“Não
era Justiça, era uma quadrilha”: o relato da ex-juíza que abandonou o cargo
após abusos da Lava Jato
A
ex-juíza Luciana Bauer concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Luís
Nassif, na qual revelou as irregularidades que testemunhou enquanto atuava como
juíza na 17ª Vara Federal de Curitiba. A conversa foi exibida na última
terça-feira (22), no programa TV GGN 20 Horas, no Youtube.
Durante
a entrevista, Bauer relatou que sofreu intimidações após denunciar os abusos
cometidos pelos procuradores então liderados por Deltan Dallagnol e pelo
ex-juiz Sergio Moro e suas servidoras. À época, precisou mudar de residência e
até trocar de carro, decisão que culminou em seu afastamento da magistratura.
Posteriormente, passou a aconselhar o juiz federal Eduardo Appio, ex-titular da
13ª Vara, perseguido por confrontar os métodos lavajatistas. Foi de Luciana
Bauer a ideia de solicitar ao Conselho Nacional de Justiça a correição
extraordinária nos gabinetes da Lava Jato.
Foi
durante um plantão judicial que Bauer percebeu indícios de graves
irregularidades. “Vi um habeas corpus do STJ [Superior Tribunal de Justiça]
parado, sem cumprimento. Quando questionei a diretora da vara, ela disse:
‘Doutora, isso não está parado, o doutor Deltan vai entrar com uma denúncia e,
se a senhora soltar…’. Eu respondi que não estava soltando [o então investigado
Renato Duque], apenas cumprindo a ordem do STJ, que havia determinado a soltura
há pelo menos dois dias. Aquilo estava sendo escondido do juiz plantonista, o
que, em tese, é uma falta funcional. Determinei o cumprimento, mas o documento
que elaborei desapareceu do sistema”, relatou.
Após o
episódio, Bauer passou a ser alvo de pressões, inclusive por parte do próprio
Moro. “Até então, eu era apenas uma colega dele, e já conhecia suas limitações.
Ele é uma pessoa intelectualmente limitada. Costumo compará-lo ao retrato de
Dorian Gray: uma pessoa completamente podre e que as pessoas não veem toda essa
podridão. Foi extremamente agressivo, mesquinho. Naquele momento, percebi que
aquilo não era normal. Estava diante de algo que poderia ser uma quadrilha”,
declarou.
A
ex-juíza diz ter guardado provas das irregularidades, mas que seus alertas
foram ignorados e que a equipe técnica do Tribunal, posteriormente, preciso
mexer em sua máquina e, assim, as evidências se perderam. “Lembro que
documentei tudo. Um dia, fui ligar o computador no tribunal e ele estava
apagado. Alguém da informática me informou que houve um problema e que o
hardware havia sido trocado”, afirmou. “Depois da agressão, decidi sair.
Relatei que habeas corpus estavam sendo ocultados, que diretoras apagavam
documentos dos juízes plantonistas, e nada foi apurado.”
Segundo
Bauer, sua denúncia permaneceu sem resposta até os episódios envolvendo o juiz
Eduardo Appio. “É inconcebível que um corregedor ouça tudo isso e não tome
providências”, disse.
Sua
luta por uma correição extraordinária junto à 8ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (TRF-4) e à 13ª Vara Federal só teve resultado em maio de
2023, quando o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça,
autorizou a apuração a pedido da defesa de Eduardo Appio, que fora afastado do
cargo.
“Desde
o início, pedi que se investigasse não apenas os recursos financeiros, mas
principalmente as possíveis falsidades ideológicas, como a ocultação de
documentos. Habeas corpus chegavam de todo o país e eram escondidos para manter
pessoas presas e forçá-las a delatar. Esse era o esquema”, afirmou Bauer. “É
preciso fazer uma devassa nos dados apagados do E-PROC [sistema eletrônico de
processos]. As diretoras [ente elas, Flávia Blanco, que o casal Moro convidou a
trabalhar em Brasília] sabem tudo o que aconteceu e nunca foram ouvidas
seriamente para uma investigação completa.”
Indignada
com a impunidade, Bauer hoje busca responsabilização dos envolvidos. “É tão
feio, tão obsceno, que todo o Poder Judiciário deveria pedir desculpas. Meu
sonho é ver uma pedra dourada na entrada do TRF-4 dizendo: ‘Aqui conspurcamos a
Constituição Federal. Aqui não se fez Justiça. Pedimos desculpas ao povo
brasileiro por termos roubado uma eleição’. Mas isso não vai acontecer, porque
quem está lá não quer reconhecer”, concluiu.
