segunda-feira, 14 de abril de 2025

Marx sobre a Guerra Civil dos Estados Unidos: um momento de virada para a política escravista

Na primavera de 1861 o cenário político mundial foi abalado pela eclosão da Guerra Civil dos Estados Unidos, que começou logo após a eleição de Abraham Lincoln para a presidência daquele país. À declaração de secessão por parte de sete estados escravagistas seguiu-se um conflito – que custou a vida de 750 mil pessoas – entre os Estados Confederados da América, favoráveis à manutenção e à extensão da escravatura, e a União, constituída pelos estados fiéis a Lincoln.

As considerações de Marx sobre os eventos que se sucederam ao fim do conflito, em 1865, foram de grande impacto. Algumas reverberações estão presentes inclusive no Livro I de O capital, no qual afirmou: “o trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro”.

Há alguns meses, a imprensa londrina dominante, tanto por semanários quanto por jornais diários, vem repetindo a mesma ladainha sobre a Guerra Civil Norte-Americana. Ao mesmo tempo que insulta diariamente os estados livres do Norte, esquiva-se temerosamente da acusação de simpatizar com os estados escravagistas do Sul. Na verdade, ela escreve sempre dois artigos: um no qual ataca o Norte e outro no qual se desculpa por suas críticas ao Norte. Quem se desculpa, se acusa.

As bases das escusas residem essencialmente nas seguintes afirmações: a guerra entre Norte e Sul é uma guerra tarifária. Além disso, é um conflito sem princípios, que não diz respeito à escravidão e envolve fundamentalmente o desejo nortista de poder. Enfim, se mesmo a lei está do lado do Norte, não parece despropositada a tentativa de subjugar 8 milhões de anglo-saxões! Uma separação entre Norte e Sul não redimiria o Norte de suas conexões com a escravidão negra e, com seus 20 milhões de habitantes e seu gigantesco território, não lhe asseguraria um desenvolvimento superior e até então inimaginável? Portanto, o Norte não deveria estar celebrando a Secessão como um evento afortunado, em vez de querer contê-la por meio de uma sangrenta e infértil guerra civil?

Examinemos ponto a ponto as alegações da imprensa inglesa. A guerra entre o Norte e o Sul, de acordo com a primeira desculpa, é um mero conflito tarifário, um embate entre o sistema protecionista e o sistema de livre-comércio, e a Inglaterra, é claro, está do lado do livre-comércio. O dono de escravos deve se apropriar totalmente dos frutos do trabalho cativo ou deve ser surrupiado em parte deles pelos agentes alfandegários do Norte? Essa é a questão em jogo nessa guerra. Essa descoberta brilhante coube ao Times. O Economist, o Examiner, o Saturday Review e outros da mesma laia aprofundaram ainda mais o assunto. É característico dessa descoberta que ela não tenha ocorrido em Charleston, mas em Londres. Nos Estados Unidos, é claro, todos já sabiam que de 1846 a 1861 vigia a tarifa de livre-comércio e que o deputado Morrill somente conseguiu passar a sua tarifa protecionista no Congresso em 1861, depois que a rebelião já havia estourado. Portanto, não houve a Secessão porque a Tarifa Morrill foi aprovada no Congresso, mas, na melhor das hipóteses, a Tarifa Morrill foi aprovada no Congresso porque houve a Secessão. Em 1832, quando a Carolina do Sul teve seu primeiro ato de secessão, a tarifa protecionista de 1828 foi usada como pretexto, não mais do que um pretexto, como se sabe por uma declaração do general Jackson. Entretanto, desta vez, o velho pretexto não se repetiu. No Congresso Secessionista de Montgomery, evitou-se tocar no assunto das tarifas, porque a cultura açucareira da Louisiana, um dos estados mais influentes do Sul, é inteiramente baseada em tarifas protecionistas.

No entanto, a imprensa londrina continua insistindo que a guerra dos Estados Unidos nada mais é do que um conflito para a manutenção da União à força. Os ianques não podem simplesmente decidir riscar quinze estrelas de sua bandeira. Eles querem desempenhar um papel colossal no palco mundial. Sim, seria bem diferente se a guerra fosse pela abolição da escravidão! A questão da escravidão, no entanto, não tem absolutamente nada a ver com essa guerra, como, entre outras coisas, afirma categoricamente o Saturday Review.

