Davis Sena Filho: Anistia não é para
bolsonarista bucha de canhão, mas para Bolsonaro ficar impune e livre da cadeia
Os autodenominados “patriotas” são chamados
por grande parte da população brasileira de “patriotários” ou "manés"
ou "gado". Os eleitores do campo progressista discordam totalmente e
politicamente dos cognominados “bolsominions” e como resposta a um governo
militarizado e ultraneoliberal, como foi o de Jair Bolsonaro, elegeram, em
2022, o Lula-3 presidente da República, sendo que o incompetente Bolsonaro se
tornou o primeiro presidente a não se reeleger após a redemocratização do
Brasil.
A verdade é que esses golpistas sem
importância e influência política, mas que se dispuseram a cometer crimes em
série em Brasília para darem um golpe de estado são de maioria pobre, de classe
média e média baixa, realidade que amplifica o quão no Brasil vicejam grupos
sociais cuja ignorância e miséria moral pode impor ao Brasil um regime político
persecutório, opressor e repressor, porque a tentativa de golpe perpetrada por
eles deixou essa questão muito bem clara e real.
Tentaram implantar um regime com disposição,
inclusive, para prender, exilar, torturar e matar, a relembrar a violenta
ditadura militar de 1964, porque a verdade é que se pode realmente imaginar o
que fariam o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores militares,
policiais e civis de vários segmentos e setores da sociedade, que se diz
conservadora, conseguissem concretizar o golpe de estado e, consequentemente,
perpetuarem-se no poder, conforme desejavam os generais cúmplices e
protagonistas dos planos anti republicanos de Bolsonaro.
Contudo, essas pessoas, na verdade, são
buchas de canhão. São os patriotários que foram ao front da baderna insana,
porque não aceitaram a derrota de Bolsonaro para o Lula-3, assim como
sequestraram a camisa da Seleção Brasileira e passaram a usar os símbolos
cívicos e bandeiras do Brasil como se fossem propriedades deles, somente deles,
o que se torna um total despropósito e uma falta de discernimento que alcança
as raias da idiotia.
Esse comportamento típico de gente sem noção
do ridículo apenas denota soberba e autoritarismo característicos de pessoas
sectárias e intolerantes com os desiguais e diferentes, mas que resolveram
descambar para a violência tão própria à extrema direita. São indivíduos que
foram gravados, filmados e fotografados por eles mesmos, a se auto incriminarem
de maneira surreal, a facilitarem o trabalho dos órgãos de estado de segurança
e investigação e assim ficaram fragilizados em suas defesas perante à Justiça, sendo
punidos com cadeia.
Os patriotários cantam o Hino Nacional para
demonstrar um patriotismo vazio de projetos e de desenvolvimento, de bem-estar
social e de conhecimento sobre o Brasil de inúmeras regiões e sua sociedade
diversificada, multifacetada, multicolorida e multicultural. Enfim, desconhecem
onde nasceram e moram, porque o farol que ilumina seus caminhos é o farol da
obscuridade, da ignorância e do golpismo perverso, que se edifica por meio de
preconceitos e, com efeito, se valeram de grande violência com a intenção de implantar
no Brasil mais uma ditadura em sua sofrida história.
Depois de mais de duas mil pessoas serem
presas após o quebra-quebra que destruiu literalmente as sedes dos Três Poderes
em Brasília, cerca de mil pessoas foram julgadas e condenadas, desde penas
“leves” que devolvem os delinquentes aos seus lares mediante o uso de
tornozeleira eletrônica, além de diferentes limitações para que o condenado
pela Justiça tenha de cumprir determinações quanto à sua rotina de vida até que
seja cumprido o tempo da pena, sendo que foram também determinadas pelo STF as
condenações mais pesadas, cujos delinquentes e golpistas cumprirão suas penas
encarcerados, em um tempo de 13 a 17 anos.
Porém, o que chama a atenção é que esses
meliantes rancorosos e ressentidos por toda uma vida são profundamente
analfabetos políticos, sendo que muitos em seus depoimentos demonstraram viver
em um mundo paralelo, eivado de crenças frívolas, fanatismo religioso e
político ao ponto que inúmeros presos se recusaram a citar o nome do político
fascista e chefe do golpe, Jair Bolsonaro, como se fosse uma “honra”
"protegê-lo" na esperança de amenizar as acusações por parte da PGR e
que ora estão a cargo dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Trata-se de algo sem precedentes e
psicologicamente complexo, porque essa gente, apesar da imensa ignorância e
perversidade moral, considera que está a serviço de uma bem maior, que é “lutar
pela Pátria” e assim preservar seus princípios e valores nem que seja
necessário mofar na cadeia, o que denota também que muitos presos foram
arrebatados pelo fanatismo religioso de ordem evangélica, porque grande parte
dos que participaram da intentona bolsonarista é frequentadora de igrejas
evangélicas.
