sexta-feira, 25 de abril de 2025

Evangélicos criticam uso da fé em debate sobre imunidade tributária para igrejas

Evangélicos expressaram preocupação com uma possível instrumentalização da fé no debate sobre a ampliação da imunidade tributária para templos religiosos, embora defendam a função social das igrejas, segundo o mais recente relatório do Monitor do Debate Público (MDP).

O levantamento avaliou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 5/2023, que propõe ampliar os benefícios fiscais a instituições religiosas.

Entre os dias 14 e 17 de abril, o grupo acompanhou discussões sobre o tema por meio de cinco grupos focais e um grupo específico de evangélicos, com 50 participantes distribuídos conforme o perfil ideológico.

O MDP, que utiliza grupos focais contínuos via WhatsApp, ressalta que os dados são qualitativos e não têm validade estatística, mas indicial. Ainda assim, oferecem um retrato das sensibilidades em jogo no debate público.

<><> A instrumentalização da fé

A posição do grupo evangélico se destacou pela complexidade. Embora em sintonia com os grupos bolsonaristas no reconhecimento do papel social das igrejas, existe desconforto com o uso político da religião e a falta de transparência na gestão de recursos por parte de algumas lideranças.

O relatório chegou inclusive a identificar vozes mais progressistas no grupo, que sugeriram “mecanismos de controle mais rigorosos” e “responsabilização institucional”.

A pluralidade de posicionamentos revela uma sensibilidade crescente dentro do meio religioso sobre o risco de captura da fé por interesses alheios à sua missão. No entanto, também houve consenso sobre o trabalho assistencial das igrejas, que, muitas vezes, desempenham o papel do Estado.

“Todos os grupos, mesmo os críticos à PEC, reconheceram, em algum grau, que muitas igrejas realizam ações assistenciais — como doações, acolhimento e apoio a comunidades carentes. Da mesma forma, a preocupação com a falta de transparência, manipulação e o risco de fraude foi recorrente em todos os grupos”, mostra o levantamento.

<><> Bolsonaristas

A ampliação dos benefícios para as igrejas foi amplamente aprovada nos grupos bolsonaristas (convictos e moderados), com ênfase em sua atuação dentro de comunidades vulneráveis.

“Eu sempre acreditei que essa isenção já existia. Vejo com bons olhos porque aqui na minha cidade existem muitos templos religiosos que ajudam as pessoas que realmente precisam. Doam cestas básicas, ajudam pessoas em situação de rua, resgatam pessoas que estão no mundo das drogas, oferecem ajuda psicológica e espiritual”, disse uma participante do G1 (bolsonaristas convictos), de 38 anos, assistente administrativa no Amazonas.

<><> Lulistas e flutuantes

Entre os eleitores flutuantes (G3), lulodescontentes (G4) e lulistas (G5), prevaleceu a rejeição à proposta. As críticas se concentraram no risco de institucionalização de práticas fraudulentas e no uso da fé como instrumento de poder e lucro.

“Sou totalmente contra, uma vez que esse tipo de estabelecimento e serviço virou ponto de sonegação e fraudes. Usam a fé para mentiras e não pagamento de impostos”, afirmou uma participante do G3, de 37 anos, assistente administrativa em Minas Gerais.

<><> “Código Brasileiro de Inclusão”

O relatório também analisou a percepção dos grupos sobre o Projeto de Lei 1584/2025, de autoria do deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), que propõe reunir em um único código todas as leis de proteção às pessoas com deficiência.

Houve consenso quanto à importância de tal medida, mas o relatório apontou divergências sobre a sua implementação: enquanto os bolsonaristas defenderam punições mais rígidas contra atitudes discriminatórias, os demais grupos priorizaram ações educativas e transformações culturais sem abrir mão da via legal.

Segundo o MDP, a principal clivagem do levantamento não foi exatamente sobre religião, mas sobre “a confiança ou desconfiança na legitimidade e integridade das instituições religiosas enquanto agentes públicos e econômicos”.

¨      O evangelho oportunista, diabólico e manipulador de Otoni de Paula. Por Ricardo Nêggo Tom

O tão sonhado diálogo entre o governo Lula e os evangélicos ganhou mais um capítulo após declarações dadas pelo pastor Oliver Costa Goiano, coordenador do núcleo nacional dos evangélicos do PT, de que o partido depende da Igreja Evangélica, que, na opinião de Oliver, é a instituição mais poderosa do país e deve exercer protagonismo no cenário político nacional. Uma avaliação equivocada, deslocada da realidade das urnas na eleição de 2022, quando Lula venceu a maioria evangélica que apoiava Bolsonaro, e que corrobora a minha tese de que evangélico, seja de direita ou de esquerda, sofre da tentação de ver o país sendo governado por sua religião.

No rastro da fala do coordenador dos evangélicos petistas, vem o discurso feito pelo também pastor evangélico e deputado federal Otoni de Paula, que subiu à tribuna da Câmara dos Deputados para verbalizar um show de horrores, mentiras e intolerância, a fim de instrumentalizar em benefício de sua ideologia as palavras do seu colega de pastorado de ovelhas. Para quem não se lembra, há bem pouco, Otoni de Paula ensaiava uma aproximação com o governo Lula, possivelmente costurada pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, do qual Otoni foi coordenador de campanha na última eleição, e chegou a ser visto como o candidato do governo a líder da bancada evangélica. Uma aliança que, à época, eu sinalizava como um desatino da esquerda em busca de comunhão com os crentes.

