quarta-feira, 23 de abril de 2025

Vape vicia? Tem nicotina? Pode causar câncer? Veja perguntas e respostas sobre cigarros eletrônicos

Os vapes, como são conhecidos os cigarros eletrônicos, vão seguir com a venda proibida no Brasil.A regra vai contra a pressão da indústria, que pedia a liberação da comercialização sob o argumento de que eles são menos nocivos é uma opção para quem quer parar de fumar. Mas, o que dizem os especialistas?

Abaixo, nesta reportagem, o g1 preparou uma lista de perguntas e respostas sobre os cigarros eletrônicos para te ajudar a entender o que baseou a discussão no Brasil e o que diz a ciência sobre o assunto.

<><> Cigarros eletrônicos são melhores que cigarro comum?

•        O que diz a indústria

A indústria argumenta que os cigarros eletrônicos funcionam como "redução de danos" para quem já fuma cigarro comum. Ou seja, de que são uma forma menos prejudicial de acesso à nicotina para pessoas viciadas. Para isso, apresentam um relatório feito pelo King's College, do Reino Unido, que diz que vaporizadores são 95% menos prejudiciais que o cigarro comum.

O documento chega a essa conclusão a partir de uma revisão de artigos publicados e de pesquisas feitas anteriormente por outros institutos com pessoas que usaram cigarro eletrônico, mas durante um curto prazo.

•        O que dizem médicos e especialistas

As instituições de saúde e pesquisadores apontam que não há evidência científica que demonstre que o cigarro eletrônico é efetivo como contenção de danos.

Reforçam ainda que há menos tempo no mercado, ele já demonstrou seu potencial de risco com a evali – uma lesão pulmonar que pode levar à morte em um curto espaço de tempo e é causada pelas substâncias presentes nos vapes.

Essa classificação de risco é uma falácia que não tem qualquer evidência científica. Pudemos ver isso com a crise nos Estados Unidos com pessoas morrendo por doenças associadas aos vapes. Precisamos lembrar que é um dado que vem de uma indústria que, quando apresentou o cigarro tradicional, jurou que a nicotina não viciava. Como podemos confiar? — André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.

O médico e coordenador da Comissão de Combate ao Tabagismo da AMB, Ricardo Meireles, explica que não existe redução de danos para o tratamento do tabagismo, que mata cerca de 400 pessoas por dia no Brasil. A única forma é cessar o uso de qualquer fumo.

“Não existe redução de danos no tabagismo. Estamos vivendo agora o que vivemos um século atrás, quando o cigarro começou a circular. No começo, as pessoas não sabiam que o cigarro fazia mal e foram muitas mortes até que soubéssemos a verdade. Hoje, o cigarro eletrônico está no mercado há poucos anos e já tem uma doença para chamar de sua, que é a evali. Não podemos deixar a história se repetir”, explica.

<><> Os cigarros eletrônicos viciam?

•        O que diz a indústria

Os cigarros eletrônicos têm nicotina e ela é a responsável pelo vício do tabagismo. No site da Philip Moris, por exemplo, há uma série de perguntas e respostas sobre o produto, ao clicar na questão “vaporizar vicia?” você é levado a um texto que, na verdade, traz a resposta para “a nicotina é ruim para você?”. No texto, a empresa diz:

“A nicotina é viciante e não é isenta de riscos. No entanto, são os elevados níveis de substâncias químicas nocivas libertadas quando o tabaco é queimado – e não a nicotina – que são a principal causa das doenças relacionadas com o tabagismo”.

Ou seja, não há uma resposta clara do setor sobre o risco de vício.

•        O que dizem os médicos, entidades e especialistas

A nicotina é uma substância altamente viciante e, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, não há quantidade segura para o consumo. Segundo os especialistas, é por causa da nicotina que as pessoas viciam no cigarro.

Os vapes têm sal de nicotina, o que faz com que o composto seja entregue em concentrações até vinte vezes maiores no corpo.

Ou seja, fumar a carga de um cigarro eletrônico no formato de pen drive, pode equivaler a fumar 20 cigarros convencionais.

Um dos pontos levantados na análise técnica da Anvisa é de que a forma como são apresentados, com aromas e sabores, enganam a percepção de quem fuma sobre o vape ter nicotina e seu potencial de vício.

O cigarro eletrônico tem a nicotina em forma de sal, isso entrega mais nicotina e, por isso, tem um potencial muito mais viciante que o cigarro normal. Os relatos são de pessoas que começam com algumas baforadas e perdem o controle sobre o uso. Ou seja, a indústria diz que é mais seguro, mas na verdade está colocando a pessoa em uma armadilha para que ela se torne dependente química. — André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.

Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisologia (SBPT), diz que a forma como é feita a divulgação e o próprio produto interfere na percepção de quem usa de que aquilo é um cigarro e tem nicotina.

“Esses dispositivos têm uma concentração de nicotina muito alta. Com sabores e aromas, eles estão chegando nos adolescentes que são muito mais impactados por esse alto teor de nicotina. Os vapes estão criando uma legião de viciados muito precoces”.

<><> O vape pode causar câncer?

•        O que diz a indústria

O fumo no cigarro eletrônico não funciona pela queima e sim pela vaporização. Com isso, a indústria alega que não há monóxido de carbono e, portanto, menos risco já que seria essa a substância causadora das doenças relacionadas ao tabagismo.

