O mundo está caminhando para uma recessão?
As tarifas anunciadas pelo presidente
dos EUA, Donald Trump, na semana passada
incendiaram os mercados de ações globais, mas isso significa que estamos
caminhando para uma recessão?
A
primeira coisa a ressaltar é que o que acontece no mercado de ações não é o mesmo
que acontece na economia — a queda nos preços das ações nem sempre significa
tragédia econômica no futuro. Mas às vezes significa.
Quedas
muito grandes nos valores do mercado de ações, como essas,
significam que houve uma reavaliação fundamental dos lucros futuros para as
empresas que compõem os mercados de ações do mundo.
Para o Brasil, Trump anunciou
a menor alíquota extra de importação (10%). Ou seja, a tarifa vai encarecer
produtos brasileiros comprados por empresas e consumidores americanos. Porém, o
impacto será bem menor do que para outras nações, como Índia (26%), Japão (24%)
e União Europeia (20%).
O que
os mercados esperam razoavelmente é que o aumento das tarifas signifique que os
custos aumentarão e os lucros cairão.
Isso
não significa que uma recessão seja inevitável, mas as chances são claramente
muito maiores do que eram antes de Trump anunciar as tarifas mais severas e
abrangentes vistas em um século.
Uma
economia é definida como estando em recessão quando o total de tudo que nós e o
governo gastamos ou exportamos diminui por dois períodos consecutivos de três
meses.
Entre
outubro e dezembro do ano passado, a economia do Reino Unido cresceu apenas
0,1% e os últimos dados mensais mostraram que ela encolheu na mesma quantidade
em janeiro.
A
primeira estimativa de como a economia do Reino Unido se saiu em fevereiro será
divulgada na próxima sexta-feira.
Então,
estamos muito longe de poder dizer se atingimos essa definição.
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'Banho de sangue'
No
entanto, no "banho de sangue" das quedas do mercado de ações, há
algumas baixas particularmente sangrentas e preocupantes.
Os
bancos são frequentemente vistos como representantes das economias. Como um
respeitado observador do mercado me disse hoje: "O que me fez prender a
respiração foi a queda dos bancos".
O HSBC
e o Standard Chartered — que operam na intersecção do comércio internacional
entre o leste e o oeste do mundo — caíram mais de 10% durante a noite. A queda
foi seguida por uma leve recuperação.
Outros
sinais de alerta não estão nos mercados de ações, mas nas bolsas de
commodities.
Os
preços do cobre e do petróleo são considerados barômetros da saúde econômica
global.
Ambos
caíram mais de 15% desde que Trump lançou sua bomba tarifária.
Não
houve muitas recessões verdadeiramente globais.
A
década de 1930, o rescaldo da Grande Crise Financeira e o pânico em torno da
pandemia são três exemplos raros de quando vimos recessões sincronizadas nas
principais economias.
Ainda é
considerado improvável que vejamos algo nessa escala desta vez, mas as chances
de recessão nos EUA, Reino Unido e União Europeia foram significativamente
aumentadas pela maioria dos analistas econômicos.
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Trump aposta no “efeito elefante” para manter hegemonia
dos EUA
Os
mercados globais encerraram a semana com previsões de nova recessão mundial,
devido ao tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Ao adotar a reciprocidade tarifária, a reação da China à sobretaxa, que começou
a valer para 185 países, fez as bolsas desabarem e o preço das commodities
caíram. O cenário global lembra a teoria do caos, um ramo da matemática e da
física que estuda sistemas dinâmicos que são extremamente sensíveis às
condições iniciais.
Essa
sensibilidade significa que pequenas variações no ponto de partida podem levar
a resultados drasticamente diferentes. É daí que vem a ideia do “efeito
borboleta” – o conceito de que o bater de asas de uma borboleta em um lugar
pode, eventualmente, causar um furacão do outro lado do mundo. Entretanto,
estamos diante de uma espécie de “efeito elefante”, desculpe-me a analogia com
o símbolo dos republicanos, mas tem tudo a ver com Trump na Casa Branca.
O
tarifaço levou o banco JP Morgan Chase a elevar de 40% para 60% a probabilidade
de recessão na economia americana e, por consequência, global. “As políticas
disruptivas dos EUA foram reconhecidas como o maior risco para as perspectivas
globais durante todo o ano”, afirmou Bruce Kasman, economista-chefe do banco
norte-americano. Esse choque macroeconômico não foi previsto nem por governos
nem por empresas.
