terça-feira, 15 de abril de 2025

Poderíamos trabalhar menos

Em 1930, o economista John Maynard Keynes previu que o progresso tecnológico e o crescimento econômico resolveriam o problema da escassez material. Em cem anos, Keynes previu em seu ensaio “Possibilidades Econômicas para Nossos Netos”, a humanidade estaria a caminho de desenvolver a capacidade produtiva necessária para atender às suas necessidades com o mínimo de esforço, substituindo vidas de trabalho por vidas de lazer.

O sistema exigiria que cada trabalhador contribuísse com apenas quinze horas de trabalho por semana, liberando as pessoas para se concentrarem em viver “com sabedoria, prazer e bem”. O amor ao dinheiro seria finalmente reconhecido como uma “morbidade repugnante”, até mesmo uma doença mental que exigiria a intervenção de especialistas. As pessoas dedicariam seu tempo a atividades estimulantes, divertidas e gratificantes. Dias desperdiçados com trabalho trivial seriam uma lembrança desagradável, provocando um arrepio coletivo antes de se tornarem cada vez mais difíceis de compreender para as gerações subsequentes.

Isso foi há noventa e cinco anos. A menos que ocorra uma grande reviravolta nos próximos cinco anos, a previsão otimista de Keynes fracassou.

Durante parte do século XX, isso parecia plausível. Nos Estados Unidos, a jornada de trabalho estava diminuindo enquanto a satisfação material aumentava. Mas, na década de 1980, o trem descarrilou. Até então, duas tendências pareciam confiáveis: a de que as pessoas trabalhavam menos em geral nos países mais ricos e a de que quanto mais uma pessoa ganhava, menos trabalhava. Os Estados Unidos inverteram toda a teoria.

Após 1980, os estadunidenses começaram a trabalhar mais horas, apesar do aumento da produtividade, quase anulando duas décadas de ganhos em lazer no pós-guerra. Surpreendentemente, o aumento se aplicou igualmente a pessoas com baixa e alta renda, embora de formas distintas. As que ganhavam menos eram forçadas a trabalhar mais para sobreviver, enquanto as que ganhavam mais voluntariamente trabalhavam mais para competir.

Como observa o sociólogo Jamie McCallum em Worked Over: How Round-The-Clock Work Is Killing the American Dream [Trabalhado Demais: Como o Trabalho Ininterrupto Está Matando o Sonho Americano], “A mudança mais significativa para os trabalhadores de baixa renda foi que eles aumentaram suas semanas trabalhadas por ano, mas para os ricos foram horas por semana”. Imagine um trabalhador de fast-food que nunca tira férias, depois imagine um gerente de uma empresa financeira trabalhando até tarde todas as noites.

Hoje, os estadunidenses vivem no país mais rico do mundo e trabalham como cães. Transcender uma classe que precisa trabalhar longas horas para suprir as necessidades básicas muitas vezes significa ingressar em uma classe que opta por trabalhar longas horas para aliviar a persistente ansiedade por status. O tempo que não nos é roubado de forma direta, nós doamos voluntariamente. Em vez de desfrutar da era de abundância e lazer de Keynes, estamos presos em uma corrida sem fim que não pode ser vencida.

·        Suar a camisa

Keynes presumiu que a produtividade naturalmente geraria tempo livre, já que sociedades e indivíduos com os meios para substituir o trabalho pelo lazer inevitavelmente optariam por fazê-lo. Mas sociedades capitalistas cada vez mais produtivas não funcionam assim. Em vez disso, consolidam riqueza e poder nas mãos de algumas elites ultra-ricas. Nossa produtividade disparou como Keynes previu, mas os lucros foram para um punhado de pessoas no topo, que extraem mais trabalho dos demais, gerando uma riqueza incomensurável para alguns e escassez para todos os demais.

A relação entre desigualdade econômica e jornadas mais longas para pessoas com baixa renda é bastante direta. À medida que a riqueza se concentra, os capitalistas remodelam o cenário econômico, enfraquecendo as proteções trabalhistas, destruindo sindicatos, interrompendo ou revertendo ganhos salariais e pressionando por cortes de impostos que beneficiam principalmente a si mesmos. Os déficits orçamentários resultantes justificam medidas de austeridade que destroem as redes de seguridade social.

Os trabalhadores, portanto, precisam assumir jornadas mais longas ou múltiplos empregos apenas para manter o padrão de vida básico. Enquanto isso, a desregulamentação permite práticas trabalhistas mais exploratórias, enquanto o aumento dos custos de itens essenciais como moradia, saúde e educação força o engajamento em horas extras de trabalho simplesmente para sobreviver.

“As pessoas racionalizam sua recusa em apreciar o presente apelando para a forte associação entre trabalho duro e virtude.”

Mas como a desigualdade descontrolada obriga as pessoas que podem se dar ao luxo de relaxar a trabalhar mais? Os economistas Jan Behringer, Martin Gonzalez Granda e Till van Treeck atribuem isso aos “efeitos Veblen”, nome dado em homenagem aos escritos do sociólogo Thorstein Veblen sobre consumo e status social, referindo-se à pressão para acompanhar o estilo de vida daqueles que estão nos níveis mais altos. O problema é que as pessoas acima dos que ganham mais — o 1% mais rico, que se destaca entre os 20% mais ricos — enriqueceram consideravelmente nas últimas décadas.

