Bernie
Sanders desafia a ultradireita americana
Num
sábado recente, um grupo de democratas comuns falava, sob o sol forte do
meio-dia em um campo de futebol em Tucson (Arizona), sobre suas frustrações com
o partido.
“Eles
não estão fazendo o suficiente”, disse Mark Creal, um enfermeiro aposentado.
“Sem coragem, sem firmeza” acrescentou: “Eles não estão cumprindo seu papel”.
Mark usava um botão que dizia “Orgulho de ser Democrata”.
Era
pouco antes do meio-dia, e milhares de pessoas passavam pelo posto de segurança
para entrar no campo da Catalina High School. Estavam ali para um
novo comício voltado ao “Combate à Oligarquia” — uma série de
atos organizados pelo senador Bernie Sanders que, nas últimas semanas, chamaram
atenção por atrair multidões expressivas. No dia anterior, em Denver, Sanders e
a congressista nova-iorquina Alexandria Ocasio-Cortez (AOC) haviam, segundo
relatos, 34 mil pessoas. (A título de comparação, o comparecimento da
vice-presidente Kamala Harris em Houston, ao lado de Beyoncé, no final de sua
campanha, atraiu cerca de 30 mil; o evento pré-eleitoral do ex-presidente
Donald Trump no Madison Square Garden teve um público de 20
mil.) Mas as eleições de 2024 mostraram que demonstrações de entusiasmo
presenciais não são o único termômetro confiável de força política — o
imaginário coletivo está cada vez mais definido pelas redes sociais. Ainda
assim, em Tucson, era impressionante que milhares de pessoas (os organizadores
relataram 20 mil) tivessem aparecido num sábado para ver três políticos de
outros estados — Sanders, Ocasio-Cortez e Greg Casar, um jovem congressista do
Texas —, nenhum deles em campanha nacional. Como me disse Cindy Brooks, uma
participante: “Nunca ouvi Bernie falar do começo ao fim, e é por isso
que vim. Quero escutar tudo o que ele tem a dizer.”
Sanders
começou a viagem no final de fevereiro, com paradas em distritos republicanos
do Centro-Oeste, onde o partido de Trum conquistou maioria por pequena margem.
Não é a primeira vez que o senador realiza comícios fora da temporada eleitoral
— em 2017, durante os primeiros seis meses do governo Trump, ele promoveu mais
de uma dúzia de eventos em defesa de pautas progressistas. Desta vez, suas
propostas não mudaram muito: Medicare for All (saúde
universal), ensino superior e técnico gratuitos, mais moradias populares e
taxação dos ricos.
No
entanto, o clima agora é diferente. No momento em que Trump, em colaboração com
Elon Musk, busca enfraquecer o Estado norte-americano, eventos políticos
públicos — especialmente aparições de republicanos em seus distritos — viraram
alvo de um eleitorado furioso. Em março, o presidente da Câmara, Mike Johnson,
orientou legisladores republicanos a evitar debates públicos para fugir de
confrontos com o que chamou de “manifestantes pagos”; durante o
recesso do Congresso na semana passada, muitos evitaram encontros abertos.
Em 14
de março, seguindo Sanders e talvez tentando preencher o vácuo deixado pelos
republicanos, o Partido Democrata anunciou sua própria série de “Town
Halls do Povo” em distritos controlados por republicanos considerados
vulneráveis. Tim Walz, governador de Minnesota e ex-candidato a vice-presidente
em 2024, visitou distritos republicanos no Wisconsin e Iowa, e Ro Khanna,
congressista da Califórnia, percorreu três distritos conservadores de seu
estado. Mas, com a popularidade dos democratas em baixa histórica, os eleitores
também estão frustrados com o partido. Após o líder democrata no Senado, Chuck
Schumer, apoiar um projeto de gastos republicano para evitar uma paralisação do
governo, a reação pública foi tão intensa que ele adiou uma turnê de lançamento
de livro. E a impopularidade não é o único problema: o partido enfrenta um
cenário difícil nas eleições de 2026, uma crise demográfica (com o encolhimento
de seus redutos) e a paralisia legislativa devido às maiorias conservadoras no
Congresso e na Suprema Corte.
