Poderíamos
trabalhar menos
Em
1930, o economista John Maynard Keynes previu que o progresso tecnológico e o
crescimento econômico resolveriam o problema da escassez material. Em cem anos,
Keynes previu em seu ensaio “Possibilidades
Econômicas para Nossos Netos”, a humanidade estaria a caminho de desenvolver a
capacidade produtiva necessária para atender às suas necessidades com o mínimo
de esforço, substituindo vidas de trabalho por vidas de lazer.
O
sistema exigiria que cada trabalhador contribuísse com apenas quinze horas de
trabalho por semana, liberando as pessoas para se concentrarem em viver “com
sabedoria, prazer e bem”. O amor ao dinheiro seria finalmente reconhecido como
uma “morbidade repugnante”, até mesmo uma doença mental que exigiria a
intervenção de especialistas. As pessoas dedicariam seu tempo a atividades
estimulantes, divertidas e gratificantes. Dias desperdiçados com trabalho
trivial seriam uma lembrança desagradável, provocando um arrepio coletivo antes
de se tornarem cada vez mais difíceis de compreender para as gerações
subsequentes.
Isso
foi há noventa e cinco anos. A menos que ocorra uma grande reviravolta nos
próximos cinco anos, a previsão otimista de Keynes fracassou.
Durante
parte do século XX, isso parecia plausível. Nos Estados Unidos, a jornada de
trabalho estava
diminuindo enquanto a satisfação
material aumentava.
Mas, na década de 1980, o trem descarrilou. Até então, duas tendências pareciam
confiáveis: a de que as pessoas trabalhavam menos em geral nos países mais
ricos e a de que quanto mais uma pessoa ganhava, menos trabalhava. Os Estados
Unidos inverteram toda a teoria.
Após
1980, os estadunidenses começaram a
trabalhar mais horas, apesar
do aumento da produtividade, quase anulando duas décadas de ganhos em lazer no
pós-guerra. Surpreendentemente, o aumento se aplicou igualmente a pessoas com
baixa e alta renda, embora de formas distintas. As que ganhavam menos eram
forçadas a trabalhar mais para sobreviver, enquanto as que ganhavam mais voluntariamente
trabalhavam mais para
competir.
Como
observa o sociólogo Jamie McCallum em Worked Over: How Round-The-Clock Work Is Killing the
American Dream [Trabalhado Demais: Como o Trabalho
Ininterrupto Está Matando o Sonho Americano], “A mudança mais significativa
para os trabalhadores de baixa renda foi que eles aumentaram suas semanas
trabalhadas por ano, mas para os ricos foram horas por semana”. Imagine um
trabalhador de fast-food que nunca tira férias, depois imagine
um gerente de uma empresa financeira trabalhando até tarde todas as noites.
Hoje,
os estadunidenses vivem no país mais rico do
mundo e
trabalham como cães. Transcender uma classe que precisa trabalhar
longas horas para suprir as necessidades básicas muitas vezes significa
ingressar em uma classe que opta por trabalhar longas horas
para aliviar a persistente
ansiedade por status.
O tempo que não nos é roubado de forma direta, nós doamos voluntariamente. Em
vez de desfrutar da era de abundância e lazer de Keynes, estamos presos em uma
corrida sem fim que não pode ser vencida.
·
Suar
a camisa
Keynes
presumiu que a produtividade naturalmente geraria tempo livre, já que
sociedades e indivíduos com os meios para substituir o trabalho pelo lazer
inevitavelmente optariam por fazê-lo. Mas sociedades capitalistas cada
vez mais produtivas não funcionam assim. Em vez disso, consolidam riqueza e
poder nas
mãos de algumas elites ultra-ricas. Nossa produtividade disparou como Keynes
previu, mas os lucros foram para um punhado de pessoas no topo, que extraem
mais trabalho dos demais, gerando uma riqueza incomensurável para alguns e
escassez para todos os demais.
