O
que julgamento da 'mulher do batom' diz sobre futuro da anistia ao 8 de janeiro
A 1ª
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta sexta-feira (25/4)
pela condenação de Débora Rodrigues dos Santos, acusada de ter participado dos
atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Ela ficou conhecida
por ter pichado com um batom a frase "Perdeu, mané" em uma estátua
localizada na frente do tribunal. O episódio vem sendo chamado de "batom
do golpe".
A
maioria foi atingida com os votos do relator do caso, ministro Alexandre de
Moraes, e dos ministros Luiz Fux, Flávio Dino e Cristiano Zanin.
Mas há
divergências quanto à pena a ser imposta. Moraes propôs 14 anos de reclusão,
enquanto Fux sugeriu 1 ano e seis meses, e Cristiano Zanin, 11 anos .
O caso
de Débora Rodrigues seria mais um entre as mais de 1.659 denúncias oferecidas
pela Procuradoria-Geral da República (PGR) desde então, não fosse o fato de ele
ter se transformado em uma espécie de bandeira política para bolsonaristas
contra o que classificam como exagero do Judiciário ao aplicar penas a
envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
Ela foi
presa em março de 2023 e só teve sua prisão preventiva revogada em março deste
ano, em meio a pressão popular nas redes sociais. A BBC News Brasil não
conseguiu contato com a defesa de Débora Rodrigues.
Seu
julgamento foi interrompido em março deste ano após um pedido do ministro Luiz
Fux. Ele chegou a citá-lo durante o julgamento da denúncia contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais sete pessoas por sua suposta
participação numa trama de golpe de Estado ao sugerir que algumas penas aos
réus do 8 de janeiro poderiam estar exageradas.
"Justiça
não é algo que se aprende, é algo que se sente. Eu vou fazer revisão da
dosimetria. Confesso que em determinadas ocasiões me deparo com pena exacerbada
e por isso pedi vista. Quero analisar o contexto em que essa senhora se
encontrava", disse Fux na ocasião.
A
retomada do julgamento dela ocorre no momento em que há uma queda de braço
entre integrantes dos Três Poderes.
De um
lado, parlamentares bolsonaristas tentam pressionar o Congresso Nacional a
aprovar uma anistia aos envolvidos e condenados pelos atos de 8 de janeiro. De
outro, parlamentares ligados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
alguns ministros do STF tentam conter essa pressão.
Nesse
contexto, as atenções se voltam ao destino do julgamento de Débora Rodrigues e
sobre o que ele poderia indicar como tendência tanto para outros casos
semelhantes ao dela quanto em relação ao projeto de anistia que tramita no
Congresso.
Especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil avaliam não haver uma relação direta entre o caso
dela e o que pode acontecer com o projeto da anistia.
Um
deles diz, no entanto, que o STF poderá usar o caso dela como uma forma de
esvaziar as pressões em torno da aprovação da anistia — cujo projeto poderia
até mesmo beneficiar Bolsonaro diretamente.
• Batom e bandeira política
Débora
Rodrigues dos Santos tem 39 anos de idade, é natural de Irecê (BA), mas vive em
Paulínia (SP). Assim como milhares de pessoas no dia 8 de janeiro de 2023, ela
participou das manifestações de bolsonaristas contra a vitória de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.
Ela foi
fotografada e filmada usando um batom para pichar a estátua "A
Justiça", que fica em frente ao STF.
A frase
"Perdeu, mané" é uma alusão a uma declaração dada pelo ministro do
Supremo, Luís Roberto Barroso, ao ser interpelado por um militante bolsonarista
após a derrota do ex-presidente nas eleições de 2022.
Em
março de 2023, ela foi presa pela Polícia Federal e denunciada por crimes como:
deterioração do patrimônio público, abolição violenta do Estado Democrático de
Direito, golpe de Estado, dano qualificado e associação criminosa.
À
Justiça, a cabeleireira admitiu ter feito a pichação, mas negou ter premeditado
sua participação nos atos.
"Sou
uma cidadão do bem. Eu fui aos atos e não imaginava que iam ser tão conturbados
desse jeito [...] eu nunca fiz nada ilícito na minha vida e queria pedir, de
todo coração, que se compadeçam de mim porque sou uma mãe que nunca me afastei
dos meus filhos e essa separação tem feito eles sofrerem demais", disse
Rodrigues em depoimento.
