terça-feira, 15 de abril de 2025

O que disseram indígenas recebidos pela primeira vez no Superior Tribunal Militar

É urgente que as Forças Armadas mudem sua forma de ver os indígenas e promovam uma inclusão que respeite suas culturas. Essa foi a grande demanda levada por lideranças de diversos povos ao Superior Tribunal Militar (STM), em encontro que ocorreu na terça-feira (8) da semana passada. Várias lideranças estiveram em Brasília na semana passada para o Acampamento Terra Livre (ATL) e se encontraram com autoridades para pressionar pela garantia de seus direitos.

No encontro, os representantes dos povos defenderam, por exemplo, que as escolas militares respeitem as manifestações da cultura indígena e promovam disciplinas com professores indígenas, além de pleitear que as Forças Armadas incluam os povos originários não apenas como soldados, mas como oficiais que possam alcançar posições de liderança. Para Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a reunião representou a primeira aproximação entre os povos e as organizações militares, já que até então as Forças Armadas não haviam demonstrado “nenhuma abertura” para ouvir as suas demandas.

Um dos pedidos das lideranças foi por cotas que possibilitem o acesso dos indígenas ao serviço militar. “Hoje nós temos doutores aqui na mesa, nós temos médicos, nós temos vários tipos de profissionais. Então, também na área militar, a gente precisa ter major, capitão, precisamos ter vários tipos de indígenas”, afirmou Sérgio dos Santos Silva, do povo Galibi-Marworno, do estado do Amapá.

Entretanto, as lideranças temem que a inclusão seja acompanhada da repressão cultural. “Como é ser um militar sendo indígena? Será que a gente tem que esquecer o nosso ser indígena?”, questionou Maria Leonice Tupari, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Cristo Guajajara, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), ressaltou que uma eventual entrada dos indígenas às Forças Armadas não deve ser permeada pela pressão “para que [os povos] deixem a [sua] cultura de lado e sejam implementados simplesmente o militarismo ou a estrutura organizacional”.

Em entrevista à Agência Pública, Beto Marubo afirmou que um primeiro passo é que os militares desconstruam o pensamento “arcaico” de que “os indígenas são uma ameaça à segurança nacional e as terras indígenas são um retrocesso”. “Nós temos aí o aumento gradativo e consecutivo do crime organizado em grande parte das terras indígenas. Isso sim é um perigo de segurança nacional”, explicou ele, que defende que os conhecimentos indígenas auxiliem na proteção das fronteiras brasileiras.

“Imagina só, o Vale do Javari, a segunda maior terra indígena do país. Quem é que conhece esse território com a palma da mão? Não são os generais. Não são os sub-oficiais da Força Aérea, do Exército, da Marinha. (…) É um conhecimento de séculos, de milênios, sendo desperdiçado simplesmente por uma mentalidade burra de que os indígenas são indolentes, são preguiçosos, uma ameaça à segurança nacional”, finalizou.

<><> Histórico de violência

Apesar das demandas dos povos terem dado o tom da reunião, o histórico violento das interações entre indígenas e militares também foi abordado. “A energia desse lugar não é acolhedora”, disse Jaqueline Kuña Aranduhá, do povo Guarani Kaiowá, logo no início de sua fala. “Você olha na parede e vê as condecorações dos que invadiram o nosso território, mas é um espaço que é importante a gente pisar e sentir, e sentar na mesa para dialogar”, explicou.

Maria Leonice Tupari lembrou da Ditadura Militar de 1964 e da “dizimação dos povos indígenas no passado”. “A gente relembra os nossos ancestrais que foram mortos nesse período”, disse, ao apontar que se preocupa com como a educação militar afeta os jovens.

Já Joziléia Kaingang, que também é co-fundadora da Anmiga, lembrou da atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), um órgão público criado em 1910 para proteger os indígenas, mas que ficou marcado por violar seus direitos: “Dentro dessa instituição, que representava o governo brasileiro dentro dos nossos territórios, nós tínhamos como principais algozes, infelizmente, os militares”. O SPI foi extinto em 1967 e substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

<><> As propostas da ministra-presidente

O encontro com as lideranças indígenas foi organizado pela ministra Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher presidente do STM, que tomou posse em março deste ano. Sua gestão tem buscado posicionar politicamente o tribunal como um parceiro na construção de políticas públicas, em diálogo com os outros poderes.

“O Poder Judiciário não é só para dizer o direito no caso concreto, é para realizar a justiça de uma forma ampla, mesmo que fuja da sua jurisdição, mesmo que fuja da sua competência. E acho que, como numa Justiça Militar, onde os militares têm uma interface tão grande com as comunidades indígenas, nós podemos colaborar”, explicou a presidente.