Consequentemente, a noção que os que ganham mais têm do que constitui “uma vida boa” é distorcida, produzindo uma sensação permanente de privação material subjetiva e uma busca incessante por sua mitigação. Os pesquisadores apontam que a mudança no tempo de lazer coincidiu com um aumento significativo na participação da renda do 1% mais rico. Nesse cenário distorcido, bens intangíveis como o tempo de lazer são menos valiosos do que dinheiro, que os trabalhadores podem trocar por símbolos de status, como uma casa maior, que reforçam sua posição econômica.

Em “Worked Over”, McCallum se concentra menos em disputas por status social do que na autopreservação básica em um ambiente econômico implacável. A constante redução de pessoal e as demissões colocaram os que ganham mais em competição para provar sua indispensabilidade, superando uns aos outros. Em 1979, longas semanas de trabalho de cinquenta horas ou mais eram mais predominantes entre os dois quintos inferiores de rendimentos por hora. Na década de 2000, eram mais comuns na quinta parcela superior.

Esse “prêmio por longas horas extras” imposto aos que ganham mais “aumentou junto com a desigualdade de rendimentos em ocupações com altos salários”, observa McCallum. “Essa desigualdade impulsiona a competição entre funcionários que temem sua própria descartabilidade durante as crises, ao verem seus colegas progredindo. Esse medo se traduz em trabalhar cada vez mais.”

Em “O Medo da Queda: Ascensão e Crise da Classe Média”, Barbara Ehrenreich identificou outro ímpeto para o excesso de trabalho voluntário, especialmente para a classe profissional-gerencial, posicionada logo abaixo dos ricos — algo “mais sutil e mais psicológico. E esse é o medo de amolecer. De perder o controle”, disse ela, referindo-se à “autodisciplina e força de vontade necessárias para ter sucesso em uma carreira profissional”.

Nunca se pode descansar, pois a mobilidade social descendente paira sobre a cabeça desses profissionais como a espada de Dâmocles. Essa pressão advém da crença meritocrática de que “a boa vida” é um testemunho de trabalho árduo e habilidade, e pode ser perdida por negligência e pela deterioração do talento. “Amolecer” seria uma exposição humilhante da indignidade do profissional desde o início.

Em “Perspectivas Econômicas para Nossos Netos”, Keynes ofereceu uma explicação mais existencial para o excesso de trabalho voluntário, falando ironicamente da condição de ser um intrometido patológico obcecado pela própria “intenção”. Essas pessoas são incapazes de viver o momento, sempre vivendo para um futuro, como um homem que “não ama seu gato, mas os gatinhos de seu gato; nem, na verdade, os gatinhos, mas apenas os gatinhos dos gatinhos”. As pessoas racionalizam sua recusa em apreciar o presente apelando para a forte associação entre trabalho duro e virtude.

Keynes previu que chegaria um momento em que essa justificativa cairia por terra, forçando as pessoas a relaxar. “Fomos treinados por muito tempo para nos esforçar e não para desfrutar”, escreveu ele, mas podemos nos tornar “pessoas encantadoras, capazes de sentir prazer direto nas coisas”.

·        Saindo da corrida sem fim

Amá notícia, como demonstra a história estadunidense, é que uma era de lazer não resultará automaticamente do aumento da produtividade. A boa notícia é que intervenções políticas podem nos aproximar dessa visão.

“Embora as previsões de Keynes sobre o crescimento da produtividade tenham sido superadas nos últimos quase 100 anos”, concluem Behringer, Gonzalez Granda e van Treeck, “os obstáculos para mais tempo de lazer são principalmente de natureza sociopolítica”.

As sociais-democracias escandinavas, mesmo em seus Estados recentemente enfraquecidos, oferecem o contraexemplo mais gritante. São altamente produtivas, mas seus trabalhadores trabalham de seis a dez horas a menos por semana do que seus colegas estadunidenses, uma tendência que se aplica tanto a quem ganha pouco quanto a quem ganha muito.

Os sindicatos têm se mostrado essenciais para traduzir ganhos de produtividade em jornadas de trabalho mais curtas. A filiação sindical estadunidense despencou desde o pós-guerra; as taxas sindicais escandinavas caíram recentemente, mas os trabalhadores da região ainda mantêm um sistema de negociação coletiva poderoso e centralizado que garante semanas de trabalho mais curtas, licenças remuneradas generosas e horários previsíveis.

Os sistemas abrangentes de bem-estar social nesses países reduzem ainda mais o excesso de trabalho. Com assistência médica universal, creches subsidiadas, educação universitária gratuita e redes de segurança social robustas, os escandinavos não enfrentam as mesmas pressões financeiras que levam os estadunidenses a sacrificar seu tempo livre por um salário. É importante ressaltar que essas políticas de bem-estar social também aumentaram a participação feminina na força de trabalho, reduzindo a dependência conjugal das mulheres e diminuindo a pressão sobre os homens para trabalhar longas horas para sustentar suas famílias.

