Por que homens têm
dificuldades em buscar tratamentos de saúde?
Ainda em 2024,
existem muitos estigmas e preconceitos perpetuados pela sociedade patriarcal,
em que homens são vistos como infalíveis, fortes e seguros. Isso pode explicar
a grande diferença na procura por tratamentos de saúde entre homens e mulheres.
Segundo relatório da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, 69,4% dos homens passaram
por consulta no ano de 2018, enquanto esse número é de 82,3% entre as mulheres.
Quando se trata da saúde emocional, a segunda edição do “Panorama da Saúde
Mental”, realizado pelo Instituto Cactus e AtlasIntel, mostra que apenas 5% dos
brasileiros fazem terapia. Além disso, 56% dos deles afirmaram nunca ter
procurado um profissional da saúde para lidar com transtornos de ansiedade.
Entre homens, a situação é pior e o índice chega a 65%.
A psicóloga Bárbara
Couto, mestre em Psicologia Clínica e Saúde, explica que normas culturais e
sociais incentivam os homens a internalizar as dificuldades e a nunca
demonstrar fraqueza. Essa socialização masculina tradicional valoriza algumas
características, como auto suficiência, controle emocional, força, e gera culpa
e vergonha quando se tem algum tipo de sofrimento. “As pesquisas indicam que esses
fatores são reforçados pelos ambientes sociais, familiares e profissionais.
Desde que a criança nasce, o homem tem que engolir o choro para virar homem e
nunca pode demonstrar nenhum tipo de sentimento. É como se o sentimento
afetasse a masculinidade. Nesse contexto, a saúde mental é totalmente ignorada,
porque é vista como fraqueza”, explica Bárbara.
Muitas vezes, os
pais também foram educados dessa forma e perpetuam essa condição, fazendo o
mesmo com os filhos. Além disso, na maioria das escolas não há o ensino da
inteligência emocional, que poderia ajudar a mostrar que homens têm sentimentos
assim como mulheres. Para Bárbara Couto, seria de suma importância que esse
tema também fosse abordado em escolas para quebrar esse ciclo e da orientação
sexual. E acaba tendo uma lacuna muito importante no desenvolvimento de
habilidades sociais e emocionais nos meninos e nos homens. Não temos,
culturalmente, muitos modelos masculinos positivos que validem essa busca por
ajuda, o que agrava o problema”, alerta ela.
·
Emoções
reprimidas mudam o funcionamento cerebral dos homens
Os estudos em
neurociência mostram que os homens, quando estão sob estresse emocional, ativam
menos as regiões dos cérebros, que são ligadas à percepção e a expressão
emocional. Com isso, a amígdala e o córtex pré-frontal ventromedial vão sendo
reprimidos. “Para parte da sociedade, a única emoção que o homem pode ter é
raiva, se tornando pessoas mais agressivas e mais difíceis de lidar. Essa
educação, que muitos de nós temos, acabam perpetuando o ciclo de masculinidade
tóxica e reforça o silêncio em relação à saúde mental. Poucos homens Conseguem
reconhecer suas fragilidades e dificuldades em lidar sozinhos com suas
emoções”, declara Bárbara Couto.
Os homens, que
geralmente, já têm mais dificuldade na comunicação, quando não tratam da saúde
emocional, têm essa dificuldade aumentada. E isso afeta negativamente os
relacionamentos familiares, conjugais, sociais, e até a produtividade no
trabalho. “Nos relacionamentos, eles são aqueles homens que explodem, ou que se
distanciam emocionalmente, ou que não conseguem conversar, ou que, em qualquer
conflito querem terminar a relação. E aí podem se tornar pessoas dependentes
emocionais ou solitárias”, explica ela.
O comerciante
Alexsandro Pohlnann é um exemplo claro disso. Ele conta que, por insistência da
esposa, fez um plano de saúde e foi a uma única uma consulta. “Se não fosse por
ela, eu nem teria feito o plano, mas, na consulta, foi detectado que sou
pré-diabético. Parei de ingerir açúcar e cancelei o plano”, relatou o
comerciante.
Ele disse ainda que
tem certeza de que está muito bem de saúde e que, caso sinta algo relacionado à
pré-diabetes, procurará um médico.
Já o funcionário
público Lucian Grillo decidiu buscar ajuda psicológica depois de perceber que
questões pendentes do passado estavam influenciando diretamente seu dia a dia.
“Eu sentia dificuldade em reconhecer e lidar com meus próprios sentimentos,
além de enfrentar uma ansiedade que ia além do normal. Foi um passo importante
para entender melhor a mim mesmo e buscar equilíbrio emocional”, relata.
·
Preconceito
em relação à terapia
Lucian afirma que
tinha um certo preconceito em relação à terapia e que, na verdade, o que
faltava era mais informação sobre sua importância e o trabalho do profissional
de psicologia. “Sobre ter sido criado para ser forte, posso dizer que sim. Fui
educado dentro daquele modelo tradicional, em que ‘homem não chora’ e não
demonstra seus sentimentos. Esse tipo de pensamento, sem dúvida, afeta
profundamente a saúde mental dos homens, porque cria uma barreira para que
reconheçamos nossas vulnerabilidades e busquemos ajuda.”
Ele reconhece que a
terapia trouxe mudanças profundas para sua vida. Afirma que, com o tratamento,
conseguiu se acalmar em situações que antes o deixavam desconfortável e
entender que muitas coisas, principalmente em relação aos pais, não são
responsabilidade dele. “Aprendi que algumas crenças com as quais cresci não são
definitivas e que, na verdade, meu cérebro adoecido me fazia acreditar que eu
era insuficiente ou não merecedor. Hoje, confio muito mais em mim e no meu
potencial. Também aprendi a regular minhas emoções e sentimentos, o que me
permitiu viver de forma mais leve e equilibrada”, afirma Lucian.
·
Homens
da Geração Z buscam mais ajuda
De acordo com
Bárbara, homens mais jovens têm mais abertura para buscar tratamento
psicológico. A masculinidade tradicional vem sendo desconstruída e há maior
conscientização sobre saúde mental na Geração Z. Além de ser uma geração de
pais mais esclarecidos, os homens dessa geração são mais influenciados por
campanhas nas redes sociais e por figuras públicas. “Na clínica, a maioria dos
pacientes são mulheres.
É o reflexo do
nosso padrão cultural, onde as mulheres têm uma aceitação maior em discutir
problemas, em sentir e em buscar apoio. E os homens que chegam ao consultório
são os mais jovens ou que estão numa crise emocional muito grande, ou quando é
pedido por familiar, principalmente esposa. Aqueles que superam as barreiras
culturais e iniciam o processo terapêutico, têm um progresso significativo”,
finaliza a psicóloga Bárbara Couto.
Fonte: O Dia
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