Antes, é importante lembrar que a guerra não partiu do Norte, mas, sim, do Sul. O Norte está na defensiva. Por meses observou passivamente os secessionistas se apropriarem de fortes, de arsenais de guerra, de estaleiros, alfândegas, cofres, navios e depósitos de armas da União, insultar a bandeira unionista e até mesmo capturar parte de suas tropas. Por fim, os secessionistas decidiram, por meio de um ruidoso ato de guerra, forçar o governo da União a abandonar a passividade e, assim, somente por isso, bombardearam o Forte Sumter, nos arredores de Charleston. Em 11 de abril, o general Beauregard, em uma reunião com o major Anderson, o comandante do Forte Sumter, soube que o forte só recebeu provisões para três dias e, depois disso, deveria se entregar pacificamente. Para sabotar a rendição pacífica, os secessionistas, na manhã seguinte, começaram o bombardeamento, o que permitiu a tomada do lugar em poucas horas. Mal a notícia foi telegrafada a Montgomery, sede do Congresso dos Secessionistas, o secretário da Guerra Walker declarou publicamente em nome da nova Confederação: “Ninguém poderá dizer até onde poderá ir a guerra que começou hoje”. Ao mesmo tempo, profetizou que “a bandeira da Confederação do Sul ainda antes de 1º de maio será hasteada no topo do antigo Capitólio em Washington e, muito em breve, também no Faneuil Hall”. Só então veio a declaração de guerra, na qual Lincoln convocou 75 mil para defender a União. O bombardeio de Forte Sumter fechou a única saída constitucional possível, a saber, a convocação de uma assembleia geral do povo americano, como sugeriu o próprio Lincoln em seu discurso de posse. A única opção que restava a Lincoln era fugir de Washington, evacuar Maryland e Delaware, entregar de bandeja Kentucky, Missouri e Virgínia, ou responder à guerra com guerra.

O Sul rompeu a paz, esta é a palavra de ordem, com a qual se responde sobre a motivação da Guerra Civil Americana. Stephens, vice-presidente da Confederação sulista, declarou no Congresso Secessionista que a principal diferença entre a nova Constituição maquinada em Montgomery e a Constituição de Washington e Jefferson era que agora, pela primeira vez, a escravidão era reconhecida como um instituto inerentemente bom e o fundamento de todo o edifício do Estado, enquanto os revolucionários da independência, homens imersos nos preconceitos do século XVIII, tratavam a escravidão como um mal importado da Inglaterra a ser remediado com o passar do tempo. Outro figurão do Sul, o senhor Spratt, bradou: “Para nós, trata-se de fundar uma grande república escravagista”. Portanto, mesmo que o Norte tenha desembainhado a espada apenas para defender a União, o Sul já não declarou que a manutenção da escravidão é incompatível com a continuidade da União?

Assim como o bombardeio do Forte Sumter foi o estopim da guerra, a vitória eleitoral do Norte, do Partido Republicano, a eleição de Lincoln à presidência, deu o sinal para a secessão. Lincoln foi eleito em 6 de novembro de 1860. Em 8 de novembro de 1860, já se telegrafava da Carolina do Sul: “A secessão aqui é considerada um fato consumado”; em 10 de novembro, a Assembleia Legislativa da Geórgia estudava os planos de uma secessão; e em 13 de novembro, foi convocada uma sessão extraordinária na Assembleia do Mississipi para tratar da secessão. A própria eleição de Lincoln foi resultado de uma cisão no campo democrata. Durante a campanha eleitoral, os democratas do Norte se uniram em torno de Douglas, os democratas do Sul em volta de Breckinridge, e foi essa divisão dos votos democratas que deu a vitória ao Partido Republicano. De um lado, de onde vem a superioridade do Partido Republicano no Norte? De outro, de onde vem o racha dentro do Partido Democrata, cujos membros do Norte e do Sul atuaram em conjunto por mais de meio século?

