As ilusões
da esquerda liberal
O
que o Partido dos Trabalhadores buscou em todo esse tempo foi se mostrar como
um gestor competente do sistema econômico capitalista brasileiro
##
·
A contra-revolução
Apesar
de não ser o único momento e nem sequer o mais importante, as eleições
burguesas são uma oportunidade para refletir sobre os caminhos políticos
escolhidos, seus sucessos ou suas falhas, além de mobilizar para determinadas
pautas. A questão fundamental não é analisar somente os votos, mas compreender
a tendência interna do movimento político que os votos manifestam na
superfície. Nesse sentido, as eleições de Outubro de 2024 são absolutamente
vitais para fazer uma reflexão teórica sobre a estratégia e tática da esquerda
brasileira.
A
teoria, há muito tempo abandonada pela maioria dos partidos desse campo
político, não é um diletantismo intelectual sem relevância, mas, ao contrário,
permite analisar o real e, a partir disso, estabelecer o caminho de uma práxis
política coerente. Refletir teoricamente é estabelecer caminhos concretos
práticos. Assim, a teoria é uma necessidade que se impõe a qualquer partido
político de esquerda. As últimas eleições permitem estabelecer alguns pontos
fundamentais a esse respeito.
O
resultado da votação do último mês de outubro marcou um avanço a largos passos
da direita e da extrema direita. Houve vitória de partidos nesse espectro
político em 25 das 26 capitais brasileiras. O avanço da contra-revolução da
direita encontra um terreno fértil na capacidade de mobilização da população,
reforçando uma tendência que já havia se apresentado nas últimas eleições.
Existem, então, duas possibilidades de reflexão para se fazer. De um lado, é
possível indagar: como a direita e a extrema-direita conseguem vencer de forma
avassaladora a esquerda? Por outro lado, seria também plausível questionar:
como a esquerda consegue perder de uma maneira tão retumbante?
A
primeira pergunta envolve menos pensar sobre o que é um partido de esquerda,
sua estratégia e tática, e mais sobre como analisar a conjuntura. A direita e a
extrema-direita se apresentam como antissistema, ou seja, contra o sistema
político burguês existente. Mas, afinal, que sistema é esse? É o sistema que
explora os trabalhadores, cria longas filas em hospitais, amplia o medo e a
insegurança diante dos mais variados crimes cometidos, intensifica o trânsito e
degrada o transporte público, dificulta o acesso a bens de consumo necessários,
transforma a educação pública em algo do qual todos querem fugir, polui e
desmata a natureza, acaba com o lazer gratuito e diverso e deixa a arte
nacional em completo esquecimento e descrédito.
Qualquer
trabalhador brasileiro reconhecerá facilmente uma, duas ou mais características
dessas citadas acima, além de outras, em suas cidades. Cada um dos milhões de
trabalhadores brasileiros sabe o que essa situação é e quais são seus efeitos
práticos na luta da vida cotidiana.
A
direita captura, dessa forma, uma insatisfação do povo brasileiro em relação ao
sistema político totalmente apodrecido, composto por um conjunto de políticos a
serviço de frações do capital (latifundiários, banqueiros, industriais) e
também em relação ao sistema econômico-social que existe no Brasil, isto é, um
capitalismo dependente que gera o subdesenvolvimento. Há, portanto, uma
compatibilidade entre a insatisfação generalizada da população brasileira e
aquilo que é propagandeado pela direita, não somente durante as eleições, mas
durante praticamente todo o tempo restante. É essa compatibilidade que permite
o avanço ininterrupto da direita e a consolidação da sua força de mobilização
política.
Contudo,
essa ideia que a direita dissemina é antissistema apenas na aparência, pois, na
realidade, ela é uma validação ultrassistema, ou seja, a direita só pode manter
e aprofundar todas as mazelas que os trabalhadores brasileiros sentem em sua
pele cotidianamente. Na aparência, como crítica do sistema e redentora dos
trabalhadores; na prática, como agente de intensificação da exploração dos
trabalhadores. Aqui está a vitalidade política da direita.
Diante
desse cenário, qual tem sido o papel da esquerda brasileira? Quais são os
caminhos que ela traçou para combater um inimigo tão astuto, quanto potente?
Para isso, é necessário pensar na estratégia e tática dessa dita esquerda.
