Assim a URSS acolheu os filhos de revolucionários
Viola Carrillo tinha apenas sete anos quando teve que fugir
do Chile em agosto de 1974.
Poucos meses antes, o regime de Augusto Pinochet havia
executado seu pai, Isidoro Carrillo, um conhecido líder sindical dos mineiros
de carvão e membro do partido comunista chileno.
Em meio à perseguição, e apoiada pela Cruz Vermelha, a mãe de
Viola, Isabel Nova, conseguiu embarcar com os filhos em um avião com destino a
Moscou, capital da então União Soviética.
De lá, Viola e seus irmãos foram enviados para um lugar muito
particular: o internato internacional de Ivanovo, mais conhecido como Interdom,
localizado a quase 300 quilômetros a nordeste de Moscou.
Fundada em 1933, esta instituição de ensino recebeu durante
décadas filhos de revolucionários do mundo todo que precisavam de proteção.
Entre seus alunos, estavam os filhos do chinês Mao Tsé Tung (ou Zedong),
do militar iugoslavo comunista “Tito” (JosipBroz) e da espanhola Dolores
Ibárruri, conhecida como La Pasionaria.
E também Viola.
“Cheguei muito frágil. Eu havia perdido meu pai, e sabia que ele
havia sido executado. Chorava à noite porque sentia falta da minha mãe, não
conseguia dormir”, diz ela sobre os primeiros dias no internato, que acabou
sendo sua casa pelos dez anos seguintes.
“Mas rapidamente fui me integrando”, acrescenta ela à BBC News
Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.
“Em parte, graças à fraternidade que recebi dos meus colegas
latino-americanos, com quem compartilhava uma história em comum.”
·
Quando e por que o internato foi criado?
A ideia de um internato para filhos de revolucionários veio de
uma militante comunista suíça, Mentona Moser, cuja família abastada fundou a
empresa de relógios Moser, em São Petersburgo.
Quando viajou para a Rússia em 1926, Moser ficou tão inspirada
pelo Estado comunista que decidiu doar parte de sua herança para a criação da
escola.
Ela contou com a ajuda de Fritz Platten, um dos fundadores da
Internacional Comunista, também conhecido por organizar o retorno de Vladimir Lênin da Suíça para a Rússia em 1917.
Eles escolheram a cidade de Ivanovo — chamada tradicionalmente
de “capital têxtil” da Rússia — para construir o estabelecimento, que desde o
início contou com uma infraestrutura notável para a época.
Os primeiros a chegar ao internato foram os filhos de
antifascistas da Bulgária e da Alemanha, mas com o tempo vários ativistas
políticos do mundo todo, incluindo países como Grécia, Áustria, Itália,
Espanha, Irã, Angola, Etiópia e Somália, enviaram seus filhos para Ivanovo.
O local também foi um refúgio para crianças durante o cerco a Leningrado na Segunda Guerra Mundial e
após o acidente nuclear de Chernobyl em
1986.
No total, cinco mil crianças de 85 países passaram pelo
Interdom.
·
A presença latino-americana
E a América Latina não
foi exceção.
“Desde a década de 1930, muitas crianças latino-americanas
começaram a chegar devido às diferentes ditaduras que assolaram a região”,
explica Cristián Pérez, autor do livro Los NiñosdelInterdom, que
éacadêmico da Universidade de Playa Ancha, no Chile.
Pérez afirma que a primeira onda veio de Cuba na década de 1930,
depois que a ilha ficou sob o domínio de Gerardo Machado. Depois vieram os
guatemaltecos, filhos de famílias ligadas ao Partido Trabalhista da Guatemala
que se exilaram a partir de 1954.
No fim da década de 1960, chegaram jovens do Paraguai e do
Equador, e mais tarde da Colômbia, após a tomada do poder pelos militares,
liderados por Gustavo Rojas Pinilla.
A partir da década de 1970, se somaram os filhos de revolucionários
do Chile e de outros países da região que enfrentavam cenários complexos.
“A maioria destas crianças havia sofrido perseguição ou perda de
familiares, muitos deles desaparecidos ou fuzilados. São sobreviventes de uma
tragédia e, portanto, carregam nas costas as dores, o trauma e a angústia dessa
sobrevivência”, explica Cristián Pérez.