Trata-se de um segmento conservador de onde é
oriundo o maior defensor das diatribes de Bolsonaro, o pastor midiático de
extrema direita Silas Malafaia, chefe da neopentecostal Assembleia de Deus
Vitória em Cristo, dentre inúmeros pastores e bispos de outras denominações
evangélicas que apoiam até hoje o inelegível e réu Jair Bolsonaro, que,
absolutamente, infernizou o Brasil por longos quatro anos, a desmontar o Estado
nacional e a estrangular toda uma rede de proteção social e de direitos
adquiridos conquistados pelo povo brasileiro por intermédio de décadas,
principalmente nos governos progressistas e trabalhistas de centro-esquerda e
de esquerda.
Por sua vez, o que chama mais a atenção é o
cinismo, a hipocrisia, os meios oportunistas dignos dos canalhas evidenciados
pela direita e a extrema direita na Câmara dos Deputados, a liderar a concessão
da tal “anistia” aos delinquentes da intentona bolsonarista o líder do PL,
deputado Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), um pastor radical e que luta no
Legislativo nacional para anistiar os marginais que invadiram os palácios dos
poderes da República e destruíram tudo o que viram pela frente, como
verdadeiros vândalos e, ignorantes que são, efetivaram uma selvageria que está
marcada eternamente na história do Brasil. Um momento trágico, bárbaro e
inglório para a sociedade brasileira, porque um atentado contra a civilização,
ao que é civilizado.
Contudo, faço uma pausa e pergunto: “Ué,
somente agora, após dois anos, os deputados federais golpistas se importam com
o lumpesinato bolsonarista bucha de canhão?”
Sim. Enquanto Bolsonaro não corria o real
perigo de ser preso, como acontece agora depois de ser considerado réu pelo
Supremo, o PL, liderado pelo pastor evangélico da Assembleia de Deus, deputado
Sóstenes Cavalcante, como o é também dá Assembleia seu parceiro ideológico
Silas Malafaia, mobiliza-se de maneira francamente autoritária e, mediante
chantagens, ameaça paralisar as votações da Câmara, ação legislativa que chamam
de obstrução. Querem a fórceps votar a “anistia” em regime de urgência para
beneficiar bandidos que tentaram dar um golpe por meio da destruição das sedes
republicanas e, com efeito, facilitar para que os militares interviessem e por
meio dessa “intervenção” darem um golpe de estado.
Acontece que o golpe foi derrotado e por isso
que o lúmpen bolsonarista carne de canhão está preso nos presídios da Papuda e
da Colmeia HÁ DOIS ANOS, mas somente agora os reais mandantes e apoiadores do
golpe contra o presidente Lula-3 se mobilizam para, na verdade, livrarem
Bolsonaro da cadeia e, quiçá, como se concedessem um salvo-conduto, lançá-lo
candidato a presidente em 2026. É mole ou quer mais, meu camarada? Impunidade
aplicada diretamente nas veias.
Entretanto, os mandantes, os articuladores e
os financiadores do golpe do 8 de janeiro de 2023 estão sendo investigados,
denunciados, julgados e muitos deles já estão presos, sendo que outros
golpistas, como o fascista Bolsonaro, ainda verão o sol nascer quadrado, de
forma a respeitar a democracia e o Estado Democrático de Direito, que estão sob
a luz da Constituição.
A verdade é que o PL, um partido de extrema
direita, que no poder tratou de destruir o Brasil, saiu derrotado em seus
interesses nada republicanos e sua vontade de votar a anistia para bandidos
como se urgência fosse. Evidentemente que o PL não foi atendido, porque o
presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos/PB) adiou a pauta da extrema
direita que tem por único e principal propósito beneficiar o ex-presidente que
é chamado também de “capitão” e de “Bozo”.
Enquanto isso, outro parlamentar radical de
direita e tenente-coronel do Exército, deputado Luciano Zucco (PL/RS), ameaça a
rotina de votações do Parlamento brasileiro, e assevera: “A decisão do
presidente da Casa, Hugo Motta, demonstra desrespeito aos parlamentares. Vamos
sair da obstrução somente quando tivermos a data marcada para a anistia”.