·
Estratégia e tática da
esquerda liberal
Para
discutir a estratégia e tática da esquerda liberal, é importante analisar as
eleições da cidade de São Paulo. Essa cidade é significativa não somente por
ser o maior município brasileiro, mas também porque ela representou a
nacionalização das eleições. De um lado, Jair Bolsonaro apoiou, juntamente com
Tarcísio de Freitas, o candidato Ricardo Nunes do MDB. Por outro, Lula apoiou o
candidato Guilherme Boulos do PSOL. Assim, ambas candidaturas representavam uma
disputa política nacional.
O
primeiro elemento que chama a atenção no segundo turno foi a quantidade de
abstenções: 2,8 milhões de pessoas deixaram de votar, um total de
aproximadamente 31% da população paulistana. Junto com as abstenções, os 665
mil votos nulos ou brancos superaram inclusive em número o candidato Ricardo
Nunes que venceu e ficou com 3,3 milhões de votos. Isso é uma manifestação
clara do descrédito do povo em relação ao sistema político, o que reforça a
completa impossibilidade desse mesmo sistema de resgatar sua credibilidade e
sua funcionalidade. O candidato Guilherme Boulos ficou com 2,3 milhões de
votos, um milhão de votos abaixo de Ricardo Nunes.
Guilherme
Boulos foi o candidato apoiado por Lula e o PT, uma vez que esse partido abriu
mão de uma candidatura própria para apoiar o PSOL. Portanto, Guilherme Boulos
foi o representante da esquerda liberal em São Paulo, tendo em sua campanha
praticamente uma imitação da forma lulista de agir politicamente: dialogar com
todos e rebaixar o nível de consciência crítica da campanha. Em seu programa,
Guilherme Boulos colocou como ponto importante o estímulo ao empreendedorismo
periférico (!).
Nada
podia ser mais distante de um programa de esquerda. Ao tentar angariar mais
votos, o PSOL adotou pautas da direita, o que só poderia constituir um
fracasso, pois não se pode adentrar a disputa no campo ideológico do
adversário, mas, ao contrário, é necessário elevar a consciência e fazer a
crítica sem concessões àquilo que é ideologia e que reforça concepções
disseminadas pelos grandes veículos de comunicação.
Contudo,
Guilherme Boulos e o PSOL apenas continuaram uma prática política que o Partido
dos Trabalhadores pavimentou ao longo de mais de duas décadas. É necessário
voltar a análise para esse partido, sua estratégia e tática.
Para
fazer uma crítica coerentemente ao PT, partiremos de um pressuposto que já foi
válido para o partido, inclusive em seus congressos, que é o seguinte: o
partido busca alcançar o socialismo no Brasil. Fazermos a análise inicialmente
dessa forma para não interferir em conclusões sobre o problema proposto. Em
seguida, introduziremos elementos concretos para conseguirmos nos aproximar da
realidade.
A
partir do pressuposto de que o PT procura alcançar o socialismo no Brasil,
segue-se a pergunta: como? Nos últimos 20 anos, o partido obteve uma
consistência eleitoral significativa, elegendo prefeitos em grandes capitais,
governadores em estados significativos e dos últimos 22 anos, governou o país
praticamente por 15 anos. Essa consistência eleitoral não está desvinculada de
sua tática, mas sim organicamente a ela articulada.
Para
se alcançar o socialismo, o PT procura ganhar cargos políticos (englobando
tanto os de caráter executivo acima descritos como os de caráter legislativo,
como vereadores, deputados estaduais e federais e também senadores) e através
do aumento do número desses cargos gerar um acúmulo de forças que poderia fazer
a situação política pender para seu lado e, assim, gerar uma quantidade de
reformas que transformariam a sociedade brasileira capitalista em uma sociedade
brasileira socialista.
Essa
transformação teria um amplo apoio da base da população e de um intenso
trabalho de agitação política, mas consistiria fundamentalmente na
possibilidade se ocupar o sistema político e, a partir de dentro, reformá-lo
progressivamente até se chegar ao acúmulo tão significativo de forças políticas
que seria possível alterá-lo de maneira radical. Em primeiro lugar, há um
problema, porque pode-se advogar que ainda não há o acúmulo suficiente para se
alterar o sistema econômico e político, isto é, pode-se postergar
indefinidamente o “momento correto” para tal transição.
Em
segundo lugar, trata-se de uma tática voltada para legitimar o sistema político
que se procura abolir. É possível utilizar o sistema político burguês como meio
para agitação e para disputa de determinadas causas, como já apontava Lênin.