A
relação entre desigualdade econômica e jornadas mais longas para pessoas com
baixa renda é bastante direta. À medida que a riqueza se concentra, os
capitalistas remodelam o cenário econômico, enfraquecendo as proteções
trabalhistas, destruindo sindicatos, interrompendo ou revertendo ganhos
salariais e pressionando por cortes de impostos que beneficiam principalmente a
si mesmos. Os déficits orçamentários resultantes justificam medidas de
austeridade que destroem as redes de seguridade social.
Os
trabalhadores, portanto, precisam assumir jornadas mais longas ou múltiplos
empregos apenas para manter o padrão de vida básico. Enquanto isso, a
desregulamentação permite práticas trabalhistas mais exploratórias, enquanto o
aumento dos custos de itens essenciais como moradia, saúde e educação força o
engajamento em horas extras de trabalho simplesmente para sobreviver.
“As
pessoas racionalizam sua recusa em apreciar o presente apelando para a forte
associação entre trabalho duro e virtude.”
Mas
como a desigualdade descontrolada obriga as pessoas que podem se
dar ao luxo de relaxar a trabalhar mais? Os economistas Jan Behringer, Martin
Gonzalez Granda e Till van Treeck atribuem isso aos
“efeitos Veblen”, nome dado em homenagem aos escritos do sociólogo Thorstein
Veblen sobre consumo e status social, referindo-se à pressão para acompanhar o
estilo de vida daqueles que estão nos níveis mais altos. O problema é que as
pessoas acima dos que ganham mais — o 1% mais rico, que se destaca entre os 20%
mais ricos — enriqueceram
consideravelmente nas
últimas décadas.
Consequentemente,
a noção que os que ganham mais têm do que constitui “uma vida boa” é
distorcida, produzindo uma sensação permanente de privação
material subjetiva e uma busca incessante por sua mitigação. Os pesquisadores
apontam que a mudança no tempo de lazer coincidiu com um aumento significativo
na participação da renda do 1% mais rico. Nesse cenário distorcido, bens intangíveis
como o tempo de lazer são menos valiosos do que dinheiro, que os trabalhadores
podem trocar por símbolos de status, como uma casa maior, que reforçam sua
posição econômica.
Em “Worked
Over”, McCallum se concentra menos em disputas por status social do
que na autopreservação básica em um ambiente econômico implacável. A constante
redução de pessoal e as demissões colocaram os que ganham mais em competição
para provar sua indispensabilidade, superando uns aos outros. Em 1979, longas
semanas de trabalho de cinquenta horas ou mais eram mais predominantes entre os
dois quintos inferiores de rendimentos por hora. Na década de 2000, eram mais
comuns na quinta parcela superior.
Esse
“prêmio por longas horas extras” imposto aos que ganham mais “aumentou junto
com a desigualdade de rendimentos em ocupações com altos salários”, observa
McCallum. “Essa desigualdade impulsiona a competição entre funcionários que
temem sua própria descartabilidade durante as crises, ao verem seus colegas
progredindo. Esse medo se traduz em trabalhar cada vez mais.”
Em “O
Medo da Queda: Ascensão e Crise da Classe Média”, Barbara
Ehrenreich identificou outro ímpeto
para o excesso de trabalho voluntário, especialmente para a classe
profissional-gerencial, posicionada logo abaixo dos ricos — algo “mais sutil e
mais psicológico. E esse é o medo de amolecer. De perder o controle”, disse ela, referindo-se à
“autodisciplina e força de vontade necessárias para ter sucesso em uma carreira
profissional”.
Nunca
se pode descansar, pois a mobilidade social descendente paira sobre a cabeça
desses profissionais como a espada de Dâmocles. Essa pressão advém da crença
meritocrática de que “a boa vida” é um testemunho de trabalho árduo e
habilidade, e pode ser perdida por negligência e pela deterioração do talento.
“Amolecer” seria uma exposição humilhante da indignidade do profissional desde
o início.
