segunda-feira, 28 de abril de 2025

Alastair Crooke: Um 'negócio à la Trump'? Equilibrando guerra, 'guerra fácil' e negociações

O ponto central da agenda MAGA não é a política externa, mas como reequilibrar estruturalmente um paradigma econômico que corre risco de ser um evento de extinção.

Trump está claramente no meio de um conflito existencial. Ele tem um mandato massivo. Mas está cercado por uma frente doméstica inimiga resoluta na forma de um “complexo industrial” imbuído da ideologia do Estado Profundo, centrado principalmente na preservação do poder global dos EUA (em vez da recuperação da economia).

O ponto central da agenda MAGA, no entanto, não é a política externa, mas como reequilibrar estruturalmente um paradigma econômico que corre risco de um evento de extinção. Trump sempre deixou claro que esse é seu objetivo primordial. Sua coalizão de apoiadores está focada na necessidade de reviver a base industrial dos EUA, a fim de proporcionar empregos razoavelmente bem pagos para a base MAGA.Trump pode, por ora, ter um mandato, mas um perigo extremo o ronda – não apenas o Estado Profundo e o lobby israelense. A bomba da dívida de Yellen [ex-secretária do tesouro dos EUA] é a ameaça mais existencial. Ela ameaça o apoio de Trump no Congresso, pois está programada para explodir pouco antes das eleições legislativas de 2026. Novas receitas tarifárias, economias com o DOGE [o “ministério de Elon Musk] e até mesmo o próximo “espremer” dos países do Golfo giram em torno de se estabelecer algum tipo de ordem fiscal, de modo que mais de US$ 9 trilhões em dívidas de curto prazo – com vencimento iminente – possam ser rolados para o longo prazo sem recorrer a taxas de juros escorchantes. É a armadilha dos democratas de Yellen para a agenda de Trump.

Até agora, o contexto geral parece claro o suficiente. No entanto, nos detalhes de como exatamente reequilibrar a economia; como gerenciar a “bomba da dívida”; e até que ponto o DOGE deve ir com os seus cortes, há divisões na equipe de Trump. De fato, a guerra tarifária e a disputa com a China trazem à tona uma nova falange de oposição: ou seja, aqueles (alguns em Wall Street, oligarcas, etc.) que prosperaram enormemente com a era dourada da criação de dinheiro sem limites aparentes; aqueles que foram enriquecidos precisamente pelas políticas que tornaram os EUA subservientes ao iminente “sino da dívida” dos EUA.

Para tornar as coisas ainda mais complexas, dois dos principais componentes do reequilíbrio e da “solução” da dívida sugeridos por Trump não podem sequer ser sussurrados, muito menos ditos em voz alta:

Um motivo é que esta “solução” envolve a desvalorização deliberada do “dólar no seu bolso”. E, em segundo lugar, muitos mais estadunidenses perderão os seus empregos.

Esta não é exatamente uma proposta popular. Provavelmente por isso, o “reequilíbrio” não foi bem explicado ao público.

Trump lançou o “choque tarifário da libertação” aparentemente com a intenção de iniciar abruptamente uma reestruturação das relações comerciais internacionais – como o primeiro passo em direção a um realinhamento geral dos valores das principais moedas.

A China, no entanto, não comprou a proposta de tarifas e restrições comerciais, e os acontecimentos se escalaram rapidamente. Por um momento, pareceu que a “Coalizão Trump” poderia se fragmentar sob a pressão da crise concomitante no mercado de títulos dos EUA causada pelo tumulto tarifário que abalou a confiança.

A Coalizão, na verdade, resistiu; os mercados se acalmaram, mas então a coalizão se fragmentou por uma questão de política externa – a esperança de Trump de normalizar relações com a Rússia, rumo a um Grande Reinício Global.

Um dos principais segmentos dentro da Coalizão Trump (além dos populistas MAGA) são os neoconservadores e os “Israel-Firsters”. Supostamente, algum tipo de pacto faustiano foi feito por Trump desde o início, com a sua equipe fortemente povoada por ardorosos “Israel-Firsters”.

Simplificando, a amplitude da coalizão que Trump achava que precisava para vencer a eleição e entregar um reequilíbrio econômico também incluía dois pilares de política externa: Primeiro, o reinício com Moscou – o pilar pelo qual se encerrariam as “guerras eternas”, que a sua base populista despreza. E o segundo pilar: neutralizar o Irã como potência militar e fonte de resistência, algo em que tanto os “Israel-Firsters” quanto Israel insistem (e com o qual Trump parece completamente à vontade). Daí o pacto faustiano.

