Pouca esperança de paz no front da Ucrânia
Assim
que escurece, vão chegando os primeiros soldados feridos, com rostos e mãos
negros de terra. Eles vêm de um trecho do front em Pokrovsk, no leste da
Ucrânia, considerado um dos mais difíceis desde o começo de 2024. Agora eles
procuram assistência num das dezenas de "postos de estabilização" que
atendem os soldados ao longo da fronteira.
Também
aqui a grande política é tematizada. Para o médico militar Ivan, as negociações
de cessar-fogo na guerra da Rússia contra a Ucrânia, iniciadas em 11 de
março na Arábia Saudita, "não tiveram
nenhum efeito" sobre o conflito. "Eu não teria nada contra se a coisa
toda acabasse rápido", comenta. "Pelo menos por um dia, já seria
bom."
Um
soldado ferido está deitado na mesa de operações. Ele ia com quatro camaradas
num tanque blindado quando uma mina explodiu. O grupo só pôde ser retirado duas
horas depois, ele sofreu lesões graves e fraturas em ambas as pernas, os demais
escaparam com concussões cerebrais.
Enquanto
Ivan aplica curativos nos ferimentos e põe talas nos membros, paramédicos
encorajam o soldado semi-inconsciente e limpam a sujeira do seu rosto.
"Nós salvamos a perna dele", comenta um deles, aliviado. Após a noite
puxada, pela manhã o posto de estabilização está calmo, os médicos cochilam nas
camilhas. É pouco provável que ainda cheguem mais feridos.
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Espera desgastante
Enquanto
isso, recrutas de uma brigada de infantaria se reúnem no pátio de uma casa
particular. Ao nascer do dia, eles devem tomar suas posições, para render os
camaradas. Enquanto esperam a ordem para partir, porém, chega a mensagem que
por enquanto podem ficar.
Os
homens voltam a seus quartos para ainda dormir mais um pouco. É comum o
processo de rendição não funcionar na infantaria, comenta o comandante Roman,
que certa vez teve que esperar 21 dias em seu posto. "É difícil sair
daqui, é a linha de frente mais avançada. Além disso há falta de pessoal."
Ele só
ficou sabendo das conversas de cessar-fogo após ter sido mobilizado.
"Quando você está lá, espera o tempo todo para que alguém diga no rádio:
'Rapazes, cessar-fogo!'" Contudo a impressão dele é que no front a luta
ficou ainda mais acirrada durante as negociações.
Os
recrutas da sua brigada são responsáveis pela defesa na altura de Prokrovsk,
situada a apenas 70 km de Donetsk, ocupada pelos
russos. "Nós não nos deslocamos, mas isso já é bastante difícil."
Quanto à possibilidade de um cessar-fogo, "não consigo nem imaginar".
Tampouco
um outro comandante, apelidado "Milka" espera qualquer resultado das
negociações: "Só vou acreditar em uma coisa: quando os meus garotos
voltarem de seus postos e disserem 'Eles não atiraram, estava tranquilo.'"
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O que é um fim "justo" para a guerra na Ucrânia?
O
começo do processo de negociação gerou insegurança, o que, contudo, teve efeito
positivo sobre a motivação dos recrutas, afirma o oficial Roman Horodetsky,
diretor do departamento de apoio psicológico para os soldados.
Em sua
opinião, o único fim justo para a guerra para a Ucrânia seria o restabelecimento das fronteiras
de 1991, portanto antes da declaração de independência em relação à União Soviética. Além disso, "todos os criminosos de
guerra têm que ser responsabilizados".
O
soldado "Hashyk", do batalhão de drones, também é cético: "Uma
paz justa, na minha opinião, é impossível." Sua tropa está partindo em
direção a Velyka Novosilka, ao oeste de Kurakhove, ocupada pelos russos durante
o avanço em direção a Pokrovsk.
"Neste
tempo todo se perdeu muito território, muita gente morreu. Eu, pessoalmente,
acharia injusto se a guerra fosse simplesmente interrompida." Assim, ele
não vê nenhum sentido num cessar-fogo temporário: "Seria definitivamente
só tempo para se preparar para a próxima ofensiva. Passado o cessar-fogo, os
russos poderiam nos atacar com mais força."
