terça-feira, 8 de abril de 2025

O mundo está caminhando para uma recessão?

As tarifas anunciadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, na semana passada incendiaram os mercados de ações globais, mas isso significa que estamos caminhando para uma recessão?

A primeira coisa a ressaltar é que o que acontece no mercado de ações não é o mesmo que acontece na economia — a queda nos preços das ações nem sempre significa tragédia econômica no futuro. Mas às vezes significa.

Quedas muito grandes nos valores do mercado de ações, como essas, significam que houve uma reavaliação fundamental dos lucros futuros para as empresas que compõem os mercados de ações do mundo.

Para o Brasil, Trump anunciou a menor alíquota extra de importação (10%). Ou seja, a tarifa vai encarecer produtos brasileiros comprados por empresas e consumidores americanos. Porém, o impacto será bem menor do que para outras nações, como Índia (26%), Japão (24%) e União Europeia (20%).

O que os mercados esperam razoavelmente é que o aumento das tarifas signifique que os custos aumentarão e os lucros cairão.

Isso não significa que uma recessão seja inevitável, mas as chances são claramente muito maiores do que eram antes de Trump anunciar as tarifas mais severas e abrangentes vistas em um século.

Uma economia é definida como estando em recessão quando o total de tudo que nós e o governo gastamos ou exportamos diminui por dois períodos consecutivos de três meses.

Entre outubro e dezembro do ano passado, a economia do Reino Unido cresceu apenas 0,1% e os últimos dados mensais mostraram que ela encolheu na mesma quantidade em janeiro.

A primeira estimativa de como a economia do Reino Unido se saiu em fevereiro será divulgada na próxima sexta-feira.

Então, estamos muito longe de poder dizer se atingimos essa definição.

<><> 'Banho de sangue'

No entanto, no "banho de sangue" das quedas do mercado de ações, há algumas baixas particularmente sangrentas e preocupantes.

Os bancos são frequentemente vistos como representantes das economias. Como um respeitado observador do mercado me disse hoje: "O que me fez prender a respiração foi a queda dos bancos".

O HSBC e o Standard Chartered — que operam na intersecção do comércio internacional entre o leste e o oeste do mundo — caíram mais de 10% durante a noite. A queda foi seguida por uma leve recuperação.

Outros sinais de alerta não estão nos mercados de ações, mas nas bolsas de commodities.

Os preços do cobre e do petróleo são considerados barômetros da saúde econômica global.

Ambos caíram mais de 15% desde que Trump lançou sua bomba tarifária.

Não houve muitas recessões verdadeiramente globais.

A década de 1930, o rescaldo da Grande Crise Financeira e o pânico em torno da pandemia são três exemplos raros de quando vimos recessões sincronizadas nas principais economias.

Ainda é considerado improvável que vejamos algo nessa escala desta vez, mas as chances de recessão nos EUA, Reino Unido e União Europeia foram significativamente aumentadas pela maioria dos analistas econômicos.

¨      Trump aposta no “efeito elefante” para manter hegemonia dos EUA

Os mercados globais encerraram a semana com previsões de nova recessão mundial, devido ao tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ao adotar a reciprocidade tarifária, a reação da China à sobretaxa, que começou a valer para 185 países, fez as bolsas desabarem e o preço das commodities caíram. O cenário global lembra a teoria do caos, um ramo da matemática e da física que estuda sistemas dinâmicos que são extremamente sensíveis às condições iniciais.

Essa sensibilidade significa que pequenas variações no ponto de partida podem levar a resultados drasticamente diferentes. É daí que vem a ideia do “efeito borboleta” – o conceito de que o bater de asas de uma borboleta em um lugar pode, eventualmente, causar um furacão do outro lado do mundo. Entretanto, estamos diante de uma espécie de “efeito elefante”, desculpe-me a analogia com o símbolo dos republicanos, mas tem tudo a ver com Trump na Casa Branca.

O tarifaço levou o banco JP Morgan Chase a elevar de 40% para 60% a probabilidade de recessão na economia americana e, por consequência, global. “As políticas disruptivas dos EUA foram reconhecidas como o maior risco para as perspectivas globais durante todo o ano”, afirmou Bruce Kasman, economista-chefe do banco norte-americano. Esse choque macroeconômico não foi previsto nem por governos nem por empresas.

