terça-feira, 15 de abril de 2025

Do ovo da serpente nasce o fascismo e a incerteza deixa o mundo em suspenso

Donald Trump é a representação de um império em crise profunda. Por isso, atiça o dragão e mergulha o mundo no buraco da incerteza e o coloca no caminho da desglobalização. Ele não mede as palavras e age de forma imprudente e desrespeitosa contra outras nações. Junto ao tarifaço que pode levar o mundo a experimentar, além da guerra comercial, a guerra bélica, adota medidas para acabar com ações de mitigação ao colapso climático. Nesse mundo obtuso, plataformas sociais flertam com o autoritarismo e o fascismo. 

<><> Show de Trump

No dia 02 de abril, Donald Trump, mais uma vez colocou o mundo apreensivo ao anunciar um tarifaço global aos produtos importados pelos Estados Unidos. Desvalorização da moeda americana e a queda das bolsas e dos lucros das empresas marcaram os primeiros dias que se seguiram à notícia. Uma medida que usou uma fórmula errada e absurda, segundo avaliaram os analistas econômicos do mundo. Apresentação feita em uma lista com cartazes foi mais uma cena dantesca do show de Trump. Mas ao longo dessa semana recuou da decisão, interrompendo por 90 dias as sobretaxas aos países que, em suas palavras, estavam na “fila para beijar sua bunda”. A China, no entanto, ficou de fora, acirrando ainda mais a guerra comercial. Não sabemos exatamente o que fez o presidente norte-americano voltar atrás, mas Elon Musk brigou publicamente com o mentor do plano, Peter Navarro, e outros aliados criticaram o governo pelas insanas medidas. Além disso, a retaliação dos Estados e a resposta do mercado financeiro aflito, mostraram a fragilidade das bravatas da extrema-direita. Não obstante, o mandatário, antes de revogar o tarifaço, fez um anúncio nas redes sociais, que seria um “bom momento para comprar”, em uma clara manobra de manipulação do mercado, que fez com que alguns ricaços faturassem bilhões com alta recorde das bolsas de valores e a valorização do câmbio.   

<><> Fim da Globalização

Nesse cenário de extrema incerteza, Trump coloca em xeque um dos pilares do capitalismo internacional, que pode culminar no fim da globalização, do livre comércio e do livre mercado. Um retrocesso que não só coloca o mundo no caminho de uma recessão, como no crash de 1929, mas com impactos que vem afetar a economia global. As sobretaxas de Trump podem desestabilizar mercados e abalar confiança de consumidores e empresas. A expectativa dos analistas financeiros é de estagnação econômica, com aumento do desemprego e da inflação. “Uma guerra em que todos perderão”, como bem pontuou o economista Jeffrey Sachs

<><> Atiçando o dragão

A guerra comercial declarada mais especificamente à China é um teste de resiliência, mais à economia americana do que à chinesa. Isso porque, além da China deter o segundo maior percentual em títulos do tesouro americano (dívida pública), os EUA dependem muito dos bens - produzidos com mão de obra barata chinesa - importados do gigante asiático. Pequim não se dobrou e a cada nova aposta de Trump jogou pesado, chegando nesta sexta, 11 de abril, a elevar suas tarifas em relação aos Estados Unidos para 125%, dizendo que “não vai se curvar”. Xi Jinping, em seu primeiro pronunciamento sobre o assunto, declarou: essa guerra comercial não terá vencedores. Mesmo sem ganhadores, ela pode ser uma oportunidade para os BRICS frente ao futuro do Dólar. A tendência de desconfiança dos investidores em relação ao mercado e à moeda estadunidense, pode levar a concretização do sonho dos países membros do grupo, de uma moeda independente e fortalecida, para competir com os EUA. E, a ideia de que o mundo está em uma transição de poder do Oceano Atlântico para o Pacífico, cada vez mais salta aos olhos e aproxima a China de se tornar a principal potência mundial.

<><> Resistiremos?

Não sabemos até quando o mundo vai suportar essas loucuras que, ao fim e ao cabo, são o um “novo manifesto de desumanidade”. Isso porque, por exemplo, Lesoto, na África do Sul “tem uma economia fortemente dependente da venda de jeans para grandes marcas americanas, como Levi's e Wrangler. Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, foi o mais taxado por Trump, com uma tarifa de 50%”. Como o país vai sobreviver? Na América Latina e no Caribe, o peso não é só tarifário, mas também colonial. "O segundo governo de Donald Trump transformou a América Latina e o Caribe em um 'laboratório de controle' para a política internacional MAGA (Make America Great Again)", avaliaram os autores do artigo “Trump e América Latina e Caribe: Um laboratório de controle?”. Mas, o maior problema pode vir de uma virada, com a saída da guerra do campo comercial para a eclosão de conflitos reais. Uma nova guerra mundial bélica, diante à incerteza e a loucura de Trump e seus céticos apoiadores, não pode ser descartada.