As aspirações de Trump como “pacificador” sem dúvida adicionaram apelo eleitoral, mas não foram o verdadeiro motor da sua vitória esmagadora. O que se torna evidente é que essas pautas diversas – interna e externa – estão interligadas: Um revés em uma delas atua como um dominó, impulsionando ou retardando as demais. Simplificando: Trump depende de “vitórias” – vitórias iniciais – mesmo que isso signifique correr atrás de uma possível “vitória fácil” sem refletir se ele possui uma estratégia sólida (e capacidade) para alcançá-la.

Todos os três objetivos da pauta de Trump, ao que parece, são mais complicados e divisivos do que ele talvez esperasse. Ele e a sua equipe parecem cativados por pressupostos embutidos no Ocidente, como, primeiro, que a guerra geralmente acontece “Lá Fora”; que a guerra na era pós-Guerra Fria não é propriamente “guerra” no sentido tradicional de guerra total, mas sim uma aplicação limitada de força ocidental esmagadora contra um inimigo incapaz de ameaçar a “nós” [os EUA] de forma semelhante; e, em terceiro lugar, que o escopo e a duração de uma guerra são decididos em Washington e em seu “gêmeo” no Estado Profundo em Londres.

Assim, aqueles que falam em encerrar a guerra da Ucrânia por meio de um cessar-fogo unilateral imposto (ou seja, a facção de Walz, Rubio e Hegseth, liderada por Kellogg) parecem assumir ingenuamente que os termos e o momento do fim da guerra também podem ser decididos em Washington, e impostos a Moscou por meio da aplicação limitada de pressões assimétricas e ameaças.

Da mesma forma que a China não está comprando o “negócio” de tarifas e restrições comerciais, Putin tampouco está comprando a lógica dos ultimatos: (“Moscou tem semanas, não meses, para aceitar um cessar-fogo”). Putin tentou pacientemente explicar a Witkoff, enviado de Trump, que a presunção americana de que o escopo e a duração de qualquer guerra cabe muito ao Ocidente decidir simplesmente não se encaixa com a realidade atual.

E, em modo complementar, aqueles que falam sobre bombardear o Irã (o que inclui Trump) parecem também presumir que podem ditar o curso essencial da guerra; que os EUA (e talvez Israel) podem simplesmente decidir bombardear o Irã com grandes bombas “bunker-buster”. E ponto final. Fim da história. Supõe-se que será uma guerra fácil e autojustificada – e que o Irã deve aceitar que trouxe isso sobre si mesmo por apoiar os palestinos e outros que se recusam a normalizar com Israel.

Aurelien observa:

Estamos lidando com horizontes limitados; imaginação limitada e experiência limitada. Mas há outro fator determinante: o sistema dos EUA é reconhecidamente extenso, conflituoso – e, como resultado, amplamente imune à influência externa e até mesmo à realidade. A energia burocrática é quase inteiramente dedicada a lutas internas, que são travadas por coalizões mutáveis no governo federal; no Congresso; na mídia e entre os comentaristas. Mas essas lutas são, em geral, sobre poder e influência [doméstica] – e não sobre os méritos intrínsecos de uma questão, e [assim] não exigem conhecimento real nem experiência.”O sistema é grande e complexo o suficiente para que se possa fazer carreira como ‘especialista em Irã’, por exemplo, dentro e fora do governo, sem nunca ter visitado o país ou falar a língua – simplesmente reciclando sabedorias padronizadas de forma a atrair patrocínios. Você estará travando batalhas com outros supostos ‘especialistas’, dentro de um perímetro intelectual muito limitado, onde apenas certas conclusões são aceitáveis.

Torna-se evidente que essa abordagem cultural (o Complexo Industrial dos Think-Tanks) induz uma preguiça e a prevalência da arrogância no pensamento ocidental. Supõe-se, aparentemente, que Trump supôs que Xi Jinping correria para se reunir com ele, após a imposição das tarifas – para implorar por um acordo comercial – porque a China está enfrentando alguns ventos econômicos contrários.

Presume-se de forma simplista, também pela ala Kellogg, que a pressão é condição necessária e suficiente para forçar Putin a aceitar um cessar-fogo unilateral – um cessar-fogo que Putin declarou repetidamente que não aceitaria sem que um quadro político fosse antes acordado. Quando Witkoff transmite esse ponto de Putin nas discussões da equipe de Trump, ele aparece como um dissidente fora do “discurso autorizado”, que insiste que a Rússia só leva a sério uma détente com um adversário após ter sido forçada a isso por uma derrota ou revés sério.