• Os casos de Janaína Cassol: além de
Cancellier, empresário condenado injustamente é inocentado
Condenado
injustamente, um empresário catarinense foi inocentado, nesta semana, após seis
anos de um processo sem provas que o levou à prisão, em 2018. Um ano antes, o
ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo também era levado injustamente à
prisão pela mesma juíza: Janaína Cassol Machado.
O caso
de Eduardo Paul Cunha, conhecido como Duda, teve um desfecho da Justiça somente
nesta semana. O ex-presidente da Multimoney Corretora de Câmbio foi acusado de
suposta corrupção e gestão fraudulenta, porque a juíza interpretou
equivocadamente alguns e-mails de procedimentos rotineiros do mercado
financeiro, entendendo como supostas ilegalidades.
À
época, o Ministério Público Federal (MPF) de Santa Catarina contrariou a
opinião da juíza e verificou que não havia ilegalidades no caso. Janaína Cassol
não acatou ao posicionamento do MPF e chegou a determinar a prisão de Duda Paul
Cunha por 90 dias.
O
processo perdurou ao longo destes anos e, somente no recente 21 de abril, foi
anulado por falta de provas pela 1ª Vara Federal de Florianópolis.
Além do
empresário, o ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, sofreu a prisão e a
perseguição da juíza. Em um processo sem provas, o professor foi algemado,
acorrentado pelos pés e levado a um presídio de Segurança Máxima, em uma
Operação que envolveu mais de 100 policiais, e ficou detido por 30 horas.
No que
se tornou uma das mais emblemáticas injustiças da última década no país.
Cancellier não aguentou a pressão e perseguição judicial e se suicidou, 18 dias
depois. O GGN acompanhou de perto o caso de Cancellier e trouxe, em detalhes,
no documentário “Levaram o Reitor” (2021). Assista aqui:
Escancaradas
as ilegalidades, anos após os dois episódios, a juíza Janaína Cassol ainda
ocupava a 1ª Vara Federal de Florianópolis (SC) e, em 2023, manteve presa por
uma semana uma mulher, alvo de outra investigação em sigilo, que havia
conseguido pela própria Justiça a prisão domiciliar, mas permaneceu
encarcerada, porque a magistrada não enviou o seu alvará de soltura.
“Veja
que a ré se encontra privada de sua liberdade no sistema carcerário há mais de
uma semana, sem que se tenha efetivado a sua soltura e o início da medida
cautelar privativa domiciliar apenas e tão somente por inércia do Juízo
singular Federal de Florianópolis”, informou, à época, o corregedor de Justiça
Luis Felipe Salomão.
Ao ser
denunciada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por este episódio, a juíza de
Santa Catarina foi afastada de suas funções, em agosto de 2023.
• Câmara cassa mandato de Chiquinho Brazão
sem punição política definitiva
A Mesa
Diretora da Câmara dos Deputados cassou o mandato do deputado Chiquinho Brazão
(sem partido-RJ) por ausência reiterada em sessões plenárias. O ato foi
publicado nesta quinta-feira (24) no Diário Oficial da Casa e assinado pelo
presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), pelo primeiro-secretário Carlos Veras
(PT-PE) e pelo segundo-secretário Lula da Fonte (PP-PE).
A
cassação tem como base o artigo 55 da Constituição Federal, que determina a
perda de mandato do parlamentar que faltar a mais de um terço das sessões
ordinárias em uma mesma sessão legislativa, sem justificativa ou autorização da
Casa.
A
decisão, porém, livra Brazão da inelegibilidade de forma imediata, já que o
processo não passou por votação no plenário, como ocorre nos casos de quebra de
decoro parlamentar.
No ano
passado, Chiquinho Brazão compareceu a apenas 12 das 85 sessões realizadas na
Câmara. Em 2025, seu nome consta como ausente em todas as 32 sessões até o
momento — nenhuma delas com justificativa.
Apesar
de ter sido aprovado no Conselho de Ética, o processo por quebra de decoro
parlamentar contra Brazão permaneceu parado por um ano, sem ser pautado pelo
então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e, posteriormente, por seu
sucessor, Hugo Motta. Durante esse período, o deputado seguiu recebendo
salário, mesmo afastado das atividades parlamentares.
Com a
cassação efetivada por faltas, a representação movida pelo PSOL no Conselho de
Ética deve ser arquivada. Além disso, como a cassação ocorreu por ato da Mesa
Diretora — e não por deliberação do plenário — o deputado mantém seus direitos
políticos.
Chiquinho
Brazão foi preso preventivamente em março de 2024. Ele e seu irmão, o
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCU-RJ),
Domingos Brazão, são suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora
Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido em 2018.
No
último dia 11, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), autorizou que Brazão deixasse a Penitenciária Federal de Campo Grande
(MS) para cumprir prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, no Rio de
Janeiro.
Fonte:
Jornal GGN

Nenhum comentário:
Postar um comentário