Por que maioria dos economistas diz que
tarifas não funcionam — e o que argumenta quem as defende
Poucas
ideias geram tanto consenso entre economistas quanto o fato
de que tarifas de importação são uma má ideia.
Apesar
de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmar estar
convencido de que a imposição de tarifas sobre importações de outros países
vai gerar "resultados
históricos" que
tornarão seu país "rico de novo", a maioria dos economistas considera
essa medida um obstáculo ao progresso.
Trump impôs tarifas pesadas e as
transformou em uma das bandeiras do seu segundo mandato.
Mas a
maioria dos especialistas aponta que essa medida vai ser prejudicial, e que os principais
prejudicados provavelmente serão os consumidores e as empresas americanas.
Como a
ciência econômica chegou a essa conclusão negativa sobre as tarifas?
·
O que são tarifas e o que dizem seus defensores?
Tarifas
são impostos cobrados sobre produtos importados que são pagos na alfândega
pelos importadores.
Por
exemplo, se uma empresa americana quiser importar madeira no valor de US$100
(R$ 568) e o governo americano tiver aplicado uma tarifa de 10% sobre o país de
origem do produto, a empresa vai ter que pagar US$ 110.
Durante
décadas, as tarifas foram um instrumento de políticas econômicas
protecionistas, usadas em diferentes países por governos que buscavam proteger
a indústria local da concorrência externa.
Os
defensores do protecionismo acreditavam que a imposição de tarifas favoreceria
o desenvolvimento da indústria nacional, que eles
consideravam fundamental para o desenvolvimento econômico, e que estaria sendo
prejudicado pela entrada de produtos estrangeiros.
Foi
essa lógica defendida, entre outros, por Alexander Hamilton, um dos "pais
fundadores" dos Estados Unidos, que propôs a imposição de tarifas para
frear as importações da Grã-Bretanha e permitir que a indústria da jovem
república americana decolasse.
A
teoria protecionista sustentava que as restrições à concorrência estrangeira
ajudariam a indústria nacional, que, com menos concorrentes de fora, poderia
aumentar seus lucros e empregar mais trabalhadores locais. Além disso,
equilibraria a balança comercial e contribuiria para a capitalização do país.
É a
mesma lógica aparentemente adotada por Trump mais de dois séculos depois, ao
defender que os carros americanos sejam fabricados dentro dos Estados Unidos e
que a receita gerada pelos impostos sobre importação compense a arrecadação
perdida com a redução de tributos que ele prometeu.
·
O que dizem os economistas de hoje sobre as tarifas
Há
décadas, a ideia de que tarifas sobre importações fazem mais mal do que bem é
dominante.
Nas
palavras de Erika York, analista da Tax Foundation, um centro de análises dos
Estados Unidos, "barreiras comerciais, como as tarifas, têm demonstrado
causar mais prejuízos econômicos do que benefícios".
"[As
tarifas] aumentam os preços, reduzem a oferta de bens e serviços, o que resulta
em queda na renda, redução de emprego e uma menor produção", diz York.
Atualmente,
a principal preocupação é que as tarifas provoquem um efeito imediato de alta nos preços, em um momento em
que os Estados Unidos e o mundo começam a superar a onda de inflação dos últimos anos.
As
tarifas impactam as margens de lucro dos fabricantes e importadores, o que em
muitos casos vai impactar no preço final dos produtos, contribuindo para uma
possível queda do consumo e, consequentemente, do crescimento econômico.
"Quando
um produto é mais caro para uma empresa, ele será vendido por um preço mais
alto para o consumidor, e o consumidor vai ter que pagar mais ou decidir não
comprar, o que vai desacelerar a economia", explica Sebnem Kalemli-Özcan,
professora de economia da Universidade Brown.
Por
isso, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Jerome
Powell, alertou que as tarifas propostas por Trump têm "alto risco de
gerar mais desemprego e mais inflação".
Os
especialistas também criticam a "obsessão" de usar a balança
comercial como um indicador da prosperidade de um país.
Trump
costuma dizer que o déficit comercial dos Estados Unidos é prova de que seu
país está sendo explorado pelo resto do mundo há anos.
Contudo,
a balança comercial é apenas um indicador que mede o fluxo de bens e serviços e
de capital, o que reflete nos fluxos financeiros, mas não necessariamente na
saúde da economia.
York dá
um exemplo de por que se focar apenas na balança pode ser enganoso.
Imagine
que uma empresa americana envia um carregamento no valor de US$ 100 milhões à
França. Como a quantia está saindo do país, ela é registrada como déficit para
os Estados Unidos.
