sábado, 26 de abril de 2025

Rodrigo Medeiros: A economia chinesa enfrenta o império neoliberal

Logo após a escalada da guerra tarifária promovida pelo presidente norte-americano Donald Trump, muitos analistas destacaram o profissionalismo e a inteligência diplomática chinesa na articulação de respostas aos ataques sofridos. Afinal, como a China se tornou a potência que pode criar dificuldades para o exercício unilateral da hegemonia norte-americana em agonia?

O livro ‘Como a China escapou da terapia de choque’, de Isabella Weber, editado pela Boitempo, em 2023, traz informações e análises que nos ajudam a entender como aquele país se fortaleceu ao longo dos anos, principalmente a partir dos anos 1980. Segundo Weber, “no fim da década de 1970 e ao longo da década de 1980, a questão de como recriar a economia e os mercados tornou-se decisiva”.

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As “experiências de guerra”, destacou a professora da Universidade de Massachusetts Amherst, foram cruciais em termos do aprendizado político, pois a economia chinesa havia falhado então em garantir bens de consumo para a sua população. Entre os arquitetos das reformas, “o pensamento econômico foi moldado pela experiência de planejamento das bases materiais na guerra de libertação”.

Chen Yun, por exemplo, é conhecido como um dos principais arquitetos das reformas econômicas ocorridas entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ele defendeu que o progresso econômico era fundamental para a revolução porque era importante resolver os problemas dos alimentos e do vestuário para a população chinesa.

O objetivo dos reformistas era criar um “mercado socialista organizado”. Desafios da inflação se apresentaram para os reformistas chineses. Conforme ponderou Weber, “em vez de recorrer à pressão política e ao poder de policiamento para conter diretamente os preços de mercado, a liderança controlava indiretamente os preços, reanimando e canalizando as forças do mercado, não tentando suprimi-las”.  

A estratégia chinesa consistiu em ter liderança sobre os preços dos bens de consumo essenciais. “O controle da inflação em uma economia agrária e pobre, visando o rápido crescimento econômico e à industrialização”, de acordo com a professora, “foi alcançado, em parte, pela supressão das necessidades de consumo da maioria camponesa da China”. Houve custos sociais.

No seu discurso de 1978, Deng Xiaoping falou sobre os objetivos da China: “livrar nosso país da pobreza e do atraso, alcançar – ou mesmo superar – os países avançados”. Deng defendeu uma visão mais meritocrática e menos igualitária em relação ao período maoísta. As reformas seguiam a lógica de Lênin: “quanto menos desenvolvido o país, mais difícil é a transição do capitalismo para o socialismo”.

As “Quatro Modernizações” foram um conjunto de reformas econômicas propostas por Deng Xiaoping na China a partir do final da década de 1970, com o objetivo de modernizar e fortalecer o país após o período da Revolução Cultural. Elas foram fundamentais para transformar a economia chinesa e abrir caminho para o crescimento acelerado das décadas seguintes.

As quatro áreas visadas pelas modernizações foram: 1) Agricultura – incentivo à produtividade e à eficiência no campo, reduzindo o controle estatal rígido; 2) Indústria – incentivo à produção de bens de consumo e modernização das fábricas; 3) Ciência e Tecnologia – valorização da educação e da pesquisa científica; 4) Defesa Nacional – modernização com tecnologia mais avançada. O foco principal foi no desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.

Deng Xiaoping deixou claro, em abril de 1979, que “desenvolver uma economia de mercado não significa praticar o capitalismo”. Ele completou então afirmando que “estamos introduzindo uma economia de mercado, mas é uma economia socialista de mercado”. O neoliberalismo não teve espaço político na China, que se industrializou, sofisticou tecnologicamente e se fortaleceu como nação, diferentemente do que ocorreu nos países da América Latina nos últimos quarenta anos. Os chineses não desnacionalizaram a economia e tampouco promoveram a abertura da conta de capitais. Eles mantiveram um controle rigoroso sobre os fluxos financeiros internacionais, embora tenham feito algumas liberalizações graduais.

