Lígia
Maria Salgado Nóbrega - vida tragicamente interrompida pela Ditadura Militar
brasileira
Discurso
na Cerimônia de Diplomação Honorífica Lígia Maria Salgado Nóbrega, organizada
pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
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Falar
da Lígia é, ao mesmo tempo, triste e alegre. Porque isso me faz lembrar de uma
menina extremamente doce, mas que infelizmente foi tirada do nosso convívio de
uma maneira cruel pela ditadura militar. Ela morreu com 24 anos de idade, quase
uma criança. Eu naquela época era um pouco mais do que um moleque.
Falar
da Lígia, ao mesmo tempo que me faz ficar emocionado, me dá um orgulho muito
grande da minha irmã. Eu penso no samba-enredo da Mangueira, de 2019, porque
ela foi uma das pessoas de aço nos anos de chumbo. E esse é um orgulho enorme
que tenho.
A Lígia
foi a terceira de uma família de seis irmãos, e a única nordestina. Além do meu
pai, é claro! Ela nasceu em Natal, como já foi dito, mas veio para São Paulo,
estudou aqui, fez o curso normal, no Colégio Fernão Dias Paes, na época,
Instituto de Educação Fernão Dias Paes.
Ela
sempre se preocupou com a educação. Ao terminar o normal, ela trabalhou com
criança carente, um curso de alfabetização e, ao mesmo tempo, passou a
trabalhar no 13º Cartório de Registros de Imóveis, porque era uma maneira de
contribuir com a família, uma família enorme, com o salário dela. Mas o
objetivo dela era a educação.
Então,
ela acabou entrando na Faculdade de Educação da USP, em 1967. De 67 a 70, como
bem disse o colega Ivan Valente, ela militou no movimento estudantil, ela fez
parte do centro acadêmico, lutou seriamente. Ela era uma pessoa extremamente
generosa e, ao mesmo tempo, muito firme em suas posições.
Então,
naquilo que ela acreditava, ela ia lutar até o fim, todo mundo sabia disso.
Infelizmente, durante esse período, mesmo os movimentos que não tinham nada com
a luta armada, eram perseguidos violentamente pela ditadura: torturas e mortes
aconteceram de monte, nessa época.
Então,
em 1972, aconteceu do carro dela “cair”, com os documentos, eu me lembro
exatamente. O gozado que, ao assistir ao filme Ainda estou aqui, o que
aconteceu naquele filme também aconteceu em casa. A polícia entrou com tudo,
carro de polícia na frente, todos presos, ninguém podia sair de casa.
A
diferença é que ela não estava. Eles ficaram esperando ela chegar. Só que antes
de vir para casa ela ligou. Meu pai atendeu e deu a dica que a polícia estava
lá. Foi reprimido violentamente pelos policiais, mas já tinha dado a dica e ela
nunca mais apareceu.
Nunca
mais apareceu não, minto, ela sumiu, mas teve contato com a gente duas vezes.
Uma vez ela procurou a família toda, conseguimos nos unir todos na casa de um
tio nosso. A preocupação dela era saber como a família estava, essa era sua
preocupação, com a família. Ela se dizia ótima, que estava tudo bem.
Mais
tarde, ela me procurou num curso de madureza, onde eu dava aulas. Ela me
procurou para conversar e para perguntar sobre a família, se a gente estava
tendo algum problema, o que estava acontecendo.
Bom, em
1972, aconteceu a “Chacina de Quintino”, onde ela e os companheiros dela
Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite Figueiredo foram
assassinados a sangue frio. Isto está provado pela Comissão da Verdade, falando
com os moradores e vizinhos da residência, mostrando que na verdade eles
estavam se entregando e a polícia os matou.
Na
verdade, isso me lembra um outro samba, que é: “Delegado Chico Palha”. O samba
“Delegado Chico Palha” foi feito em 1938. E o que ele fazia? O samba contava a
história do delegado Chico Palha, que existiu no Rio de Janeiro e que reprimia
violentamente roda de samba e terreiro de umbanda. Ele não permitia nenhuma das
duas coisas na região dele. E ele tinha a seguinte característica: ele não
prendia, ele entrava, quebrava tudo e batia em todo mundo, violentamente.
Esse
samba mostra que, na verdade, mesmo na democracia, pessoas mais pobres, mais
simples, sofrem violência. A tortura e os assassinatos acontecem sempre. A
ditadura piora violentamente e atinge aí a classe média, atinge a todo mundo,
mas, infelizmente, isso daí está acontecendo há muito tempo, como colocou aqui
nossa colega Juliana Lopes, representante do Diretório Central das Estudantes –
DCE.
Então,
tem vários exemplos de pessoas que foram mortas, assassinadas e torturadas fora
da ditadura.
Então,
a luta não é só contra a ditadura, é para aprimorar a nossa democracia. Isso é
fundamental!
Eu
tenho certeza que a minha irmã gostaria disso. Que não ficasse restrito à
ditadura, mas que se ampliasse toda essa luta.
Bom,
ela foi assassinada em 72 e, em 1992, Ivan Valente e Luiza Erundina, como
prefeita de São Paulo, homenagearam minha irmã com uma praça, no Jardim Miriam,
e essa praça, hoje chamada de Praça Comunitária Lígia Maria Salgado Nóbrega, é
uma homenagem extremamente delicada porque é o que ela queria mesmo. Ela sempre
defendeu o povo, sempre quis que os mais simples tivessem oportunidades que nem
sempre eles têm.
Bom, é
o que eu tenho a falar, está certo? Eu quero agradecer a presença de todos,
quero agradecer a USP e, em particular, a Faculdade de Educação da USP, pelas
homenagens que estão sendo feitas não só à minha irmã, mas a todos os alunos
que foram torturados e assassinados nesse período triste da ditadura militar.
Por que
isso é tão importante? É importante porque da memória, fazendo com que todos
relembrem, e quem não viveu, para que saiba o que aconteceu durante os tempos
de chumbo da ditadura.
Então,
eu agradeço muito essa homenagem e, Lígia Maria Salgado Nóbrega, presente! E
sem anistia!
Fonte:
Por Olímpio Salgado Nóbrega, em A Terra é Redonda
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