"Hashyk"
não observou nenhuma influência das negociações sobre a situação do front:
"O avanço russo continua, sem alteração", comenta, dando de ombros.
No entanto os ucranianos continuam contendo o inimigo ao longo de toda a frente
de combate.
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Sinal errado para Putin e companhia
O
comandante da tropa de reconhecimento em Pokrovsk, apelidado
"Branco", descreve a situação no front como "permanentemente
ruim": "Nós estamos na defensiva, só realizamos ataques quando
perdemos postos. Lá, onde a nossa infantaria não conseguiu defender a posição,
tentamos reconquistá-la ainda antes de os russos alocarem suas reservas
lá."
A
partir de um abrigo apertado, com a ajuda de um drone, ucranianos observam
russos reunindo soldados no interior. "A gente vê bem cedo quando alguma
coisa está vindo na nossa direção", explica o piloto de drones
"Huzul". "Nós identificamos o movimento dos equipamentos
inimigos, as posições da artilharia e dos soldados. As informações são
transmitidas para as drones de ataque e para a artilharia, que rechaça as
ofensivas."
De
manhã, quando o céu ainda está limpo, os pilotos aproveitam para identificar as
posições da infantaria russa, mas quando ele se encobre, os voos de drones são
temporariamente suspensos. Enquanto descansam, os pilotos conversam sobre suas
expectativas a respeito das conversações de paz: "Eu, pessoalmente, não
tenho nenhuma, infelizmente ", comenta o soldado "Mirzoyan".
"Eu
gostaria que a Europa, a América e todo o mundo estivesse de acordo de que não
se pode permitir que um agressor ocupe territórios estrangeiros e mate gente
lá. Qualquer outra coisa, seria um sinal para todos aqueles como [presidente
russo] Vladimir Putin de que eles
podem fazer o que quiserem, e que aí dá para simplesmente congelar a
situação."
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Provável novo líder
alemão quer fornecer mísseis à Ucrânia
A
Alemanha poderá fornecer mísseis de cruzeiro Taurus para a Ucrânia,
caso conte com a aprovação dos aliados europeus, afirmou o provável novo
chanceler federal alemão Friedrich Merz à emissora de TV ARD neste domingo
(13/04). Tal passo constituiria uma mudança de paradigma por parte da coalizão
de governo entre o bloco conservador formado por União Democrata Cristã e
União Social Cristã (CDU/CSU) e o Partido Social-Democrata (SPD), que deve
ser empossada em 6 de maio.
Até
agora, o chanceler federal em exercício, Olaf Scholz, do SPD, rechaçara a entrega dos
Taurus, por temer que a arma de precisão com 500 quilômetros de alcance pudesse
ser usada para atingir o interior da Rússia, inclusive a capital Moscou. Além
disso, o emprego dos mísseis exigiria inevitavelmente a mobilização de soldados
alemães para o controle de mira, o que transformaria o país num partido
da guerra deflagrada em
24 de fevereiro de 2022, justificava Scholz.
Em
outubro de 2024, ainda como líder da oposição, Merz defendeu o fornecimento dos
Taurus, afirmando que então caberia ao presidente russo, Vladimir Putin, decidir "até
que ponto ele ainda quer escalar essa guerra". Os social-democratas o
acusaram na época de impor ultimatos perigosos e de brincar com a segurança
alemã.
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"Pensa duas vezes, nazista!"
Na
entrevista deste domingo, Merz argumentou que os Taurus poderiam representar
para os ucranianos a chance de sairem da defensiva. No caso de novas ofensivas
russas, Kiev deveria estar apta a "por exemplo, destruir a principal
ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia", pois na
península ucraniana anexada ilicitamente pela Rússia em 2014 encontraria-se a
maior parte das reservas militares do exército russo.