Sob a presidência de Buchanan, o domínio que o Sul usurpou progressivamente da União, fazendo aliança com os democratas do Norte, chegou ao seu ponto mais alto. O último Congresso continental de 1787 e a primeira Assembleia Constitucional de 1789-1790 proibiram por lei a escravidão em todos os territórios da República a noroeste de Ohio. (São considerados territórios as colônias situadas nos Estados Unidos que ainda não alcançaram a população constitucionalmente prescrita para a formação de estados independentes.) O chamado Compromisso do Missouri (1820), o qual permitiu que o Missouri ingressasse nas fileiras dos Estados Unidos como estado escravagista, proibiu a escravidão em todo o território remanescente ao norte do paralelo 36° 30’ e a oeste do Missouri. Esse acordo fez o campo escravocrata aumentar vários graus de longitude, ao mesmo tempo que pareceu estabelecer uma linha geográfica muito bem definida para sua futura expansão. Essa barreira geográfica, por sua vez, foi derrubada já em 1854 pela chamada Lei de Kansas-Nebraska, de autoria de Stephen Douglas, então líder dos democratas do Norte. A lei, aprovada em ambas as casas congressuais, revogou o Compromisso do Missouri, colocou a escravidão e a liberdade em pé de igualdade, ordenou que o governo da União as tratasse com igual indiferença e deixou para a soberania popular, ou seja, para a maioria dos colonos, a decisão sobre a introdução ou não da escravidão em um território. Assim, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, todas as barreiras geográficas e legais à disseminação da escravidão nos territórios foram removidas. Sob essa nova legislação, o território até então livre do Novo México, um território cinco vezes maior que o estado de Nova York, transformou-se em um território escravocrata e a área escravagista se alargou ainda mais, desde a fronteira com o México, país vizinho, até a latitude 38° norte. Em 1859, o Novo México ganhou um código escravagista que rivalizava em barbárie com as leis do Texas e do Alabama. No entanto, como mostra o censo de 1860, o Novo México conta com não mais que meia centena de escravos para cada 100 mil habitantes. Assim, bastou ao Sul enviar alguns aventureiros com uns poucos escravos para o outro lado da fronteira para reunir, com a ajuda do governo central em Washington, seus oficiais e negociantes no Novo México, uma representação pseudopopular que impôs a escravidão no território e, com ela, o domínio dos proprietários de escravos.

Entretanto, esse método muito conveniente não se mostrou aplicável em outros territórios. Então o Sul deu um passo mais e apelou do Congresso Nacional à Corte Suprema dos Estados Unidos. Esse tribunal, que tem nove juízes, dos quais cinco do Sul, tem sido o instrumento mais solícito dos proprietários de escravos. Em 1857, no infame caso Dred Scott, declarou que todo cidadão americano tinha o direito de trazer para qualquer território qualquer propriedade reconhecida constitucionalmente. A Constituição reconhece os escravos como propriedade e obriga o governo da União a assegurar essa propriedade. Consequentemente, os escravos em qualquer território podiam ser obrigados a trabalhar com base no fundamento constitucional e, portanto, coube a cada proprietário de escravo introduzir a escravidão em territórios até então livres, mesmo contra a vontade da maioria dos colonos. Às assembleias legislativas dos territórios foi retirado o direito de proibir a escravidão e tanto o Congresso como o governo da União tinham o dever de proteger os pioneiros do sistema escravagista.

Se o Compromisso do Missouri de 1820 alargou a fronteira geográfica da escravidão nos territórios, a Lei de Kansas-Nebraska de 1854 apagou qualquer limite geográfico e pôs no lugar dele uma barreira política, a vontade da maioria dos colonos, a Suprema Corte, por sua decisão de 1857, derrubou os limites políticos e transformou todos os territórios da República, atuais e futuros, de estados livres em área fértil de cultivo de escravidão.

Ao mesmo tempo, sob o governo de Buchanan, uma lei mais rígida de extradição para escravos fugidos, aprovada em 1850, passou a ser implacavelmente aplicada nos estados do Norte. Bancar o capitão do mato para os proprietários de escravos do Sul parecia ser a função constitucional do Norte. Por outro lado, para dificultar ao máximo a colonização dos territórios por colonos livres, o partido escravagista frustrou todas as chamadas legislações de solo livre, ou seja, medidas que deveriam garantir aos colonos certa parcela de terra pública ainda não explorada.

Assim como na política interna, os interesses dos proprietários de escravos também serviram de estrela-guia na política externa dos Estados Unidos. Buchanan conseguiu de fato a presidência após a publicação do Manifesto de Ostende, no qual a aquisição de Cuba, seja por compra, seja por força das armas, é proclamada a grande tarefa da política nacional. Sob o seu governo, o norte do México já havia
sido dividido entre os especuladores americanos de terras, que esperavam impacientemente o sinal para invadir Chihuahua, Coahuila e Sonora. As incansáveis expedições dos flibusteiros contra os Estados da América Central foram conduzidas não sem o apoio determinante da Casa Branca. A reabertura do tráfico negreiro, secretamente apoiada pelo governo da União, estava estreitamente ligada a essa política externa, cujo objetivo explícito era conquistar novas áreas para a expansão da escravidão e do domínio dos proprietários de escravos. O próprio Stephen A. Douglas declarou ao Senado em 20 de agosto de 1859: “No ano passado, foram trazidos mais negros da África em um único ano do que em nenhum outro momento no passado, mesmo na época em que o comércio de escravos ainda era legal. O número de escravos importados no último ano chegou a 15 mil”.