O Irã também declarou repetidamente que não será despido das suas defesas convencionais; dos seus aliados e do seu programa nuclear. O Irã provavelmente tem capacidade de infligir enormes danos tanto às forças dos EUA na região quanto a Israel.A equipe de Trump está dividida sobre a estratégia aqui também – dito de forma crua: Negociar ou Bombardear.

Parece que o pêndulo oscilou sob intensa pressão de Netanyahu e da liderança institucional judaica nos EUA.

·        Algumas palavras podem mudar tudo

Em uma reviravolta, Witkoff passou de dizer, um dia antes, que Washington se satisfaria com um limite para o enriquecimento nuclear do Irã e não exigiria o desmantelamento de suas instalações nucleares, para postar no seu perfil oficial no X que qualquer acordo exigiria que o Irã “interrompesse e eliminasse o seu programa de enriquecimento e armamento nuclear... Um acordo com o Irã só será concluído se for um acordo de Trump”. Sem uma reversão clara disso por parte de Trump, estamos à caminho da guerra.Está claro que a Equipe Trump não refletiu sobre os riscos inerentes às suas pautas. A reunião inicial de “cessar-fogo” com a Rússia em Riad, por exemplo, foi um teatro do facilitismo. A reunião foi realizada sob o pressuposto fácil de que, já que Washington havia decidido por um cessar-fogo precoce, então “assim será”.

“Famosamente”, observa Aurelien com cansaço, “a política do governo Clinton para a Bósnia foi produto de furiosas disputas de poder entre ex-alunos de ONGs e Direitos Humanos estadunidenses – nenhum dos quais sabia coisa alguma sobre a região, ou jamais havia estado lá”.Não é apenas que a equipe seja indiferente às possíveis consequências de uma guerra no Oriente Médio. Eles são cativos de pressupostos manipulados de que será uma guerra fácil.

¨      Armamentização do Dólar: a tendência crescente em direção à desdolarização. Por Ali Hamza

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o dólar americano se tornou a moeda mais importante do mundo, pois é a moeda mais amplamente utilizada no comércio global, cobrindo cerca de 88% dos negócios no ano passado.

Segundo relatórios do FMI, o dólar americano tem sido a principal moeda internacional. No segundo trimestre de 2024, os bancos centrais dos países detinham cerca de 58% de suas reservas alocadas em dólares americanos, com grande parte dessas reservas em dinheiro, em títulos americanos.

Perto do fim da Segunda Guerra Mundial, 44 nações aliadas se reuniram em Bretton Woods, EUA, em julho de 1944. Os delegados se reuniram com o propósito de discutir uma nova moeda internacional que ajudaria a recuperar as perdas causadas pela guerra, lições para lidar com desafios futuros e um sistema financeiro estável para o comércio global.

Os países concordaram em converter os saldos internacionais em dólares, com o dólar atrelado ao ouro a US$ 35 por onça. Por que o dólar americano? Porque os EUA foram o único país praticamente intacto após a Segunda Guerra Mundial, enquanto as economias europeias foram severamente danificadas e sofreram muito com a guerra. Além disso, os EUA detinham a maior parte do suprimento mundial de ouro, e o dólar lastreado em ouro era a opção mais estável na época. Como resultado, os países concordaram em apoiar o dólar americano e o declararam a moeda oficial de reserva global.

Embora o sistema de Bretton Woods tenha durado até agosto de 1971, quando o presidente Richard Nixon decidiu suspender a conversibilidade do dólar em ouro, a decisão foi tomada por dois motivos principais: o gasto excessivo de dólares americanos para financiar a Guerra do Vietnã, o que levantou preocupações quanto à estabilidade do dólar, e, em segundo lugar, a falta de reservas de ouro suficientes para sustentar o valor do dólar.

Apesar dos vários desafios globais, o dólar americano domina o comércio internacional há muitas décadas, e os Estados Unidos se beneficiaram mais do que qualquer outro país. As principais commodities do mundo, como petróleo, gás e aço, são negociadas em dólares americanos. Há também fatores domésticos que contribuem para a dominância do dólar, incluindo seu valor estável, o tamanho da gigantesca economia americana, com um volume de negócios superior a US$ 27 trilhões, o poderoso poderio militar e a influência geopolítica dos Estados Unidos.

Desde a Guerra Fria, os Estados Unidos têm usado o dólar e o sistema de pagamentos em dólar como arma para impor sanções econômicas a países hostis ou àqueles cujas ações não se alinham aos interesses americanos, com o objetivo de controlar seu comportamento e ações. Os EUA vêm aplicando sanções desde a década de 1950, inicialmente impondo-as à União Soviética e à Coreia do Norte.