Segundo ele, esta história comum fez com que os
latino-americanos se aproximassem e se apoiassem.
“Entre colombianos, equatorianos, chilenos, paraguaios, etc., eles
eram realmente irmãos”, acrescenta Pérez.
A chilena Viola Carrillo concorda.
“Havia um calor humano entre nós, uma fraternidade muito
especial. Até hoje mantemos contato”, afirma.
No fim da década de 1970, os latino-americanos ocuparam um lugar
especial no Interdom, tornando-se o grupo maior e mais bem organizado, explica
Pérez.
Os estudantes destes países levaram sua cultura para a
instituição, formando inclusive um emblemático grupo musical, chamado Los
Ponchos Rojos, que chegou a ganhar popularidade além das fronteiras do
internato.
A banda — que participou de festivais em diversas cidades da
União Soviética — tocava ao ritmo do folclore do altiplano, com instrumentos
locais como charango, zampoñas e bumbo,
repertórios de Víctor Jara e Violeta Parra e outras referências sul-americanas.
Eles também tocavam canções de protesto.
“Como latinos, nunca deixamos de cantar nossas músicas. Também
fazíamos peças de teatro, líamos poesia”, lembra Viola Carrillo.
·
Adaptação
Embora esta irmandade os tenha ajudado a tornar a adaptação não
tão difícil no início, as circunstâncias eram adversas. A começar porque se
falava 90% do tempo apenas em russo, língua que a grande maioria das crianças
não falava ao chegar.
Estas são as lembranças de Óscar Villagra, que precisou fugir do
Paraguai em meio ao governo militar de Alfredo Stroessner (que comandou o país
entre 1954 e 1989) — e, aos 15 anos, entrou para o internato.
“Quando cheguei, senti um choque muito forte porque não tinha
ideia de que precisava aprender outro idioma, e russo não é fácil”, diz ele à
BBC News Mundo.
“Mas tive que aprender rápido por necessidade, também tive que
me acostumar com uma nova cultura, uma nova comida e um novo círculo”,
acrescenta.
Além de ensinar russo, a escola garantia que as crianças aprendessem
sua própria língua materna, história e cultura nativas. Por isso, se esforçava
para encontrar professores até mesmo para os idiomas menos falados.
Isso fazia parte do seu currículo acadêmico que, segundo Pérez,
era de “alto nível’.
“É preciso entender que este era um internato de elite. Eles
tinham todos os avanços técnicos, bibliotecas impressionantes, salas de mapas,
instalações esportivas de alto nível e uma alimentação que provavelmente não
havia em nenhum outro lugar da Rússia naquela época”, diz ele.
Os alunos tinham que usar uniforme. Um para a parte da manhã, e
outro para a tarde. Calças azuis para os homens, saias plissadas e sapatos de
verniz para as mulheres. Sábado era o único dia em que podiam se vestir como
quisessem (ocasião ideal para a troca de roupas entre os alunos).
A jornada começava cedo: todos acordavam às 6h da manhã.
Na sequência, a rotina consistia em fazer exercícios e, mais
tarde, tomar café da manhã: ovos, pão com manteiga e iogurte.
Em seu livro, Pérez afirma que o resto do dia era dividido mais
ou menos assim: aulas pela manhã, almoço — que poderia incluir a famosa sopa
russa de beterraba (borsch) —, soneca, fazer dever de casa e algumas
horas livres para brincar.
Antes de dormir, havia algum espaço para convívio social até o
apagar das luzes, às 20h.
·
Pioneiros
Mas sempre havia momentos em que os alunos sentiam falta dos
pais.
Com a voz embargada, Viola Carrillo lembra que dos dez anos em
que ficou na escola, visitou a mãe apenas em algumas ocasiões.
“Hoje, aos 50 anos, posso dizer: Senti falta da minha família,
da minha mãe… porque embora o Interdom tenha me dado tudo, nunca deixou de ser
um internato”, afirma.
De alguma forma, essa tristeza era contrabalançada pelo orgulho
que sentiam pelo que seus pais haviam feito ou continuavam fazendo em seus
países de origem.