O
vice-chefe do Conselho Nacional de Segurança russo e ex-presidente, Dmitri
Medvedev, reagiu com virulência às declarações do conservador: "Pensa duas
vezes, nazista!", ameaçou na plataforma X. Quanto à sugestão de destruir a
ponte para a Crimeia, acrescentou: "Fritz Merz é assombrado pela lembrança
de seu pai, que serviu na Wehrmacht de Hitler."
Citado
pela agência estatal de notícias Tass, o porta-voz Kremlin, Dmitri Peskov,
classificou Merz como "um defensor de uma postura mais dura e de diversos
passos" que "inevitavelmente podem e vão resultar numa escalada ainda
maior na Ucrânia". A Rússia estaria registrando ainda "posições
semelhantes" em outras capitais europeias.
O
posicionamento de Merz em relação aos Taurus teve boa repercussão entre os
ministros do Exterior da UE reunidos em Luxemburgo nesta segunda-feira.
"Acho que seria um sinal bem importante de onde a Europa se encontra,
nesta situação", observou o chefe de pasta holandês, Caspar Veldkamp.
Seu
colega polonês, Radoslaw Sikorski, elogiou a proposta do líder conservador
alemão como "muito boa".
A chefe
da diplomacia da União Europeia (UE), Kaja Kallas, enfatizou: "Temos que
fazer mais para que a Ucrânia possa se autodefender e que civis não tenham que
morrer." A política estoniana informou ainda que a comunidade europeia
está elaborando o 17º pacote de sanções contra Moscou, a ser apresentado
na próxima reunião dos ministros do Exterior, em maio.
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O que falta para a Ucrânia começar a explorar seu lítio?
O tempo
parece ter parado em Polokhivske, no coração da Ucrânia. Apenas um punhado de pessoas vive aqui, as
casas estão vazias e dilapidadas, e os campos de restolho se estendem até o
horizonte. A situação não é diferente no vilarejo vizinho de Kopanki, onde
quase só restam casas abandonadas. Segundo relatam as poucas pessoas que
permaneceram na aldeia, em todo o ano de 2024 apenas uma criança nasceu no
local.
"Comecei
a trabalhar aqui em 1976", recorda o aposentado Volodimir, de Kopanki.
"Eu era o 400º trabalhador da fazenda coletiva, e agora tem provavelmente
menos de cem moradores aqui. Só há funerais, nenhum casamento, as coisas não
são costumavam ser." As pessoas deixaram Kopanki por falta de
emprego. Hoje em dia, só passa ônibus duas vezes por semana no vilarejo.
É
bastante improvável que Donald Trump já tenha ouvido falar de Polokhivske ou
Kopanki. E, no entanto, é bem provável que o presidente dos EUA esteja bastante
interessado nessa área – ou melhor, no que existe debaixo dela. Aqui, bem no
centro da Ucrânia, está um dos maiores depósitos de lítio da Europa.
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Demora no acordo com os EUA
Esse
lítio pode se tornar parte do chamado acordo de terras raras entre a
Ucrânia e os EUA. Uma tentativa inicial de negociações
falhou em fevereiro,
e ambos os lados ainda não conseguiram concordar com uma versão final do
acordo. Na segunda semana de abril, entretanto, negociações em Washington foram
apontadas por fontes ucranianas como "construtivas".
Detalhes
não foram divulgados, mas a ministra da Justiça ucraniana, Olha
Stefanischyna, disse em entrevista à televisão ucraniana de que isso é
"sinal positivo" de que o tema está indo adiante.
A
existência de lítio na Ucrânia é conhecida desde a década de 70. O depósito sob
Polokhivske e Kopanki, porém, é o único que já foi analisado conforme os
padrões atuais – todos os outros remontam à era soviética. Entretanto, o
minério de lítio nunca foi extraído no país.
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Nenhuma mineração de lítio à vista
Em
2017, a empresa ucraniana UkrLithiumMining recebeu permissão para explorar o
depósito de Polokhivske. Segundo os levantamentos mais recentes, de 2018 e
2020, estima-se que o depósito abrigue 40 milhões de toneladas de lítio – o que
faria dele o maior da Europa.
