Evangélicos
criticam uso da fé em debate sobre imunidade tributária para igrejas
Evangélicos
expressaram preocupação com uma possível instrumentalização da fé no debate
sobre a ampliação da imunidade tributária para templos religiosos, embora
defendam a função social das igrejas, segundo o mais recente relatório do
Monitor do Debate Público (MDP).
O
levantamento avaliou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/2023, que
propõe ampliar os benefícios fiscais a instituições religiosas.
Entre
os dias 14 e 17 de abril, o grupo acompanhou discussões sobre o tema por meio
de cinco grupos focais e um grupo específico de evangélicos, com 50
participantes distribuídos conforme o perfil ideológico.
O MDP,
que utiliza grupos focais contínuos via WhatsApp, ressalta que os dados são
qualitativos e não têm validade estatística, mas indicial. Ainda assim,
oferecem um retrato das sensibilidades em jogo no debate público.
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A instrumentalização da fé
A
posição do grupo evangélico se destacou pela complexidade. Embora em sintonia
com os grupos bolsonaristas no reconhecimento do papel social das igrejas,
existe desconforto com o uso político da religião e a falta de transparência na
gestão de recursos por parte de algumas lideranças.
O
relatório chegou inclusive a identificar vozes mais progressistas no grupo, que
sugeriram “mecanismos de controle mais rigorosos” e “responsabilização
institucional”.
A
pluralidade de posicionamentos revela uma sensibilidade crescente dentro do
meio religioso sobre o risco de captura da fé por interesses alheios à sua
missão. No entanto, também houve consenso sobre o trabalho assistencial das
igrejas, que, muitas vezes, desempenham o papel do Estado.
“Todos
os grupos, mesmo os críticos à PEC, reconheceram, em algum grau, que muitas
igrejas realizam ações assistenciais — como doações, acolhimento e apoio a
comunidades carentes. Da mesma forma, a preocupação com a falta de
transparência, manipulação e o risco de fraude foi recorrente em todos os
grupos”, mostra o levantamento.
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Bolsonaristas
A
ampliação dos benefícios para as igrejas foi amplamente aprovada nos grupos
bolsonaristas (convictos e moderados), com ênfase em sua atuação dentro de
comunidades vulneráveis.
“Eu
sempre acreditei que essa isenção já existia. Vejo com bons olhos porque aqui
na minha cidade existem muitos templos religiosos que ajudam as pessoas que
realmente precisam. Doam cestas básicas, ajudam pessoas em situação de rua,
resgatam pessoas que estão no mundo das drogas, oferecem ajuda psicológica e
espiritual”, disse uma participante do G1 (bolsonaristas convictos), de 38
anos, assistente administrativa no Amazonas.
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Lulistas e flutuantes
Entre
os eleitores flutuantes (G3), lulodescontentes (G4) e lulistas (G5), prevaleceu
a rejeição à proposta. As críticas se concentraram no risco de
institucionalização de práticas fraudulentas e no uso da fé como instrumento de
poder e lucro.
“Sou
totalmente contra, uma vez que esse tipo de estabelecimento e serviço virou
ponto de sonegação e fraudes. Usam a fé para mentiras e não pagamento de
impostos”, afirmou uma participante do G3, de 37 anos, assistente
administrativa em Minas Gerais.
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“Código Brasileiro de Inclusão”
O
relatório também analisou a percepção dos grupos sobre o Projeto de Lei
1584/2025, de autoria do deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), que propõe
reunir em um único código todas as leis de proteção às pessoas com deficiência.
Houve
consenso quanto à importância de tal medida, mas o relatório apontou
divergências sobre a sua implementação: enquanto os bolsonaristas defenderam
punições mais rígidas contra atitudes discriminatórias, os demais grupos
priorizaram ações educativas e transformações culturais sem abrir mão da via
legal.
Segundo
o MDP, a principal clivagem do levantamento não foi exatamente sobre religião,
mas sobre “a confiança ou desconfiança na legitimidade e integridade das
instituições religiosas enquanto agentes públicos e econômicos”.
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O evangelho oportunista, diabólico e manipulador de Otoni
de Paula. Por Ricardo Nêggo Tom
O tão
sonhado diálogo entre o governo Lula e os evangélicos ganhou mais um capítulo
após declarações dadas pelo pastor Oliver Costa Goiano, coordenador do núcleo
nacional dos evangélicos do PT, de que o partido depende da Igreja Evangélica,
que, na opinião de Oliver, é a instituição mais poderosa do país e deve exercer
protagonismo no cenário político nacional. Uma avaliação equivocada, deslocada
da realidade das urnas na eleição de 2022, quando Lula venceu a maioria
evangélica que apoiava Bolsonaro, e que corrobora a minha tese de que
evangélico, seja de direita ou de esquerda, sofre da tentação de ver o país
sendo governado por sua religião.
No
rastro da fala do coordenador dos evangélicos petistas, vem o discurso feito
pelo também pastor evangélico e deputado federal Otoni de Paula, que subiu à
tribuna da Câmara dos Deputados para verbalizar um show de horrores, mentiras e
intolerância, a fim de instrumentalizar em benefício de sua ideologia as
palavras do seu colega de pastorado de ovelhas. Para quem não se lembra, há bem
pouco, Otoni de Paula ensaiava uma aproximação com o governo Lula,
possivelmente costurada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, do qual
Otoni foi coordenador de campanha na última eleição, e chegou a ser visto como
o candidato do governo a líder da bancada evangélica. Uma aliança que, à época,
eu sinalizava como um desatino da esquerda em busca de comunhão com os crentes.