Na “teoria do caos” não existe desordem total, mas uma nova ordem complexa e imprevisível. Os sistemas caóticos – como o clima, o trânsito e o mercado financeiro – seguem leis matemáticas, mas têm comportamento aleatório. É impossível prever com precisão o que vai acontecer depois de certo ponto, ou seja, o que vai acontecer a partir de agora.

Trump toma decisões ou faz declarações imprevisíveis, que surpreendem até seus aliados; suas ações e comentários desencadeiam reações em cadeia nos mercados, na política externa e nas redes sociais; e sua resistência ao controle, característica dos sistemas caóticos, coloca em xeque a institucionalidade da economia mundial e a própria democracia americana.

A democracia se estrutura a partir de atores racionais e previsíveis. Trump rompe esse paradigma no confronto direto com o status quo. Seu tarifaço pode sepultar de vez o que ainda restava do Acordo de Bretton Woods, de 1944. É a segunda grande crise desse sistema, que buscava estabelecer uma ordem econômica estável após a Segunda Guerra Mundial, com base em taxas de câmbio fixas atreladas ao dólar americano e ao padrão-ouro (35 dólares por onça-troy).

<><> Desglobalização

Na década de 1970, o sistema entrou em crise. Os EUA gastavam mais do que arrecadavam, devido à Guerra do Vietnã; muitos países começaram a acumular dólares e houve uma corrida para o ouro, num ambiente de inflação global com taxas de câmbio engessadas. A antiga União Soviética, de um lado, e o Japão, Alemanha, França e Inglaterra, de outro, ameaçavam a hegemonia americana.

Em 15 de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon virou a mesa: suspendeu a conversibilidade do dólar em ouro (fim do padrão-ouro) e regulou preços e salários nos EUA. O câmbio passou a variar com base em oferta e demanda, o que trouxe mais volatilidade ao comércio internacional. A confiança no sistema monetário passou a depender da credibilidade dos governos.

A crise do sistema coincidiu com choques do petróleo (1973 e 1979), que gerou “estagflação”: alta inflação com baixo crescimento. Com maior instabilidade cambial e crises, o FMI ganhou importância como agente de apoio a países em dificuldades financeiras. O fim do câmbio fixo afetou diretamente os países que dependiam de um sistema relativamente estável para importar bens e pagar dívidas.

Somada à instabilidade cambial e choques do petróleo, a crise mundial contribuiu para o início de um longo ciclo inflacionário no Brasil, que só terminaria com o Plano Real, em 1994. A estabilização da nossa moeda, no governo Fernando Henrique Cardoso, coincidiu com um novo ciclo de expansão da economia mundial, protagonizado pelos Estados Unidos e a China, que aceitou as novas regras do jogo estabelecidas por Ronald Reagan (EUA) e Margareth Thatcher (Reino Unido).

A partir do Consenso de Washington, a globalização intensificou relações econômicas, culturais, políticas e tecnológicas, formou-se uma rede de interdependência e conexão em escala mundial, com cadeias de valor integradas e uma nova divisão internacional do trabalho.

Internet, redes sociais e comunicação em tempo real; o transporte aéreo e marítimo mais rápido e barato; e inovação fluindo entre países com mais velocidade, bem como ideias, músicas, filmes, marcas; hábitos, estilos e valores estrangeiros, tudo globalizado.

Isso parecia ser uma tendência irreversível, após o fim da antiga União Soviética e da guerra fria, ainda mais depois da integração da China e do Vietnã às regras do jogo do comércio mundial como economias de mercado. Entretanto houve aumento das desigualdades e do desemprego nos Estados Unidos, tanto quanto na Europa e na América Latina.

Trump é uma resposta à perda de protagonismo dos Estados Unidos diante da China. Seu lema “America First” aposta na desglobalização de sua economia, diante de um mundo que se tornara mais interdependente. É uma cartada de alto risco.