O deputado Zucco é o líder da oposição e está
a fazer um trabalho de sabotagem contra o Brasil, que tem pautas mais urgentes
para serem aprovadas, a exemplo de mudanças nas leis eleitorais, da PEC da
Segurança Pública e da elevação da isenção do imposto de renda, que beneficiará
milhões de brasileiros e ajudará a impulsionar ainda mais a economia do País.
Zucco afirmou que conseguiu 264 assinaturas a
favor da urgência para livrar criminosos da cadeia e assim deixá-los impunes,
mas a mentira ou as distorções tem pernas curtas e logo o deputado de extrema
direita afirmou: “Temos que mostrar o quão danoso é esse processo em torno de
pessoas inocentes, incluindo o nosso presidente Bolsonaro”.
Nesta hora deu vontade de gargalhar por causa
da cara de pau do Zucco, porque incluir o Bolsonaro, um homem comprovadamente
perverso, traidor e covarde, no grupo das pessoas “inocentes” só pode ser
deboche, gozação e escárnio”. Na verdade, um total desrespeito à inteligência
alheia e a sordidez em âmbito estratosférico.
Para concluir, a extrema direita, o gado
bucha de canhão, os partidos direitistas, os deputados do PL, o Malafaia, o
Sóstenes e todos aqueles que querem anistiar os crimes gravíssimos do Bolsonaro
(e seus asseclas) e assim mais uma vez em sua vida nefasta e inglória ficar
impune de seus malfeitos, ficarão de forma uníssona decepcionados, porque essa
pauta calhorda e cretina da anistia para delinquentes de alta periculosidade
não passará, não será votada, muito menos em regime de urgência.
Além do mais, quero informar os que se sentem
empolgados com a anistia para o Bolsonaro, o ex-presidente Fernando Collor de
Mello foi ontem, o que é um grande sinal para o que se espera em relação ao
“capitão” golpista. Por sua vez, ministros do STF já disseram que a anistia não
perdoa crimes contra o Estado brasileiro, contra o Estado Democrático de
Direito, contra a Democracia e contra a Constituição. Isto é ponto pacífico. O
que não é pacífico é o comportamento reacionário da extrema direita que pensa,
equivocadamente e erroneamente, que o Brasil é uma republiqueta de bananas. Não
é e não será. Os golpistas serão punidos conforme os preceitos da Lei.
Vamos deixar as coisas bem claras e
transparentes e veja o que prevê a legislação sobre as condutas e as penas:
1. Abolição violenta do Estado Democrático de
Direito: acontece quando alguém tenta "com emprego de violência ou grave
ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o
exercício dos poderes constitucionais". A pena varia de 4 a 8 anos de
prisão.
2. Golpe de Estado: fica configurado quando
uma pessoa tenta "depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo
legitimamente constituído". A punição é prisão, no período de 4 a 12 anos.
3. Organização criminosa: quando quatro ou
mais pessoas se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para
cometer crimes. Pena de 3 a 8 anos.
4. Dano qualificado: destruir, inutilizar ou
deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da
União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de seis meses a três
anos.
5. Deterioração de patrimônio tombado:
destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial. Pena de um a três anos.
BYE, BYE, QUERIDO! É isso aí.
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Implosão do PL da
anistia aponta declínio do bolsonarismo. É hora de solidificar a democracia.
Por Luís Mauro Filho
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo
Motta, tomou uma decisão emblemática nesta semana, adiando a discussão do
projeto de lei conhecido como “PL da Anistia”. A medida previa, originalmente,
anistiar tanto os participantes diretos quanto organizadores e financiadores
dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente
Jair Bolsonaro invadiram e depredaram sedes dos três poderes da República.
A base bolsonarista no Congresso, que
defendia a urgência na aprovação do projeto, viu seus planos desmoronarem com a
articulação promovida por Motta, que garantiu amplo apoio para retirar o tema
da pauta imediata. Com líderes partidários garantindo mais de 400 deputados
contrários ao regime de urgência, a bancada radical bolsonarista foi isolada
politicamente, demonstrando uma clara perda de força do discurso extremista.
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Além do adiamento, houve uma significativa
alteração no texto da proposta: o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante,
anunciou que a anistia seria restrita somente às pessoas fisicamente presentes
nos atos de 8 de janeiro, excluindo completamente os financiadores e
idealizadores do ataque às instituições democráticas.