Em
fevereiro deste ano, um vídeo sobre o caso de Débora Rodrigues viralizou nas
redes sociais e passou a ser usado pelos bolsonaristas como argumento para
defender, no Congresso Nacional, a aprovação de uma anistia a envolvidos com os
atos de 8 de janeiro.
No dia
21 de março, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) citou o caso de Débora
Rodrigues em uma postagem para convocar uma passeata a favor da anistia.
"Débora,
mãe de 2 filhos pequenos, recebe de Alexandre de Moraes a pena de 14 anos de
cadeia. A anistia é o remédio para mais essa enorme injustiça", disse
Bolsonaro em uma postagem no X (antigo Twitter).
Em meio
a essa comoção, no dia 24 de março, Luiz Fux pediu vistas do caso de Débora
Rodrigues e indicou que poderia rever as penas às quais ela poderia vir a ser
condenada.
Quatro
dias depois, o ministro Alexandre de Moraes determinou a revogação da prisão
dela e a conversão para prisão domiciliar. Desde então, ela está com sua
família, no interior de São Paulo, enquanto aguarda o fim de seu julgamento.
Até a
suspensão, os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino haviam votado pela
condenação de Débora a 14 anos de prisão, além do pagamento de multa. Ainda
faltam três votos: Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin. Seus votos
começarão a ser apresentados no Plenário Virtual do STF, a partir das 11h de
sexta-feira.
A pena
pedida por Moraes e Dino a Débora Rodrigues é a mais comum entre os réus
condenados por crimes graves relacionados ao 8 de janeiro.
Segundo
levantamento feito pelo STF em janeiro deste ano, 898 réus haviam sido
responsabilizados por crimes relacionados ao 8 de janeiro. Deste total, 58,6%
fizeram acordos de não persecução penal e não foram condenados a prisão.
Considerando
apenas os que foram condenados por crimes graves, 82 pessoas (36,1%) foram
condenadas a penas de 14 anos de reclusão.
O líder
do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), usou a revogação da
prisão de Débora para pressionar parlamentares a apoiarem o projeto de anistia
que tramita no Congresso Nacional.
"Eles
soltaram Débora com tornozeleira. Não por compaixão, mas por vergonha.
Porque
agora o mundo vê o que fizeram: perseguiram inocentes [...] O Congresso vai
escolher entre dois lados: o do povo… ou o da história suja", disse o
parlamentar em seu perfil no X (antigo Twitter).
• "Recuo tático"
Do
ponto de vista jurídico, o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas
(FGV) no Rio de Janeiro, Wallace Corbo, diz ver com naturalidade a divergência
de entendimento sobre o caso de Débora Rodrigues inaugurada pelo ministro Luiz
Fux.
Segundo
ele, ainda seria cedo para dizer se uma eventual redução da pena dela será uma
tendência na Corte, se poderá ter efeitos sobre outros casos semelhantes ou
mesmo se abriria caminho para o projeto de anistia que tramita no Congresso.
"A
manifestação individual de um ministro ainda não se traduziu na posição
institucional do STF. Não dá para dizer, agora, se o STF estaria fazendo algum
tipo de concessão à opinião pública".
O
professor de Direito da Universidade de São Paulo, Rafael Mafei, diz não crer
que haja uma ligação direta entre o julgamento de Débora Rodrigues e a pauta da
anistia defendida no Congresso Nacional.
Na
avaliação dele, a defesa da anistia no Parlamento deverá continuar a ser feita
pelo bolsonarismo independente do resultado do julgamento da cabeleireira.
"A
anistia é um ato do Poder Legislativo e isso vai ocorrer ou não independente da
pena que será aplicada à cabeleireira. Eles (os apoiadores do projeto) não
querem que ela saia (da cadeia). O que eles querem é que Bolsonaro recupere
seus direitos políticos", diz Mafei à BBC News Brasil.
Para o
professor, o caso de Débora Rodrigues estaria sendo usado como pretexto para
avançar a proposta de anistia no Congresso Nacional.
"Falar
sobre a pena da cabeleireira Débora embrulha a anistia em um papel de presente
que eles sentem que é mais vendável. Mas todos sabemos que o que eles querem é
a anistia".
O
professor de Direito penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj)
Davi Tangerino, por sua vez, avalia que um eventual abrandamento da pena de
Débora Rodrigues não significa, necessariamente, uma abertura de uma brecha
para o avanço do projeto de anistia.