<><> Psicose americana

Muito preocupado com seu “lindo cabelo”, Trump dá mais uma marcha à ré climática ao eliminar as regulamentações sobre chuveiros para evitar desperdício de água. Isso em meio à guerra tarifária e às deportações. Falando nisso, assistimos a mais uma semana de imigrantes acorrentados forçados a embarcar em um avião com destino à Guatemala, enquanto ao fundo se ouve uma canção de despedida. A revogação da residência temporária humanitária e da autorização de trabalho colocou de cerca de meio milhão de migrantes cubanos, haitianos, nicaraguenses e venezuelanos no limbo e, claro, no desespero. E eles se perguntam, e agora, como vamos sobreviver? Não obstante, mais novos fatos aumentam o drama dos migrantes. Um acordo com a “receita federal” americana coloca fim na confidencialidade de dados para ajudar a localizar imigrantes indocumentados; o plano para multar migrantes que violarem ordens de deportação em US$ 998 por dia e um 20 de abril ainda mais sombrio com a possibilidade de Trump declarar a lei marcial. Gestos em que a banalidade do mal se repete.

<><> Cruzada fascista

Vivemos um tempo em que a “suspensão sistemática da democracia levou ao triunfo da nova direita. Não se trata de um golpe de Estado, nem de uma ditadura, mas do fechamento da democracia, que está ocorrendo diante de nossos olhos quase sem percebermos”, asseverou a filósofa italiana Donatella Di Cesare. Na avaliação do professor Eugênio Bucci, essa escalada fascista e autoritária encontra companhia fiel nas plataformas sociais. Segundo aponta, “a lógica das plataformas sociais e da autocracia é a eliminação dos pontos de vista discordantes, a hipertrofia da obediência e da submissão, de tal maneira que a política deixa de ser a política porque ela deixa de ser dialogada. E no lugar da política que a modernidade nos legou, vai crescendo o fanatismo onde não tem espaço para o diálogo, ele é fechado, compacto, unidirecional e disciplinado como um pelotão militar”.

<><> Ovo da serpente

Ainda falando sobre o mesmo assunto, o filósofo da Unisinos, Castor Bartolomé Ruiz, publicou uma longa análise tecendo paradoxos de como essa crise generalizada traz de volta o fascismo e o estado exceção. “Surpreendentemente, em pleno século XXI, uma nova ninhada de serpentes, metamorfoseadas sob diferentes vestes autoritárias, está prestes a eclodir dentro das democracias ocidentais. Inspirados em teóricos da soberania como Carl Schmitt e Thomas Hobbes, os atuais movimentos autoritários produzem o medo sistematicamente e o disseminam com o apoio do algoritmo das redes sociais”, assinalou. “Ao compreenderem a política como desdobramento da guerra - continua o autor -, valendo-se do binômino amigo-inimigo para fabricar culpados pelas mazelas de cada uma das sociedades, tais expressões neofascistas convertem estrangeiros, migrantes e refugiados em bodes expiatórios, indivíduos perigosos que devem ser contidos, deportados e até exterminados, a quem se voltam ódios que conduzem as massas nos mais diferentes contextos nacionais”, evidenciou. 

¨      Os erros da guerra cultural não justificam a investida de Trump contra a ajuda externa, diz Michael Sean Winters.

Matthew Schmitz, o conservador convertido ao catolicismo que contribui com ensaios para o New York Times, recentemente culpou os progressistas descontrolados pela decisão do presidente Donald Trump de essencialmente eliminar a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e a National Endowment for Democracy.

"Para entender por que o soft power americano se tornou tão vulnerável politicamente, é útil compreender os danos que os progressistas causaram à sua ampla legitimidade na última década e meia", escreve Schmitz. "Eles fizeram isso implicando instituições de soft power em controvérsias políticas internas, especialmente em questões de política sexual. Eles confundiram interesses americanos no exterior com prioridades progressistas, usando o dinheiro do contribuinte para promover um conjunto de reivindicações sobre as quais os americanos discordam veementemente".

Ele continua citando exemplos desse tipo de financiamento para prioridades progressistas: "US$ 70.884 na Irlanda para um evento musical que celebra a diversidade, a equidade, a inclusão e a acessibilidade, US$ 32.000 no Peru para uma história em quadrinhos 'apresentando um herói LGBTQ+ para abordar questões sociais e de saúde mental', US$ 19.808 em Montenegro para clubes de alianças gays-heterossexuais".