Contudo, querer transformar a realidade a partir de um sistema político que
visa perpetuar as condições econômicas e sociais do capitalismo dependente é
pura ingenuidade, má-fé ou incompetência teórica para formular uma práxis
política correta.
O
que se pode ver é que se trata de um reformismo, que procura acumular forças
progressivamente para transformar a realidade. (Essa perspectiva fica clara ao
se ler vários documentos do PT e obras de pensadores do partido, como André
Singer e seu livro Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto
conservador).
Ora,
o fracasso dessa perspectiva já mostrou seus resultados históricos como, por
exemplo, o Chile de Salvador Allende, que, a despeito do avanço de consciência
e das formas de organização e mobilização da classe trabalhadora, falhou e
acabou com um golpe e uma longa ditadura. Como Ruy Mauro Marini apontou em seu
livro O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile, o
reformismo é incapaz de resolver o problema de um país capitalista e muito mais
de um país capitalista dependente e subdesenvolvido. Esse reformismo é a
própria causa do posterior fracasso dessa tática política. Dessa forma, mesmo
em condições imaginadas e hipotéticas, isto é, que o PT desejaria alcançar o
socialismo, sua tática e estratégia constituem um erro que só pode levar a uma
derrota tanto eleitoral, quanto – e essa mais importante – política.
Entretanto,
para compreendermos a realidade, é necessário agora inserir as determinações
fundamentais que a mudam para que consigamos chegar mais próximo daquilo que de
fato ocorre. Somente assim a análise passa de uma abstração simples (como feito
nos parágrafos anteriores) para uma abstração complexa, ou seja, que incorpora
as determinações concretas da realidade. Do abstrato ao concreto, como Karl
Marx nos ensina.
E,
na realidade, o Partido dos Trabalhadores deixou, há muito tempo, de
reivindicar qualquer ideia estratégica e tática para se atingir o socialismo. O
que esse partido tem feito exatamente pelos últimos 20 anos (o mesmo período de
seu sucesso eleitoral) é abdicar de qualquer transformação radical,
permanecendo como um administrador do capitalismo dependente brasileiro e seu
subdesenvolvimento. A economia política do PT manteve a mesma essência daquele
formulada a partir do Plano Real em 1994. Petistas e tucanos não são polos
opostos nesse sentido e tampouco a atual presidência de Lula, com Fernando
Haddad à cabeça do Ministério da Economia, rompe com esse paradigma. O que o
Partido dos Trabalhadores buscou em todo esse tempo foi se mostrar como um
gestor competente do sistema econômico capitalista brasileiro, o que o
legitimaria, simultaneamente, a estar governando o país.
As
poucas medidas, como programa Bolsa Família, cotas e semelhantes, apesar de
momentaneamente contribuírem em alguma medida, não tocam no fundamental. O
fundamental, aliás, é o que o PT não enfrenta. Portanto, do que adianta
expandir o Bolsa Família se a estrutura de produção de riqueza do capitalismo
dependente brasileiro sequer é tocada? O que adianta falar de novas matrizes
energéticas se a Petrobrás está orientada para repartir seus dividendos em vez
de baixar os preços dos combustíveis para a população e expulsar toda
interferência estrangeira aqui?
O
que adianta criar um programa como o “Luz para todos” sem reverter as
privatizações criminosas das estatais brasileiras, como a Eletrobrás, por
exemplo? O que adianta criar cotas, quando o sistema universitário deveria
acabar com essa prova nefasta que é o vestibular (algo feito na Argentina,
aliás)? Como tornar o país independente se Ciência e Tecnologia não são uma
prioridade? Como, enfim, gerir algo que perpetua aquilo que se alega combater?
O
PT, e principalmente Lula, são os líderes dessa esquerda liberal e, nessa
condição, ditam aquilo que deve ser o caminho. Para eles, a história encontrou
seu fim, pois o que nos cabe agora seria administrar esse sistema que explora e
degrada os trabalhadores diuturnamente. Lula renuncia a qualquer tipo de
mobilização que não seja eleitoral. Não há uma convocatória para a população se
mobilizar, não há qualquer tipo de programa para elevação da consciência de
classe trabalhadora. Nessa perspectiva de administrador não é necessário fazer
nada disso, mas apenas procurar gastar menos do que se recebe. O que importa é
o teto de gastos.
