quarta-feira, 2 de abril de 2025

Bernie Sanders desafia a ultradireita americana

Num sábado recente, um grupo de democratas comuns falava, sob o sol forte do meio-dia em um campo de futebol em Tucson (Arizona), sobre suas frustrações com o partido.

“Eles não estão fazendo o suficiente”, disse Mark Creal, um enfermeiro aposentado. “Sem coragem, sem firmeza” acrescentou: “Eles não estão cumprindo seu papel”. Mark usava um botão que dizia “Orgulho de ser Democrata”.

Era pouco antes do meio-dia, e milhares de pessoas passavam pelo posto de segurança para entrar no campo da Catalina High School. Estavam ali para um novo comício voltado ao “Combate à Oligarquia” — uma série de atos organizados pelo senador Bernie Sanders que, nas últimas semanas, chamaram atenção por atrair multidões expressivas. No dia anterior, em Denver, Sanders e a congressista nova-iorquina Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) haviam, segundo relatos, 34 mil pessoas. (A título de comparação, o comparecimento da vice-presidente Kamala Harris em Houston, ao lado de Beyoncé, no final de sua campanha, atraiu cerca de 30 mil; o evento pré-eleitoral do ex-presidente Donald Trump no Madison Square Garden teve um público de 20 mil.) Mas as eleições de 2024 mostraram que demonstrações de entusiasmo presenciais não são o único termômetro confiável de força política — o imaginário coletivo está cada vez mais definido pelas redes sociais. Ainda assim, em Tucson, era impressionante que milhares de pessoas (os organizadores relataram 20 mil) tivessem aparecido num sábado para ver três políticos de outros estados — Sanders, Ocasio-Cortez e Greg Casar, um jovem congressista do Texas —, nenhum deles em campanha nacional. Como me disse Cindy Brooks, uma participante: “Nunca ouvi Bernie falar do começo ao fim, e é por isso que vim. Quero escutar tudo o que ele tem a dizer.”

Sanders começou a viagem no final de fevereiro, com paradas em distritos republicanos do Centro-Oeste, onde o partido de Trum conquistou maioria por pequena margem. Não é a primeira vez que o senador realiza comícios fora da temporada eleitoral — em 2017, durante os primeiros seis meses do governo Trump, ele promoveu mais de uma dúzia de eventos em defesa de pautas progressistas. Desta vez, suas propostas não mudaram muito: Medicare for All (saúde universal), ensino superior e técnico gratuitos, mais moradias populares e taxação dos ricos.

No entanto, o clima agora é diferente. No momento em que Trump, em colaboração com Elon Musk, busca enfraquecer o Estado norte-americano, eventos políticos públicos — especialmente aparições de republicanos em seus distritos — viraram alvo de um eleitorado furioso. Em março, o presidente da Câmara, Mike Johnson, orientou legisladores republicanos a evitar debates públicos para fugir de confrontos com o que chamou de “manifestantes pagos”; durante o recesso do Congresso na semana passada, muitos evitaram encontros abertos.

Em 14 de março, seguindo Sanders e talvez tentando preencher o vácuo deixado pelos republicanos, o Partido Democrata anunciou sua própria série de “Town Halls do Povo” em distritos controlados por republicanos considerados vulneráveis. Tim Walz, governador de Minnesota e ex-candidato a vice-presidente em 2024, visitou distritos republicanos no Wisconsin e Iowa, e Ro Khanna, congressista da Califórnia, percorreu três distritos conservadores de seu estado. Mas, com a popularidade dos democratas em baixa histórica, os eleitores também estão frustrados com o partido. Após o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, apoiar um projeto de gastos republicano para evitar uma paralisação do governo, a reação pública foi tão intensa que ele adiou uma turnê de lançamento de livro. E a impopularidade não é o único problema: o partido enfrenta um cenário difícil nas eleições de 2026, uma crise demográfica (com o encolhimento de seus redutos) e a paralisia legislativa devido às maiorias conservadoras no Congresso e na Suprema Corte.