O
diretor da empresa, Mykhailo Heichenko, disse na televisão ucraniana que os
testes de perfuração iniciais, alguns dos quais com mais de 600 metros de
profundidade, projetam a extração de até um milhão e meio de toneladas de
minério por ano durante um período de 20 anos. A empresa, no entanto, não
avançou mais, e de acordo com o município de Smoline, que inclui
Polokhivske e Kopanki, nenhuma obra está sendo realizada no local.
O fato
de os planos de mineração não estarem progredindo é uma preocupação para as
autoridades locais. Já em 2023, os deputados do conselho do vilarejo
descreveram as ações da UkrLithiumMining como insatisfatórias. "O conselho
municipal de Smoline quer que a empresa intensifique seu trabalho aqui. Também
pedimos à empresa que discuta questões sociais importantes para a comunidade.
Mas, até agora, nada disso aconteceu", disse o prefeito de Smoline, Mykola
Masura.
Um
comunicado publicado no site da empresa em março afirmou que o depósito de
Polokhivske pertence ao povo ucraniano, mas que a empresa recebeu uma licença
para explorá-lo e pagou o equivalente a aproximadamente 2,6 milhões de euros
por ele.
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Receios de danos ambientais
Moradores
locais com quem a DW conversou continuam esperançosos de que a
mineração trará empregos para a região. Ao mesmo tempo, alguns temem as
consequências ambientais. "Não somos contra", diz Tetjana, de
Kopanki. "Mas precisamos garantir que não fiquemos sem água e estradas, e
que nossa infraestrutura seja expandida. É claro que queremos que isso aconteça
rapidamente e que o dinheiro flua para o orçamento do município."
O medo
de que a água se torne escassa também é compartilhado pelo prefeito de Smoline,
Mykola Masura. "Soubemos recentemente que a UkrLithiumMining planeja
perfurar poços de profundidades variadas e usar a água para seus próprios fins.
Isso seria uma catástrofe, pois os poços de água de pessoas em um raio de
vários quilômetros poderiam secar. A água já está escasseando nos poços devido
às mudanças climáticas e outros fatores, e os lagos também estão secando",
aponta.
No
segundo semestre de 2024, a UkrLithiumMining já havia comentado em seu site
sobre possíveis consequências ambientais do projeto, afirmando ter examinado os
impactos da exploração. Imediatamente após a publicação desta reportagem
no site ucraniano da DW, a UkrLithiumMining declarou, por e-mail, que a
captação de água para fins técnicos no caso da exploração do depósito de
Polokhivka "não terá nenhum impacto nas fontes utilizadas pelo
município".
Sobre a
acusação de atraso nas obras, o comunicado afirma: "Em abril de 2024, a
empresa concluiu o estudo preliminar de viabilidade, um marco fundamental no
caminho para a exploração do depósito. A preparação da próxima fase importante
– o estudo definitivo de viabilidade – está em curso."
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Um acordo inédito – caso seja assinado
Até
agora, quatro depósitos de lítio foram analisados na Ucrânia. Dois deles estão
localizados nos territórios ocupados pela Rússia: o campo Kruta-Balka, na
região de Zaporíjia, e o campo Shevchenko, na região de Donetsk. Os demais
estão localizados no centro da Ucrânia – um perto de Polokhivske e outro perto
de Dobra. Este último é considerado ainda mais promissor. De acordo com o
geólogo ucraniano Bohdan Slobodyan, o local já foi investigado durante a era
soviética e poderia ser duas vezes maior que o de Polokhivske. Entretanto,
não há nenhuma pesquisa atual sobre isso.
No
início de março, o jornal Financial Times informou que a
empresa irlandesa TechMet tinha interesse em explorar o depósito de Dobra e que
queria fazer uma oferta. Um parceiro de investimentos da TechMet é o bilionário
Ronald Lauder, amigo do presidente dos EUA, Donald Trump.
De
acordo com o jornal, esse poderia ser um dos primeiros projetos do acordo de
terras raras entre os EUA e a Ucrânia – desde que seja assinado. Isso também
poderia fazer avançar os planos de mineração de lítio em Polokhivske.
Fonte: DW Brasil

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