Escolas
e creches alemãs falham no combate ao anticiganismo
Um
relatório publicado no fim de março mostra como instituições de ensino alemãs
tratam com preconceito e segregam
sistematicamente membros de etnias ciganas, sobretudo sinti e roma.
O
documento, feito pelo Centro de Denúncia e Informação sobre Anticiganismo (MIA,
da sigla em alemão), revela uma incidência "alarmante" de ataques
verbais e físicos contra crianças, adolescentes, familiares e profissionais da
educação dessas minorias, tanto alemães como migrantes e refugiados.
Os
ataques vêm de colegas de classe, professores, diretores de creches e escolas,
educadores, assistentes sociais e funcionários de órgãos públicos como
conselhos tutelares.
"O
preconceito estrutural e institucional contra sinti e roma é uma realidade
cotidiana no setor educacional alemão", manifesta o relatório.
O
documento traz alguns casos, como o de um aluno do ensino fundamental sinti que
deixou de ir à aula com medo das provocações de colegas. Em resposta à queda da
frequência escolar do estudante, os professores ameaçaram denunciar os pais ao
conselho tutelar, o que poderia resultar, em última instância, na perda da
guarda.
Em
outro relato, um centro de educação infantil cancelou a vaga de uma criança
sinti de cinco anos, que compreende três idiomas, sob a alegação, não
confirmada por pediatras, de que ela tinha um atraso no desenvolvimento e
precisava frequentar um jardim de infância especial.
Há
vários casos de escolas que se recusaram a matricular crianças sinti e roma ou
quiseram transferi-las para escolas especiais por acreditarem que suas famílias
causariam problemas.
"Estamos
recebendo relatos de agressões e ataques contra sinti e roma em jardins de
infância e escolas em todos os estados da Alemanha. Bullying verbal, mas também
ataques físicos, nos quais as crianças são sistematicamente agredidas",
disse à DW Guillermo Ruiz, diretor executivo do MIA.
"É
alarmante como os professores muitas vezes não intervêm para evitar o bullying
e os ataques físicos. Ouvimos sobre tais incidentes todos os dias –– embora as
escolas deveriam ser um espaço seguro onde as crianças se sentem confortáveis e
protegidas. Mas isso, muitas vezes, não acontece."
Guillermo
Ruiz, diretor-executivo do Centro de Denúncia e Informação sobre Anticiganismo,
diz que recebe denúncias todos os diasFoto: Annika Fuhrmann
Ruiz
lembra de casos ainda mais perturbadores de anticiganismo nas
instituições de ensino alemãs. Uma aluna, ao perguntar se sinti e roma
foram mortos durante o Holocausto, ouviu da professora que sim,
aquilo de fato ocorreu, e que os corpos, incluindo o do avô da estudante, foram
usados para fabricar sabão.
Estima-se
que cerca de 500 mil sinti e roma foram mortos pelos nazistas, genocídio
conhecido como Porajmos.
A perseguição a essas minorias estava ligada à ideia de "pureza
racial" nazista, que levou também ao extermínio de judeus, pessoas com
deficiência, homossexuais, entre outros grupos.
Crianças
são o maior alvo
De
acordo com o levantamento, dois terços das vítimas de anticiganismo nas escolas
e creches alemãs têm menos de 14 anos.
"Quando
você é intimidado desde tão jovem, e sente que não é igual, que não é tratado
de forma igualitária, isso tem consequências. Pode prejudicar a autoestima de
crianças e jovens", explicou Ruiz.
As
queixas de discriminação nos últimos anos não tiveram efeito nas instituições
alemãs, acredita Ruiz.
Ele
recomenda a presença de mais psicólogos e sociólogos nas escolas, que mais
professores assumam o papel de confidentes e ajudem as crianças a sair da
espiral de exclusão, e que a conscientização sobre anticiganismo seja
incorporada aos programas de formação de professores –– o que o estado alemão
da Renânia-Palatinado já implementou.
