Você está limpando sua garrafa de água o
suficiente? Entenda a melhor forma de fazer isso
Carl Behnke é especialista em segurança
alimentar da Universidade Purdue em Indiana, nos Estados Unidos. Ele sempre se
perguntava se a sua garrafa d'água reutilizável estava bem limpa.
Quando Behnke colocava toalhas de papel
dentro da garrafa e as esfregava no seu interior, ele ficava em choque.
"As toalhas eram brancas – até que eu as
retirasse", conta Behnke. "Percebi que a sensação escorregadia que eu
sentia no interior da garrafa não vinha do material, mas sim do acúmulo de
bactérias."
Sua etapa seguinte foi projetar um estudo.
Behnke e seus colegas paravam as pessoas que passavam em um corredor da
universidade e pedia a elas que emprestassem suas garrafas d'água como parte da
pesquisa. Eles gostariam de verificar se elas estavam bem limpas.
"Um ponto que se destacou no projeto foi
a quantidade de pessoas que não queriam saber os resultados", relembra
Behnke. "Basicamente, elas sabiam que seus hábitos de limpeza eram poucos
ou inexistentes – o que os dados confirmaram posteriormente."
De fato, o estudo confirmou que as garrafas
estavam repletas de bactérias.
O mercado global de garrafas de água
reutilizáveis totalizou cerca de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 57,5 bilhões) em
2024.
Um estudo entre profissionais da saúde
italianos indicou que a metade deles usava garrafas reutilizáveis, enquanto
pesquisas entre estudantes universitários sugerem que 50 a 81% dos
participantes faziam uso dos recipientes para beber.
As garrafas de água ajudam as pessoas a se
manterem hidratadas, bebendo água regularmente em qualquer lugar aonde elas
forem, mas também trazem riscos à saúde.
Será que devemos descartá-las ou estes riscos
podem ser administrados?
• O
que há no seu interior?
Normalmente, é seguro beber água da torneira
da cozinha. Mas ela não está livre da vida microbiana.
Por isso, deixar água na sua garrafa por
alguns dias irá incentivar as bactérias a crescer, segundo a professora de
microbiologia clínica Primrose Freestone, da Universidade de Leicester, no
Reino Unido.
As bactérias que podem causar infecções em
seres humanos se multiplicam a cerca de 37 °C, segundo Freestone – mas também à
temperatura ambiente, de cerca de 20 °C.
"Quanto mais tempo a água for armazenada
em uma garrafa à temperatura ambiente, mais bactérias irão crescer",
explica ela.
Um estudo realizado em Singapura utilizando
água da torneira fervida – o que deveria ter matado a maior parte das bactérias
– concluiu que as populações bacterianas podem crescer rapidamente no interior
das garrafas de água, à medida que elas são usadas ao longo do dia.
O estudo concluiu que a água no interior das
garrafas usadas por adultos continha, em média, cerca de 75 mil bactérias por
mililitro no meio da manhã e atingia 1-2 milhões por mililitro, em apenas 24
horas.
As bactérias da garrafa d'água podem se
multiplicar ao longo do dia, chegando à casa dos milhões.
Uma forma de reduzir o crescimento bacteriano
é guardar sua garrafa no refrigerador entre um consumo e outro, segundo
Freestone. Mas isso não impede totalmente a multiplicação das bactérias.
Embora parte da atividade bacteriana da
garrafa d'água venha do próprio conteúdo, a maior parcela da contaminação, na
verdade, é introduzida pelo usuário.
Sempre que você levar sua garrafa para o
trabalho, a academia ou mesmo se a mantiver dentro de casa, o lado externo da
garrafa irá carregar muitos micróbios. Freestone explica que estes micróbios
são facilmente transferidos para o conteúdo da garrafa, junto com as bactérias
da sua boca, toda vez que você tomar um gole de água.
Os usuários de garrafas que não lavam suas
mãos regularmente também irão fazer com que seus recipientes possam abrigar
bactérias como E. coli, segundo ela.
"Bactérias associadas às fezes, como E.
coli, podem vir pelas nossas mãos e acabar nos seus lábios, se você não tiver
boa higiene no toalete", afirma a professora.
Podemos também transmitir ou contrair vírus
compartilhando garrafas d'água com outras pessoas. Doenças como norovírus podem
ser facilmente transmitidas desta forma.
Geralmente, as pessoas possuem 500 a 600
espécies diferentes de bactérias vivendo na boca, segundo Freestone.
