O que é o movimento econômico inspirado e
apoiado pelo papa Francisco
Defensor
dos mais pobres durante seus 12 anos no comando da Igreja Católica e até chamado de comunista em diversas
ocasiões,
o papa Francisco — que faleceu nesta segunda-feira (21), aos
88 anos —
inspirou a criação de um movimento econômico liderado por jovens economistas,
empreendedores e pesquisadores.
Batizado
de “A economia de Francisco” (EoF, na sigla em inglês), o movimento surgiu após
um convite do papa, que pedia que as novas gerações criassem uma economia mais
inclusiva e globalizada.
Assim
como Jorge Mario Bergoglio, que escolheu o
nome Francisco como pontífice, o grupo se inspira na história de São
Francisco de Assis. Ele foi o criador da Ordem Franciscana da Igreja Católica,
que preza pela renúncia à riqueza para servir aos pobres. Ele também é
conhecido como o santo dos animais e do meio ambiente.
Hoje
presente em mais de 20 países, inclusive o Brasil, o movimento “A economia de
Francisco” trabalha para investir em empreendimentos e pesquisas
que acelerem o desenvolvimento de um sistema econômico que prioriza a
dignidade humana, a justiça social, a paz e o respeito ao meio ambiente.
<><> Entenda nesta reportagem:
- Como surgiu “A economia de
Francisco”
- O que faz “A economia de
Francisco”
- Quais os pilares do movimento
apoiado pelo papa
- O que dizia Francisco sobre
economia, comunismo e o papel da Igreja
- O pacto para “A economia de
Francisco”
·
Como surgiu “A economia
de Francisco”
“Caros amigos, escrevo para convidá-los para
uma iniciativa que tanto desejo. Um evento que me vai me permitir encontrar
jovens homens e mulheres que estudam ou interessados em uma economia diferente
— uma que gera vida e não mata, que inclui e não exclui, que humaniza e não
desumaniza, que cuida do meio ambiente e não o saqueia. Um evento para nos
ajudar a nos encontrar, a estar juntos e a fazer um 'pacto' para mudar a
economia de hoje e dar alma à economia de amanhã.”
Com essas palavras, enviadas do Vaticano em
1° de maio de 2019, o papa Francisco iniciava uma carta convidando todos os
jovens católicos interessados em pensar em uma forma diferente de fazer
economia.
O convite era para um encontro com o próprio
papa e outros profissionais experientes da área econômica na cidade de Assis,
na Itália, para discutir, entre outros pontos:
- novos
entendimentos sobre a economia e o progresso;
- o
combate à cultura do desperdício;
- formas
de dar voz aos desassistidos;
- propostas
de um novo estilo de vida, guiado pela respeito à natureza e ajuda aos
mais pobres.
O evento foi adiado devido à pandemia de
Covid-19, mas o convite foi suficiente para iniciar o movimento.
Milhares de jovens estudantes, economistas,
pesquisadores e empreendedores de várias partes do mundo se reuniram em eventos
online ao longo de três anos, iniciando pesquisas e apoiando projetos pessoais
e coletivos que acelerassem a implementação dessa nova economia.
Em setembro de 2022, o encontro presencial
finalmente aconteceu, e os jovens assinaram um pacto com o papa,
comprometendo-se a transformar suas próprias relações com o sistema e o futuro
da economia em uma “economia do Evangelho”, que não financie guerras, combata a
proliferação de armas e se coloque a serviço de todas as pessoas.
"Uma economia que não deixe ninguém para
trás, que reconheça e proteja o trabalho digno e seguro para
todos, uma economia onde as finanças sejam amigas da economia real e do
trabalho, uma economia que salvaguarde as culturas, as tradições dos povos,
todas as espécies vivas e os recursos naturais da Terra", determinou o
pacto.
·
O que faz "A
economia de Francisco"
Desde a implementação do movimento, os
participantes se dividem em três áreas principais:
- 📚 Educação e
pesquisa;
- 💼
Empreendedorismo;
- 📍 Eventos locais
e globais.
📚 A maioria dos projetos da comunidade estão na área de
educação e pesquisa.
O principal deles é o EoF Academy, uma
rede internacional de jovens acadêmicos que oferece, anualmente, um plano de
atividades educacionais e bolsas de estudo para pesquisadores de mestrado,
doutorado e pós-doutorado interessados em se aprofundar nos pilares da economia
de Francisco.