Num
colóquio com a sua religião, tendo Lula como objeto direto de suas
advertências, o parlamentar disse que o voto dos evangélicos não se baseia
somente no crescimento da economia ou em programas sociais, mesmo esses
beneficiando a muitos deles. O voto dos evangélicos, segundo o deputado, se
baseia em valores e princípios — critério que levou os pseudoescolhidos de Deus
a elegerem Jair Bolsonaro, um sujeito sem nenhum valor ético e moral, e cujos
“princípios cristãos” devolveram milhões de brasileiros ao mapa da fome e
provocaram a morte de milhares de pessoas na pandemia. Ainda sobre os
princípios e valores do preferido dos evangélicos, lembremo-nos de sua
confissão de prática de zoofilia ao extinto programa CQC, da sua declaração a
uma repórter da Folha dizendo que usava o dinheiro do Auxílio-Moradia para
“comer gente”, e de seu manifesto apoio à tortura, entre outras “virtudes”.
Será que Jesus sabe que os evangélicos apoiam um sujeito como esse?
O
coordenador da campanha de Paes estabelece uma espécie de maniqueísmo social
entre as políticas inclusivas de Lula e o apoio que seu governo daria a causas
consideradas abomináveis para os evangélicos. “De que adianta oferecer o Bolsa
Família e ser a favor do assassinato de crianças?”, indaga o deputado,
referindo-se à questão do aborto e acusando Lula de ser apoiador da causa. Ele
também cita as universidades e os programas educacionais criados pelo
presidente, para colocá-los em contraposição a uma “Babilônia de imoralidades e
lavagem cerebral” que os alunos, segundo ele, encontram no ambiente
universitário e que faz os pais evangélicos não desejarem ver os filhos
cursando uma faculdade pública, com medo de perdê-los. Sinceramente, eu teria
medo de mandar um filho meu para algumas igrejas que existem por aí. O risco de
perdê-lo é maior dentro delas do que se ele estivesse frequentando o cabaré de
Maria Madalena.
Como de
costume, quanto mais um evangélico fundamentalista abre a boca, mais ele
expressa o que, de fato, tem dentro de si com relação às pessoas que não
pertencem à sua religião e não comungam da sua mesma fé. E assim disse o senhor
parlamentar: “Presidente Lula, o senhor não vai convencer os evangélicos de que
é a favor da família tradicional apoiando o movimento mais diabólico de todos
contra a família, que é o movimento LGBT. Um movimento satânico que quer
destruir a família tradicional.” Se essa fala não contém crimes de homofobia,
transfobia e incitação à violência de gênero, eu não sei mais o que
caracterizaria tais delitos. Espero que o movimento tome as devidas
providências jurídicas contra o deputado, que precisa entender que o parlamento
não é a extensão do púlpito da sua igreja.
É
imperativo que os evangélicos sejam enquadrados na sociedade e colocados em
seus devidos lugares antes que comecem a matar em nome de Deus, como vaticinou
o saudoso Leonel Brizola. É um tremendo desacerto conjuntural considerar
aumentar o protagonismo dessa instituição em detrimento de pautas inclusivas e
de defesa dos direitos da coletividade, estabelecendo e se submetendo a uma
espécie de quinto poder na sociedade. O desacerto é ainda maior quando o PT dá
voz a um coordenador de núcleo religioso que parece objetivar o aumento de seu
status quo dentro da religião e da política, colocando sua vaidade acima dos
interesses do partido e dos eleitores do segmento. Repito e me explico: a ideia
de exercer poder religioso sobre os demais é fascinante e deixa gente — tanto
ignorante quanto esclarecida, de direita ou de esquerda — fascinada. E tudo sob
a “legalidade” do nome de Jesus e da desatenção de muitos cidadãos e cidadãs.
Aproveitemo-nos
do fetiche que os evangélicos têm por perseguição e comecemos a defender a
regulamentação do que eles falam fora do ambiente religioso, sobretudo nos
parlamentos e nas casas legislativas. Eles dirão que as profecias estão se
cumprindo, e nós diremos que é só o começo das dores jurídicas às quais serão
submetidos se não aprenderem a respeitar as diferenças. Vai defender a sua fé
na casa do calvário. O Estado é laico. Ninguém é obrigado a ouvir que sua
religião é do demônio, que sua orientação sexual é diabólica, que sua
existência é inadequada, sem ter o direito de reagir juridicamente a esses
absurdos. Liberdade de expressão para oprimir o outro não faz parte da
democracia. Principalmente num momento em que mais grupos fundamentalistas ganham
espaço na sociedade, defendendo uma masculinidade primitiva como resgate da
essência divina do homem.
Jovens
e adolescentes estão sendo seduzidos por tais discursos, que colocam a
inadequação social de incels e redpills ao processo civilizatório e ao “não”
que recebem das mulheres como mandamentos da lei divina. Há uma ligação entre a
igreja evangélica e tais movimentos, que são uma espécie de upgrade na retórica
imperialista contida no projeto de poder neopentecostal. É a potencialização da
teologia do domínio através da instrumentalização de atores diversos e
aparentemente independentes do sistema religioso que pretende governar o país.
E as big techs também estão por trás do financiamento desses atores formadores
de um caos subjetivo sob a égide de suas opiniões conservadoras. A onda de
pastores mirins que vem tomando conta das redes sociais é um exemplo. Ou
reagimos a isso, ou uma inquisição evangélica nos espera. Brizola nos avisou.
Fonte:
Jornal GGN/Brasil 247

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