sábado, 26 de abril de 2025

“Não era Justiça, era uma quadrilha”: o relato da ex-juíza que abandonou o cargo após abusos da Lava Jato

A ex-juíza Luciana Bauer concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Luís Nassif, na qual revelou as irregularidades que testemunhou enquanto atuava como juíza na 17ª Vara Federal de Curitiba. A conversa foi exibida na última terça-feira (22), no programa TV GGN 20 Horas, no Youtube.

Durante a entrevista, Bauer relatou que sofreu intimidações após denunciar os abusos cometidos pelos procuradores então liderados por Deltan Dallagnol e pelo ex-juiz Sergio Moro e suas servidoras. À época, precisou mudar de residência e até trocar de carro, decisão que culminou em seu afastamento da magistratura. Posteriormente, passou a aconselhar o juiz federal Eduardo Appio, ex-titular da 13ª Vara, perseguido por confrontar os métodos lavajatistas. Foi de Luciana Bauer a ideia de solicitar ao Conselho Nacional de Justiça a correição extraordinária nos gabinetes da Lava Jato.

Foi durante um plantão judicial que Bauer percebeu indícios de graves irregularidades. “Vi um habeas corpus do STJ [Superior Tribunal de Justiça] parado, sem cumprimento. Quando questionei a diretora da vara, ela disse: ‘Doutora, isso não está parado, o doutor Deltan vai entrar com uma denúncia e, se a senhora soltar…’. Eu respondi que não estava soltando [o então investigado Renato Duque], apenas cumprindo a ordem do STJ, que havia determinado a soltura há pelo menos dois dias. Aquilo estava sendo escondido do juiz plantonista, o que, em tese, é uma falta funcional. Determinei o cumprimento, mas o documento que elaborei desapareceu do sistema”, relatou.

Após o episódio, Bauer passou a ser alvo de pressões, inclusive por parte do próprio Moro. “Até então, eu era apenas uma colega dele, e já conhecia suas limitações. Ele é uma pessoa intelectualmente limitada. Costumo compará-lo ao retrato de Dorian Gray: uma pessoa completamente podre e que as pessoas não veem toda essa podridão. Foi extremamente agressivo, mesquinho. Naquele momento, percebi que aquilo não era normal. Estava diante de algo que poderia ser uma quadrilha”, declarou.

A ex-juíza diz ter guardado provas das irregularidades, mas que seus alertas foram ignorados e que a equipe técnica do Tribunal, posteriormente, preciso mexer em sua máquina e, assim, as evidências se perderam. “Lembro que documentei tudo. Um dia, fui ligar o computador no tribunal e ele estava apagado. Alguém da informática me informou que houve um problema e que o hardware havia sido trocado”, afirmou. “Depois da agressão, decidi sair. Relatei que habeas corpus estavam sendo ocultados, que diretoras apagavam documentos dos juízes plantonistas, e nada foi apurado.”

Segundo Bauer, sua denúncia permaneceu sem resposta até os episódios envolvendo o juiz Eduardo Appio. “É inconcebível que um corregedor ouça tudo isso e não tome providências”, disse.

Sua luta por uma correição extraordinária junto à 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e à 13ª Vara Federal só teve resultado em maio de 2023, quando o ministro Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, autorizou a apuração a pedido da defesa de Eduardo Appio, que fora afastado do cargo.

“Desde o início, pedi que se investigasse não apenas os recursos financeiros, mas principalmente as possíveis falsidades ideológicas, como a ocultação de documentos. Habeas corpus chegavam de todo o país e eram escondidos para manter pessoas presas e forçá-las a delatar. Esse era o esquema”, afirmou Bauer. “É preciso fazer uma devassa nos dados apagados do E-PROC [sistema eletrônico de processos]. As diretoras [ente elas, Flávia Blanco, que o casal Moro convidou a trabalhar em Brasília] sabem tudo o que aconteceu e nunca foram ouvidas seriamente para uma investigação completa.”

Indignada com a impunidade, Bauer hoje busca responsabilização dos envolvidos. “É tão feio, tão obsceno, que todo o Poder Judiciário deveria pedir desculpas. Meu sonho é ver uma pedra dourada na entrada do TRF-4 dizendo: ‘Aqui conspurcamos a Constituição Federal. Aqui não se fez Justiça. Pedimos desculpas ao povo brasileiro por termos roubado uma eleição’. Mas isso não vai acontecer, porque quem está lá não quer reconhecer”, concluiu.