Segundo
ele, do ponto de vista político, uma redução da pena da cabeleireira poderia
ser uma forma de o STF dar uma resposta à opinião pública contrária às penas
altas concedidas a alguns condenados pelos atos de 8 de janeiro, neutralizar
parte da pressão pela anistia e, ao mesmo tempo, abrir caminho para dar penas
mais severas aos supostos líderes da trama golpista, entre eles o ex-presidente
Jair Bolsonaro.
"Avalio
que o STF pensou da seguinte forma: 'A sociedade está achando (as penas) demais
e isso alimenta a anistia e isso é um problema e um ruído com o Congresso e
sociedade que a gente (STF) não quer'", disse Tangerino.
O
professor afirma ainda que, com o avançar dos julgamentos, o STF passou a ter
que lidar com a necessidade de calcular as penas dos supostos mandantes ou
mentores da trama golpista. Ao fazer isso, a comparação com as penas dos
manifestantes, tidos como menos ofensivos, ficaria evidente.
"Se
o Bolsonaro pegar 35 anos de prisão e essas pessoas pegam cinco anos de prisão,
então fica mais fácil convencer a sociedade que a resposta dada ao STF é
proporcional. Talvez isso movimente mais o STF na direção de um abrandamento
que a pressão da sociedade", afirma Tangerino à BBC News Brasil.
O
raciocínio atribuído ao STF por Tangerino foi criticado por Jair Bolsonaro logo
após o anúncio de que Débora Rodrigues teve sua prisão revogada.
"Não
estamos comemorando um avanço. Estamos testemunhando um recuo tático. E ainda
coberto de cinismo jurídico", disse Bolsonaro em uma postagem em sua
página no X (antigo Twitter).
Fora da
arena jurídica, as indicações, pelo menos até agora, são de que o projeto da
anistia ainda não encontrou tração suficiente para avançar no Parlamento.
No dia
14 de abril, o PL protocolou um pedido de urgência para votação do projeto na
Câmara dos Deputados. O pedido contou com o apoio de 264 deputados, número
maior que o necessário para aprová-lo no Plenário da Casa, o que indica que o
projeto poderia ser, em tese, aprovado.
Apesar
disso, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB),
ainda não deu indicações de que irá colocar o requerimento de urgência em
votação, freando a estratégia da oposição.
Na
Câmara, líderes da oposição continuam pressionando Hugo Motta para fazer o
projeto andar. Entre os argumentos usados por eles está o fato de que o
deputado contou com amplo apoio bolsonarista para vencer as eleições à
Presidência da Casa.
Durante
manifestação em favor da anistia, em São Paulo, o pastor Silas Malafaia,
apoiador de Bolsonaro, criticou Motta por não acelerar a tramitação do projeto.
"Você,
Hugo Motta, está envergonhando o honrado povo da Paraíba", disse o líder
religioso.
Nesta
quinta-feira (24/4), Motta deu mais uma indicação de que não pretende avançar
com a tramitação do projeto de anistia. Após reunião com lideranças
partidárias, ele anunciou que não colocaria o requerimento de urgência
protocolado pela oposição na pauta de votações da Casa.
"Líderes
que representam mais de 400 parlamentares da Casa decidiram que o tema não
deveria entrar na pauta da próxima semana. Isso não está dizendo que não
seguiremos dialogando para a busca de uma solução para o tema", disse
Motta, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo.
Rafael
Mafei reforça a ideia de que, a despeito do resultado do julgamento de Débora
nos próximos dias, a oposição bolsonarista continuará a pressionar pela
anistia.
"Se
a Débora for absolvida por um recurso, por exemplo, eles irão arrumar outro
pretexto para a anistia", diz Mafei à BBC News Brasil.
O
professor Wallace Corbo afirma que não há indicações de que uma mudança nos
rumos do julgamento de Débora Rodrigues por si só poderia ser interpretada como
uma demonstração de fraqueza do Supremo.
"É
natural que o Supremo, dependendo de como a sociedade se comporta, dê respostas
e se adeque. Fazer ajustes nas penas não é uma demonstração de força ou de
fraqueza, mas de que ele está participando desse debate político, jurídico e
social que está havendo no Brasil".
Para
ele, um eventual teste de força do Supremo, em relação aos casos de 8 de
janeiro, se daria em outro momento.
"Isso
só aconteceria a depender de como outras instituições tentem esvaziar as
decisões do Supremo. Aí, sim, a força do Supremo seria testada. Mas isso ainda
não aconteceu".
Fonte:
BBC News Brasil

Nenhum comentário:
Postar um comentário