Nos ombros de mulheres e negros, o peso da
precarização
O mercado de trabalho brasileiro apresenta
disparidades estruturais que se manifestam de forma persistente ao longo do
tempo, refletindo desigualdades históricas baseadas em raça e gênero. Segundo
os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) Contínua, pessoas pretas e pardas continuam enfrentando taxas de
desemprego superiores à média nacional, além de maior informalidade e menores
rendimentos quando comparadas às pessoas brancas (IBGE, 2025). Da mesma forma,
as mulheres ainda experimentam desvantagens significativas em relação aos
homens, tanto em termos de acesso ao emprego quanto de remuneração. Este estudo
busca analisar essas desigualdades como características estruturais do mercado
de trabalho brasileiro, explorando suas manifestações contemporâneas e impactos
sociais.
<><> Panorama atual das
desigualdades raciais no emprego
No quarto trimestre de 2024, o panorama do
desemprego no Brasil revelou uma clara estratificação racial. Enquanto a taxa
média de desemprego nacional situou-se em 6,2%, a população branca registrou
índice de apenas 4,9%. Em contraste, as taxas entre pessoas pretas (7,5%) e
pardas (7%) superaram significativamente a média nacional (IBGE, 2025). Como
destaca Adriana Beringuy, coordenadora da pesquisa do IBGE, “essa desigualdade
é uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro, não apenas relacionada
a esse trimestre”.
Tais disparidades persistentes evidenciam
que, mesmo com avanços nas políticas de inclusão, o componente racial continua
sendo um fator determinante nas oportunidades de emprego no país. Não estamos
falando de fenômenos isolados ou temporários, mas de um padrão consistente que
se mantém ao longo de décadas, refletindo estruturas sociais profundamente
enraizadas na história brasileira.
A informalidade no trabalho representa outro
indicador crucial que revela desigualdades raciais estruturais. No último
trimestre de 2024, a taxa geral de informalidade no Brasil atingiu 38,6%.
Contudo, quando analisada por recorte racial, observa-se que pessoas pretas
(41,9%) e pardas (43,5%) estão significativamente mais representadas no
trabalho informal que pessoas brancas (32,6%) (IBGE, 2025).
O trabalho informal vai muito além de números
em uma pesquisa. Na prática, significa viver sem garantias básicas como férias
remuneradas, licença maternidade ou paternidade, seguro-desemprego e
aposentadoria. São milhões de brasileiros, majoritariamente negros, que
trabalham sem a proteção de direitos trabalhistas fundamentais, perpetuando
ciclos de vulnerabilidade social e econômica que atravessam gerações.
O sociólogo Ricardo Antunes (2020) argumenta
que a informalidade não é apenas uma condição transitória do mercado de
trabalho brasileiro, mas um componente estrutural que afeta de modo desigual
diferentes grupos sociais, especialmente os racialmente discriminados.
As disparidades salariais constituem uma das
manifestações mais evidentes da desigualdade racial no mercado de trabalho. Com
um rendimento médio mensal nacional de R$ 3.215 no último trimestre de 2024,
observa-se que trabalhadores brancos recebem salários significativamente acima
da média (R$ 4.153), enquanto trabalhadores pretos (R$ 2.403) e pardos (R$
2.485) recebem valores substancialmente inferiores (IBGE, 2025).
Esta diferença de aproximadamente R$ 1.700
entre o salário médio de trabalhadores brancos e negros tem impactos concretos
no cotidiano. Significa menos acesso à moradia adequada, saúde, educação de
qualidade e lazer. Representa também maiores dificuldades para acumulação de
patrimônio, formação de poupança e capacidade de investimento em qualificação
profissional. Em última análise, as disparidades salariais alimentam um círculo
vicioso de desigualdade que se perpetua através das gerações.
A economista Cecília Machado (2023) observa
que as diferenças salariais por raça persistem mesmo quando controlamos por
nível educacional, experiência e setor de atividade, o que indica a existência
de mecanismos discriminatórios no mercado de trabalho brasileiro.
<><> Desigualdade de gênero: um
recorte necessário
Além das desigualdades raciais, o mercado de
trabalho brasileiro também é marcado por significativas disparidades de gênero.
No quarto trimestre de 2024, enquanto a taxa de desemprego entre homens foi de
5,1%, entre as mulheres esse índice alcançou 7,6% (IBGE, 2025). Esta diferença
de 2,5 pontos percentuais revela obstáculos persistentes enfrentados pelas
mulheres na inserção profissional.
O desequilíbrio também se manifesta
claramente nos rendimentos. Os homens fecharam o último trimestre de 2024 com
rendimento médio mensal de R$ 3.540, enquanto as mulheres receberam R$ 2.783 –
uma diferença de aproximadamente 27%. Esta disparidade persiste mesmo com o
maior nível educacional médio das mulheres brasileiras, evidenciando que
fatores estruturais vão além da qualificação profissional.
A socióloga Helena Hirata (2018) argumenta
que o acesso das mulheres ao emprego é dificultado por múltiplos fatores,
incluindo a divisão sexual do trabalho doméstico e de cuidado, que continua
recaindo predominantemente sobre elas.
<><> A interseccionalidade entre
raça e gênero
Quando se cruzam as variáveis de raça e
gênero, as desigualdades se intensificam de maneira ainda mais acentuada. As
mulheres negras enfrentam o que a acadêmica Lélia Gonzalez (1984) denominou
como “dupla discriminação”—de raça e de gênero—resultando em sua posição mais
vulnerável no mercado de trabalho brasileiro.