"O que não causa necessariamente doenças
para você nem sempre será igual para os demais", destaca ela. "Você
pode transmitir uma infecção sem perceber, pois o nosso sistema imunológico nos
protege muito bem."
Outra forma de incentivar o crescimento
bacteriano na sua garrafa é colocar qualquer coisa além de água doce no seu
interior.
As bebidas que alimentam você também são
nutritivas para os micróbios. Por isso, qualquer bebida que contenha açúcar,
por exemplo, pode estimular o crescimento de bactérias ou mofo presentes na sua
garrafa, prossegue Freestone.
"Qualquer coisa diferente de água é o
paraíso para os fungos e bactérias, especialmente shakes de proteína",
destaca ela.
Se você já tiver deixado leite em um copo por
algumas horas, pode ter observado que se forma um filme fino sobre o copo
quando você joga o líquido fora. Casualmente, as bactérias adoram esse filme,
segundo a professora.
• Como
as bactérias nos afetam?
Todos nós estamos rodeados por bactérias no
solo, no ar e no nosso corpo. Mas é preciso lembrar que as bactérias, em sua
maioria, são inofensivas ou até benéficas.
Água contaminada com bactérias como E. coli
pode causar vômitos e diarreia, mas não em todos os casos.
E. coli é um grande grupo de bactérias
encontradas naturalmente no meio ambiente e que também são moradoras habituais
do intestino humano. Somente quando as bactérias se tornam patogênicas (ou
seja, quando elas adquirem certas características que as tornam nocivas), elas
deixam as pessoas doentes.
A maioria dos micróbios não faz mal aos seres
humanos, mas pessoas com sistema imunológico debilitado podem ser mais
propensas a infecções, explica Freestone.
Além disso, ficar doente devido a um micróbio
estomacal, em alguns casos, pode levar a mudanças de longo prazo no intestino.
"O nosso intestino muda todo o tempo,
mas existem ali mais de 1 mil espécies presentes, prossegue a professora.
"Por isso, é difícil mudar em termos de composição."
"Existem muitas variáveis, mas sofrer
envenenamento alimentar devido às bactérias em uma garrafa d'água nunca irá
trazer mudanças positivas."
As pessoas que tomaram recentemente
antibióticos que podem afetar seu microbioma intestinal também podem sofrer
mudanças que as deixam mais vulneráveis a outras infecções.
Um cotonete passado em uma garrafa d'água
reutilizável que foi levado à redação de um jornal no Reino Unido também
revelou que essas garrafas podem ser um campo fértil para linhagens emergentes
de bactérias resistentes a antibióticos.
Os pesquisadores descobriram, na amostra da
garrafa d'água, uma espécie de bactéria chamada Klebsiella grimontii. Esta
espécie é capaz de formar biofilmes sobre superfícies que, antes, eram
estéreis.
Ela pode ser encontrada na microflora normal
do trato gastrointestinal, mas também pode causar diarreia grave em pessoas que
tenham tomado antibióticos recentemente.
Se houver crescimento de mofo ou fungos na
sua garrafa, eles podem gerar sintomas em qualquer pessoa que seja alérgica.
Mas é preciso observar que não existem, na
literatura científica, exemplos de doenças graves que possam ser causadas por
garrafas de água reutilizáveis. É claro que isso não significa que não
aconteça, mas identificar fontes pontuais isoladas de infecções é notoriamente
difícil.
• Como
devemos limpar as garrafas?
Para Behnke, a sensação cada vez maior de que
ele talvez devesse limpar melhor sua garrafa d'água fez com que ele verificasse
com mais atenção o que poderia estar dentro dela.
Behnke usava uma garrafa de água filtrada e
começou a observar que a água que ele estava bebendo tinha gosto ruim.
"De vez em quando, eu lavava com água
quente, mas, na verdade, nunca fazia nada além disso", ele conta.
Depois que as suas investigações com
papel-toalha revelaram como sua garrafa d'água estava imunda, o estudo
conduzido por ele e seus colegas começou a observar com mais detalhes os
hábitos das pessoas em relação às suas garrafas.
Behnke concluiu que pouco mais da metade dos
90 participantes pesquisados durante o estudo declararam que compartilham sua
garrafa com outras pessoas. E 15% responderam que nunca limpavam suas garrafas.
É claro que o fato de as pessoas lavarem ou
enxaguarem suas garrafas d'água afetava o nível de contaminação. Mas Behnke
concluiu que a forma ou a frequência da limpeza não causava enormes alterações
do grau de contaminação dos recipientes.