Para quem quiser colocar uma maior ênfase analítica nas “questões democráticas” como algo deficitário ou problemático para o caso chinês, precisamos lembrar que novas formas de fascismo estão ameaçando as democracias liberais em nosso tempo. A oligarquização das democracias liberais, comandadas por plutocratas que empobreceram os seus compatriotas, é visível nos Estados Unidos da América, o farol de inspiração do neoliberalismo brasileiro.

O capitalismo é o regime do capital, que, sem um contraponto como alternativa real de organização econômica, demonstrou que não se preocupa com o bem-estar social. Em tempo, lamento a morte do papa Francisco, que denunciou as desigualdades sociais e a destruição da natureza, alinhando as suas ações e os seus ensinamentos com os princípios da justiça social, da opção preferencial pelos pobres e da crítica ao sistema econômico injusto.   

Em ‘Evangelii Gaudium’ (2013), Francisco condenou a economia da exclusão e a “cultura do descarte”, afirmando que o dinheiro deve “servir, não governar”. Ele criticou a especulação financeira e os paraísos fiscais, chamando-os de estruturas de pecado que aprofundam a desigualdade. Ademais, Francisco apoiou cooperativas e economias solidárias, encontrando-se com líderes de movimentos populares e defendendo o trabalho digno e a terra para os pobres.

¨      Xi Jinping anuncia plano de proteção econômica para combater tarifaço de Trump

Xi Jinping, o presidente da China, apresentou um conjunto de medidas econômicas para lidar com os desafios internos e proteger a população e as empresas do país dos efeitos da guerra comercial promovida por Donald Trump.

A apresentação aconteceu nesta sexta-feira (25/04) em Pequim, durante uma reunião do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista (PCC) sobre a conjuntura e o desempenho da economia chinesa.

Em comunicado, o governo chinês destacou uma “tendência positiva” na economia, com aumento da confiança social e progresso sólido no desenvolvimento de alta qualidade. Porém o texto observa um aumento no impacto “dos choques externos”.

Pequim afirma que “trabalhará com a comunidade internacional para defender ativamente o multilateralismo e se opor a práticas de intimidação unilaterais”.

<><> Medidas

As propostas visam estimular a economia chinesa que, desde a pandemia da covid-19, enfrenta uma crise no setor imobiliário e uma alta taxa de desemprego entre os mais jovens. “Devemos tomar múltiplas medidas para ajudar empresas em dificuldades, fortalecer o apoio financeiro e acelerar a integração do comércio interno e externo”, diz o comunicado.

Neste sentido, estão previstos o aumento do seguro-desemprego, a elevação da renda familiar, o desenvolvimento do setor de serviços e o impulsionamento do consumo. O plano ainda prevê medidas para aumentar o rendimento da população de baixa e média renda, impulsionar o consumo de serviços e fortalecer o mercado interno do país.

Xi ainda reforçou a importância de se implementar políticas macroeconômicas proativas, acelerar um novo modelo para o mercado imobiliário e aumentar a oferta de habitação. 

<><> Política monetária

A reunião do PC chinês também debateu os esforços apra acelerar a implementação de uma política fiscal “mais proativa” e de uma “política monetária moderadamente flexível”. As principais medidas neste sentido incluem a aceleração da emissão e utilização de títulos de governos locais com finalidade específica e de títulos do Tesouro de prazo ultralongo.

Novos instrumentos estruturais de política monetária e instrumentos financeiros baseados em políticas estão previstos para fomentar a inovação tecnológica, expandir o consumo e manter o comércio exterior estável.

Também serão realizados cortes nas taxas de compulsórios e nas taxas de juros, para garantir um apoio mais forte à economia real, afirma o comunicado.