No dia a dia, isso se traduz em menos
oportunidades de emprego, maior concentração em setores de baixa remuneração e
menores possibilidades de ascensão profissional. Não por acaso, as mulheres
negras estão super-representadas em ocupações como o trabalho doméstico,
caracterizado historicamente por menor remuneração e menor proteção legal.
Mesmo com a PEC das Domésticas, que ampliou direitos para esta categoria,
persistem significativas taxas de informalidade e precarização.
A professora Márcia Lima (2021), do
Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), constata em seus
estudos que as mulheres negras estão sobrerrepresentadas nos trabalhos mais
precários e de menor remuneração, e têm maiores dificuldades de ascensão
profissional mesmo quando possuem níveis educacionais elevados.
A educação, frequentemente considerada um
equalizador social, não tem conseguido eliminar completamente as desigualdades
raciais no mercado de trabalho brasileiro. Pesquisas do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA, 2023) demonstram que, mesmo entre pessoas com o mesmo
nível educacional, persistem disparidades salariais significativas entre
brancos e negros.
Este fenômeno revela que as discriminações no
mercado de trabalho operam através de mecanismos complexos que vão além da
qualificação formal. Preconceitos implícitos, estereótipos negativos e
barreiras invisíveis ao desenvolvimento profissional continuam afetando a
trajetória de trabalhadores negros, mesmo quando possuem formação acadêmica
equivalente à de seus colegas brancos.
<><> Juventude, raça e
desemprego: uma combinação preocupante
A juventude brasileira enfrenta desafios
particulares no mercado de trabalho, com taxas de desemprego que chegam a ser o
dobro da média nacional. Segundo dados do IBGE (2025), enquanto a taxa geral de
desemprego no Brasil é de 8,8%, entre jovens de 18 a 24 anos esse índice atinge
18%.
Esse cenário representa um obstáculo
significativo para milhões de jovens que buscam sua inserção profissional e
independência financeira. O primeiro emprego, já naturalmente difícil de
conseguir pela exigência contraditória de experiência prévia, torna-se ainda
mais inacessível para jovens negros, que enfrentam barreiras adicionais
relacionadas ao racismo estrutural.
A pesquisadora Angela Figueiredo (2022), da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), aponta que o desemprego
entre jovens negros é sistematicamente mais elevado que entre jovens brancos,
refletindo barreiras adicionais no acesso ao primeiro emprego e na permanência
no mercado de trabalho.
As empresas têm papel fundamental na redução
das desigualdades raciais e de gênero no mercado de trabalho. Não se trata
apenas de uma questão de responsabilidade social, mas também de inteligência
empresarial. Organizações diversas tendem a ser mais inovadoras, apresentar
melhores resultados e conectar-se de forma mais efetiva com seus diversos
públicos.
Nos últimos anos, tem crescido o número de
empresas brasileiras que implementam programas de diversidade e inclusão com
foco em equidade racial. Estas iniciativas incluem metas para contratação de
profissionais negros, programas de trainee exclusivos para este público,
mentorias direcionadas e revisão de processos seletivos para eliminar vieses
inconscientes. No entanto, estas ações ainda estão concentradas principalmente
em grandes corporações, sendo necessária sua ampliação para o tecido
empresarial como um todo.
A redução das desigualdades raciais e de
gênero no mercado de trabalho brasileiro requer um conjunto articulado de
políticas públicas. As iniciativas devem atuar tanto na ampliação do acesso à
educação de qualidade quanto na criação de oportunidades de emprego formal com
garantia de direitos.
As políticas de ação afirmativa, como cotas
raciais em universidades e concursos públicos, representam avanços importantes,
mas precisam ser complementadas por outras medidas. A fiscalização efetiva
contra discriminação nos processos seletivos, incentivos para contratação de
grupos sub-representados e programas específicos de qualificação profissional
são exemplos de iniciativas necessárias.
É fundamental também fortalecer a atuação dos
órgãos de promoção da igualdade racial e de gênero, assegurando seu adequado
financiamento e capacidade operacional. A implementação efetiva do Estatuto da
Igualdade Racial, por exemplo, ainda enfrenta desafios significativos que
precisam ser superados.
Os dados recentes do IBGE confirmam a
persistência de desigualdades raciais e de gênero estruturais no mercado de
trabalho brasileiro. Pessoas negras continuam enfrentando maiores taxas de
desemprego e informalidade, além de receberem salários significativamente
inferiores em comparação com pessoas brancas. Da mesma forma, as mulheres ainda
experimentam desvantagens importantes em relação aos homens.
O enfrentamento dessas desigualdades requer
um esforço conjunto do Estado, empresas e sociedade civil. Não há soluções
simples ou imediatas para problemas estruturais que se formaram ao longo de
séculos, mas existem caminhos possíveis que envolvem políticas públicas
efetivas, mudanças nas práticas empresariais e transformação cultural.
A construção de um mercado de trabalho
verdadeiramente inclusivo e equitativo é não apenas uma questão de justiça
social, mas também condição necessária para o desenvolvimento pleno do
potencial econômico e humano do Brasil. Somente superando estas desigualdades
históricas poderemos construir um país que ofereça oportunidades reais para
todos os seus cidadãos, independentemente de sua raça ou gênero.
Fonte: Por Eric Chiconelli Gomes, em Outras
Palavras
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