Em
“Perspectivas Econômicas para Nossos Netos”, Keynes ofereceu uma explicação
mais existencial para o excesso de trabalho voluntário, falando ironicamente da condição de
ser um intrometido patológico obcecado pela própria “intenção”. Essas pessoas
são incapazes de viver o momento, sempre vivendo para um futuro, como um homem
que “não ama seu gato, mas os gatinhos de seu gato; nem, na verdade, os gatinhos,
mas apenas os gatinhos dos gatinhos”. As pessoas racionalizam sua recusa em
apreciar o presente apelando para a forte associação entre trabalho duro e
virtude.
Keynes
previu que chegaria um momento em que essa justificativa cairia por terra,
forçando as pessoas a relaxar. “Fomos treinados por muito tempo para nos
esforçar e não para desfrutar”, escreveu ele, mas podemos nos tornar “pessoas
encantadoras, capazes de sentir prazer direto nas coisas”.
·
Saindo
da corrida sem fim
Amá
notícia, como demonstra a história estadunidense, é que uma era de lazer não
resultará automaticamente do aumento da produtividade. A boa notícia é que
intervenções políticas podem nos aproximar dessa visão.
“Embora
as previsões de Keynes sobre o crescimento da produtividade tenham sido
superadas nos últimos quase 100 anos”, concluem Behringer,
Gonzalez Granda e van Treeck, “os obstáculos para mais tempo de lazer são
principalmente de natureza sociopolítica”.
As
sociais-democracias escandinavas, mesmo em seus Estados recentemente
enfraquecidos, oferecem o contraexemplo mais gritante. São altamente
produtivas, mas seus trabalhadores trabalham de seis a dez horas a menos por
semana do que seus colegas estadunidenses, uma tendência que se aplica tanto a
quem ganha pouco quanto a quem ganha muito.
Os
sindicatos têm se mostrado essenciais para traduzir ganhos de produtividade em
jornadas de trabalho mais curtas. A filiação sindical
estadunidense despencou desde o pós-guerra; as taxas sindicais escandinavas
caíram recentemente, mas os trabalhadores da região ainda mantêm um sistema de
negociação coletiva poderoso e centralizado que garante semanas de trabalho
mais curtas, licenças remuneradas generosas e horários previsíveis.
Os
sistemas abrangentes de bem-estar social nesses países reduzem ainda mais o
excesso de trabalho. Com assistência médica universal, creches subsidiadas,
educação universitária gratuita e redes de segurança social robustas, os
escandinavos não enfrentam as mesmas pressões financeiras que levam os
estadunidenses a sacrificar seu tempo livre por um salário. É importante
ressaltar que essas políticas de bem-estar social também aumentaram a participação
feminina na força de trabalho, reduzindo a dependência conjugal das
mulheres e diminuindo a pressão sobre os homens para trabalhar longas
horas para
sustentar suas famílias.
As
sociedades escandinavas têm visto a desigualdade se expandir e seus Estados de
bem-estar social se deteriorarem nos últimos anos, mas essas características
ainda são significativamente mais pronunciadas do que nos Estados Unidos. E
além dos impactos materiais diretos, elas também têm efeitos sociais positivos
que são difíceis de quantificar. Os países escandinavos mantêm o que os
sociólogos chamam de culturas de “baixa distância do
poder”,
onde disparidades extremas de riqueza e consumo ostensivo são vistos com
suspeita em vez de admiração. A ansiedade por status ainda existe, mas as
características estruturais da economia a amenizam, facilitando o surgimento de
outros valores pró-sociais. Torna-se possível localizar o valor da
solidariedade em detrimento da competição, da coesão social em detrimento da
posição social, da eficiência em detrimento
das demonstrações teatrais de comprometimento com o trabalho e do lazer em
detrimento do desempenho.
“O
capitalismo na verdade transformou o conceito de ‘vida boa’ em uma arma contra a
noção de fazer o que queremos com nosso tempo.”