A
única consciência que se procura incentivar é a eleitoral, essencialmente
contra a direita e a extrema direita representadas por Jair Bolsonaro. Em 2022,
Lula advogou que sua campanha era a única forma de acabar com o neoliberalismo
de Paulo Guedes e a ameaça de fascismo. Em 2026, essa propaganda, muito mais
desgastada e com muito menos efetividade, voltará. Foi falso em 2022 e será
novamente em 2026. Não havia e não há no Brasil qualquer coisa parecida com o
fascismo. E mesmo que houvesse, Lula e o PT não são a solução.
Não
se combate o fascismo eleitoralmente, como querem o próprio Lula e o PT. A eleição
de Lula não serviu para barrar o liberalismo exacerbado de Paulo Guedes, mas,
ao contrário, deu um contorno novo apenas na retórica, pois em vez de se chamar
de “teto de gastos”, chamou-se de “arcabouço fiscal”. Uma diferença apenas na
nomenclatura, pois na prática são iguais.
Entretanto,
a esquerda liberal constitui não só um problema, mas uma efetiva limitação que
paralisa toda a esquerda, pois ela procura se apresentar como a única esquerda
existente. E, como num passe de mágica, não existe possibilidade de ruptura não
só com essa esquerda, mas também com o sistema político. O horizonte da
esquerda liberal, o de administração da ordem burguesa, é o horizonte final da
política e de tudo aquilo que é possível fazer. É, simultaneamente, uma
resignação passiva e mudança de campo político.
Mas,
para a decepção de Lula, do PT e do restante dessa esquerda liberal, a História
brasileira não acabou e tampouco acabaram a luta política e a transformação
radical da realidade que se fazem presentes e necessários. Esse é o caminho da
Revolução Brasileira.
·
A Revolução Brasileira
Há
7 atrás, pouco se falava de revolução. Essa palavra, aliás, havia sido deixada
em um passado longínquo, há muito esquecido. Foi com a criação dessa
organização política “Revolução Brasileira”, inicialmente dentro do PSOL e
agora independente, que a palavra “revolução” tem voltado, devagar, mas
consistentemente ao vocabulário político da esquerda, até mesmo em setores da
esquerda liberal. A Revolução Brasileira teve suas mais altas formulações
teórico-políticas nas décadas de 1950 e 1960, mas foi abruptamente interrompida
com o golpe de 1964. Longe de amargar uma derrota teórica, a discussão em torno
da Revolução Brasileira sofreu uma derrota política com uma longa ditadura de
21 anos e até mesmo a redemocratização não retomou esse debate.
Muitas
décadas depois, a organização Revolução Brasileira tem realizado um esforço
militante para tematizar a ideia da revolução brasileira – algo por si só
fundamental para a criação de um novo horizonte político e social – mas a
própria possibilidade e necessidade dessa revolução. Apesar da tentativa da
esquerda liberal de hegemonizar esse campo político e se apresentar como a
única esquerda existente, a Revolução Brasileira mostra que uma crítica radical
e socialista ao capitalismo dependente brasileiro é necessária e possível.
Como
um movimento de vanguarda, a Revolução Brasileira atua como organização que
procura elevar a consciência dos trabalhadores ali onde a sua luta já existe e
também onde ela está nascendo e crescendo progressivamente. Nesse sentido, a
teoria se mostra extremamente vital, pois, afinal, como é possível agir
politicamente sem compreender teoricamente não só as bases econômicas, mas
também a disputa política da luta de classes?
Assim,
a Revolução Brasileira apoia-se em uma tradição crítica do pensamento
brasileiro (e que depois se espalhou para a América Latina) que é a teoria
marxista da dependência (TMD). Tendo como expoente três brasileiros – Theotônio
dos Santos, Vânia Bambirra e principalmente Ruy Mauro Marini – a teoria
marxista da dependência foi capaz de captar a especificidade do capitalismo
brasileiro, contrapondo-se à ideia do desenvolvimentismo, isto é, de que
poderia haver saída para as mazelas do país através de uma intensificação e
aperfeiçoamento do capitalismo aqui estruturado.
Ao
contrário dessa ideologia desenvolvimentista, a teoria marxista da dependência
mostrou que o capitalismo que existe no Brasil não tem resquícios de outro modo
de produção, mas é o próprio capitalismo desenvolvido a partir de condições
específicas. Dada a condição de periferia, o país entra na divisão
internacional do trabalho produzindo e vendendo mercadorias de menor valor que
países do centro e com uma produção que atende necessidades externas –
alimentos e matérias-primas, por exemplo – e não internas.
