Luis
Felipe Miguel: Para que serve um mandato?
A farsa
montada pra cassar o mandato de Glauber Braga continua em andamento. O Conselho
de Ética da Câmara dos Deputados, curiosamente formado por uma maioria de
parlamentares sem ética nenhuma, aprovou o voto do relator, como esperado. A
aprovação contou com a cumplicidade ativa do presidente da casa, Hugo Motta,
que atrasou o início da sessão plenária, a fim de impedir que a votação fosse
adiada e a pressão em defesa do mandato de Braga aumentasse.
Motta
agiu em parte para agradar seu padrinho, o ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Arthur Lira, que jurou vingança contra Glauber. Em parte, também,
por interesse próprio – ele sabe que o representante fluminense será sempre uma
pedra no sapato de quem estiver no Congresso com o intuito de praticar
bandalheiras.
Aos
jornais, Motta sinalizou depois que poderia pautar a cassação de Chiquinho
Brazão, como forma de “equilibrar o jogo”.
Seria
risível, não fosse a gravidade da situação. Não há como comparar um processo
com o outro, nem um mandato com o outro.
Se
nossa política não fosse um esgoto, um miliciano como Brazão nunca seria
eleito. Ele está preso (agora em prisão domiciliar), respondendo à acusação de
ser mandante do assassinato de uma adversária política, a vereadora Marielle
Franco. Já Glauber expulsou a pontapés, do prédio da Câmara, um provocador
profissional que ofendia a sua mãe (então gravemente doente, que faleceria
menos de um mês depois). Perdeu a cabeça, sim. Errou. Mas a cassação é
evidentemente uma punição excessiva, que só a perseguição política pode
explicar, vinda de um conselho de ética sempre leniente com tantos bandidos.
E
Brazão é um deputado do baixíssimo clero, politicamente insignificante, igual a
centenas de outros que estão na Câmara. Já Glauber é um dos deputados mais
competentes e combativos, representante destacado de uma pequena minoria que se
posiciona à esquerda no Congresso Nacional. Sem Brazão, o Centrão continua
igual. Sem Glauber, a esquerda sai muito diminuída.
Os
jornais dão conta de que os correligionários de Glauber Braga julgam que é
difícil organizar sua defesa porque ele nunca se enturmou direito com seus
colegas. Não duvido de que esse seja um fator determinante.
Num
tempo em que cenas de pugilato entre parlamentares estão se tornando quase
banais, seria leviano desprezar a importância da urbanidade na política. Mas o
que se espera no Congresso brasileiro, parece, é a formação de uma espécie de
confraria – e eu imagino que não seja fácil para quem não tem estômago de
avestruz. Afinal, trata-se de, encerradas as escaramuças performáticas para as
redes sociais, confraternizar com um corrupto ali, um golpista aqui, um
espancador de mulheres acolá.
Tardiamente,
a esquerda percebeu a importância de preservar o mandato de Glauber. A ministra
Gleisi Hoffmann foi até o deputado, em seu protesto na Câmara, e denunciou a
injustiça do processo de cassação – um gesto importante, vindo de alguém que é
simplesmente a cara da articulação política do governo. Torço para que também
haja algum empenho nos bastidores.
Por
outro lado, tenho visto, em perfis de pessoas de esquerda, uma defesa meio
atravessada do mandato de Glauber. Sim, todo mundo reconhece que a cassação é
injusta e só se explica pela raiva que Arthur Lira tem do deputado que
enfrentou seus esquemas e desmandos. O “Glauber fica” é a palavra de ordem. Só
que logo vem o “mas”. Glauber precisaria parar de se comportar como se
estivesse no DCE e assumir uma postura mais, como dizer?, respeitável. Ou
pragmática. Ou moderada. Ou branda. Ou acomodada.
Não
faltou quem dissesse que o caso era uma lição para o deputado, que reclamava de
Lula, mas agora estaria “sentindo na pele” o que era lidar com um Congresso
como o brasileiro.
Há, aí,
uma pitada de despeito, daqueles que julgam que Lula não pode ser pressionado
pela esquerda. E, de quebra, a ideia de que maioria conservadora e venal no
Poder Legislativo é a desculpa ideal para que o governo evite qualquer
enfrentamento.