Esta foi a primeira vez que ouvi falar sobre o subsídio de Montenegro, mas os outros dois subsídios foram citados repetidamente em vários meios de comunicação conservadores, até mesmo pela secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt.

Deixemos de lado o fato de que Schmitz — e muitos outros na campanha de Trump que citaram esses exemplos — ignoram o fato de que a USAID não concedeu as verbas irlandesas ou peruanas, mas sim o Departamento de Estado. Mas a questão permanece: especialmente quando se trata de ajuda externa, o dinheiro do contribuinte não deve ser usado para exportar guerras culturais americanas.

Se a fonte da subvenção, a USAID ou o Departamento de Estado, não invalidar o argumento, também é verdade que algumas subvenções equivocadas não deveriam levar o governo a suspender completamente a ajuda externa. Quando você precisa trocar a geladeira da sua cozinha, não incendeia a casa. Há um argumento de princípio contra os tipos de subvenções aos quais Schmitz se opõe, mas esse argumento não justifica de forma alguma o fim de programas que ajudam pessoas extremamente pobres a obter comida e água, ou trabalho que promova a democracia, ou esforços de socorro em desastres.

Certamente, a Catholic Relief Services (CRS) não estava usando o financiamento da USAID para promover os direitos dos gays. Por que Schmitz não se pronunciou sobre a importância do trabalho da CRS? Bill O'Keefe, vice-presidente de Missão, Mobilização e Defesa da CRS, pediu ao Congresso "que compartilhasse uma visão católica e pró-vida para a assistência internacional dos EUA — uma visão que identifique o Estado como um parceiro indispensável para viver os valores americanos em prol de um propósito comum".

A visão de O'Keefe certamente evita as objeções citadas por Schmitz. Será que os conservadores não veem os valores pró-vida — e as consequências pró-vida — presentes na missão da CRS?

Não há nada de americano, nem de católico, em deixar de ajudar pessoas que sofrem. Ignorar todas as boas ações realizadas pela USAID e seus muitos parceiros ao longo dos anos para justificar a investida de Trump contra a ajuda externa é moral e intelectualmente desonesto. Os democratas deveriam, no entanto, prestar atenção ao que Schmitz escreve sobre não confundir ajuda externa com questões de guerra cultural.

A propaganda anti-USAID do Partido Republicano funciona porque muitas pessoas ganham menos do que os US$ 70.000 gastos no evento musical DEI na Irlanda. Os democratas não estão errados quando apontam que US$ 70.000 são uma gota, ou nem mesmo uma gota, no oceano de gastos federais. De fato, todos os US$ 71,9 bilhões gastos em ajuda externa no ano fiscal de 2023 são uma gota no oceano. Mas a maioria dos americanos não consegue entender cifras tão altas. As reclamações sobre os US$ 70.000 gastos em um musical DEI repercutem não apenas porque alguns americanos se opõem às iniciativas DEI, mas também porque se identificam com o valor em dólares.

Os democratas precisam usar esse tempo no deserto político para decidir quais valores e questões consideram mais importantes e como podem construir uma coalizão majoritária em torno desses valores e questões. Buscar políticas que metade do povo americano odeia não é maneira de superar a polarização. Se os democratas tolerarem a política performática, especialmente em controvérsias em torno da sexualidade, continuarão a se tornar vulneráveis ​​ao tipo de ataque propagandístico que os acólitos de Trump aperfeiçoaram.

Qualquer partido que se comprometa a governar com base em valores amplamente defendidos provavelmente formará o tipo de coalizão governamental sustentada que os democratas construíram com Franklin Roosevelt nas décadas de 1930 e 1940 e os republicanos moldaram com Ronald Reagan na década de 1980. Buscar políticas externas — não apenas ajuda externa, mas todas as políticas externas — com o objetivo de restabelecer o tipo de consenso amplo e bipartidário que prevaleceu da Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Iraque faz parte desse tipo de agenda de bom senso.

Exigirá que os democratas controlem alguns ativistas que poderão compor um futuro governo. Isso lhes permitirá começar a restaurar a fé na democracia e na decência, caso sobrevivam aos quatro anos restantes do trumpismo.

Se os interesses especiais e os dólares que eles contribuem impedem os democratas de seguirem esse caminho óbvio e moralmente necessário, eles deveriam ter a decência de não reclamar quando o trumpismo vencer. E Schmitz deveria ter a decência de defender os Serviços Católicos de Assistência e os muitos outros programas da USAID que ajudam as pessoas e disseminam os valores e a generosidade americanos por um mundo sofrido.

 

Fonte: IHU/National  Catholic Repórter

 

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