Dessa
desigualdade no intercâmbio surge uma transferência de valor da periferia para
o centro, fazendo com que os países da periferia precisem compensar, de alguma
forma, essa transferência de valor. Daí, então, que o capitalismo brasileiro
produz a superexploração da força de trabalho. Superexploração significa
superutilizar a mercadoria força de trabalho para se extrair um mais-valor
excedente ainda maior, de forma a compensar aquela transferência de valor.
A
superexploração, categoria fundamental do capitalismo brasileiro, pode ser
feita de três formas que atuam tanto separadamente, quando simultaneamente:
aumento da jornada de trabalho, aumento da intensidade do trabalho e consumo de
parte dos salários dos trabalhadores (isto é, o salário que é pago é menor do
que aquele necessário para sobreviver). A superexploração do trabalhador é uma
condição indispensável ao funcionamento do capitalismo brasileiro e jamais pode
dele ser separada. Dessa forma, o capitalismo brasileiro é um capitalismo
dependente do centro capitalista precisamente porque está a ele condicionado,
sendo que sua expansão ou retração são sempre reflexo da expansão e retração
daquele centro.
A
conclusão que se tem desse processo econômico é que os trabalhadores
brasileiros vivem um verdadeiro inferno na Terra, pois a superexploração não só
produz uma brutal desigualdade, mas transforma a vida da quase totalidade da
população em um verdadeiro esforço de sobrevivência cotidiana. A luta de
classes é aqui uma guerra constante de classes. Nenhuma medida
desenvolvimentista pode acabar com isso, mas apenas atenuar algumas
características e isso ainda de forma conjuntural, quando a economia mundial
está em uma fase de expansão.
A
compreensão teórica dessa situação econômica pela teoria marxista da
dependência permite à Revolução Brasileira estabelecer sua estratégia e tática
de forma coerente, pois a análise não está pautada apenas em uma eleição, mas
em algo muito mais profundo e estrutural. A análise teórica abre as portas para
uma práxis política coerente, que estabelece os problemas e as possibilidades
de enfrentá-los e que não titubeia para saídas fáceis. É necessário fazer uma
luta dentro da ordem contra a ordem. A Revolução Brasileira é, em suma, o
oposto da esquerda liberal.
Essa
esquerda liberal já encontrou seu limite histórico e agora não pode mais
oferecer alternativas para a crise econômica e política do país. A utopia
consiste justamente em acreditar que programas sociais podem redimir e salvar a
classe trabalhadora. Nem sempre a marcha teórica bem definida será popular nos
primeiros momentos e muitas vezes pode-se amargar uma certa solidão. Mas, assim
como a dependência é uma situação e por isso tem um fim, a convicção teórica e
política dará seus frutos para a superação da condição de superexploração e de
dependência. À esquerda liberal, só podemos contrapor as palavras de Lênin
em O que fazer?:
“Pequeno
grupo compacto, seguimos por um caminho escarpado e difícil, de mãos dadas
firmemente. Estamos rodeados de inimigos por todos os lados e temos de marchar
quase sempre debaixo do seu fogo. Unimo-nos em virtude de uma decisão
livremente tomada, precisamente para lutar contra os inimigos e não cair no
pântano vizinho, cujos habitantes, desde o início, nos censuram por nos termos
separado num grupo à parte e por termos escolhido o caminho da luta e não o da
conciliação. E eis que alguns de nós começam a gritar: «Vamos para o pântano!»
E quando procuramos envergonhá-los replicam: “Que gente tão atrasada sois! Como
é que não tendes vergonha de nos negar a liberdade de vos convidar a seguir um
caminho melhor!” Oh!, sim, senhores, sois livres não só de nos convidar, mas
também de ir para onde melhor vos parecer, até para o pântano; até pensamos que
o vosso verdadeiro lugar é precisamente o pântano e estamos dispostos a
ajudar-vos, na medida das nossas forças, a mudar-vos para lá. Mas nesse caso
largai-nos a mão, não vos agarreis a nós e não mancheis a grande palavra
liberdade, porque nós também somos «livres» para ir para onde melhor nos
parecer, livres para combater não só o pântano como aqueles que se desviam para
o pântano!”
Fonte:
Por Flávio Magalhães Piotto Santos, em A Terra é Redonda