Sanders, que aos 83 anos só concorrerá à reeleição em 2030, sugeriu que este pode ser seu último mandato — embora já tenha registrado sua candidatura. Chegou a Tucson após uma semana conturbada no Arizona: protestos de centenas de pessoas diante de uma concessionária da Tesla, eleitores em Scottsdale acusando os senadores democratas Mark Kelly e Ruben Gallego de não enfrentarem os republicanos com vigor e, em Chandler, um evento do congressista Andy Biggs restrito a republicanos, com manifestantes protestando do lado de fora.

Nenhum desses eventos, porém, atraiu a mesma atenção — ou o mesmo público — que Sanders e sua convidada especial, Ocasio-Cortez. Muitos dos presentes citaram a independência de Sanders como um dos motivos para estarem ali. “Não sei se ainda sou do Partido Democrata — eles falharam com a gente em muitos aspectos”, disse Brendan Crowley, 28 anos. “Precisam melhorar a comunicação, tirar a velha guarda do poder e deixar a ala progressiva, que representa o povo, assumir.“ Na multidão, um socorrista atendeu alguém que desmaiou no calor — o primeiro de vários casos. Crowley, vestindo um hoodie e chapéu de aba larga, é técnico de ar-condicionado. “Não há muitos de nós aqui”, comentou, referindo-se à classe trabalhadora. Perguntei sobre seus colegas que apoiam Trump. “Eles têm queixas sobre a situação econômica do país. Sentem-se abandonados pela economia, invisíveis. O Partido Democrata os menosprezou totalmente.”

“Nada do que deveria estar acontecendo está”, disse Nikki Montaño Brown, 40 anos, que trabalha há 25 anos como caixa em um supermercado Albertsons“[Viver] Sempre foi uma luta, mas esta é a maior da minha vida. Ninguém está nos ajudando.”

O público usava símbolos que caracterizam democratas desde 2016: camisetas das campanhas de Sanders, da Moms Demand Action (grupo pró-controle de armas) e até um coco (referência a um protesto satírico). Perguntei a uma participante Tracy Wood, se ela acredita que atos como aquele ainda têm importância. Ela refletiu: “Comícios são importantes emocionalmente. É te revigoram, quando te mostram que muito mais gente está disposta a agir.”

“Queria ouvir alguma mensagem positiva, depois de tudo tão ruim que está se passando”, disse-me Matilda Martinez, outra participante. Ela é da comunidade Navajo Naakai Dine’é, viajou da reserva indígena Salt River Pima-Maricopa. Criticou os líderes do Partido Democrata no Congresso. “Eles não lutam por nós. Só vejo Jasmine Crockett, Alexandra Ocasio e Bernie Sanders falando.”

Shannon Hardnock usava uma camiseta com os dizeres “IMBECIS ESTÃO GOVERNANDO A AMÉRICA”“Estamos sendo tomados por uma ditadura, é assustador”, disse, preocupada com cortes no Departamento de Assuntos dos Veteranos (seu marido sofreu uma lesão cerebral em um treino antes de ser enviado ao Afeganistão em 2001). Mas não culpava os democratas: “Acho que suas mãos estão amarradas.”

Após um show da banda de rock indie Calexico e um discurso em homenagem ao falecido congressista Raúl Grijalva (morto em 13 de março), os protagonistas falaram. No palco, sob um letreiro de “COMBATE À OLIGARQUIA”, repetiram uma mensagem: o governo foi sequestrado por bilionários, e a única saída é a união da classe trabalhadora. “Nos anos 1920, os magnatas da época — os Elon Musks de então — dominaram o governo, enriqueceram e causaram a Grande Depressão”, disse Greg Casar, que hoje coordena a ala progressista do Partido Democrata. “Mas o povo não ficou parado.”

Ocasio-Cortez, que o seguiu, foi incisiva: “O desprezo de Trump e dos republicanos pela classe trabalhadora não vem só de má criação. É o resumo de toda a agenda política da direita: enganar e explorar os trabalhadores e a classe média. Há uma palavra para definir isso. Vocês sabem qual: corrupção.”

Ao subir ao palco, Sanders abraçou seus jovens “protegidos” como um tio orgulhoso. Falou dos “outros Alexandros e Alexandras” pelo país, prontos para entrar na política. Sanderes alerta há anos sobre a oligarquia. Agora, ele sugeriu em seu discurso, já não é preciso explicar o significado da palavra à população. Em janeiro, continuou, ele viu de perto o presidente tomar posse ladeado por Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Elon Musk – os três homens mais ricos dos EUA –, com uma dezena de bilionários atrás.

