Preso
de 8 de janeiro atuou em ação de sabotagem a mando do Comando Vermelho
Preso
nos atos golpistas de 8 de Janeiro, Wesley da Silva Ferreira Taveira, conhecido
como Wesley Bedeu, de 27 anos, perdeu o acordo que havia feito com o STF para
permanecer em liberdade. Isso porque ele participou, poucos meses depois, de um
ato de sabotagem contra uma empresa de internet em Redenção, no Pará, a mando
da facção criminosa Comando Vermelho.
Com 92
mil habitantes e distante 800 quilômetros da capital Belém, Redenção é uma
cidade que, assim como outras da Amazônia Legal, se tornou alvo do crime
organizado. Mensagens de WhatsApp coletadas pela polícia indicam a existência
de 164 membros do Comando Vermelho no município.
Pelo
menos desde o começo de 2024, a facção carioca passou a cobrar taxas de
segurança de empresas de internet e comerciantes na região. Os valores são
cobrados em comunicados com marca d’água e assinatura da facção.
“Estaremos
coibindo roubos, brigas e discussões em nosso bairro, então será estipulado um
valor simbólico para a manutenção desse trabalho e você estará somando”,
explica trecho do comunicado enviado pela facção criminosa por WhatsApp.
Quem
não concorda em pagar a taxa é ameaçado e até sabotado. Foi aí que Wesley
entrou na história. Com outras duas pessoas, ele foi preso em flagrante pela
Polícia Civil do Pará em junho de 2024 por ter
ateado fogo em um veículo da empresa Zap Internet Fibra, que se recusou
a cair na chantagem da facção.
De
acordo com o Ministério Público do Pará, Wesley Bedeu foi olheiro da dupla de
comparsas que iniciou o incêndio criminoso. Além disso, ele teria filmado o
resultado da ação criminosa e enviado o vídeo para Emerson Santana Bezerra, o
Coroa, de 32 anos, chefe do CV na região. Os outros dois acusados de cometer o
incêndio são Lucas Sousa Santana e Lucas Rangel Rolim, ambos com 24 anos.
“Eu
pensei que nem ia dar em risco, porque era só para eu ver a hora que o carro ia
chegar na empresa e falar para eles quando o carro tinha chegado. E fazer o
vídeo para entregar para eles”, explicou Wesley diante do juiz Acrísio Tajra em
audiência por videoconferência em dezembro do ano passado.
Ainda
na audiência, ao ser questionado pelo promotor Carlos Cruz, Wesley assumiu que
ajudou a cometer o incêndio e que tinha consciência que o mandante era do
Comando Vermelho, mas negou que seja membro da facção.
Wesley
Bedeu acabou condenado em dezembro de 2024 por integrar a organização criminosa
e cometer o incêndio em favor da facção. A pena total foi de 26 anos e 8 meses
de reclusão. Seu comparsa Lucas Rangel Rolim foi condenado a 27 anos e 8 meses
de reclusão. O processo contra Lucas Sousa tramita separado.
• Convidado para uma festa
Pouco
menos de dois anos antes de ser condenado por envolvimento na operação da
facção criminosa, Wesley foi um dos mais de mil presos na manhã do dia 9 de
janeiro de 2023 no acampamento golpista no QG do Exército em Brasília, um dia
depois da invasão e destruição das sedes dos Três Poderes.
Em um
primeiro interrogatório, por escrito, no dia 11 de janeiro, ele disse que
chegou no local por conta própria, sem financiamento, com uma caravana de
Redenção.
Já
durante outro interrogatório, em julho, Wesley apresentou uma versão um pouco
diferente e mais detalhada. Ele afirmou que chegou ao acampamento golpista no
dia 7 de janeiro, mas não para pedir intervenção militar, e sim para comemorar
o aniversário de uma amiga adolescente.
“Eu não
sei o que eles iam fazer”, garantiu Wesley na videoconferência, em relação aos
outros integrantes da excursão que não iriam comemorar o aniversário.
Nessa
nova versão, o ônibus da excursão teria saído cheio de Tucumã, cidade a cerca
de 270 km de Redenção, onde Wesley estaria trabalhando como auxiliar de
serralheria. Ele teria ido para a viagem por insistência de uma amiga de
infância, também adolescente, que teria conseguido que um integrante da
excursão custeasse a passagem. A viagem até Brasília durou mais de 24 horas.
• Wesley também foi preso em flagrante em
fevereiro de 2024 por furto de um iPhone 11.