¨      China amplia acesso de empresas estrangeiras a seu mercado interno

A China anunciou nesta quinta-feira uma nova redução em sua lista negativa de acesso ao mercado, medida que garante maior igualdade de condições para empresas estrangeiras e reforça o apoio ao setor privado nacional.

A versão de 2025 da lista negativa reduz o número de itens restritivos de 117, em 2022, para 106, segundo comunicado da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC). A medida reflete o compromisso do país com a liberalização do acesso ao mercado, criando um ambiente mais aberto e justo para todas as empresas.

Além disso, foram flexibilizadas restrições em setores como novos serviços de telecomunicações, produção de séries televisivas, distribuição farmacêutica e importação de sementes florestais. Algumas regulamentações locais sobre logística de transporte foram eliminadas, assim como normas regionais de gestão nos setores de construção naval, comércio de bebidas alcoólicas e bolsas de mercadorias, que agora seguem diretrizes nacionais unificadas.

Por outro lado, setores emergentes como operações com drones e comércio de novos produtos de tabaco, como cigarros eletrônicos, foram incorporados à lista negativa, o que indica esforços para fortalecer a regulamentação nessas áreas.

Para Wang Peng, pesquisador da Academia de Ciências Sociais de Pequim, a medida reforça a confiança dos investidores e acompanha as transformações econômicas e sociais do país. “Eliminar medidas redundantes reduz custos e estimula a vitalidade do mercado, enquanto as novas regras garantem segurança pública e apoiam o desenvolvimento de indústrias emergentes”, disse.

Segundo a NDRC, todas as empresas, domésticas ou estrangeiras, devem seguir as mesmas regras da lista de acesso ao mercado. Investidores estrangeiros também devem observar as “Medidas Administrativas Especiais (Lista Negativa) para Acesso ao Investimento Estrangeiro” e, no caso de prestadores de serviços transfronteiriços, a “Lista Negativa para Comércio Transfronteiriço de Serviços”.

Wang ressaltou que a uniformização das regras oferece um ambiente de investimento mais estável, transparente e previsível, tornando a China um destino mais atrativo para o capital estrangeiro. Entre janeiro e março, o país registrou a criação de 12.603 novas empresas com investimento externo, um aumento de 4,3% em relação ao mesmo período de 2024. Em março, o investimento direto estrangeiro cresceu 13,2%.

Desde que lançou sua primeira lista negativa em 2018, a China já realizou quatro revisões — em 2019, 2020, 2022 e agora em 2025 — reduzindo o número de restrições em cerca de 30%, de 151 para 106 itens.

A lista funciona sob o princípio de uniformidade nacional, garantindo os mesmos direitos legais a empresas estatais, privadas, grandes corporações e pequenas e médias empresas. Segundo a NDRC, essa política amplia o espaço para desenvolvimento das empresas privadas, colocando-as em condições de igualdade com estatais e empresas estrangeiras.

O economista Tian Yun afirmou que as reformas estruturais ampliam o papel das empresas privadas no crescimento da economia chinesa, sobretudo em setores emergentes com grandes oportunidades. Dados do governo mostram que, até janeiro de 2025, havia 56,7 milhões de empresas privadas registradas no país. Dentre as empresas nacionais de alta tecnologia, 420 mil são privadas — mais de 92% do total.

¨      Xi Jinping critica guerras comerciais e defende sistema multilateral

O presidente da China, Xi Jinping, condenou as guerras tarifárias e comerciais durante diálogo com o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev.

Segundo Xi, esse tipo de política compromete os direitos e interesses de diferentes países, prejudica o sistema de comércio multilateral e afeta a estabilidade da economia global. A declaração foi divulgada nesta quarta-feira (23) pela agência estatal chinesa Xinhua.

A posição expressa pelo líder chinês ocorre em meio a tensões no comércio internacional e reflete a defesa de Pequim por uma governança global baseada na cooperação e no direito internacional.