•        Os casos de Janaína Cassol: além de Cancellier, empresário condenado injustamente é inocentado

Condenado injustamente, um empresário catarinense foi inocentado, nesta semana, após seis anos de um processo sem provas que o levou à prisão, em 2018. Um ano antes, o ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo também era levado injustamente à prisão pela mesma juíza: Janaína Cassol Machado.

O caso de Eduardo Paul Cunha, conhecido como Duda, teve um desfecho da Justiça somente nesta semana. O ex-presidente da Multimoney Corretora de Câmbio foi acusado de suposta corrupção e gestão fraudulenta, porque a juíza interpretou equivocadamente alguns e-mails de procedimentos rotineiros do mercado financeiro, entendendo como supostas ilegalidades.

À época, o Ministério Público Federal (MPF) de Santa Catarina contrariou a opinião da juíza e verificou que não havia ilegalidades no caso. Janaína Cassol não acatou ao posicionamento do MPF e chegou a determinar a prisão de Duda Paul Cunha por 90 dias.

O processo perdurou ao longo destes anos e, somente no recente 21 de abril, foi anulado por falta de provas pela 1ª Vara Federal de Florianópolis.

Além do empresário, o ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, sofreu a prisão e a perseguição da juíza. Em um processo sem provas, o professor foi algemado, acorrentado pelos pés e levado a um presídio de Segurança Máxima, em uma Operação que envolveu mais de 100 policiais, e ficou detido por 30 horas.

No que se tornou uma das mais emblemáticas injustiças da última década no país. Cancellier não aguentou a pressão e perseguição judicial e se suicidou, 18 dias depois. O GGN acompanhou de perto o caso de Cancellier e trouxe, em detalhes, no documentário “Levaram o Reitor” (2021). Assista aqui:

Escancaradas as ilegalidades, anos após os dois episódios, a juíza Janaína Cassol ainda ocupava a 1ª Vara Federal de Florianópolis (SC) e, em 2023, manteve presa por uma semana uma mulher, alvo de outra investigação em sigilo, que havia conseguido pela própria Justiça a prisão domiciliar, mas permaneceu encarcerada, porque a magistrada não enviou o seu alvará de soltura.

“Veja que a ré se encontra privada de sua liberdade no sistema carcerário há mais de uma semana, sem que se tenha efetivado a sua soltura e o início da medida cautelar privativa domiciliar apenas e tão somente por inércia do Juízo singular Federal de Florianópolis”, informou, à época, o corregedor de Justiça Luis Felipe Salomão.

Ao ser denunciada no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por este episódio, a juíza de Santa Catarina foi afastada de suas funções, em agosto de 2023.

•        Câmara cassa mandato de Chiquinho Brazão sem punição política definitiva

A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados cassou o mandato do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) por ausência reiterada em sessões plenárias. O ato foi publicado nesta quinta-feira (24) no Diário Oficial da Casa e assinado pelo presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), pelo primeiro-secretário Carlos Veras (PT-PE) e pelo segundo-secretário Lula da Fonte (PP-PE).

A cassação tem como base o artigo 55 da Constituição Federal, que determina a perda de mandato do parlamentar que faltar a mais de um terço das sessões ordinárias em uma mesma sessão legislativa, sem justificativa ou autorização da Casa.

A decisão, porém, livra Brazão da inelegibilidade de forma imediata, já que o processo não passou por votação no plenário, como ocorre nos casos de quebra de decoro parlamentar.

No ano passado, Chiquinho Brazão compareceu a apenas 12 das 85 sessões realizadas na Câmara. Em 2025, seu nome consta como ausente em todas as 32 sessões até o momento — nenhuma delas com justificativa.

Apesar de ter sido aprovado no Conselho de Ética, o processo por quebra de decoro parlamentar contra Brazão permaneceu parado por um ano, sem ser pautado pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e, posteriormente, por seu sucessor, Hugo Motta. Durante esse período, o deputado seguiu recebendo salário, mesmo afastado das atividades parlamentares.

Com a cassação efetivada por faltas, a representação movida pelo PSOL no Conselho de Ética deve ser arquivada. Além disso, como a cassação ocorreu por ato da Mesa Diretora — e não por deliberação do plenário — o deputado mantém seus direitos políticos.

Chiquinho Brazão foi preso preventivamente em março de 2024. Ele e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCU-RJ), Domingos Brazão, são suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido em 2018.

No último dia 11, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que Brazão deixasse a Penitenciária Federal de Campo Grande (MS) para cumprir prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, no Rio de Janeiro.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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