Em maio
de 2023, o STF aceitou a denúncia contra Bedeu por incitação às Forças Armadas
contra os Poderes Constitucionais e associação criminosa.
O
ministro Alexandre de Moraes e a PGR celebraram o acordo de Wesley em agosto de
2024, pouco antes de ele virar réu pelo incêndio.
O
acordo com o Supremo não pode ser revogado por uma mera suspeita. Para que isso aconteça, é preciso que seja
instaurado um novo processo contra pessoa, o que pressupõe que haja provas de
materialidade e autoria. Alertado sobre Bedéu ter se tornado réu, Moraes
rescindiu o acordo no último dia 6 de março.
Mais de
500 pessoas envolvidas nos atos golpistas foram beneficiadas com acordos desse
tipo. Na prática, isso acaba com ações penais contra esses denunciados desde
que cumpram algumas exigências como prestação de serviço à comunidade e
participação presencial em um curso com a temática “Democracia, Estado de
Direito e Golpes de Estado”. De acordo com o STF, foram oferecidos 788 acordos
para acusados de participar do golpe, mas 246 não aceitaram.
Agora,
Wesley segue preso no Bloco A da Unidade de Custódia e Reinserção de Redenção.
Além da
prisão nos atos golpistas e pelo incêndio a mando do CV, Wesley também foi
preso em flagrante em fevereiro de 2024 quando fugia de moto com um iPhone 11
furtado da janela de uma casa. Ele acabou detido porque sofreu um acidente de
trânsito durante a fuga. Como a pena pelo furto seria baixa, ele acabou sendo
colocado em liberdade após pagar fiança.
Foi
inclusive a mesma moto usada no furto, uma Honda Pop 100 preta, que ajudou a
polícia a identificar Wesley no crime de incêndio. Ele usou a mesma motocicleta
no plano da facção.
Wesley
foi criado pela avó, a aposentada Maria de Jesus, que o visita semanalmente na
prisão. Por telefone, ela defendeu o neto e disse que ele foi ludibriado por
amigos enquanto estava embriagado.
“O cara
botou fogo no carro e botou ele para filmar. Ele estava bêbado, aproveitou e
filmou. Meu filho não é disso. Tenho certeza que ele não fez o que estão
falando”, ela disse, em entrevista ao Intercept.
Procurado
pelo Intercept, o advogado Diogo Borges Machado, que representa Emerson Santana
Bezerra, o Coroa, defendeu que irá provar a inocência do cliente até o final do
processo. Além disso, disse que as alegações do Ministério Público são baseados
em supostos apelidos desconhecidos por ele.
“A
defesa manifesta seu veemente repúdio às acusações imprudentes e desprovidas de
qualquer fundamento probatório”, escreveu em nota.
O
advogado Maycon Rivas, que representa Lucas Rangel Rolim, afirmou que o seu
cliente confessou a participação no incêndio, mas que não chefia ou comanda
qualquer organização criminosa.
Além
disso, defendeu que a pena da condenação pelo incêndio foi totalmente
desproporcional e, por isso, entrou com recurso no Tribunal de Justiça do Pará
com a esperança de uma nova sentença. Rivas ainda ressaltou que seu cliente não
possui qualquer relação com Wesley Bedeu ou qualquer outro crime cometido por
ele.
A
Defensoria Pública do Pará apenas confirmou que Wesley Bedeu é assistido pelo
órgão e segue privado de liberdade em cumprimento de pena na cidade de
Redenção.
• Marinha deve ter primeira expulsão
militar por participação nos ataques de 8/1
A
Marinha do Brasil entrou na fase final de um processo que pode resultar na
primeira expulsão de militar das Forças Armadas por envolvimento nos ataques às
sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
O
suboficial da reserva Marco Antônio Braga Caldas, de 51 anos, é alvo de um
Conselho de Disciplina com término previsto para maio. O processo foi aberto
após o STF (Supremo Tribunal Federal) condená-lo a 14 anos de prisão sob
acusação de praticar crimes contra a democracia.
A
possível expulsão deve abrir uma sequência de decisões negativas para militares
relacionadas aos ataques de 8 de janeiro ou à trama golpista de 2022.
A
Marinha e o Exército são as duas Forças que tiveram ex-comandantes denunciados
pela PGR (Procuradoria-Geral da República).
