullyene respondeu: “Com quem? [….]”. “Com o Artur. Disse que vem de
jato kkkkk.”
De acordo com as
conversas, Kenya teria voltado a se encontrar com Luciano Cavalcante no dia 8
de janeiro de 2021: “amanhã estarei com ele pela manhã, deixe o celular ligado.
Tô terminando os termos”, escreveu aos 00:52. Durante os dois dias seguintes, a
advogada, Jullyene e seu companheiro, Kleber Bezerra, debateram questões
envolvendo os imóveis, a forma de pagamento do dinheiro, além da cláusula de
sigilo entre as partes.
As conversas sugerem,
no entanto, que a outra parte já não demonstrava tanto interesse em fechar o
contrato. “Ele [Luciano Cavalcante] ficou de entrar em contato às 20 horas. Até
agora nada. Amanhã ele volta pra Brasília. O que tudo indica que enrolou mesmo.
Ele veio aqui com algum intuito. Não foi atoa”, escreveu Kenya em mensagem
encaminhada para Kleber às 21h54, no dia 10 de janeiro de 2021.
Em 2 de fevereiro
daquele ano, Lira venceu as eleições para a presidência da Câmara, com 302
votos.
Em 21 de janeiro de
2021, Kenya conta para Jullyene que Luciano tinha voltado a procurá-la,
questionando sobre algo que Jullyene teria dito sobre os filhos. A advogada
disse que teria respondido a ele: “A, não sei, minha atuação se encerrou ali,
quando não quis fazer o acordo. Aí não sei de mais nada”.
Fonte: Congresso em
Foco/Agencia Pública
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