Num colóquio com a sua religião, tendo Lula como objeto direto de suas advertências, o parlamentar disse que o voto dos evangélicos não se baseia somente no crescimento da economia ou em programas sociais, mesmo esses beneficiando a muitos deles. O voto dos evangélicos, segundo o deputado, se baseia em valores e princípios — critério que levou os pseudoescolhidos de Deus a elegerem Jair Bolsonaro, um sujeito sem nenhum valor ético e moral, e cujos “princípios cristãos” devolveram milhões de brasileiros ao mapa da fome e provocaram a morte de milhares de pessoas na pandemia. Ainda sobre os princípios e valores do preferido dos evangélicos, lembremo-nos de sua confissão de prática de zoofilia ao extinto programa CQC, da sua declaração a uma repórter da Folha dizendo que usava o dinheiro do Auxílio-Moradia para “comer gente”, e de seu manifesto apoio à tortura, entre outras “virtudes”. Será que Jesus sabe que os evangélicos apoiam um sujeito como esse?

O coordenador da campanha de Paes estabelece uma espécie de maniqueísmo social entre as políticas inclusivas de Lula e o apoio que seu governo daria a causas consideradas abomináveis para os evangélicos. “De que adianta oferecer o Bolsa Família e ser a favor do assassinato de crianças?”, indaga o deputado, referindo-se à questão do aborto e acusando Lula de ser apoiador da causa. Ele também cita as universidades e os programas educacionais criados pelo presidente, para colocá-los em contraposição a uma “Babilônia de imoralidades e lavagem cerebral” que os alunos, segundo ele, encontram no ambiente universitário e que faz os pais evangélicos não desejarem ver os filhos cursando uma faculdade pública, com medo de perdê-los. Sinceramente, eu teria medo de mandar um filho meu para algumas igrejas que existem por aí. O risco de perdê-lo é maior dentro delas do que se ele estivesse frequentando o cabaré de Maria Madalena.

Como de costume, quanto mais um evangélico fundamentalista abre a boca, mais ele expressa o que, de fato, tem dentro de si com relação às pessoas que não pertencem à sua religião e não comungam da sua mesma fé. E assim disse o senhor parlamentar: “Presidente Lula, o senhor não vai convencer os evangélicos de que é a favor da família tradicional apoiando o movimento mais diabólico de todos contra a família, que é o movimento LGBT. Um movimento satânico que quer destruir a família tradicional.” Se essa fala não contém crimes de homofobia, transfobia e incitação à violência de gênero, eu não sei mais o que caracterizaria tais delitos. Espero que o movimento tome as devidas providências jurídicas contra o deputado, que precisa entender que o parlamento não é a extensão do púlpito da sua igreja.

É imperativo que os evangélicos sejam enquadrados na sociedade e colocados em seus devidos lugares antes que comecem a matar em nome de Deus, como vaticinou o saudoso Leonel Brizola. É um tremendo desacerto conjuntural considerar aumentar o protagonismo dessa instituição em detrimento de pautas inclusivas e de defesa dos direitos da coletividade, estabelecendo e se submetendo a uma espécie de quinto poder na sociedade. O desacerto é ainda maior quando o PT dá voz a um coordenador de núcleo religioso que parece objetivar o aumento de seu status quo dentro da religião e da política, colocando sua vaidade acima dos interesses do partido e dos eleitores do segmento. Repito e me explico: a ideia de exercer poder religioso sobre os demais é fascinante e deixa gente — tanto ignorante quanto esclarecida, de direita ou de esquerda — fascinada. E tudo sob a “legalidade” do nome de Jesus e da desatenção de muitos cidadãos e cidadãs.

Aproveitemo-nos do fetiche que os evangélicos têm por perseguição e comecemos a defender a regulamentação do que eles falam fora do ambiente religioso, sobretudo nos parlamentos e nas casas legislativas. Eles dirão que as profecias estão se cumprindo, e nós diremos que é só o começo das dores jurídicas às quais serão submetidos se não aprenderem a respeitar as diferenças. Vai defender a sua fé na casa do calvário. O Estado é laico. Ninguém é obrigado a ouvir que sua religião é do demônio, que sua orientação sexual é diabólica, que sua existência é inadequada, sem ter o direito de reagir juridicamente a esses absurdos. Liberdade de expressão para oprimir o outro não faz parte da democracia. Principalmente num momento em que mais grupos fundamentalistas ganham espaço na sociedade, defendendo uma masculinidade primitiva como resgate da essência divina do homem.

Jovens e adolescentes estão sendo seduzidos por tais discursos, que colocam a inadequação social de incels e redpills ao processo civilizatório e ao “não” que recebem das mulheres como mandamentos da lei divina. Há uma ligação entre a igreja evangélica e tais movimentos, que são uma espécie de upgrade na retórica imperialista contida no projeto de poder neopentecostal. É a potencialização da teologia do domínio através da instrumentalização de atores diversos e aparentemente independentes do sistema religioso que pretende governar o país. E as big techs também estão por trás do financiamento desses atores formadores de um caos subjetivo sob a égide de suas opiniões conservadoras. A onda de pastores mirins que vem tomando conta das redes sociais é um exemplo. Ou reagimos a isso, ou uma inquisição evangélica nos espera. Brizola nos avisou.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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