A comunidade também realiza, anualmente, um
curso de verão (na segunda metade do ano, por conta das estações no hemisfério
norte). O EoF Summer School é um curso intensivo de poucos dias
voltado para estudantes ou profissionais das áreas de ciências sociais e
econômicas, abordando temas como comércio e lucros sob a perspectiva da nova
economia.
Ainda na área de educação, há o EoF
School, uma escola online com aulas mensais em inglês para interessados de
qualquer parte do mundo sobre temas econômicos a partir da visão da economia de
Francisco. As aulas incluem palestras e atividades em grupo.
💼 Na área de empreendedorismo, a comunidade promove
eventos e iniciativas para apoiar negócios alinhados aos pilares da economia
defendida pelo movimento.
Os participantes são incentivados e
ensinados, por meio de aulas, palestras, workshops, mentorias e encontros de
relacionamento com outros profissionais, a desenvolver seus próprios negócios
nas regiões onde moram.
O movimento busca parcerias com fundações,
associações e atores privados para apoiar e investir na criação e expansão
desses negócios, todos fundamentados nos pilares do movimento.
📍 Os eventos regionais e globais organizados pelo
movimento buscam reunir jovens de diferentes territórios e religiões para
conscientizar e transformar hábitos que podem ser destrutivos para uma economia
mais justa e sustentável.
Em 2025, por exemplo, haverá um evento global
em novembro, com milhares de participantes discutindo formas de restaurar a
economia para que ela possa "servir à vida das pessoas", e não o
contrário.
Para isso, a organização convida os jovens do
mundo inteiro a, entre abril e novembro, adotarem propósitos pessoais — como
optar por bancos e negócios éticos e reduzir o consumismo — e realizarem
caminhadas até locais em suas cidades que promovem um modelo financeiro que
respeite a dignidade humana.
·
Quais os pilares do
movimento apoiado pelo papa
>>>> São 12 os pilares que guiam
as atividades do movimento "A economia de Francisco":
- Políticas
para a felicidade: a defesa pela possibilidade de a
economia viabilizar momentos e espaços para as relações interpessoais e
práticas que estimulem qualidade de vida e felicidade;
- Energia
e pobreza: a
defesa pela transição energética global para uma energia verde e limpa,
com compartilhamento de tecnologias entre governos e empresas de países
ricos e pobres para que todos tenham acesso;
- Vida
e estilo de vida: a transformação no modo de consumir, adotando
uma postura mais consciente que evite desperdícios, exageros e prejuízos
ao meio ambiente;
- Negócios
e paz: a
condenação de "investimentos perversos", que valorizem armas ou
o lucro acima da vida das pessoas;
- Mulheres
na economia: a inclusão de mulheres nos negócios, com acesso a
educação e outras ferramentas para prosperar;
- Negócios
em transição: o
auxílio e incentivo para a transição de negócios já existentes em um
modelo mais sustentável;
- Trabalho
e cuidado: a
defesa por uma cultura de trabalho que priorize a dignidade das pessoas,
reconheça a contribuição de cada trabalhador, gere valor econômico
compartilhado e elimine a pobreza no trabalho;
- CO2
e desigualdades: o
incentivo a estudos sobre as melhores formas de conduzir negócios e a
economia de forma a proteger a humanidade de forma integral;
- Gestão
e doação: a
defesa por um estilo de liderança que valorize as pessoas acima da
"supremacia" de alguém;
- Vocação
e lucro: o
auxílio aos jovens que buscam entender qual sua vocação para o trabalho e
como conseguir uma boa vida financeira a partir disso;
- Agricultura
e justiça: a
criação e apoio para projetos agrícolas que promovem acesso à terra e
comida para todos;
- Finanças
e humanidade: a
defesa pela conversa com mercados financeiros para a promoção de negócios
que favoreçam o desenvolvimento humano de forma integral para todos.
<><> O que dizia Francisco sobre
economia, comunismo e o papel da Igreja
A escolha do nome Francisco como sua alcunha
como papa revela a visão do argentino Jorge Mario Bergoglio sobre dinheiro e
economia.
Membro da ordem religiosa dos Jesuítas, que
também pregam o voto de pobreza, o papa Francisco escolheu homenagear o santo
que renunciou às riquezas e propriedades de sua família para servir a Deus e
aos mais pobres.