“Os ricos nunca tiveram vida tão boa na história deste país”, disparou Sanders. “Eles não sabem o que fazer com tanta dinheiro. Compram uma mansão, duas mansões, e não é o bastante. Eles têm cinco mansões. Querem viajar? Têm seus próprios jatos e helicópteros. Manda seus filhos para as melhores escolas privadas e universidades. Quando saem de férias, não vão para hotéis comuns. Eles têm suas príprias ilhas e por diversão, às vezes, viajam ao espaço.”

Vaiava-se alto, mas Sanders e AOC pareciam reconhecer que muitos norte-americanos ainda preferem aliar-se aos mais ricos, e não aos mais pobres, ou perderam por completo a fé na ideia de um governo que funcione. “Os republicanos querem que gente como você e eu acredite que está a apenas um passo de seu clube; que se trabalharmos um pouquinho mais duro, talvez a gente seja bilionário também“, ironizou Ocasio-Cortez. “Mas essa riqueza não é conquistada. É roubada.”

Onde tudo isso deixa os progressistas que se desmobilizaram? Após o comício, Sanders falou com jornalistas. Parecia cansado, mas não derrotado. A maior parte dos presentes, disse, não estava em sua base de dados. Ele contestou a ideia de que os jovens inclinaram-se mais para os conservadores do que antes, nessa eleição, e voltou à imagem que os democratas estão projetando entre a população: “As pessoas veem o apoio a Netanyahu. Estes jovens não conseguem pagar seu aluguel, ganham salários horríveis. Seu padrão de vida será pior que o de seus pais. Eles perguntam: “Onde estão os democratas”?

Depois de Sanders partir, Greg Casar permaneceu. Ele concordou que qualquer que seja a resistência às políticas do segundo mandato de Trump, os democratas demoram agora muito mais a expressar sua resistência às políticas do presidente. Mas sugeriu que a divisão no interior do partido é menos entre esquerda e direita do que o que chamou de “lutadores e acomodados”. Estes últimos, segundo ele, os “que dizem: ‘O partido não deve fazer nada, deixe os republicanos se queimarem.’” “Mas isso é fazer um certo jogo político”, prosseguiu – “e a maioria das pessoas não pensa que suas vidas sejam um jogo político. Elas sabem que é a única que têm…”

¨      Ultradireita em evento sobre antissemitismo gera polêmica

Quem são as forças motrizes do antissemitismo moderno? Essa é a questão central de uma conferência de dois dias sobre antissemitismo em Jerusalém, organizada pelo Ministério israelense de Assuntos da Diáspora e que começou nesta quarta-feira (26/03).

O evento está, porém, no centro de muitas críticas, pois a lista de convidados inclui alguns dos principais nomes da direita radical na Europa. Estão convidados o líder do partido francês Reunião Nacional (RN), Jordan Bardella, a eurodeputada francesa Marion Maréchal (neta do líder histórico da extrema direita francesa, Jean-Marie Le Pen, morto recentemente), um político do partido húngaro Fidesz, de Viktor Orbán, e um eurodeputado do partido Democratas Suecos.

Também é esperada a presença do presidente da República de Srpska (uma das duas entidades políticas em que está dividida a Bósnia e Herzegovina, sendo a outra a Federação da Bósnia e Herzegovina), Milorad Dodik, considerado amigo do presidente russo, Vladimir Putin. O convidado especial da conferência é o presidente argentino, Javier Milei.

Além da agenda anti-islã, o que esses nomes têm em comum é a proximidade com o governo israelense. Eles serão recebidos pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ministro para Assuntos da Diáspora, Amirchai Chikli.

<><> Críticas à escolha dos convidados

O tom anti-islã fica evidente já no programa da conferência, onde consta o tema "como o islamismo radical alimenta o antissemitismo ocidental", e na presença de nomes como a ativista somali-holandesa-americana Ayaan Hirsi Ali e vários outros críticos do islã.