As pessoas que lavavam suas garrafas com
instrumentos como uma escova ou usavam a lavadora de louças costumavam
apresentar os menores números de bactérias no interior do recipiente. Behnke e
seus colegas também indicam que usar a lavadora de louças no ciclo intenso pode
ser o método mais eficaz.
Mas as conclusões do estudo indicam que estas
descobertas podem ter sofrido viés, pois os pesquisadores confiaram no relato
dos próprios participantes sobre seus comportamentos de higiene. As pessoas
podem ter alterado suas respostas para parecerem socialmente mais aceitáveis.
O estudo também concluiu que garrafas
contendo chá, café ou suco eram mais contaminadas do que as garrafas que
continham apenas água.
Guardar a garrafa d'água na geladeira entre
um consumo e outro pode reduzir a velocidade do crescimento microbiano.
Limpar nossas garrafas d'água de forma
regular e adequada é a única forma de ter certeza de que não estamos consumindo
bactérias nocivas junto com a água.
Mesmo se a água no interior da garrafa for
estéril, Freestone destaca que a saliva do usuário irá acabar dentro do
recipiente. Seus traços de nutrientes irão deixar as bactérias felizes e
alimentadas.
Enxaguar a garrafa com água fria não é
suficiente, segundo a professora. Você não irá ficar livre dos biofilmes – a
camada escorregadia de bactérias que pode se acumular sobre a superfície
interna da sua garrafa e fornece o ambiente perfeito para a multiplicação dos
micróbios.
Freestone recomenda limpar as garrafas
reutilizáveis com água quente (acima de 60 °C, pois esta temperatura mata a
maioria dos patógenos) e detergente líquido, agitando e mantendo a garrafa em
repouso por 10 minutos, antes de um bom enxágue com água quente.
Deixar a garrafa secar ao ar livre é a melhor
forma de evitar o acúmulo de bactérias no seu interior, já que os
micro-organismos preferem ambientes úmidos.
É assim que você deve limpar sua garrafa
depois de cada uso – ou, pelo menos, várias vezes por semana, ensina Freestone.
E ela aconselha a nunca esperar a garrafa começar a cheirar mal.
"Se a sua garrafa começar a cheirar mal,
você chegou a um ponto em que deve jogá-la fora", orienta a professora.
Por fim, quando você tiver uma bela garrafa
limpa, Freestone relembra que você precisa lavar as mãos antes de tocar nela.
Carl Behnke, agora, é um usuário de garrafas
d'água totalmente renovado. Ele lava e seca sua garrafa ao ar livre toda
semana, com um spray desinfetante e uma escova de garrafas, que ele usa para
limpar o bico ou os bocais e outras superfícies pequenas.
• Devemos
evitar algum tipo específico?
Estudos concluíram que a carga bacteriana das
garrafas plásticas pode ser superior à das garrafas de aço inoxidável. Mas a
estratégia de limpeza empregada costuma fazer diferença muito maior.
Para Primrose Freestone, as garrafas mais
higiênicas são simplesmente aquelas que são mais fáceis de limpar. E ela
destaca que é importante ter certeza de limpar cada parte da garrafa d'água,
incluindo o lado externo, a tampa e o canudo, se houver.
Mas pode haver outro motivo para escolher o
metal e não o plástico.
"O plástico normalmente tem aditivos
químicos que oferecem vantagens – flexibilidade, durabilidade, resistência ao
calor e baixo peso", afirma o professor de ciências da saúde da população
Amit Abraham, da Faculdade Weill Cornell Medicine, no Catar.
"Estes aditivos são ligados fisicamente
ao plástico, o que significa que eles podem migrar para a água", explica
Abraham.
Pesquisas indicam que estes aditivos, como o
BPA, podem interferir nas suas funções hormonais e podem estar relacionados ao
aumento do risco de doenças cardíacas, AVC, diabetes e outras doenças crônicas.
Aparentemente, eles também se infiltram na
água, segundo Abraham, independentemente se a garrafa for feita de plástico
descartável ou reutilizável.
Além disso, o próprio material plástico pode
se decompor, aumentando a concentração de microplásticos na água. Por isso,
garrafas de vidro ou aço inoxidável podem ser alternativas mais seguras.
O certo é que, seja qual for o tipo de
garrafa d'água que você escolher, bons hábitos de higiene aparentemente são
fundamentais para garantir que a sua água não fique repleta de bactérias
nocivas.
Fonte: BBC Future
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