Após ouvir os relatos dos convidados, Maria Elizabeth Rocha propôs que o STM promova uma reunião entre as lideranças e o alto escalão das Forças Armadas, para que as demandas dos indígenas sejam conhecidas. Também afirmou que organizará outro encontro, dessa vez das lideranças com magistrados civis de diversos estados, para que os indígenas tenham mais acesso a quem toma as decisões. Esses encontros devem ocorrer ainda este ano, de acordo com a juíza auxiliar, Amini Haddad, entrevistada pela Pública.

“Nós estamos nos desdobrando com relação especificamente à pauta das representações das comunidades étnicas do Brasil. Fazendo levantamentos com relação às realidades sociais em que eles se inserem, levantamentos com relação às áreas de fronteira, às situações específicas com relação àquilo que precisa ser aprimorado dentro da educação. O letramento antidiscriminatório precisa envolver a perspectiva dessas comunidades”, explicou a juíza.

 

¨      Petrobras usa plataforma para pressionar por licença na foz do Amazonas

A pressão pela exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas ganha novos capítulos. A Petrobras usa agora o contrato da sonda que programou para perfurar um poço de petróleo no bloco FZA-M-59 para pressionar o IBAMA pela licença.

Nesta 2ª feira (14/4), a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve divulgar os blocos que serão oferecidos em seu próximo leilão, marcado para 17 de junho, lista que pode conter áreas na foz.

A petroleira disse ao governo que em abril vence o prazo máximo para que a plataforma de perfuração destinada a perfurar o poço no bloco 59 entre em operação, informa a Folha. Segundo a Petrobras, o contrato com a dona da sonda tem validade até outubro, e seria preciso pelo menos cinco meses para a realizar as perfurações necessárias para a exploração da área.

No mês passado, o IBAMA aprovou o plano apresentado pela Petrobras de limpeza da sonda destinada a operar na foz. A medida foi celebrada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e outros entusiastas da exploração de petróleo na região como um “sinal” de que a licença estaria próxima. Mas o órgão ambiental esclareceu que a autorização é uma etapa de rotina no setor de petróleo e que liberar a limpeza não indicava qualquer decisão sobre a licença para o poço no bloco FZA-M-59.

A Petrobras informou que gastou R$ 1 bilhão em processos e preparativos do licenciamento para perfurar o poço de exploração de petróleo na foz do Amazonas. Somente com a sonda, segundo a petroleira, são R$ 2,5 milhões por dia com aluguel. Só que o equipamento pode ser – e já foi – usado em outras campanhas de abertura de poços. Enquanto aguarda a licença do bloco 59, a companhia usou a plataforma em Pitu, no litoral do Rio Grande do Norte.

A ameaça da indústria do petróleo à foz do Amazonas não se restringe ao bloco 59. A autorização do IBAMA vai permitir “passar uma boiada” exploratória na região, abrindo a possibilidade de mais petroleiras avançarem sobre a região.

Esse movimento poderá ser conferido na divulgação da lista final de áreas a serem oferecidas no próximo leilão da ANP. Inicialmente havia 47 blocos na foz na lista inicial. Se alguma petroleira manifestou à agência interesse nessas áreas – e é quase certo que pelo menos a Petrobras fez isso –, estas estarão à disposição das empresas que, assim, poderão arrematar áreas exploratórias de petróleo na Amazônia a cinco meses antes da COP30.

  • Em tempo 1: “Precisamos explorar mais petróleo para acabar com a exploração do petróleo, dá para entender?” O questionamento de Marcelo Leite na Folha mostra como a ala governamental que defende a exploração de petróleo no Brasil até a última gota tenta usar a transição energética como desculpa para que a indústria petrolífera avance sobre a foz do Amazonas. Leite lembra os ataques do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ao IBAMA e a tentativa de transformar narrativamente a foz do Amazonas em “margem equatorial” para disfarçar o impacto da atividade em uma região de altíssima sensibilidade ambiental, sem falar nos estragos ao clima. Leite lembra que o Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE) está parado no MME, sob a (in)ação de Silveira.
  • Em tempo 2: “O setor de combustíveis fósseis é fraco, vai perder e sabe disso. São donos da mídia, governos, mas não do povo. A história humana mostra que as pessoas se rebelarão contra esse tipo de tirania. Ainda mais quando sua sobrevivência está em jogo.” A avaliação é de Paul Watson, cofundador do Greenpeace, da Sea Shepherd e da Captain Paul Watson Foundation. Em entrevista à Folha, Watson disse que o processo contra o Greenpeace movido pela petroleira Energy Transfer, no qual um júri da Dakota do Norte condenou a organização a pagar mais de US$ 600 milhões de indenização, deve ser visto como uma oportunidade, pois deu “grande visibilidade internacional”. Para o ativista, a multa nunca será paga. “Vai ficar nos recursos. E com uma nova administração, quando o Donald Trump sair do poder, isso acaba”, avaliou.

 

Fonte: Por Laura Scofield, da Agência Pública/ClimaInfo

 

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