Na
“teoria do caos” não existe desordem total, mas uma nova ordem complexa e
imprevisível. Os sistemas caóticos – como o clima, o trânsito e o mercado
financeiro – seguem leis matemáticas, mas têm comportamento aleatório. É
impossível prever com precisão o que vai acontecer depois de certo ponto, ou
seja, o que vai acontecer a partir de agora.
Trump
toma decisões ou faz declarações imprevisíveis, que surpreendem até seus
aliados; suas ações e comentários desencadeiam reações em cadeia nos mercados,
na política externa e nas redes sociais; e sua resistência ao controle,
característica dos sistemas caóticos, coloca em xeque a institucionalidade da
economia mundial e a própria democracia americana.
A
democracia se estrutura a partir de atores racionais e previsíveis. Trump rompe
esse paradigma no confronto direto com o status quo. Seu tarifaço pode sepultar
de vez o que ainda restava do Acordo de Bretton Woods, de 1944. É a segunda
grande crise desse sistema, que buscava estabelecer uma ordem econômica estável
após a Segunda Guerra Mundial, com base em taxas de câmbio fixas atreladas ao
dólar americano e ao padrão-ouro (35 dólares por onça-troy).
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Desglobalização
Na
década de 1970, o sistema entrou em crise. Os EUA gastavam mais do que
arrecadavam, devido à Guerra do Vietnã; muitos países começaram a acumular
dólares e houve uma corrida para o ouro, num ambiente de inflação global com
taxas de câmbio engessadas. A antiga União Soviética, de um lado, e o Japão,
Alemanha, França e Inglaterra, de outro, ameaçavam a hegemonia americana.
Em 15
de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon virou a mesa: suspendeu a
conversibilidade do dólar em ouro (fim do padrão-ouro) e regulou preços e
salários nos EUA. O câmbio passou a variar com base em oferta e demanda, o que
trouxe mais volatilidade ao comércio internacional. A confiança no sistema
monetário passou a depender da credibilidade dos governos.
A crise
do sistema coincidiu com choques do petróleo (1973 e 1979), que gerou
“estagflação”: alta inflação com baixo crescimento. Com maior instabilidade
cambial e crises, o FMI ganhou importância como agente de apoio a países em
dificuldades financeiras. O fim do câmbio fixo afetou diretamente os países que
dependiam de um sistema relativamente estável para importar bens e pagar
dívidas.
Somada
à instabilidade cambial e choques do petróleo, a crise mundial contribuiu para
o início de um longo ciclo inflacionário no Brasil, que só terminaria com o
Plano Real, em 1994. A estabilização da nossa moeda, no governo Fernando
Henrique Cardoso, coincidiu com um novo ciclo de expansão da economia mundial,
protagonizado pelos Estados Unidos e a China, que aceitou as novas regras do
jogo estabelecidas por Ronald Reagan (EUA) e Margareth Thatcher (Reino Unido).
A
partir do Consenso de Washington, a globalização intensificou relações
econômicas, culturais, políticas e tecnológicas, formou-se uma rede de
interdependência e conexão em escala mundial, com cadeias de valor integradas e
uma nova divisão internacional do trabalho.
Internet,
redes sociais e comunicação em tempo real; o transporte aéreo e marítimo mais
rápido e barato; e inovação fluindo entre países com mais velocidade, bem como
ideias, músicas, filmes, marcas; hábitos, estilos e valores estrangeiros, tudo
globalizado.
Isso
parecia ser uma tendência irreversível, após o fim da antiga União Soviética e
da guerra fria, ainda mais depois da integração da China e do Vietnã às regras
do jogo do comércio mundial como economias de mercado. Entretanto houve aumento
das desigualdades e do desemprego nos Estados Unidos, tanto quanto na Europa e
na América Latina.
Trump é
uma resposta à perda de protagonismo dos Estados Unidos diante da China. Seu
lema “America First” aposta na desglobalização de sua economia, diante de um
mundo que se tornara mais interdependente. É uma cartada de alto risco.