A propaganda escravagista pela força das armas no exterior era o objetivo declarado da política nacional, e a União se tornou escrava de fato dos 300 mil proprietários de escravos que governam o Sul. Esse foi o resultado de uma série de compromissos que o Sul devia à sua aliança com os democratas do Norte. Em razão da mesma aliança, todas as tentativas periodicamente ensaiadas desde 1817 para resistir aos ataques cada vez mais numerosos dos proprietários de escravos fracassaram. Finalmente, chegou o momento da virada.

¨      EUA intensificam a ‘Doutrina Monroe do século 21’ na América Latina, diz jornal chinês

Os Estados Unidos elevaram o tom contra a cooperação entre China e América Latina nos últimos dias. Segundo a Associated Press, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, afirmou na quarta-feira que “os militares chineses têm uma presença grande demais no Hemisfério Ocidental” e, um dia antes, havia declarado que a China representa “uma ameaça ao Canal do Panamá”.

Há muito tempo, os EUA tratam a América Latina e o Caribe como seu “quintal”. Para deslegitimar as atividades legítimas de outros países na região e forçar os países latino-americanos a escolherem um lado, Washington insiste em encenar farsas inspiradas na velha “Doutrina Monroe”.

Ao alarmar sobre uma suposta “presença militar” da China ou associá-la maliciosamente ao Canal do Panamá, os EUA recorrem à velha tática de “o ladrão que grita ‘pega ladrão’”, tentando afastar a China da região. Para Pan Deng, diretor do Centro de Direito para a América Latina e Caribe da Universidade de Ciência Política e Direito da China, essa acusação é falsa. Segundo ele, os EUA é que mantêm presença militar expressiva — cerca de 76 bases na região —, enquanto a China não tem nenhuma base ou tropa destacada na América Latina. A narrativa de que Pequim está conquistando “vantagem militar” seria, portanto, infundada.

Durante sua visita, Hegseth chegou a sugerir abertamente o retorno de tropas norte-americanas ao Panamá para “proteger” o canal estratégico. Para Lin Hua, pesquisador adjunto do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, essa postura revela a intenção de Washington de exercer pressão militar e política para submeter os países latino-americanos à sua vontade. Segundo ele, desde a formulação da Doutrina Monroe há mais de dois séculos, os países da região têm demonstrado crescente repúdio ao hegemonismo e unilateralismo dos EUA.

A Doutrina Monroe se tornou sinônimo do domínio que os EUA impõem sobre seus vizinhos. A política de intimidação continua até hoje — e de forma ainda mais intensa. Washington exige o controle do Canal do Panamá, pressiona a Colômbia a aceitar migrantes deportados… Está claro quem realmente força os países vizinhos a se tornarem “estados vassalos”. Não é à toa que os mexicanos dizem: “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos EUA”.

Em contraste, a relação entre China e América Latina é marcada pela cooperação de ganhos mútuos. Nos últimos anos, os laços econômicos e comerciais entre as duas partes se aprofundaram, trazendo resultados concretos. Do porto de Chancay, no Peru, ao projeto fotovoltaico de Mauriti, no Brasil, passando por produtos agrícolas latino-americanos e eletrodomésticos e automóveis chineses, a rota para uma parceria próspera se amplia. Esses projetos têm amplo apoio das comunidades locais, vistas como uma “escada para o desenvolvimento”.

O presidente Xi Jinping enviou uma mensagem de felicitações à 9ª cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) na quinta-feira. Ele afirmou que China e América Latina aprofundaram a confiança política mútua, expandiram a cooperação prática e fortaleceram os intercâmbios entre os povos, gerando benefícios concretos para ambos os lados e criando um exemplo de cooperação Sul-Sul.

A China apoia parcerias que promovam, de fato, o desenvolvimento. Se os EUA continuarem a tratar a América Latina com base na lógica e nos princípios da Doutrina Monroe — difamando a cooperação legítima da China, interferindo nas escolhas soberanas dos países latino-americanos e buscando controlá-los com visões coloniais ultrapassadas —, acabarão apenas enfraquecendo ainda mais sua própria influência na região.

 

Fonte: Blog da Boitempo/Global Times

 

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