Já a conexão entre extremismo de direita e antissemitismo não faz parte do programa do evento, apesar de pesquisadores do antissemitismo e organizações judaicas estarem há anos alertando para os riscos que a ascensão da direita radical em todo o mundo representa para a vida judaica.

Assim, não é de se estranhar que haja críticas à escolha dos participantes. "Quem organiza uma conferência contra antissemitismo não pode, ao mesmo tempo, convidar antissemitas que estão propagando o veneno do preconceito e do ódio", afirma o advogado e jornalista alemão Michel Friedman à DW. Friedman foi presidente do Congresso Judaico Europeu (CJE) e membro da direção do Conselho Central dos Judeus na Alemanha.

"O governo Netanyahu está se tornando cada vez mais desinibido e busca coalizões que são intoleráveis. Sabe-se que os laços com Viktor Órban na Hungria também são importantes para ele. Este governo está se movendo cada vez mais na direção da extrema direita. Isso é muito perigoso para Israel", diz Friedman.

<><> Muitos convidados cancelaram participação

Muitos na Europa compartilham dessas críticas: vários convidados já cancelaram sua participação, entre eles o chefe da organização judaica americana Liga Antidifamação, Jonathan Greenblatt, o filósofo francês Bernard-Henri Levy e três convidados de alto escalão da Alemanha.

"Meu motivo para recusar o convite foi que eu não queria participar de uma conferência, ou mesmo de um painel, com pessoas com as quais as comunidades judaicas na diáspora não mantêm qualquer contato", afirmou o encarregado do governo alemão para a vida judaica e o antissemitismo, Felix Klein, à DW.

O presidente da Sociedade Teuto-Israelense (DIG), Volker Beck, também se recusou a participar. "Fiquei surpreso ao ver que quase exclusivamente parlamentares da extrema direita foram convidados para a conferência. Muitos desses partidos não respeitam a religião judaica em seus próprios países."

<><> Selo de kosher

No centro das críticas está o governo de Benjamin Netanyahu. "A conferência é um grande problema para as comunidades judaicas na Europa", escreve Ariel Muzicant, presidente do Congresso Judaico Europeu, num artigo para o jornal israelense Jerusalem Post. "Os políticos da extrema direita não estão participando da conferência por amor a Israel ou para proteger os judeus, mas principalmente para obter o selo de kosher."

No jornal alemão Süddeutsche Zeitung, o renomado professor de história e cultura judaica Michael Brenner, da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, descreve a conferência como uma capitulação à extrema direita. "Entre as comunidades judaicas fora de Israel, que se sentem cada vez mais pressionadas por ataques verbais e físicos, cresce a disposição de ver as forças de extrema direita e antimuçulmanas como supostas aliadas na luta contra o terror", analisa Brenner em artigo intitulado Esta conferência é uma vergonha. "Elas esquecem que esses extremistas de direita desprezam os muçulmanos apenas um pouco mais do que os judeus, que também estão na lista negra deles."

Também em Israel há muitas críticas à conferência. Numa audiência perante o Comitê de Imigração e Integração do Knesset, representantes da diáspora judaica criticaram o governo israelense por não ter sido ouvido sobre os convites a políticos da direita radical. O Ministério dos Assuntos da Diáspora argumentou que havia convidado representantes de diversas correntes políticas.

<><> Protestos contra Netanyahu

O ministério reiterou essa posição à DW. "O evento recebe convidados de diferentes países e de diferentes correntes políticas. Todos compartilham de um objetivo: a luta intransigente contra o antissemitismo e a deslegitimação de Israel." O ministério ainda negou que tenha havido vários cancelamentos.

Israel passa há dias por uma onda de protestos contra o governo de Netanyahu, motivados pelos temores em relação aos reféns israelenses que ainda estão na Faixa de Gaza. Opositores do governo acusam Netanyahu de fracassar nas negociações pela libertação deles e também protestam contra a retomada dos combates na Faixa de Gaza.

Friedman diz que os protestos são um bom sinal. "Este país está no meio de uma guerra e, mesmo assim, as pessoas se manifestam todos os dias contra o governo", argumenta. "A vitalidade da democracia israelense é uma das mais fortes que conheço."

 

Fonte: Por Emily Witt, no The New Yorker | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras/DW Brasil

 

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