Eles também eram motivados pela esperança de retornar.
“Conversávamos o tempo todo sobre o que estava acontecendo em
nossos países, víamos televisão na esperança de que as coisas mudassem…
fantasiávamos que voltaríamos e que estariam nos esperando com bandeiras”,
conta à BBC News Mundo Patricia Salgado, uma chilena que teve que deixar o país
em 1974 após o golpe de Pinochet. Seu pai, Jorge Salgado, trabalhava no
Ministério da Educação de Salvador Allende.
“Quando houve um atentado contra Pinochet no Chile, pensamos:
Vamos embora!!”
“Sem esse estímulo, sem esse sonho, não teríamos conseguido
sobreviver. Era o que nos mobilizava”, acrescenta.
Uma lembrança semelhante é compartilhada com a BBC News Mundo
pela equatoriana Aida León, filha de um ativista do partido comunista do
Equador, que chegou ao internato em 1973, aos 14 anos.
“Celebramos tanto a queda de (Anastasio) Somoza (que exerceu
poder ditatorial na Nicarágua de 1937 a 1979) quanto a libertação de
Guiné-Bissau (em setembro de 1974). Todos nós ficamos felizes”, recorda.
É que respirava-se política em todos os cantos do internato.
“O Interdom não era um lugar para os filhos da burguesia, mas
para os dos revolucionários. Então, desde a sua fundação, tinha uma forte
presença política e ideológica. Eles preparavam as crianças que mais tarde
voltariam ao campo de batalha”, explica Pérez.
“Toda educação tinha o sentido libertador do marxismo daquela
época. De formar pessoas comprometidas com os processos de mudança, com as
lutas sociais”, completa.
Alguns alunos lembram, inclusive, que brincavam de “guerrilha”
no bosque adjacente à instituição de ensino.
“Sempre que podíamos, fugíamos para a floresta, construíamos
fortes e brincávamos de guerra”, lembra Viola Carrillo.
Para quem tinha um interesse particular pela política, havia a
opção de aderir à organização Pioneiros, uma estrutura criada em 1922 para
envolver crianças de 10 a 14 anos em atividades partidárias e formá-las com os
valores comunistas.
Aqueles que faziam parte deste grupo eram facilmente
reconhecidos porque tinham que usar um lenço vermelho.
Uma vez por ano, eles participavam de acampamentos de colônia de
férias, onde conheciam milhares de outras crianças da União Soviética que
faziam parte da organização.
·
O retorno
Mas as crianças que faziam parte do Interdom sabiam que sua
passagem pelo local tinha prazo de validade.
Quando concluíam o ensino médio, elas tinham que sair e
enfrentar a vida real. Muitas vezes, voltar aos seus países não era uma opção.
“Era difícil, principalmente por uma questão econômica. Os
rublos não valiam nada em nenhum lugar”, explica Pérez.
“Isso fez com que muitos jovens permanecessem na União Soviética
ou em outros lugares da Europa como a Suécia”, acrescenta.
Mas alguns latino-americanos conseguiram voltar.
É o caso de Viola Carrillo e Patricia Salgado, que após seguirem
carreira profissional na Rússia, voltaram ao Chile na primeira metade da década
de 1990, após o fim do regime de Pinochet.
Óscar Villagra e Aida León também retornaram ao Paraguai e ao
Equador, respectivamente, nos anos 1980.
Apesar da alegria que significava voltar para casa depois de
tantos anos, para alguns o processo não foi fácil.
“Fui a única da minha família que voltou, e fiquei muito
sozinha. Diria até que o segundo exílio foi pior que o primeiro porque cheguei
a uma idiossincrasia totalmente diferente, muito individualista”, lembra
Salgado.
Atualmente, o Interdom — que tem o nome de Elena Stasova, uma
líder do Partido Comunista da União Soviética — continua existindo, embora de
uma forma muito diferente.
Embora tenha sobrevivido à dissolução da União Soviética em
1991, a presença de crianças estrangeiras do mundomundo — e especialmente da
América Latina — na instituição diminuiu.
No início dos anos 2000, ganhou força a ideia de transformar o
local em academia militar. O plano foi suspenso depois que os estudantes
escreveram para o presidente russo, Vladimir Putin, e
fizeram greve de fome.