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Trump se posiciona como
gerente do desmonte dos Estados Unidos. Por José Guimarães
A eleição de Donald Trump é a expressão mais
evidente do desespero dos Estados Unidos diante da China e seu desenvolvimento
científico e industrial.
Ao mesmo tempo, a sanha ideológica e o
agigantamento do poder privado dos oligarcas bilionários, donos das big
techs - aspiradoras de dinheiro do mundo - estão desmanchando
institucionalmente os Estados Unidos, submetendo cidadãs e cidadãos ao medo do
que são capazes de fazer com o país e o mundo.
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O ataque ao Capitólio, após Trump perder as
eleições, em janeiro de 2021, foi o mais concreto sintoma da escalada da
decadência institucional dos Estados Unidos. O Congresso, de maioria trumpista,
perdeu a ética democrática, que tanto orgulhou os estadunidenses na sua
história.
Demissões em massa de servidores públicos,
desmonte de agências de pesquisa científica, de cooperação, inclusive de
segurança, do departamento de educação, entre outros, censura a conteúdos
didáticos em escolas e universidades, enfim, ações governamentais ideológicas
de cunho fascista, fazem parte do desmonte institucional dos Estados Unidos.
Apesar das ameaças e de represálias de Trump,
alguns setores do judiciário têm resistido à altura dos danos à democracia e à
ordem constitucional. Porém, na Suprema Corte, a maioria dos ministros foram
nomeados por ele. Não há esperança de que algo possa ser feito em defesa das
instituições.
Na semana passada, a Nature, a mais
respeitada revista científica do mundo, divulgou pesquisa com a informação de
que 75% dos cientistas dos Estados Unidos estão se preparando para deixar o
país, depois das demissões e dos cortes dos financiamentos das agências de
pesquisas e das universidades, pelo governo Trump. Segundo a revista, trata-se
da maior “fuga de cérebros” da história dos Estados Unidos.
Um estudo da Universidade de Standford
revelou que os imigrantes respondem por 23% das patentes registradas nos
Estados Unidos e que esses cientistas se dedicam a pesquisas mais avançadas,
para resolver os desafios mais complexos da sociedade moderna, como na
medicina, nos avanços em tecnologias de ponta como Inteligência Artificial, na
exploração espacial, entre outros.
Talvez nunca tenhamos vivido tamanha
insegurança global como agora, momento em que a maior potência econômica e
bélica do planeta está nas mãos de pessoas tão inadequadas para governar no
processo civilizatório do mundo. As forças políticas que gravitam ao redor de
Donald Trump se movimentam numa espiral de retrocessos, de atraso político já
superado pela democracia.
Pairam suspeitas de que segredos de Estado
foram parar nas mãos de oligarcas bilionários das big techs e
que o mundo corre risco. Desde ataques cibernéticos inusitados a setores como o
financeiro e o militar até apropriação de códigos secretos de uso de armas
nucleares. Na escalada de poder privado, não se sabe em qual momento poderia
ser usado.
O principal assessor de Trump, o bilionário
Elon Musk, proprietário da SpaceX, é dono de 60% dos satélites em órbita na
Terra, por onde passa o maior fluxo de dados do planeta. São 6.370 deles
operando em 102 países, inclusive no Brasil. A empresa trabalha com a meta de
lançar mais de 42 mil novos satélites e se posiciona para monopolizar o maior
número de equipamentos do mundo. Ou seja, a governança global corre risco.
O tarifaço baixado por Donald Trump contra
185 países é o mais ousado ato do seu governo, até o momento, depois da
expulsão indiscriminada e humilhante de imigrantes. Dada a dimensão dos
estragos previstos na economia global, países afetados começam a tomar medidas
de retaliação, que podem ser o início de uma escalada de conflitos de final
imprevisível.
Especialistas alertam para os efeitos do
tarifaço na globalização, da qual os Estados Unidos foram o principal
articulador desde o governo Ronald Reagan, juntamente com a Primeira-Ministra
da Inglaterra, Margareth Tatcher, nos anos 1980, que resultou na reciclagem da
política neoliberal, acordada na reunião das agências financeiras
internacionais, chamada “Consenso de Washington”.
Os danos do tarifaço para a cooperação
internacional são devastadores, assim como o perigo do ressurgimento de
movimentos nacionalistas em todo o mundo, semelhantes aos que resultaram na
Segunda Guerra Mundial.