•        O que dizem os médicos e especialistas

Há milhares de tipos de cigarros eletrônicos no mercado e cada um com uma composição, o que dificulta saber o que, especificamente, há nos vapes. Não há estudos que relacionem o vape com o câncer, apesar disso, os médicos apontam que há mais de duas mil substâncias nos cigarros eletrônicos e várias delas tóxicas e cancerígenas como: glicerol, propilenoglicol, formaldeído, o acetaldeído, a acroleína e a acetona.

•        Depressão, solidão e estresse favorecem o uso de vape entre adolescentes, mostram estudos

Quadros depressivos, sentimento de solidão e estresse podem ser gatilhos para o uso de cigarros eletrônicos entre adolescentes. Isso é o que apontam duas pesquisas publicadas em diferentes revistas científicas internacionais recentemente.

Os estudos traçam um perfil conhecido para aqueles que mais utilizam os vapes – adolescentes entre 12 e 17 anos, sendo o pico de uso aos 14 anos.

➡️Um levantamento anterior realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com adolescentes já havia mostrado que, aos 13 anos, 16% dos adolescentes já utilizaram vape. Aos 15 anos, este percentual sobe para 32%.

No Brasil, segundo o IBGE, quase 17% dos adolescentes entre 13 e 17 anos já disseram ter experimentado o cigarro eletrônico.

Além de se somarem a outras evidências sobre o perfil dos usuários, os estudos recentes chamam atenção para um fator até então pouco investigado: a possível relação de problemas de saúde mental na adolescência com a probabilidade de uso dos vapes.

"Essa conexão pode surgir de uma série de fatores que se interligam, como propensão genética, gatilhos sociais ou do ambiente, além da utilização dos cigarros eletrônicos com válvula de escape para sentimentos negativos", analisa Siobhan O-Dean, pesquisador da Universidade de Sydney e um dos autores de um dos estudos.

As novas pesquisas indicam que a saúde mental pode ser um gatilho que acaba contribuindo para o uso ainda mais frequente dos vapes pelos adolescentes.

<><> Depressão e cigarros eletrônicos

Uma das pesquisadas, publicada na revista científica "Australian & New Zealand Journal of Psychiatry", mostrou que adolescentes com depressão têm duas vezes mais chance de começar a usar cigarros eletrônicos.

O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Sydney, também observou que adolescentes sob níveis moderados e altos de estresse tem, respectivamente, 74% e 64% mais probabilidade de fazer uso desses dispositivos do que aqueles que relataram baixo estresse.

Siobhan O-Dean, que fez parte da condução dessa pesquisa, explica que jovens com maiores taxas de uso de vapes são mais propensos a relatar problemas de saúde mental.

"Um gatilho potencial que liga a utilização de cigarros eletrônicos e sintomas depressivos, por exemplo, é o uso dos vapes como um mecanismo de enfrentamento de estados emocionais negativos", detalha.

O pesquisador pondera que, apenas com os dados coletados pelo levantamento, não é possível afirmar que questões de saúde mental são a única causa que leva à utilização de cigarros eletrônicos.

➡️A pesquisa entrevistou 5000 adolescentes australianos entre 12 e 14 anos justamente para compreender a possível relação entre sintomas depressivos e de ansiedade e o uso de vapes.

<><> Solidão e vício

A outra pesquisa tinha como principal proposta testar um modelo de intervenção com mensagens de texto para estimular o abandono do vape pelos adolescentes.

Para isso, o estudo, publicado na revista científica "Journal of the American Medical Association" (Jama), também traçou um perfil detalhado dos jovens que participaram da pesquisa.

➡️Os testes envolveram cerca de 1500 adolescentes americanos, entre 13 e 17 anos, que haviam feito uso de cigarro eletrônico nos 30 dias que antecederam a pesquisa e tinham interesse em parar de fumar.

Os resultados mostraram que boa parte dos jovens relatou sentimento de solidão. Além disso, quase 95% estavam em situações de estresse considerado tóxico.

O levantamento também trouxe dados importantes sobre o hábito dos adolescentes com relação aos dispositivos:

•        O número médio de dias em que foi relatado o uso do vape por mês foi 30 dias;

•        Todos indicaram nível moderado ou alto de dependência, sendo que 76,2% vaporizaram dentro de 30 minutos depois de acordar e 93,6% relataram ser um pouco ou muito viciados.

<><> Alternativas de tratamentos

A partir dos dados fornecidos pelos estudos, os pesquisadores propõem medidas de intervenção para a diminuição do uso de vapes por adolescentes.

No caso da pesquisa americana, o teste com mensagens de texto interativas e personalizadas se mostrou efetivo para fazer com que os voluntários conseguissem parar de fumar.

"As mensagens de texto servem como lembretes poderosos de um compromisso inicial de parar e podem fornecer suporte comprovado para a mudança de comportamento diretamente no telefone de um jovem", defende Amanda Gaham, principal pesquisadora responsável pelo estudo.

Já o estudo australiano alerta para a necessidade de tratamentos e ações preventivas que considerem a relação entre a saúde mental e o uso de vapes.

As intervenções preventivas podem se concentrar em melhorar o suporte à saúde mental, ensinar estratégias de enfrentamento saudáveis e abordar os fatores de risco que contribuem tanto para o uso de cigarros eletrônicos quanto para os problemas de saúde mental", sugere O-Dean.

 

Fonte: BBC News Brasil/g1

 

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