Nos anos seguintes, o Interdom se dedicou principalmente a
receber jovens da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas.
Hoje, o internato — que conta com 10 prédios e capacidade para
mais de 500 alunos — realiza apenas programas educacionais de curta duração (90
dias no máximo) para crianças estrangeiras.
Mas a memória nostálgica de muitos dos que estudaram lá
permanece intacta.
Os latino-americanos que deram seu depoimento à BBC News Mundo
afirmaram que ainda possuem objetos de decoração russa em suas casas. Também
continuam preparando pratos típicos da época soviética, enquanto suas músicas e
séries preferidas são em russo.
“É uma cultura tão forte que é impossível deixar para trás”, diz
Viola Carrillo.
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Biden informa ao
Congresso que 80 mil soldados dos EUA estão na Europa para conter a Rússia
O presidente dos EUA, Joe Biden, informou ao Congresso sobre a
presença de 80 mil soldados americanos em países europeus, enviados para lá
ostensivamente para dissuadir a agressão russa.
"Cerca de 80 mil membros das forças armadas dos EUA são
enviados ou destacados para os países da Organização do Tratado do Atlântico
Norte [OTAN] na Europa”, diz a carta do presidente americano à liderança de
ambas as câmaras do Congresso dos EUA.
Como observou o líder americano, os militares dos EUA estão lá
para “acalmar os aliados” e "dissuadir novas agressões russas".
Anteriormente, o presidente russo, Vladimir Putin, em entrevista
ao jornalista americano Tucker Carlson, explicou detalhadamente por que não faz
sentido algum Moscou atacar os países da OTAN.
O líder russo observou que os políticos ocidentais intimidam
regularmente as suas populações com uma ameaça russa imaginária, a fim de
desviar a atenção dos problemas internos, mas "pessoas inteligentes
compreendem perfeitamente que isto é uma farsa".
Na segunda-feira (2), o conselheiro de Segurança Nacional da
Casa Branca, Jake Sullivan, afirmou que os EUA vão impor mais sanções à Rússia
antes que o atual presidente, Joe Biden, deixe o cargo.
Nesse mesmo dia, o secretário de Estado norte-americano, Antony
Blinken, anunciou um novo pacote de assistência militar à Ucrânia no valor de
US$ 725 milhões (R$ 4,4 bilhões).
O Kremlin afirmou que o fornecimento de armas e equipamentos à
Ucrânia por parte dos EUA e seus parceiros da OTAN atrasa a resolução do
conflito. Segundo o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov,
cargas contendo armamentos enviados a Kiev serão consideradas alvos legítimos
pelas Forças Armadas da Rússia.
¨
Roger Waters: cada
decisão tomada pelos EUA em relação à Ucrânia foi desastrosa
Músico britânico e fundador da banda Pink Floyd, Roger Waters,
afirmou em entrevista à Sputnik que considera terríveis todas as decisões das
autoridades dos EUA sobre a Ucrânia.
"Cada decisão que eles tomaram em relação à Ucrânia foi
desastrosa. A partir do momento em que a Victoria Nuland [ex-vice-secretária de
Estado] organizou um golpe em Maidan, e antes disso – desde o momento em que
eles decidiram expandir a OTAN", disse ele.
Waters lembrou que o Ocidente tinha quebrado sua promessa de não
expandir a OTAN.
Segundo ele, a equipe dos chamados neoconservadores na
administração dos EUA toma decisões erradas sobre política externa em geral, e
sua política para com a Ucrânia só levou à escalada do conflito e ao
sofrimento.
Tendas de apoiadores da integração europeia na Praça da
Independência (Maidan), em Kiev, onde eclodiram confrontos entre a oposição e a
polícia, em 18 de fevereiro de 2014 - Sputnik Brasil, 1920, 21.11.2024
Panorama internacional
Maidan: 11º aniversário do evento que mudou o curso da história
mundial atual
Desde o dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia tem conduzido sua
operação especial de "desnazificação e desmilitarização" da Ucrânia,
objetivos determinados e anunciados pelo presidente russo, Vladimir Putin.
Fonte: BBC News Brasil/Sputnik Brasil
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