A exclusão desses atores-chave tornou
evidente que a defesa do golpismo não encontra mais espaço para prosperar
legislativamente, deixando aberto o caminho para que os organizadores enfrentem
julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
O enfraquecimento da iniciativa legislativa
de proteção aos golpistas também impacta diretamente a figura de Jair
Bolsonaro. Já duplamente inelegível e réu no STF, Bolsonaro vê agora mais
distante a possibilidade de viabilizar uma candidatura presidencial em 2026.
Sem força política suficiente para garantir proteção institucional aos aliados
mais próximos, o ex-presidente perde capital político dentro do seu próprio
campo ideológico.
Nesse contexto, surge espaço para novas
lideranças assumirem a disputa pelos espólios políticos do bolsonarismo. O
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, já desponta como uma alternativa
viável, ocupando um papel cada vez mais central no cenário da direita radical,
enquanto Bolsonaro se vê obrigado a atuar nos bastidores, buscando influenciar
futuras alianças e obter garantias de proteção judicial em troca de apoio
político.
Do ponto de vista simbólico, a rejeição ao PL
da Anistia reflete um avanço histórico na consolidação institucional
brasileira. O Congresso, ao decidir não compactuar com a anistia aos
responsáveis pela tentativa de ruptura democrática, reforçou o compromisso do
país com o Estado de Direito e deu um recado contundente à sociedade: o
golpismo não será tolerado, independentemente de sua origem política. Esse
posicionamento parlamentar fortalece a confiança nas instituições e consolida
uma estabilidade política essencial para a governabilidade futura.
Outro fato relevante que reforça essa mudança
simbólica foi a prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello, condenado
pelo STF por corrupção e lavagem de dinheiro. Sua detenção, ocorrida neste 25
de abril, consolida um precedente inédito de responsabilização penal para
ex-chefes de Estado brasileiros, indicando que a impunidade histórica não
prevalecerá. Esse episódio aumenta a pressão sobre Bolsonaro, sinalizando que,
se condenado pelos crimes que lhe são atribuídos, também poderá enfrentar
destino semelhante.
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Cenário internacional
pode ser desfavorável à extrema-direita
O movimento brasileiro contra a impunidade
ocorre simultaneamente a um cenário internacional potencialmente desfavorável à
extrema-direita. A gestão caótica e contraditória de Donald Trump à frente do
seu segundo mandato nos Estados Unidos vem gerando crescente desconfiança
global em relação à viabilidade política dos projetos ultranacionalistas e
populistas.
Exemplos concretos são as recentes críticas
públicas feitas por China e União Europeia sobre as negociações comerciais
lideradas pelos Estados Unidos. Autoridades chinesas negaram categoricamente
qualquer avanço significativo nas conversas bilaterais, exigindo inclusive que
os EUA retirem tarifas antes de iniciar novas tratativas comerciais.
Da mesma forma o fez Valdis Dombrovskis, da
Comissão Europeia, manifestando descrença sobre a eficácia e clareza das
propostas norte-americanas para superar disputas tarifárias recentes.
Essas críticas internacionais indicam que a
estratégia protecionista e conflituosa adotada por Trump tende a minar a
influência econômica e política tradicionalmente exercida pelos EUA no cenário
global. A China, atenta a esses movimentos, vem fortalecendo seu papel na
organização do comércio mundial, ocupando espaços abertos pela retração
americana.
Cabe pontuar que essa ascensão chinesa não
representa necessariamente um avanço em direção a uma ordem mundial mais justa
ou equilibrada. Pequim também persegue objetivos próprios, muitas vezes
distantes dos ideais igualitários, sobretudo internamente, que reforçam
contradições claras na sociedade chinesa.
Para o Brasil, que está lidando agora com os
traumas internos de sua própria história recente, incluindo os desafios gerados
pelo bolsonarismo, é fundamental manter atenção sobre essas mudanças no
tabuleiro internacional. Ao passo que o país reforça internamente seus
mecanismos institucionais de proteção democrática e combate ao autoritarismo,
deve também avaliar cuidadosamente como se posicionará diante das
reconfigurações internacionais emergentes.
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O mártir apodrece, o
algoritmo alimenta: a guerra afetiva do grotesco de Bolsonaro. Por Reinaldo
José Aragon Gonçalves
Bolsonaro morreu mesmo. E se exibiu. Mas o
espetáculo não termina com sua internação. Ele só se intensifica, se transmuta,
se espalha em vídeo, em post, em reels, em meme. Como nos ensinou Sara Goes em
sua autópsia estética do bolsonarismo, o corpo apodrecido do ex-presidente não
é a antítese de seu projeto. É o próprio projeto. Um corpo que arrota, que
inflama, que delira e que se nega à cura. Um corpo que fede porque é disso que
se alimenta o algoritmo. Mas há algo mais nesse grotesco que pulsa e mobiliza.