Como se
a política se fizesse apenas nos espaços institucionais. Como se não houvesse
possibilidade de mobilização. Como se a correlação de forças fosse fixa – ao
passo que o papel do líder político é exatamente ser capaz de incidir sobre ela
e agir para modificá-la.
Eu
penso que é o contrário: a crítica pela esquerda ao governo Lula é mais
necessária do que nunca. Deixar o monopólio da pressão na mão da direita – que
usa todos os meios a seu dispor, incluindo a chantagem pelo Congresso, os
recados do “mercado”, a cobertura da imprensa corporativa – é garantir que o
governo ficará cada vez mais acuado e acovardado.
Durante
muito tempo, o PSOL funcionou como uma espécie de grilo falante do PT – aquela
vozinha irritante que servia para que o partido não se entregasse completamente
à direita (ou, ao se entregar, permanecesse com algum sentimento de culpa). O
tempo passou. O PSOL ganhou, cada vez mais, a feição de uma federação de pautas
setorizadas, sem qualquer projeto que as unificasse. Veio o golpe de 2016 e o
partido se viu constrangido, pela força das circunstâncias, a defender um
governo com o qual não se identificava. Quando, enfim, Boulos tomou conta do
PSOL, o partido se rendeu de vez à lógica da acomodação política e passou a
funcionar basicamente como uma ala externa do PT.
Glauber
Braga é hoje – ao lado de uns poucos outros – o grilo falante do PSOL. Só por
isso seu mandato já é valioso.
Mas não
é apenas o ressentimento pela postura independente de Glauber que explica as
críticas feitas a ele por gente de esquerda. Em versões um pouco mais
sofisticadas, elas incluem implicitamente uma visão específica sobre o
propósito de um mandato parlamentar.
É uma
visão que ecoa também na Ciência Política (aparece, por exemplo, no livro já
clássico de R. Douglas Arnold, The logic of congressional action).
Grosso modo, é como se a atividade parlamentar tivesse como objetivo final a
produção da lei – estamos falando de “Poder Legislativo”, não é mesmo? Assim, o
sucesso de um mandato é medido pelo número (ou, em leituras um pouco mais
complexas, pela importância) de leis que ele conseguiu aprovar.
Assim,
um folclórico deputado picareta aqui do Distrito Federal, muitos anos atrás,
alardeava ser campeão em apresentação de projetos de lei – logo, “produtivo”.
Ele enfileirava propostas risíveis e insignificantes, em especial de criação do
“dia disso” ou “dia daquilo”, a fim de alcançar os números que alimentariam sua
propaganda.
Ou
então: é comum ilustrar a irrelevância de Bolsonaro em seus sete mandatos de
deputado federal com a informação de que ele aprovou apenas dois projetos de
sua autoria em toda essa longa carreira. Algo simples de entender, objetivo,
quantificado. Impactante. Mas errado. Bolsonaro pode ter sido um parlamentar
irrelevante por longo tempo, mas a partir de algum momento da primeira metade
da década de 2010 ele deixou de sê-lo. Passou de irrelevante a nocivo. E isso
não tem nada a ver com o número de projetos que aprovou ou deixou de aprovar.
A
aprovação de um projeto, que por essa métrica definiria um bom mandato, depende
em grande medida de acertos e negociações que o tornem mais palatável para a
maioria dos congressistas. Muitas vezes depende também do toma-lá-dá-cá entre
os parlamentares. Eu conquisto o apoio para minha proposta em troca de apoiar
algo de outro deputado, sobre uma pauta que não é prioritária para mim.
Tudo
isso faz parte do jogo político, mas nega espaço a posturas mais
intransigentes. Em especial, leva a sinalizar que as fronteiras são difusas e
que tudo é sempre negociável, o que pode ter um efeito desmobilizador nos
movimentos sociais.
Mais
importante, o foco exclusivo nessa métrica obscurece outros aspectos igualmente
importante da ação parlamentar.
Um
deputado propõe leis e vota em leis, sim. Mas também é responsável pela
fiscalização do governo e pela intermediação de interesses. E – crucialmente –
ele dá visibilidade e ajuda a construir sentidos sobre o mundo social,
vinculados às questões que importam para diferentes grupos.