O
almirante Almir Garnier Santos, ex-chefe da Força Naval, tornou-se réu no fim
de março sob acusação de dar apoio militar aos planos golpistas apresentados
pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Um processo contra ele na Marinha só
deve ser aberto se o ex-comandante for condenado pelo STF.
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Conselho de Disciplina
O
Conselho de Disciplina é instaurado para julgar militares suspeitos de terem
cometido infrações disciplinares ou que tenham sido condenados a penas de mais
de dois anos pela Justiça comum.
No caso
de Caldas, o colegiado deve decidir se ele é incapaz de permanecer vinculado à
Marinha após sua condenação no Supremo.
O
processo pode durar até 50 dias. Em situações como a do suboficial, em que se
analisa uma condenação em tribunal civil, a decisão final pode ser levada ao
comandante da Marinha após recomendação dos membros do conselho.
Dois
almirantes ouvidos pela Folha disseram que o processo deve resultar na exclusão
do suboficial dos quadros da Marinha. Caso o cenário se concretize, a
aposentadoria de Caldas passará à sua família.
O
suboficial deve ainda perder o direito de permanecer preso em unidade militar —
ele cumpre pena na Escola de Aprendiz de Marinheiros, em Florianópolis, desde
junho de 2024. A Marinha tenta transferi-lo para uma unidade no Rio de Janeiro,
considerada mais apropriada para a reclusão de militares condenados pela
Justiça.
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O que diz a defesa do suboficial da Marinha?
O
advogado Douglas Eduardo disse, em nota, que o processo na Força não se mistura
com a condenação no STF.
“A
análise do conselho não está vinculada aos fatos apurados no processo criminal,
tampouco a seu resultado, mas considera o contexto geral da conduta do militar,
levando em conta sua condição de militar da reserva remunerada e o direito à
liberdade de expressão garantido por lei”, afirmou.
Ele
defende que a participação de Caldas foi pacífica e não configura infração
disciplinar. Douglas elogiou ainda o Conselho de Disciplina, dizendo que ele
atuou com “brilhantismo” e “observância dos princípios do contraditório e da
ampla defesa”.
“Conforme
restou comprovado nos autos do Conselho de Disciplina, o acusado, suboficial
Caldas, absolutamente não infringiu qualquer regra ética mínima e/ou feriu o
decoro militar tipificado no Estatuto dos Militares, capaz de legitimar sua
expulsão da Marinha do Brasil, eis que sua mera presença naquele dia e local
não tem o condão de caracterizar a inobservância de qualquer preceito militar a
ele aplicado”, completa.
Marco
Antônio Braga Caldas era mergulhador da Marinha. Ele deixou a ativa em 2021,
após cerca de 30 anos de serviço, e passou a viver em Balneário Piçarras (SC).
Chegou
a Brasília na manhã de 8 de janeiro de 2023 em uma excursão gratuita e diz não
saber quem financiou a viagem. Sua intenção, afirma, era protestar contra a
eleição do presidente Lula (PT) pelo fato de o petista já ter sido condenado na
Justiça por corrupção.
A
denúncia da PGR afirma que Caldas seguiu do Quartel-General do Exército até a
Esplanada dos Ministérios em uma caminhada com centenas de apoiadores do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ele foi
preso dentro do Palácio do Planalto. Seu celular, apreendido pela Polícia
Federal, mostra fotos e vídeos de Caldas no térreo e no segundo andar da sede
do Executivo.
Em
audiência no Supremo, ele negou que tenha participado da quebradeira. Diz que
defendeu um policial militar que era linchado por manifestantes e procurou
refúgio no Palácio do Planalto.
O
suboficial ficou preso de janeiro a agosto de 2023, já denunciado pela PGR. O
ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou sua soltura por considerar que
todas as provas haviam sido colhidas, e que a liberdade de Caldas não era mais
um risco para as investigações.
Antes
do julgamento, o militar enviou uma carta aos ministros da corte citando suas
décadas de serviço na Marinha para defender sua inocência.
Disse
ser um “ardente defensor do Estado democrático de Direito” e que sua intenção
era participar de uma “manifestação pública pacífica, o que se provou não ser o
caso”.
“Gostaria
de enfatizar a Vossas Excelências que sou um cidadão brasileiro, cristão e
casado, que espera ser julgado com base na crença de estar participando de uma
manifestação pública e pacífica, e não pelos atos cometidos por uma parte que
resultaram em danos ao patrimônio público.”
Fonte:
Por Thalys Alcântara e Paulo Motoryn, em The Intercept/ICL Notícias
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