Durante a conversa virtual com Aliyev, Xi Jinping afirmou que a China está disposta a fortalecer a parceria com o Azerbaijão para, segundo ele, “salvaguardar o sistema internacional, tendo as Nações Unidas como seu núcleo, e a ordem internacional baseada no direito internacional”.

O presidente chinês acrescentou que os dois países devem proteger os “respectivos direitos e interesses legítimos” e atuar de forma conjunta em favor da “equidade e da justiça internacionais”.

O encontro entre Xi Jinping e Ilham Aliyev sinaliza a intensificação das relações bilaterais entre China e Azerbaijão, em um cenário global marcado por políticas unilaterais promovidas pelos Estados Unidos durante o governo de Donald Trump.

Apesar de não ter feito menção direta a Washington, o discurso de Xi reforça a insatisfação de Pequim com as sanções econômicas e as tarifas comerciais adotadas pela administração norte-americana contra países classificados como potências emergentes.

Nos últimos anos, Xi Jinping tem defendido, em diferentes espaços multilaterais, a manutenção do sistema de comércio regido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e tem alertado para os riscos associados à politização das negociações econômicas.

O diálogo com Aliyev ocorre no contexto das iniciativas da China para ampliar sua presença econômica e diplomática na Ásia Central e no Cáucaso, por meio da chamada Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative), programa chinês voltado para a integração de infraestrutura e comércio na região euroasiática.

Ao longo da reunião, Xi Jinping reiterou que práticas como o unilateralismo e o protecionismo dificultam o desenvolvimento global. De acordo com o presidente da China, “unilateralismo e protecionismo não são o caminho”, e a promoção do desenvolvimento sustentável exige abertura, diálogo e respeito mútuo entre os Estados.

A diplomacia chinesa tem defendido a construção de um sistema multipolar, no qual as decisões sejam tomadas com base em normas compartilhadas e em processos multilaterais. Essa abordagem tem sido apresentada por Pequim como uma alternativa a modelos de governança concentrados em potências específicas.

Para o Azerbaijão, o fortalecimento da cooperação com a China pode representar uma oportunidade de ampliar sua rede de parcerias internacionais.

A reafirmação do compromisso de Pequim com o direito internacional é vista como uma possibilidade de diversificação econômica e de expansão do espaço diplomático do país do Cáucaso, especialmente em um ambiente global de disputas entre grandes potências.

O governo chinês tem buscado aprofundar relações com diferentes Estados da Ásia Central, do Cáucaso e de outras regiões estratégicas, como parte de seu esforço para consolidar a Iniciativa Cinturão e Rota.

O projeto inclui investimentos em logística, transporte e infraestrutura energética, com o objetivo de facilitar o fluxo de mercadorias entre a China, a Europa e outros mercados.

Durante o diálogo com Aliyev, Xi Jinping defendeu que a cooperação entre os dois países seja conduzida com base no respeito à soberania e à integridade territorial, reforçando a disposição de Pequim em ampliar a interlocução política e econômica com Baku. Segundo a Xinhua, os dois líderes anunciaram a criação de uma parceria estratégica abrangente.

O anúncio ocorre em meio a um cenário internacional caracterizado por disputas comerciais e fragmentação econômica. A China tem procurado reforçar alianças bilaterais e regionais para enfrentar os efeitos das sanções e das barreiras tarifárias impostas por outras economias.

A reunião entre Xi Jinping e Ilham Aliyev integra a série de esforços diplomáticos conduzidos por Pequim para ampliar sua influência internacional e consolidar espaços de cooperação com países localizados em regiões consideradas estratégicas para os interesses chineses.

O diálogo também evidencia a continuidade da estratégia chinesa de defesa de uma ordem global fundamentada em instituições multilaterais e em acordos internacionais. Essa linha de atuação tem sido destacada por Xi em diferentes ocasiões, como fóruns econômicos, reuniões multilaterais e cúpulas internacionais.

 

Fonte: Jornal GGN/Opera Mundi/Global Times/O Cafezinho

 

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