Sanders,
que aos 83 anos só concorrerá à reeleição em 2030, sugeriu que este pode ser
seu último mandato — embora já tenha registrado sua candidatura. Chegou a
Tucson após uma semana conturbada no Arizona: protestos de centenas de pessoas
diante de uma concessionária da Tesla, eleitores em Scottsdale acusando os
senadores democratas Mark Kelly e Ruben Gallego de não enfrentarem os
republicanos com vigor e, em Chandler, um evento do congressista Andy Biggs
restrito a republicanos, com manifestantes protestando do lado de fora.
Nenhum
desses eventos, porém, atraiu a mesma atenção — ou o mesmo público — que
Sanders e sua convidada especial, Ocasio-Cortez. Muitos dos presentes citaram a
independência de Sanders como um dos motivos para estarem ali. “Não sei
se ainda sou do Partido Democrata — eles falharam com a gente em
muitos aspectos”, disse Brendan Crowley, 28 anos. “Precisam
melhorar a comunicação, tirar a velha guarda do poder e deixar a ala
progressiva, que representa o povo, assumir.“ Na multidão, um
socorrista atendeu alguém que desmaiou no calor — o primeiro de vários casos.
Crowley, vestindo um hoodie e chapéu de aba larga, é técnico
de ar-condicionado. “Não há muitos de nós aqui”, comentou,
referindo-se à classe trabalhadora. Perguntei sobre seus colegas que apoiam
Trump. “Eles têm queixas sobre a situação econômica do país. Sentem-se abandonados
pela economia, invisíveis. O Partido Democrata os menosprezou totalmente.”
“Nada
do que deveria estar acontecendo está”, disse Nikki Montaño Brown, 40 anos, que
trabalha há 25 anos como caixa em um supermercado Albertsons. “[Viver] Sempre
foi uma luta, mas esta é a maior da minha vida. Ninguém está nos ajudando.”
O
público usava símbolos que caracterizam democratas desde 2016: camisetas das
campanhas de Sanders, da Moms Demand Action (grupo
pró-controle de armas) e até um coco (referência a um protesto satírico).
Perguntei a uma participante Tracy Wood, se ela acredita que atos como aquele
ainda têm importância. Ela refletiu: “Comícios são importantes
emocionalmente. É te revigoram, quando te mostram que muito mais
gente está disposta a agir.”
“Queria
ouvir alguma mensagem positiva, depois de tudo tão ruim que está se passando”,
disse-me Matilda Martinez, outra participante. Ela é da comunidade Navajo
Naakai Dine’é, viajou da reserva indígena Salt River Pima-Maricopa.
Criticou os líderes do Partido Democrata no Congresso. “Eles não lutam
por nós. Só vejo Jasmine Crockett, Alexandra Ocasio e Bernie Sanders
falando.”
Shannon
Hardnock usava uma camiseta com os dizeres “IMBECIS ESTÃO GOVERNANDO A
AMÉRICA”. “Estamos sendo tomados por uma ditadura, é assustador”,
disse, preocupada com cortes no Departamento de Assuntos dos Veteranos (seu
marido sofreu uma lesão cerebral em um treino antes de ser enviado ao
Afeganistão em 2001). Mas não culpava os democratas: “Acho que suas
mãos estão amarradas.”
Após um
show da banda de rock indie Calexico e um discurso em
homenagem ao falecido congressista Raúl Grijalva (morto em 13 de março), os
protagonistas falaram. No palco, sob um letreiro de “COMBATE À
OLIGARQUIA”, repetiram uma mensagem: o governo foi sequestrado por
bilionários, e a única saída é a união da classe trabalhadora. “Nos
anos 1920, os magnatas da época — os Elon Musks de então — dominaram o governo,
enriqueceram e causaram a Grande Depressão”, disse Greg Casar, que hoje
coordena a ala progressista do Partido Democrata. “Mas o povo não ficou
parado.”
Ocasio-Cortez,
que o seguiu, foi incisiva: “O desprezo de Trump e dos republicanos
pela classe trabalhadora não vem só de má criação. É o resumo de toda
a agenda política da direita: enganar e explorar os trabalhadores e a
classe média. Há uma palavra para definir isso. Vocês sabem
qual: corrupção.”
Ao
subir ao palco, Sanders abraçou seus jovens “protegidos” como um tio orgulhoso.