Um
deputado fala. Ao falar, ele disputa a agenda pública (o elenco de questões que
a sociedade vê como demandando respostas coletivas) e o enquadramento da agenda
(o que será menos ou mais relevante na discussão sobre cada uma dessas
questões). Ele inclui, no espaço mesmo de tomada de decisões, as perspectivas
sociais e os interesses daqueles que representa ou quer representar. E
contribui para formar a adesão do público a projetos e valores. Bolsonaro fez
isso, com inegável competência, e foi essencial para criar um espaço para a
extrema-direita no Brasil.
É
preciso fazer essa disputa à esquerda também.
E um
deputado usa a autoridade e a legitimidade que seu mandato tem para apoiar e
proteger grupos e movimentos. Principalmente no campo popular, esta função é
importantíssima.
Pensar
no deputado como um técnico que faz leis é redutor e despolitizante. Um mandato
popular tem que ser uma ferramenta de organização de lutas que ultrapassam, e
muito, o espaço do Congresso. Por isso, é preciso lutar contra a cassação
injusta e inaceitável do deputado Glauber Braga – como eu escrevi na semana
passada, um mandato imprescindível.
¨
Glauber Braga entrou na “mira” ao atacar Arthur Lira e o
orçamento secreto. Por Bernardo Mello Franco
Em
cartaz em Brasília com o monólogo “Traidor”, Marco Nanini passou a quarta-feira
no Congresso. Foi assistir à sessão do Conselho de Ética que discutiria a
cassação do deputado Glauber Braga. “Como estou na cidade, me senti no dever de
ir”, explica o ator, que enfrentou seis horas de falatório e gritaria numa sala
cheia e abafada.
Glauber
é acusado de quebrar o decoro ao agredir um militante do MBL que xingou sua mãe
de “safada”. Não foi seu único entrevero com o provocador, que costuma se
infiltrar em atos da esquerda para causar tumulto e viralizar nas redes
sociais. Em 2024, ele usou a tática para se candidatar a vereador pelo Novo.
Coincidentemente, o partido é o responsável pela representação contra o
deputado do PSOL.
PENA
EXAGERADA
A
violência não pode ser tolerada na política, e Glauber merece algum tipo de
punição pelo descontrole. Mas a cassação do mandato parece uma pena exagerada,
a julgar pelas circunstâncias do caso e pelo histórico recente da Câmara.
No ano
passado, a Polícia Federal prendeu o deputado Chiquinho Brazão, acusado de
encomendar o assassinato da vereadora Marielle Franco. Trancado num presídio de
segurança máxima, ele continuava a receber salário e verba de gabinete. Agora,
passou a prisão domiciliar.
Em
outro episódio rumoroso, o deputado Delegado Da Cunha virou réu por violência
doméstica após espancar e ameaçar matar a ex-mulher. O Conselho de Ética
encerrou o caso com uma mera censura verbal.
RELATOR
SUSPEITO
Ao
recomendar a cassação de Glauber, o relator Paulo Magalhães disse que ele
maculou “a honra e a dignidade do Parlamento”. O deputado é o mesmo que, em
2001, bateu no autor de um livro com denúncias contra seu tio Antonio Carlos
Magalhães.
O caso
foi noticiado pelo GLOBO com uma foto de Magalhães, o sobrinho, sendo contido
por aliados. “Socos e pontapés na Câmara — Deputado agride jornalista para
defender ACM”, registrou o jornal.
Até os
tapetes do Congresso sabem que a confusão com o militante do MBL é um pretexto
para cassar Glauber. Ele entrou na mira ao se lançar em cruzada contra Arthur
Lira e o orçamento secreto.
DISSE
LIRA
Sexta-feira,
o ex-presidente da Câmara, que acaba de comprar uma mansão de R$ 10 milhões,
disse não ter nenhuma ligação com o processo.
Eleitor
do PSOL, o ator Marco Nanini deixou o Conselho de Ética com a impressão de que
o debate foi puro teatro.
“Aquilo
é um caos. Todos falam e ninguém ouve!”, espantou-se.
¨
Cassação de Glauber transformará o
Congresso num circo de horrores. Por Carlos Newton
A atual
geração de políticos está conseguindo transformar o Congresso Nacional num
circo de horrores. Depois de dois impeachments presidenciais e dos escândalos
do mensalão e do petrolão, com o presidente Lula da Silva passando 580 dias na
cadeia, quando se pensa que já vimos tudo em matéria de baixarias e
esculhambações, surge agora a possibilidade de cassação do deputado Glauber
Braga (PSOL-RJ), que não foi apanhado com dólares na cueca ou algum desvio de
verbas públicas.