Se após
vender os produtos na França, esse mesmo navio volta com mercadorias francesas
avaliadas em US$ 30 milhões para serem vendidas, há uma redução no déficit na
balança comercial, mas ele ainda soma US$ 70 milhões.
Só que,
no fim das contas, essa empresa americana vendeu um total de US$ 130 milhões
entre os dois países.
Outro
ponto levantado pelos especialistas é que o protecionismo foi abandonado devido
à percepção de que, embora possa trazer benefícios a curto prazo para um
determinado setor industrial, a longo prazo acaba sendo prejudicial para a
economia no geral.
Os agricultores
locais, por exemplo, podem aumentar suas vendas e sua participação de mercado
quando não têm que enfrentar concorrência estrangeira.
Mas, em
larga escala, a falta de concorrentes levará a um encarecimento dos preços dos
produtos e, possivelmente, a uma queda da qualidade que acabará afetando todos
os consumidores.
"À
medida que os consumidores gastam mais em produtos sobre os quais foi imposto a
tarifa de importação, eles têm menos dinheiro para gastar em outros. Assim, uma
indústria é sustentada às custas de outras", explica York.
As
tarifas também são consideradas um imposto pouco justo, uma vez que incidem
sobre os produtos sem considerar o nível de renda dos consumidores.
Como
geralmente resultam em aumento dos preços, acabam afetando mais as pessoas com
menos renda.
Por
exemplo, se o preço dos abacates sobe 15% como resultado das tarifas, o impacto
será maior para as famílias que têm pouca ou nenhuma margem financeira para
lidar com esse aumento.
Segundo
um estudo publicado por um grupo de economistas na revista acadêmica Journal of
Purchasing and Supply Management, as tarifas acabam sendo prejudiciais até
mesmo para setores que deveriam ser protegidos por elas.
"Ainda
que as tarifas possam oferecer alguma proteção a certas indústrias, elas também
podem criar ineficiências" tanto para essas empresas quanto para seus
parceiros e clientes na cadeia de suprimentos, afirma o estudo.
·
O que a história nos ensina sobre as tarifas
A ideia
de que o livre comércio é uma forma de prosperidade está presente entre os
economistas clássicos há muitos séculos.
Adam Smith, considerado o pai
da ciência econômica moderna, já defendia essa ideia em seu livro A
riqueza das nações, de 1776.
Smith
argumentou que o livre comércio permitiria a cada país se especializar nos
produtos que lhe eram mais convenientes e com os quais obteria mais lucro, em
vez de ter que produzir toda a demanda do seu mercado.
Várias
experiências do passado levaram os economistas ao consenso atual sobre as
tarifas e o protecionismo.
Robert
Gulotty, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago, lembra da
Lei de Embargo de 1807, aprovada nos Estados Unidos para restringir o comércio
com a Grã-Bretanha e a França.
"[A
lei] teve como efeito uma redução drástica das importações e exportações dos
Estados Unidos e a expansão do comércio britânico na América do Sul, o que
levou à guerra de 1812", entre os Estados Unidos e sua antiga metrópole.
Recentemente, Joseph S. Stiglitz, Nobel de Economia,
disse em uma conferência que o programa protecionista implementado pelos
Estados Unidos na década de 1930, quando o país sofria uma grave crise
econômica provocada pelo colapso da Bolsa em 1929, foi "um fator
importante que contribuiu para a Grande Depressão".
"Não
foi um programa de criação de emprego. Foi um programa de destruição de
emprego", disse Stiglitz, alertando que a imposição de tarifas por um país
pode desencadear medidas de retaliação de outros, algo que acontece
há anos entre os Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo.
"Sabemos
que esse tipo de guerra comercial leva a uma redução nas condições de vida da
população", afirmou Stiglitz.
Castigados
por experiências como a da década de 1930, os líderes mundiais optaram, após o
fim da Segunda Guerra, por remover
barreiras comerciais no mundo todo, um movimento impulsionado, sobretudo, pelos
Estados Unidos.
A
assinatura em 1948 pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em
inglês) resultou em um sistema de maior abertura comercial e na eliminação
generalizada de tarifas, o que levou à criação da Organização Mundial do Comércio em 1995, um
legado que é visto positivamente pela maioria dos economistas.