A recente capa da revista The Economist, com
o título “Dia da Ruína”, contraponto para o “Dia da
Libertação”, estampa Donald Trump com a mão num serrote, serrando as
fronteiras do mapa dos Estados Unidos, isolando o país do mundo.
No editorial, a revista diz que Trump “tornou
os Estados Unidos tóxico para investidores”. A revista chama atenção para a
gravidade do que pode estar se passando pela cabeça do chefe de Estado da maior
potência econômica, tecnológica e bélica do planeta.
Até o momento, analistas de políticas
econômicas não arriscam afirmar qual o verdadeiro sentido das medidas de Donald
Trump, que estão levando a economia dos Estados Unidos e do mundo à recessão,
ao desemprego e à inflação.
Na semana do tarifaço, as bolsas dos Estados
Unidos desabaram 10%. Segundo a consultoria Elos Ayta, a medida de Trump
provocou nos dois primeiros dias perda de US$ 6 trilhões, do valor das empresas
do país.
Até a última sexta-feira, as gigantes de
tecnologia já haviam perdido US$ 800 bilhões. A Apple foi a mais prejudicada,
perdeu US$ 500 bilhões de dólares. A projeção mais otimista para o PIB dos
Estados Unidos, em 2025, é de queda de 2% e inflação de 7,6%.
A globalização, tão propalada como panaceia
do liberalismo comercial e econômico nas últimas décadas do final do século
passado - para o desenvolvimento dos países que rompessem com barreiras
tarifárias - deu ao mundo a China que temos hoje, uma potência industrial,
tecnológica e financeira.
Na globalização, a China soube aproveitar com
inteligência a oportunidade de poder atrair empresas estrangeiras no processo
de industrialização. A opção foi por “joint ventures”, mas, sob
condições e regras definidas pelo governo chinês.
Hoje, a China mantém forte regulação do
sistema financeiro, crédito direcionado e um modelo de investimento que combina
expansão das exportações e do mercado interno, com investimentos na melhoria
salarial e da renda dos trabalhadores.
Com população de 1,400 bilhão e uma política
econômica planejada e controlada pelo Estado, a China atraiu grandes empresas
industriais transnacionais, principalmente dos Estados Unidos, se transformou
na “fábrica do mundo”, no maior mercado consumidor e exportador de
manufaturados. A título de comparação, a população dos Estados Unidos é de
340,1 milhões.
O comércio global, em 1980, era de US$ 2
trilhões. Em 2025, saltou para US$ 33 trilhões. Em 1980, o PIB da China era de
aproximadamente US$ 191 bilhões e as exportações não passavam de US$ 21
bilhões. Em 2024, o comércio exterior da China bateu recorde, chegou a US$ 5,9
trilhões. US$ 1 trilhão a mais que o ano anterior. Com seu comércio externo
girando em torno de 37% do PIB, a China se tornou o maior parceiro comercial de
120 países. Essa é uma das razões do desespero dos Estados Unidos diante da
China.
O tarifaço é o maior golpe do governo Trump
contra a globalização e a China foi o país escolhido por ele para aplicar a
maior tarifa (34%). Se, com isso, Trump pensa em trazer de volta as grandes
empresas dos Estados Unidos, que estão produzindo na China, corre o risco de
perder a guerra comercial.
O Índice de Confiança do Investidor de Xangai
bateu recorde, tendo em vista a expansão do mercado interno no país mais
populoso do mundo. Além disso, os navios chineses podem desembarcar seus
produtos em outros portos.
O mundo está assustado e inseguro com o
comportamento inadequado de Donald Trump no exercício do governo dos Estados
Unidos, que não se senta numa mesa de negociação, se coloca como um comerciante
atras de um balcão. Prefere o confronto.
Diante disso, o mundo se levanta em
manifestações nas mais importantes cidades do país, da Europa e da Ásia, numa
jornada de lutas contra ele e seu governo, contra o tarifaço e a recessão
global, contra as deportações, as demissões em massa de servidores públicos,
contra o desmonte das universidades e das agências de pesquisa, contra a
censura a conteúdos didáticos nos Estados Unidos, enfim, contra as ameaças à
democracia.
Fonte: BBC News/Correio Braziliense/Brasil
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