A mais
nova vergonha institucional da política começou a ocorrer no dia 2, quando o
deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), relator do Conselho de Ética da Câmara,
pediu a cassação de Glauber Braga por haver expulsado com chutes um militante
do Movimento Brasil Livre, Gabriel Costanero, que ofendera a honra de sua mãe,
a ex-deputada Saudade Braga.
OFENSOR
HABITUAL
Em 16
de abril de 2024, o deputado Glauber Braga foi abordado na Câmara por Gabriel
Costanero, um agente provocador, que costuma ofender parlamentares e figuras
políticas de esquerda, para gravar suas reações e exibi-las suas redes sociais,
para conquistar os votos que lhe faltaram na última eleição.
Vídeos
compartilhados na internet mostram Costanero discutindo e chamando o
parlamentar de “burro” e “fraco”, enquanto fazia a transmissão online.
No
momento da discussão, Glauber Braga afirmava que Costanero responde por
violência doméstica contra uma ex-companheira, enquanto o militante de direita
respondia tratar-se de difamação e repetia xingamentos contra o parlamentar. A
discussão aumentou quando Costanero mencionou a mãe de Glauber Braga e a chamou
de “safada”. Foi quando o deputado chutou o militante e o empurrou para fora do
prédio, por uma das portas laterais. A cena foi testemunhada e registrada por
dezenas de pessoas.
À
BEIRA DA MORTE
Certamente
o militante do MBL não sabia que a mãe de Glauber estava à beira da morte,
enfrentando um quadro avançado de Alzheimer e viria a falecer poucos dias
depois, em 8 de maio de 2024, aos 75 anos.
Certamente,
o provocador do MBL também não sabia que Maria da Saudade de Medeiros Braga era
conhecida na Região Serrana do Rio de Janeiro como Doutora Saudade, pela
atuação como médica de família durante muitas décadas, com destaque para seu
trabalho na zona rural.
O
reconhecimento por sua dedicação se revelou em suas eleições para deputada e
para prefeita de Nova Friburgo em dois mandatos.
FORTE
EMOÇÃO
No
Direito, a ocorrência de “forte emoção” é considerada circunstância atenuante.
Mas o estado emocional de Glauber Braga, ao reagir à ofensa contra sua mãe em
estado terminal, não foi levado em consideração pelo Conselho de Ética.
Mas o
pior mesmo é que seu principal acusador, o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA),
jamais poderia pedir a cassação de Braga, porque ele próprio foi protagonista
de episódio semelhante dentro da Câmara, porém ainda mais grave.
Em
abril de 2001, Paulo Magalhães era deputado e desfechou “socos e pontapés” no
jornalista e escritor baiano Maneca Muniz, que autografava o livro “As Veias
Abertas do Carlismo” na Câmara dos Deputados.
À
época, o escritor acompanhava deputados baianos que denunciaram esquemas de
corrupção e achaques do então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL), o ACM,
tio de Paulo Magalhães, que desfez a noite de autógrafos e sequer foi submetido
ao Conselho de Ética..
SETE
MANDATOS
Por ser
sobrinho de ACM, Paulo Magalhães já está no sétimo mandato, e continua a ser um
ilustre desconhecido, que nada fez e nada faz em defesa do povo, rigorosamente
nada.
Defendeu
“a socos e pontapés’ a honra de ACM, mas não aceita que Glauber Braga tenha
feito o mesmo, em defesa da honra da própria mãe, e agora propõe que a Câmara
casse o parlamentar por ser de um partido diferente, com ideias também
diferentes, nada a ver com o entrevero com o militante do MBL..
Agora,
até o evangélico Silas Malafaia surpreende aliados ao se opor à cassação do
deputado Braga, e o pastor tem toda razão, é preciso admitir que o pastor tem o
direito de acertar, porque é mais do que óbvio que a cassação de Glauber Braga
seria uma vergonha histórica na Câmara, uma casa criada para defender a
democracia.
Fonte:
Amanhã não existe ainda/Tribuna da Internet
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