¨      Trump se posiciona como gerente do desmonte dos Estados Unidos. Por José Guimarães

A eleição de Donald Trump é a expressão mais evidente do desespero dos Estados Unidos diante da China e seu desenvolvimento científico e industrial. 

Ao mesmo tempo, a sanha ideológica e o agigantamento do poder privado dos oligarcas bilionários, donos das big techs - aspiradoras de dinheiro do mundo - estão desmanchando institucionalmente os Estados Unidos, submetendo cidadãs e cidadãos ao medo do que são capazes de fazer com o país e o mundo. 

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O ataque ao Capitólio, após Trump perder as eleições, em janeiro de 2021, foi o mais concreto sintoma da escalada da decadência institucional dos Estados Unidos. O Congresso, de maioria trumpista, perdeu a ética democrática, que tanto orgulhou os estadunidenses na sua história.

Demissões em massa de servidores públicos, desmonte de agências de pesquisa científica, de cooperação, inclusive de segurança, do departamento de educação, entre outros, censura a conteúdos didáticos em escolas e universidades, enfim, ações governamentais ideológicas de cunho fascista, fazem parte do desmonte institucional dos Estados Unidos.

Apesar das ameaças e de represálias de Trump, alguns setores do judiciário têm resistido à altura dos danos à democracia e à ordem constitucional. Porém, na Suprema Corte, a maioria dos ministros foram nomeados por ele. Não há esperança de que algo possa ser feito em defesa das instituições.

Na semana passada, a Nature, a mais respeitada revista científica do mundo, divulgou pesquisa com a informação de que 75% dos cientistas dos Estados Unidos estão se preparando para deixar o país, depois das demissões e dos cortes dos financiamentos das agências de pesquisas e das universidades, pelo governo Trump. Segundo a revista, trata-se da maior “fuga de cérebros” da história dos Estados Unidos. 

Um estudo da Universidade de Standford revelou que os imigrantes respondem por 23% das patentes registradas nos Estados Unidos e que esses cientistas se dedicam a pesquisas mais avançadas, para resolver os desafios mais complexos da sociedade moderna, como na medicina, nos avanços em tecnologias de ponta como Inteligência Artificial, na exploração espacial, entre outros.

Talvez nunca tenhamos vivido tamanha insegurança global como agora, momento em que a maior potência econômica e bélica do planeta está nas mãos de pessoas tão inadequadas para governar no processo civilizatório do mundo. As forças políticas que gravitam ao redor de Donald Trump se movimentam numa espiral de retrocessos, de atraso político já superado pela democracia. 

Pairam suspeitas de que segredos de Estado foram parar nas mãos de oligarcas bilionários das big techs e que o mundo corre risco. Desde ataques cibernéticos inusitados a setores como o financeiro e o militar até apropriação de códigos secretos de uso de armas nucleares. Na escalada de poder privado, não se sabe em qual momento poderia ser usado.

O principal assessor de Trump, o bilionário Elon Musk, proprietário da SpaceX, é dono de 60% dos satélites em órbita na Terra, por onde passa o maior fluxo de dados do planeta. São 6.370 deles operando em 102 países, inclusive no Brasil. A empresa trabalha com a meta de lançar mais de 42 mil novos satélites e se posiciona para monopolizar o maior número de equipamentos do mundo. Ou seja, a governança global corre risco.

O tarifaço baixado por Donald Trump contra 185 países é o mais ousado ato do seu governo, até o momento, depois da expulsão indiscriminada e humilhante de imigrantes. Dada a dimensão dos estragos previstos na economia global, países afetados começam a tomar medidas de retaliação, que podem ser o início de uma escalada de conflitos de final imprevisível. 

Especialistas alertam para os efeitos do tarifaço na globalização, da qual os Estados Unidos foram o principal articulador desde o governo Ronald Reagan, juntamente com a Primeira-Ministra da Inglaterra, Margareth Tatcher, nos anos 1980, que resultou na reciclagem da política neoliberal, acordada na reunião das agências financeiras internacionais, chamada “Consenso de Washington”. 

Os danos do tarifaço para a cooperação internacional são devastadores, assim como o perigo do ressurgimento de movimentos nacionalistas em todo o mundo, semelhantes aos que resultaram na Segunda Guerra Mundial. 