Em
contraste, os Estados Unidos têm uma cultura de individualismo competitivo
fomentada pelo nosso sistema econômico em que o vencedor leva tudo. Aqui,
coisas que poderiam ser consideradas direitos são quase sempre mercadorias.
Todos os elementos de uma vida decente, desde assistência médica a moradia e
educação, são vendidos no mercado privado. Quanto mais rica a
pessoa, maior o lance, melhor a vida. Descanso é uma falha em acumular riqueza,
que por sua vez é uma falha em viver bem. É uma perversão notável: o
capitalismo, na verdade, transformou o conceito de “vida boa” em uma arma contra a
noção de fazer o que queremos com o nosso tempo.
Quando
os componentes essenciais de uma vida digna são garantidos
coletivamente, em
vez de comprados e vendidos individualmente, “a boa vida” deixa de ser uma
questão de riqueza ou uma recompensa dependente de trabalho incansável. Em vez
disso, torna-se uma expectativa básica enraizada na dignidade humana e na
cidadania social.
Os
países escandinavos chegaram a esse
ponto por
meio de uma luta de classes
constante.
Os movimentos trabalhistas tomaram o controle dos ganhos de produtividade do
capital, recusando-se a aceitar que o aumento da eficiência beneficiasse apenas
acionistas e executivos. Acabar com o trabalho desnecessário exige a
expansão da democracia
econômica,
e não depender apenas da racionalidade do mercado.
·
Algo
a qual vale a pena pertencer
Em
1991, o New York Times publicou um artigo sobre o Workaholics
Anônimos, um novo programa de doze passos cujos participantes tendiam a ter
altos rendimentos — yuppies cuja imersão na loucura pelo trabalho havia sido
encoberta pelas normas da cultura de escritório dos anos 80 até que as
consequências se tornassem impossíveis de serem ignoradas.
“Não
importava quanto trabalho eu fizesse”, disse Matt, gerente de nível médio em
uma grande corporação, “nunca era o suficiente”. Matt “trabalhava para uma
empresa que atraía workaholics, então eu não me sentia estranho ou
deslocado quando tinha que trabalhar todas as noites e parte da maioria dos
finais de semana”. Da mesma forma, Dan, um dos cofundadores do programa, chegou
ao seu limite quando explodiu de raiva com seu assistente por causa da lentidão
no progresso de uma tarefa corporativa.
“Workaholics
são as pessoas mais antissociais que você pode encontrar”, disse Dan, citando
seus próprios relacionamentos rompidos, sacrificados no altar da produtividade.
Há uma verdade nisso: cada hora gasta trabalhando é uma hora não gasta
socializando com a família, amigos e vizinhos. Mas, paradoxalmente, a ansiedade
por status em si é um impulso profundamente social. Todos nós queremos
reconhecimento e afirmação do coletivo. Todos nós queremos pertencer.
Chegar
aos níveis mais altos de uma sociedade de classes estratificada é um substituto
lamentável para o verdadeiro pertencimento social. O verdadeiro pertencimento
seria a cidadania em uma sociedade que afirma o valor inerente da vida de cada
pessoa, o valor do nosso tempo fugaz e nossa reivindicação igual e
compartilhada dos frutos do progresso humano.
Keynes
errou ao prever que a era da abundância compartilhada fluiria suavemente a
partir dos ganhos de produtividade. Mas sua visão da libertação humana do
trabalho desnecessário permanece poderosa — não como uma inevitabilidade, mas
como um horizonte político pelo qual vale a pena lutar. Não se trata de uma
fantasia utópica, mas de uma possibilidade concreta, já parcialmente
concretizada nas social-democracias e mais plenamente realizável em sociedades
socialistas.
Podemos
recuperar nosso tempo e utilizá-lo em atividades que dão sentido à vida:
criatividade, conexão, contemplação e tarefas que amamos. Para isso,
precisaremos confrontar as elites econômicas que comandam a corrida sem fim.
Fonte:
Por Meagan Day – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil
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