A estratégia de sanções continuou e se estendeu ao Irã, Cuba, Venezuela, Afeganistão e Paquistão. Embora as sanções tenham sido parcialmente eficazes no caso de Cuba e Coreia do Norte, na maioria dos casos, como no caso do Irã e da Rússia, elas permanecem amplamente ineficazes. Os EUA até impuseram sanções aos membros do Tribunal Penal Internacional (TPI) por investigarem os possíveis crimes de guerra cometidos pelos EUA no Afeganistão.

O uso excessivo de sanções pelos EUA reduziu sua eficácia ao longo do tempo.

Após o conflito na Ucrânia em fevereiro de 2022, os EUA bloquearam o acesso da Rússia a US$ 300 bilhões em reservas cambiais líquidas nos EUA e em países da OTAN. Embora alguns aliados dos Estados Unidos tenham apoiado essa medida, ela gerou preocupações entre outros países. Percebeu-se que os EUA poderiam usar o dólar como arma, mesmo contra seus aliados, caso descobrissem que as políticas de um país não os favorecem.

Após observar tais decisões unilaterais dos Estados Unidos, os países europeus perceberam a importância de criar um sistema baseado na UE que fosse independente do SWIFT e do sistema de pagamento americano, e que não envolvesse pagamentos em dólares. Em 2023, o presidente francês Emmanuel Macron tentou chamar a atenção para o fato de que a Europa precisa reduzir sua dependência do dólar para se proteger dos “vassalos americanos”.

O amplo uso do dólar americano na imposição de sanções levou outras nações a buscar moedas alternativas para o comércio bilateral.

Por exemplo, de acordo com uma reportagem do Global Times, a China e a Rússia realizaram um comércio bilateral de mais de US$ 240 bilhões, com 90% desse comércio em yuan chinês. Apesar das severas sanções impostas à Rússia, países como Índia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Turquia continuam a negociar com a Rússia usando moedas diferentes do dólar.

O BRICS, um bloco econômico de rápido crescimento liderado pela China e pela Rússia, foi criado em 2009 com o objetivo de combater o domínio do Ocidente sobre as instituições internacionais e não conseguiu servir sinceramente às nações em desenvolvimento.

Desde 2022, a Rússia lidera a promoção e o apoio à ideia de uma moeda internacional do BRICS. O plano para uma moeda do BRICS também foi discutido na cúpula do BRICS em agosto de 2023, sob o nome sugerido “R5”.

Atualmente, o BRICS tem quatorze membros que representam um quarto da economia global e quase metade da população mundial.

De acordo com a visão do JP Morgan sobre a desdolarização, “a diversificação em relação ao dólar é uma tendência crescente. No entanto, eles enfatizam que os fatores que sustentam o domínio do dólar permanecem profundamente arraigados e de natureza estrutural. O papel do dólar nas finanças globais, seu sistema econômico e financeiro para a liquidez do dólar e a transparência institucional indicam que qualquer erosão significativa do domínio do dólar provavelmente levará décadas.”

Nesse contexto, o Paquistão também enfrenta desafios e oportunidades para a desdolarização. Surge aqui uma questão fundamental: a desdolarização é uma estratégia viável para o Paquistão?

Uma grande parte das reservas cambiais do Paquistão está em dólares americanos, que são usados ​​para administrar a balança de pagamentos. Além disso, 86% do comércio do Paquistão é denominado em dólares americanos, e o comércio denominado em euros representa menos de 10%.

A forte dependência do Paquistão do dólar americano causou sérios desafios econômicos, já que o país perdeu quase 150% do valor de sua moeda desde 2018, levando o país à quase hiperinflação e teve sua capacidade de importação reduzida até a crise de 2022-23.

Para o Paquistão, uma possível estratégia pode ser reduzir a dependência excessiva do dólar americano e diversificar suas opções cambiais em mecanismos comerciais. Por exemplo, usar o Yuan Chinês e o Rublo Russo pode reduzir a dependência excessiva do Paquistão em relação ao dólar americano.

Em junho de 2023, o Paquistão comprou petróleo russo em yuans, marcando uma grande mudança em sua prática tradicional de comprar petróleo em dólares americanos.

Embora o Paquistão tenha o potencial e a capacidade de obter benefícios da evolução da dinâmica global, devido ao seu alinhamento estratégico com a China, isso não deve incomodar seu maior país economicamente, os Estados Unidos.

 

Fonte: Brasil 247/Modern Diplomacy

 

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