As sociedades escandinavas têm visto a desigualdade se expandir e seus Estados de bem-estar social se deteriorarem nos últimos anos, mas essas características ainda são significativamente mais pronunciadas do que nos Estados Unidos. E além dos impactos materiais diretos, elas também têm efeitos sociais positivos que são difíceis de quantificar. Os países escandinavos mantêm o que os sociólogos chamam de culturas de “baixa distância do poder”, onde disparidades extremas de riqueza e consumo ostensivo são vistos com suspeita em vez de admiração. A ansiedade por status ainda existe, mas as características estruturais da economia a amenizam, facilitando o surgimento de outros valores pró-sociais. Torna-se possível localizar o valor da solidariedade em detrimento da competição, da coesão social em detrimento da posição social, da eficiência em detrimento das demonstrações teatrais de comprometimento com o trabalho e do lazer em detrimento do desempenho.

“O capitalismo na verdade transformou o conceito de ‘vida boa’ em uma arma contra a noção de fazer o que queremos com nosso tempo.”

Em contraste, os Estados Unidos têm uma cultura de individualismo competitivo fomentada pelo nosso sistema econômico em que o vencedor leva tudo. Aqui, coisas que poderiam ser consideradas direitos são quase sempre mercadorias. Todos os elementos de uma vida decente, desde assistência médica a moradia e educação, são vendidos no mercado privado. Quanto mais rica a pessoa, maior o lance, melhor a vida. Descanso é uma falha em acumular riqueza, que por sua vez é uma falha em viver bem. É uma perversão notável: o capitalismo, na verdade, transformou o conceito de “vida boa” em uma arma contra a noção de fazer o que queremos com o nosso tempo.

Quando os componentes essenciais de uma vida digna são garantidos coletivamente, em vez de comprados e vendidos individualmente, “a boa vida” deixa de ser uma questão de riqueza ou uma recompensa dependente de trabalho incansável. Em vez disso, torna-se uma expectativa básica enraizada na dignidade humana e na cidadania social.

Os países escandinavos chegaram a esse ponto por meio de uma luta de classes constante. Os movimentos trabalhistas tomaram o controle dos ganhos de produtividade do capital, recusando-se a aceitar que o aumento da eficiência beneficiasse apenas acionistas e executivos. Acabar com o trabalho desnecessário exige a expansão da democracia econômica, e não depender apenas da racionalidade do mercado.

·        Algo a qual vale a pena pertencer

Em 1991, o New York Times publicou um artigo sobre o Workaholics Anônimos, um novo programa de doze passos cujos participantes tendiam a ter altos rendimentos — yuppies cuja imersão na loucura pelo trabalho havia sido encoberta pelas normas da cultura de escritório dos anos 80 até que as consequências se tornassem impossíveis de serem ignoradas.

“Não importava quanto trabalho eu fizesse”, disse Matt, gerente de nível médio em uma grande corporação, “nunca era o suficiente”. Matt “trabalhava para uma empresa que atraía workaholics, então eu não me sentia estranho ou deslocado quando tinha que trabalhar todas as noites e parte da maioria dos finais de semana”. Da mesma forma, Dan, um dos cofundadores do programa, chegou ao seu limite quando explodiu de raiva com seu assistente por causa da lentidão no progresso de uma tarefa corporativa.

“Workaholics são as pessoas mais antissociais que você pode encontrar”, disse Dan, citando seus próprios relacionamentos rompidos, sacrificados no altar da produtividade. Há uma verdade nisso: cada hora gasta trabalhando é uma hora não gasta socializando com a família, amigos e vizinhos. Mas, paradoxalmente, a ansiedade por status em si é um impulso profundamente social. Todos nós queremos reconhecimento e afirmação do coletivo. Todos nós queremos pertencer.

Chegar aos níveis mais altos de uma sociedade de classes estratificada é um substituto lamentável para o verdadeiro pertencimento social. O verdadeiro pertencimento seria a cidadania em uma sociedade que afirma o valor inerente da vida de cada pessoa, o valor do nosso tempo fugaz e nossa reivindicação igual e compartilhada dos frutos do progresso humano.

Keynes errou ao prever que a era da abundância compartilhada fluiria suavemente a partir dos ganhos de produtividade. Mas sua visão da libertação humana do trabalho desnecessário permanece poderosa — não como uma inevitabilidade, mas como um horizonte político pelo qual vale a pena lutar. Não se trata de uma fantasia utópica, mas de uma possibilidade concreta, já parcialmente concretizada nas social-democracias e mais plenamente realizável em sociedades socialistas.

Podemos recuperar nosso tempo e utilizá-lo em atividades que dão sentido à vida: criatividade, conexão, contemplação e tarefas que amamos. Para isso, precisaremos confrontar as elites econômicas que comandam a corrida sem fim.

 

Fonte: Por Meagan Day – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

 

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