Foi na
era da globalização que, segundo Erika York, "o mundo abandonou as
políticas comerciais protecionistas, movendo em direção a um sistema de
comércio aberto baseado em regras", algo que "tem gerado benefícios,
em geral, como aumento de renda, preços mais baixos e mais opções para os
consumidores"
Após a
Segunda Guerra Mundial, também se iniciou um processo de integração, que levou
à criação da União Europeia, fundamental para a
reconstrução do continente após o desastre deixado pela guerra e para o
desenvolvimento que a Europa tem experimentado desde então.
Além
disso, estudos sobre os episódios mais recentes, como as tarifas impostas a
produtos chineses durante a primeira presidência de Trump, também revelaram
mais prejuízos do que benefícios, e mostraram que quem acabou sofrendo o
impacto dessa medida foram os consumidores americanos.
¨
Tarifaço derruba venda de imóveis nos EUA
As
vendas de imóveis residenciais usados nos Estados Unidos registraram em março
sua maior queda mensal em mais de dois anos, em meio a uma crescente incerteza
econômica que afastou compradores do mercado justamente no início da crucial
temporada de vendas da primavera.
Segundo
a Associação Nacional dos Corretores de Imóveis (NAR), as vendas caíram 5,9% em
relação a fevereiro, para uma taxa anual ajustada sazonalmente de 4,02 milhões
de unidades. É a maior retração mensal desde novembro de 2022 e frustra
expectativas de uma recuperação no setor.
A
primavera costuma ser o período mais ativo do ano no mercado imobiliário, pois
muitos compradores com filhos preferem se mudar durante as férias escolares. No
entanto, mesmo com o aumento da oferta de imóveis, a demanda permanece fraca.
Muitos vendedores que aguardavam queda nos juros decidiram não esperar mais, o
que elevou o estoque, mas os preços elevados e as taxas hipotecárias acima de
6,5% continuam afastando compradores.
A queda
nas vendas foi maior que a esperada. Economistas consultados pelo Wall
Street Journal previam uma redução de 3,1%. “Mesmo com mais estoque,
as vendas estão lutando para ganhar tração”, disse Lawrence Yun,
economista-chefe da NAR.
Em
comparação com março de 2024, as vendas caíram 2,4%. Os dados refletem decisões
de compra feitas entre janeiro e fevereiro, antes do anúncio de novas tarifas
comerciais que ampliaram a incerteza econômica e reacenderam temores de
recessão. Embora fevereiro tenha apresentado alta nas vendas, muitos negócios
começaram a ser cancelados nas últimas semanas, à medida que o pessimismo
aumentou.
Mesmo
com a queda nas vendas, os preços das casas continuaram subindo em nível
nacional. O preço mediano de venda em março foi de US$ 403.700, um aumento de
2,7% em relação ao mesmo mês do ano passado — o maior valor registrado para um
mês de março.
O
número de imóveis à venda ou sob contrato chegou a 1,33 milhão no fim de março,
um avanço de 8,1% sobre fevereiro e de 19,8% em relação ao ano anterior. Ainda
assim, os preços caíram em algumas regiões, como Texas e Flórida, onde o
estoque aumentou consideravelmente.
Com o
esfriamento do mercado, compradores ganharam poder de barganha. De acordo com a
Redfin, 44% das transações no primeiro trimestre incluíram concessões dos
vendedores, como descontos no fechamento ou redução na taxa de hipoteca. No
Zillow, quase 25% dos anúncios tiveram corte de preço em março — a maior
proporção para esse mês desde 2018.
Casos
como o de Anna e David Howard, que compraram uma casa em Greensboro, Carolina
do Norte, exemplificam a nova dinâmica. O casal pagou US$ 495 mil e recebeu um
desconto de US$ 10 mil para reparos no telhado. “A desaceleração das vendas
funcionou a nosso favor. Não tivemos que disputar com outros compradores”,
disse Anna.
Apesar
disso, muitos ainda não conseguem comprar. As taxas de hipoteca variam entre
6,5% e 7% em 2025, e a confiança do consumidor se deteriorou, o que pode
afastar até compradores mais ricos. O tempo médio para vender uma casa subiu
para 36 dias, contra 33 no ano passado.
Em
regiões como o Nordeste e o Meio-Oeste dos EUA, o estoque ainda é escasso, o
que mantém a concorrência acirrada. Já Sam e Kayla Johnson, da Pensilvânia,
venderam rapidamente seu imóvel com sete ofertas, e conseguiram 10% acima do
valor pedido, mesmo relutando em abrir mão da taxa de hipoteca mais baixa que
tinham no imóvel anterior.
Fonte: BBC News Mundo/Wall
Street Journal

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