Falou dos “outros Alexandros e Alexandras” pelo país, prontos
para entrar na política. Sanderes alerta há anos sobre a oligarquia. Agora, ele
sugeriu em seu discurso, já não é preciso explicar o significado da palavra à
população. Em janeiro, continuou, ele viu de perto o presidente tomar posse
ladeado por Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e Elon Musk – os três homens mais ricos
dos EUA –, com uma dezena de bilionários atrás.
“Os
ricos nunca tiveram vida tão boa na história deste país”, disparou
Sanders. “Eles não sabem o que fazer com tanta dinheiro.
Compram uma mansão, duas mansões, e não é o bastante. Eles têm cinco
mansões. Querem viajar? Têm seus próprios jatos e helicópteros. Manda seus
filhos para as melhores escolas privadas e universidades. Quando saem de
férias, não vão para hotéis comuns. Eles têm suas príprias ilhas e por
diversão, às vezes, viajam ao espaço.”
Vaiava-se
alto, mas Sanders e AOC pareciam reconhecer que muitos norte-americanos ainda
preferem aliar-se aos mais ricos, e não aos mais pobres, ou perderam por
completo a fé na ideia de um governo que funcione. “Os
republicanos querem que gente como você e
eu acredite que está a apenas um passo de seu clube; que se
trabalharmos um pouquinho mais duro, talvez a gente seja bilionário também“,
ironizou Ocasio-Cortez. “Mas essa riqueza não é conquistada. É
roubada.”
Onde
tudo isso deixa os progressistas que se desmobilizaram? Após o comício, Sanders
falou com jornalistas. Parecia cansado, mas não derrotado. A maior parte dos
presentes, disse, não estava em sua base de dados. Ele contestou a ideia de que
os jovens inclinaram-se mais para os conservadores do que antes, nessa eleição,
e voltou à imagem que os democratas estão projetando entre a população: “As
pessoas veem o apoio a Netanyahu. Estes jovens não conseguem
pagar seu aluguel, ganham salários horríveis. Seu padrão de vida
será pior que o de seus pais. Eles perguntam: “Onde estão os democratas”?
Depois
de Sanders partir, Greg Casar permaneceu. Ele concordou que qualquer que seja a
resistência às políticas do segundo mandato de Trump, os democratas demoram
agora muito mais a expressar sua resistência às políticas do presidente. Mas
sugeriu que a divisão no interior do partido é menos entre esquerda e direita
do que o que chamou de “lutadores e acomodados”. Estes
últimos, segundo ele, os “que dizem: ‘O partido não deve fazer nada,
deixe os republicanos se queimarem.’” “Mas isso é fazer um certo jogo político”,
prosseguiu – “e a maioria das pessoas não pensa que suas vidas sejam um jogo
político. Elas sabem que é a única que têm…”
¨
Ultradireita em evento sobre antissemitismo gera polêmica
Quem
são as forças motrizes do antissemitismo moderno? Essa é
a questão central de uma conferência de dois dias sobre antissemitismo em
Jerusalém, organizada pelo Ministério israelense de Assuntos da Diáspora e que
começou nesta quarta-feira (26/03).
O
evento está, porém, no centro de muitas críticas, pois a lista de convidados
inclui alguns dos principais nomes da direita radical na Europa. Estão
convidados o líder do partido francês Reunião Nacional (RN), Jordan Bardella, a
eurodeputada francesa Marion Maréchal (neta do líder histórico da extrema
direita francesa, Jean-Marie Le Pen, morto
recentemente), um político do partido húngaro Fidesz, de Viktor Orbán, e um eurodeputado
do partido Democratas Suecos.
Também
é esperada a presença do presidente da República de Srpska (uma das duas
entidades políticas em que está dividida a Bósnia e Herzegovina, sendo a outra
a Federação da Bósnia e Herzegovina), Milorad Dodik, considerado amigo do
presidente russo, Vladimir Putin. O convidado
especial da conferência é o presidente argentino, Javier Milei.
Além da
agenda anti-islã, o que esses nomes têm em comum é a proximidade com o governo
israelense. Eles serão recebidos pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu ministro para
Assuntos da Diáspora, Amirchai Chikli.
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Críticas à escolha dos convidados
O tom
anti-islã fica evidente já no programa da conferência, onde consta o tema
"como o islamismo radical alimenta o antissemitismo ocidental", e na
presença de nomes como a ativista somali-holandesa-americana Ayaan Hirsi Ali e
vários outros críticos do islã.
