terça-feira, 15 de abril de 2025

Lígia Maria Salgado Nóbrega - vida tragicamente interrompida pela Ditadura Militar brasileira

Discurso na Cerimônia de Diplomação Honorífica Lígia Maria Salgado Nóbrega, organizada pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

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Falar da Lígia é, ao mesmo tempo, triste e alegre. Porque isso me faz lembrar de uma menina extremamente doce, mas que infelizmente foi tirada do nosso convívio de uma maneira cruel pela ditadura militar. Ela morreu com 24 anos de idade, quase uma criança. Eu naquela época era um pouco mais do que um moleque.

Falar da Lígia, ao mesmo tempo que me faz ficar emocionado, me dá um orgulho muito grande da minha irmã. Eu penso no samba-enredo da Mangueira, de 2019, porque ela foi uma das pessoas de aço nos anos de chumbo. E esse é um orgulho enorme que tenho.

A Lígia foi a terceira de uma família de seis irmãos, e a única nordestina. Além do meu pai, é claro! Ela nasceu em Natal, como já foi dito, mas veio para São Paulo, estudou aqui, fez o curso normal, no Colégio Fernão Dias Paes, na época, Instituto de Educação Fernão Dias Paes.

Ela sempre se preocupou com a educação. Ao terminar o normal, ela trabalhou com criança carente, um curso de alfabetização e, ao mesmo tempo, passou a trabalhar no 13º Cartório de Registros de Imóveis, porque era uma maneira de contribuir com a família, uma família enorme, com o salário dela. Mas o objetivo dela era a educação.

Então, ela acabou entrando na Faculdade de Educação da USP, em 1967. De 67 a 70, como bem disse o colega Ivan Valente, ela militou no movimento estudantil, ela fez parte do centro acadêmico, lutou seriamente. Ela era uma pessoa extremamente generosa e, ao mesmo tempo, muito firme em suas posições.

Então, naquilo que ela acreditava, ela ia lutar até o fim, todo mundo sabia disso. Infelizmente, durante esse período, mesmo os movimentos que não tinham nada com a luta armada, eram perseguidos violentamente pela ditadura: torturas e mortes aconteceram de monte, nessa época.

Então, em 1972, aconteceu do carro dela “cair”, com os documentos, eu me lembro exatamente. O gozado que, ao assistir ao filme Ainda estou aqui, o que aconteceu naquele filme também aconteceu em casa. A polícia entrou com tudo, carro de polícia na frente, todos presos, ninguém podia sair de casa.

A diferença é que ela não estava. Eles ficaram esperando ela chegar. Só que antes de vir para casa ela ligou. Meu pai atendeu e deu a dica que a polícia estava lá. Foi reprimido violentamente pelos policiais, mas já tinha dado a dica e ela nunca mais apareceu.

Nunca mais apareceu não, minto, ela sumiu, mas teve contato com a gente duas vezes. Uma vez ela procurou a família toda, conseguimos nos unir todos na casa de um tio nosso. A preocupação dela era saber como a família estava, essa era sua preocupação, com a família. Ela se dizia ótima, que estava tudo bem.

Mais tarde, ela me procurou num curso de madureza, onde eu dava aulas. Ela me procurou para conversar e para perguntar sobre a família, se a gente estava tendo algum problema, o que estava acontecendo.

Bom, em 1972, aconteceu a “Chacina de Quintino”, onde ela e os companheiros dela Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Maria Regina Lobo Leite Figueiredo foram assassinados a sangue frio. Isto está provado pela Comissão da Verdade, falando com os moradores e vizinhos da residência, mostrando que na verdade eles estavam se entregando e a polícia os matou.

Na verdade, isso me lembra um outro samba, que é: “Delegado Chico Palha”. O samba “Delegado Chico Palha” foi feito em 1938. E o que ele fazia? O samba contava a história do delegado Chico Palha, que existiu no Rio de Janeiro e que reprimia violentamente roda de samba e terreiro de umbanda. Ele não permitia nenhuma das duas coisas na região dele. E ele tinha a seguinte característica: ele não prendia, ele entrava, quebrava tudo e batia em todo mundo, violentamente.

Esse samba mostra que, na verdade, mesmo na democracia, pessoas mais pobres, mais simples, sofrem violência. A tortura e os assassinatos acontecem sempre. A ditadura piora violentamente e atinge aí a classe média, atinge a todo mundo, mas, infelizmente, isso daí está acontecendo há muito tempo, como colocou aqui nossa colega Juliana Lopes, representante do Diretório Central das Estudantes – DCE.

Então, tem vários exemplos de pessoas que foram mortas, assassinadas e torturadas fora da ditadura.

Então, a luta não é só contra a ditadura, é para aprimorar a nossa democracia. Isso é fundamental!

Eu tenho certeza que a minha irmã gostaria disso. Que não ficasse restrito à ditadura, mas que se ampliasse toda essa luta.

Bom, ela foi assassinada em 72 e, em 1992, Ivan Valente e Luiza Erundina, como prefeita de São Paulo, homenagearam minha irmã com uma praça, no Jardim Miriam, e essa praça, hoje chamada de Praça Comunitária Lígia Maria Salgado Nóbrega, é uma homenagem extremamente delicada porque é o que ela queria mesmo. Ela sempre defendeu o povo, sempre quis que os mais simples tivessem oportunidades que nem sempre eles têm.

Bom, é o que eu tenho a falar, está certo? Eu quero agradecer a presença de todos, quero agradecer a USP e, em particular, a Faculdade de Educação da USP, pelas homenagens que estão sendo feitas não só à minha irmã, mas a todos os alunos que foram torturados e assassinados nesse período triste da ditadura militar.

Por que isso é tão importante? É importante porque da memória, fazendo com que todos relembrem, e quem não viveu, para que saiba o que aconteceu durante os tempos de chumbo da ditadura.

Então, eu agradeço muito essa homenagem e, Lígia Maria Salgado Nóbrega, presente! E sem anistia!

 

Fonte: Por Olímpio Salgado Nóbrega, em A Terra é Redonda

 

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