A recente capa da revista The Economist, com o título “Dia da Ruína”, contraponto para o “Dia da Libertação”, estampa Donald Trump com a mão num serrote, serrando as fronteiras do mapa dos Estados Unidos, isolando o país do mundo. 

No editorial, a revista diz que Trump “tornou os Estados Unidos tóxico para investidores”. A revista chama atenção para a gravidade do que pode estar se passando pela cabeça do chefe de Estado da maior potência econômica, tecnológica e bélica do planeta.

Até o momento, analistas de políticas econômicas não arriscam afirmar qual o verdadeiro sentido das medidas de Donald Trump, que estão levando a economia dos Estados Unidos e do mundo à recessão, ao desemprego e à inflação. 

Na semana do tarifaço, as bolsas dos Estados Unidos desabaram 10%. Segundo a consultoria Elos Ayta, a medida de Trump provocou nos dois primeiros dias perda de US$ 6 trilhões, do valor das empresas do país. 

Até a última sexta-feira, as gigantes de tecnologia já haviam perdido US$ 800 bilhões. A Apple foi a mais prejudicada, perdeu US$ 500 bilhões de dólares. A projeção mais otimista para o PIB dos Estados Unidos, em 2025, é de queda de 2% e inflação de 7,6%.

A globalização, tão propalada como panaceia do liberalismo comercial e econômico nas últimas décadas do final do século passado - para o desenvolvimento dos países que rompessem com barreiras tarifárias - deu ao mundo a China que temos hoje, uma potência industrial, tecnológica e financeira.  

Na globalização, a China soube aproveitar com inteligência a oportunidade de poder atrair empresas estrangeiras no processo de industrialização. A opção foi por “joint ventures”, mas, sob condições e regras definidas pelo governo chinês. 

Hoje, a China mantém forte regulação do sistema financeiro, crédito direcionado e um modelo de investimento que combina expansão das exportações e do mercado interno, com investimentos na melhoria salarial e da renda dos trabalhadores.

Com população de 1,400 bilhão e uma política econômica planejada e controlada pelo Estado, a China atraiu grandes empresas industriais transnacionais, principalmente dos Estados Unidos, se transformou na “fábrica do mundo”, no maior mercado consumidor e exportador de manufaturados. A título de comparação, a população dos Estados Unidos é de 340,1 milhões.

O comércio global, em 1980, era de US$ 2 trilhões. Em 2025, saltou para US$ 33 trilhões. Em 1980, o PIB da China era de aproximadamente US$ 191 bilhões e as exportações não passavam de US$ 21 bilhões. Em 2024, o comércio exterior da China bateu recorde, chegou a US$ 5,9 trilhões. US$ 1 trilhão a mais que o ano anterior. Com seu comércio externo girando em torno de 37% do PIB, a China se tornou o maior parceiro comercial de 120 países. Essa é uma das razões do desespero dos Estados Unidos diante da China.

O tarifaço é o maior golpe do governo Trump contra a globalização e a China foi o país escolhido por ele para aplicar a maior tarifa (34%). Se, com isso, Trump pensa em trazer de volta as grandes empresas dos Estados Unidos, que estão produzindo na China, corre o risco de perder a guerra comercial. 

O Índice de Confiança do Investidor de Xangai bateu recorde, tendo em vista a expansão do mercado interno no país mais populoso do mundo. Além disso, os navios chineses podem desembarcar seus produtos em outros portos. 

O mundo está assustado e inseguro com o comportamento inadequado de Donald Trump no exercício do governo dos Estados Unidos, que não se senta numa mesa de negociação, se coloca como um comerciante atras de um balcão. Prefere o confronto.

Diante disso, o mundo se levanta em manifestações nas mais importantes cidades do país, da Europa e da Ásia, numa jornada de lutas contra ele e seu governo, contra o tarifaço e a recessão global, contra as deportações, as demissões em massa de servidores públicos, contra o desmonte das universidades e das agências de pesquisa, contra a censura a conteúdos didáticos nos Estados Unidos, enfim, contra as ameaças à democracia. 

 

Fonte: BBC News/Correio Braziliense/Brasil 247

 

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