Já a
conexão entre extremismo de direita e antissemitismo não faz parte do programa
do evento, apesar de pesquisadores do antissemitismo e organizações judaicas
estarem há anos alertando para os riscos que a ascensão da direita radical em
todo o mundo representa para a vida judaica.
Assim,
não é de se estranhar que haja críticas à escolha dos participantes. "Quem
organiza uma conferência contra antissemitismo não pode, ao mesmo tempo,
convidar antissemitas que estão propagando o veneno do preconceito e do
ódio", afirma o advogado e jornalista alemão Michel Friedman à DW.
Friedman foi presidente do Congresso Judaico Europeu (CJE) e membro da direção
do Conselho Central dos Judeus na Alemanha.
"O
governo Netanyahu está se tornando cada vez mais desinibido e busca coalizões
que são intoleráveis. Sabe-se que os laços com Viktor Órban na Hungria também
são importantes para ele. Este governo está se movendo cada vez mais na direção
da extrema direita. Isso é muito perigoso para Israel", diz Friedman.
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Muitos convidados cancelaram participação
Muitos
na Europa compartilham dessas críticas: vários convidados já cancelaram sua
participação, entre eles o chefe da organização judaica americana Liga
Antidifamação, Jonathan Greenblatt, o filósofo francês Bernard-Henri Levy e
três convidados de alto escalão da Alemanha.
"Meu
motivo para recusar o convite foi que eu não queria participar de uma
conferência, ou mesmo de um painel, com pessoas com as quais as comunidades
judaicas na diáspora não mantêm qualquer contato", afirmou o encarregado
do governo alemão para a vida judaica e o antissemitismo, Felix Klein, à DW.
O
presidente da Sociedade Teuto-Israelense (DIG), Volker Beck, também se recusou
a participar. "Fiquei surpreso ao ver que quase exclusivamente
parlamentares da extrema direita foram convidados para a conferência. Muitos
desses partidos não respeitam a religião judaica em seus próprios países."
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Selo de kosher
No
centro das críticas está o governo de Benjamin Netanyahu. "A conferência é
um grande problema para as comunidades judaicas na Europa", escreve Ariel
Muzicant, presidente do Congresso Judaico Europeu, num artigo para o jornal
israelense Jerusalem Post. "Os políticos da extrema direita
não estão participando da conferência por amor a Israel ou para proteger os
judeus, mas principalmente para obter o selo de kosher."
No
jornal alemão Süddeutsche Zeitung, o renomado professor de história
e cultura judaica Michael Brenner, da Universidade Ludwig Maximilian de
Munique, descreve a conferência como uma capitulação à
extrema direita. "Entre as comunidades judaicas fora de Israel, que se
sentem cada vez mais pressionadas por ataques verbais e físicos, cresce a
disposição de ver as forças de extrema direita e antimuçulmanas como supostas
aliadas na luta contra o terror", analisa Brenner em artigo
intitulado Esta conferência é uma vergonha. "Elas esquecem que
esses extremistas de direita desprezam os muçulmanos apenas um pouco mais do
que os judeus, que também estão na lista negra deles."
Também
em Israel há muitas críticas à conferência. Numa audiência perante o Comitê de
Imigração e Integração do Knesset, representantes da diáspora judaica
criticaram o governo israelense por não ter sido ouvido sobre os convites a
políticos da direita radical. O Ministério dos Assuntos da Diáspora argumentou
que havia convidado representantes de diversas correntes políticas.
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Protestos contra Netanyahu
O
ministério reiterou essa posição à DW. "O evento recebe convidados de
diferentes países e de diferentes correntes políticas. Todos compartilham de um
objetivo: a luta intransigente contra o antissemitismo e a deslegitimação de
Israel." O ministério ainda negou que tenha havido vários cancelamentos.
Israel
passa há dias por uma onda de protestos contra o governo de Netanyahu,
motivados pelos temores em relação aos reféns israelenses que ainda estão na
Faixa de Gaza. Opositores do governo acusam Netanyahu de fracassar nas
negociações pela libertação deles e também protestam contra a retomada dos
combates na Faixa de Gaza.
Friedman
diz que os protestos são um bom sinal. "Este país está no meio de uma
guerra e, mesmo assim, as pessoas se manifestam todos os dias contra o
governo", argumenta. "A vitalidade da democracia israelense é uma das
mais fortes que conheço."
Fonte:
Por Emily Witt, no The New Yorker |
Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras/DW Brasil
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