Francisco nunca escondeu sua visão sobre as
questões econômicas da Igreja e do mundo.
Logo no início de seu papado, em julho de
2013, Francisco disse que "dói ver um padre ou uma freira com um
carro de último modelo" e defendeu que "eles precisam
cumprir seu voto de pobreza".
"(São) Francisco era um homem pobre.
Como eu gostaria que a Igreja fosse pobre... e para os pobres".
Ao convocar os jovens para "criar uma
nova economia", iniciando o movimento "A economia de Francisco",
o papa defendeu que a economia deveria gerar vida, e não matar.
Em outro evento de finanças, o "Diálogos
por uma Finança Integralmente Sustentável", o pontífice disse que "o
dinheiro deve servir, não governar", referindo-se aos países governados
por interesses financeiros, e não sociais.
"Uma reforma financeira que não ignore a
ética exigiria uma vigorosa mudança de atitude por parte dos líderes
políticos", afirmou.
A defesa por uma economia mais justa, do
ponto de vista social, continuou até seus últimos meses de vida.
No livro autobiográfico "Vida. A Minha
História na História", lançado em 2024, Francisco — que foi taxado e
questionado em diversas ocasiões sobre ser comunista — escreveu que "falar
dos pobres não significa automaticamente ser comunista" e que "os
pobres são a bandeira do Evangelho e estão no coração de Jesus".
"Nas comunidades cristãs se partilhava a
propriedade: isto não é comunismo, isto é cristianismo puro!"
Em setembro do ano passado, Francisco
realizou uma homilia marcante sobre a pobreza e o comunismo, afirmando que é
necessário estar atento aos mais pobres e vulneráveis porque é o que a própria
Bíblia ensina.
"E isto não é comunismo, é puro
Evangelho! Não é o Papa, mas Jesus, que os coloca no centro, nesse lugar.
É uma questão da nossa fé e não pode ser negociada. Se não aceitardes isto, não
sois cristãos!"
O papa também disse que todos dependem dos
pobres, "até os ricos", e criticou a especulação dos mercados
financeiros.
"Enquanto não se resolverem radicalmente
os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da
especulação financeira, e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se
resolverão os problemas do mundo e, em última análise, problema algum. A
iniquidade é a raiz dos males sociais".
·
O pacto para "A
economia de Francisco"
>>>> Leia o texto integral do
pacto assinado entre o papa Francisco e os jovens do movimento:
"Nós, jovens economistas, empreendedores
e agentes de mudança, convocados aqui em Assis, de todas as partes do mundo,
conscientes da responsabilidade que recai sobre a nossa geração,
comprometemo-nos hoje, individualmente e coletivamente, a viver a nossa vida
para que a economia de hoje e de amanhã se torne uma economia do Evangelho e,
portanto:
- uma
economia de paz e não de guerra;
- uma
economia que se oponha à proliferação de armas, especialmente as mais
destrutivas, uma economia que se preocupe com a criação e não a utilize
indevidamente;
- uma
economia ao serviço da pessoa humana, da família e da vida, respeitosa com
cada mulher, homem e criança, os idosos e especialmente os mais frágeis e
vulneráveis;
- uma
economia onde o cuidado substitui a rejeição e a indiferença;
- uma
economia que não deixe ninguém para trás, para construir uma sociedade em
que as pedras rejeitadas pela mentalidade dominante se tornem pedras
angulares;
- uma
economia que reconheça e proteja o trabalho seguro e digno para todos;
- uma
economia onde as finanças sejam amigas e aliadas da economia real e do
trabalho e não contra eles;
- uma
economia que valoriza e salvaguarda as culturas e tradições dos povos,
todos os seres vivos e os recursos naturais da Terra;
- uma
economia que combata a miséria em todas as suas formas, reduza a
desigualdade e saiba dizer como Jesus e Francisco: “Bem-aventurados os
pobres”;
- uma
economia guiada por uma ética da pessoa humana e aberta à transcendência;
- uma
economia que crie riqueza para todos, que gere alegria e não apenas
riquezas, porque a felicidade que não é compartilhada é incompleta.
Acreditamos nesta economia. Não é uma utopia,
porque já a estamos construindo. E alguns de nós, em manhãs particularmente
ensolaradas, já vislumbramos o início da terra prometida."
Fonte: g1

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