Há um afeto que não se contenta em repugnar. Ele fideliza sim. Ele convoca. E
mais do que isso, ele forma subjetividades.
Porque o grotesco não tem o mesmo peso
afetivo para todos. Para os democratas, o grotesco é alerta. É sinal de que
algo está errado. É o ruído dissonante que convoca o nojo, a angústia, o
impulso ético de recusa. Para a esquerda, a imagem da abjeção é uma violência a
ser desvelada, denunciada, exposta como sintoma do colapso. Mas para a base
fascista, esse mesmo grotesco reverbera de outra forma. Ele não convoca a
recusa. Ele clama por purificação. Ele não é o desvio. É o sinal. É um afeto em
estado bruto, pulsando no centro de uma cosmovisão paranoica e moralista. Para
essa base, o grotesco não é aberração. É evidência de que há um inimigo e de
que é preciso eliminá-lo.
É nesse ponto que o grotesco se torna não
apenas linguagem, mas dispositivo de guerra. Uma guerra afetiva, travada não
por argumentos, mas por sensações. Não por projetos de país, mas por gestos de
aversão e desejos de extermínio. O grotesco é o afeto que organiza o gozo
fascista. E não qualquer gozo. Um gozo invertido, um prazer na destruição
simbólica do outro. A cada imagem que escancara corpos abjetos, seja o da
travesti espancada, do indígena invisibilizado, do pobre ridicularizado, a base
se nutre. Ri, compartilha, venera. A gargalhada aqui é arma. Ela transforma a
dor do outro em motivo de pertencimento. Como na cena em que Bolsonaro imita
uma pessoa morrendo com falta de ar durante a pandemia, zombando do desespero
de milhares que agonizavam sem oxigênio nos hospitais. Ou quando ri abertamente
da morte de Rubens Paiva, desaparecido na ditadura. Ou ainda quando despreza e
desumaniza a memória de Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados na Amazônia,
insinuando que “isso acontece com quem vai por ali”. Em cada um desses
episódios, a dor do outro é convertida em espetáculo. A agonia vira punchline.
O luto se torna palanque. E é nesse teatro do escárnio que a base se reconhece,
se reafirma, se alinha. Porque o grotesco aqui não é acidente. É doutrina.
E o algoritmo, atento, recompensa. Ele não
julga. Ele entrega. Ele distribui o grotesco como vício, como quem oferece
pequenas doses de desprezo para manter o sujeito engajado. O grotesco é
dopamina fascista. Não é por acaso que os vídeos mais vistos são os mais
escatológicos. O corpo bolsonarista, putrefato, sempre retorna. Internado ou
não, ele aparece em alta resolução, em câmera lenta, em looping. Porque quanto
mais escárnio, mais cliques. E quanto mais cliques, mais política.
A guerra cultural não é travada no campo da
razão. Ela é disputada nos subterrâneos do afeto. O grotesco é a granada
estética dessa guerra. Ele invade a sensibilidade anestesiada e a violenta. Não
pelo choque, mas pela adesão. A repulsa deixa de ser uma linha de recuo e vira
o início da radicalização. E é aí que a política do grotesco se torna mortal.
Porque ela transforma o espectador em cúmplice. Depois, em soldado. O mártir
fascista apodrece, sim. Mas sua decomposição é evangelho. Cada secreção é sinal.
Cada gaze, cada fístula, cada gemido se converte em argumento. Um argumento
pré-racional, afetivo, irracionalista. Porque o fascismo não opera pela
persuasão. Ele opera pela sensação. E o grotesco é sua estética de guerra.
O cadáver de Bolsonaro, ainda que vivo, não
pede compaixão. Ele exige culto. Um culto ao sofrimento performado, à
vitimização como tática, à doença como messianismo. É o corpo agonizante do
líder como metáfora de um país que também sangra. Mas não para curar. Sangra
para unir os que desejam vingança. E o algoritmo, silencioso, registra tudo.
Para Sara Goes, cujo olhar afiado e escrita
luminosa não apenas desvelam as camadas do presente, mas também fazem da
análise um gesto de coragem e beleza. Este texto se inscreve como um eco, uma
dobra, talvez um sussurro intelectual na mesma frequência em que sua voz
ressoa, precisa, inquieta e irremediavelmente necessária.
Fonte: Brasil 247

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