"Precisamos
de uma 'escola inclusiva', onde a história dos sinti e roma, o Holocausto e o
anticiganismo contemporâneo sejam ensinados, e a equipe docente esteja ciente
dessas questões. Também precisamos de mecanismos eficazes para que os pais
possam registrar queixas. E se for comprovado que o anticiganismo ocorreu, deve
haver consequências", disse Ruiz.
- Ultradireita
infla racismo institucional
Os 11
mil residentes sinti e roma da cidade de Eisenberg, no estado da Turíngia, podem contar com a
assistência de Renata Conkova. Ela lidera a associação regional RomnoKher,
dedicada ao apoio a essas etnias.
Conkova
vem de uma família roma da Eslováquia e tem aconselhado 250 famílias de sua
etnia nos últimos quatro anos em questões envolvendo escola, consultas médicas,
busca de moradia, trabalho, benefícios sociais, traduções e até audiências
judiciais. "Sou conselheira para qualquer situação difícil de vida. E luto
pela integração e contra o racismo todos os dias."
Conkova
está familiarizada com o anticiganismo nas escolas alemãs, mas celebra as
histórias de sucesso no caminho. "Em Greiz, começamos um curso de
alfabetização para crianças roma ucranianas. E muitas mães roma agora podem ver
que não precisam temer pelos seus filhos quando vão à escola."
Ao
mesmo tempo, Conkova percebe que o racismo institucional aumentou com o avanço
da direita na Alemanha –– especialmente na Turíngia, um reduto do
controverso partido populista de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Lá, ela diz que
muitos médicos não têm pudor em afirmar publicamente que não aceitam pacientes
roma. O emblema xenófobo "estrangeiros fora" também é ouvido com mais
frequência.
"Integração
significa que a porta está aberta para ambos os lados. Mas para nós, ela está
fechada", disse.
- Resposta do
governo ao anticiganismo
Mehmet
Daimagüler, o primeiro comissário federal do governo contra o anticiganismo e
pela vida dos sinti e roma na Alemanha, ocupa o cargo desde 1º de maio de 2022.
Ele tem lutado contra essa forma de racismo nos últimos três anos.
Ele
disse à DW que os resultados do estudo sobre anticiganismo nas escolas e
jardins de infância não o surpreenderam, pois o racismo contra esses grupos é
comum no setor público.
"O
anticiganismo está particularmente enraizado na sociedade. Para aqueles que
pensam e agem de forma racista, isso faz parte da normalidade. E, claro, todos
os preconceitos que as pessoas têm em relação aos pais são projetados nas
crianças", afirmou Daimagüler à DW.
Em
dezembro de 2023, Daimagüler encaminhou ao Bundestag (câmara baixa do
Parlamento alemão) uma resolução com 27 demandas parlamentares ao governo sobre
participação, proteção e fortalecimento das comunidades sinti e roma. A
resolução foi apoiada por todos os grupos parlamentares – exceto a AfD. Também
foi criada uma comissão federal-estadual para combater o anticiganismo.
"O
anticiganismo se tornou muito mais visível", diz Daimagüler. "Por um
lado, por meio dos centros de denúncia. E, por outro, pela tendência geral na
sociedade de uma brutalização linguística, que também está acontecendo
aqui", explica.
Com
a mudança iminente de governo, o mandato de
Daimagüler como comissário federal de anticiganismo chegará ao fim — e ainda
não está claro se o cargo continuará a existir.
"O
fim desse cargo seria muito lamentável. Porque também recebemos muitas
consultas do exterior, especialmente do Leste Europeu. Lá, as pessoas estão
muito curiosas e interessadas em observar como a Alemanha está lidando com essa
questão. Já estamos criando um precedente nesse sentido. E agora perigamos
retroceder — ao invés de avançar", alerta.
Fonte: DW Brasil
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