terça-feira, 15 de abril de 2025

Adhemar Bahadian: Cem noites sem dias e uma alvorada

Depois de cem noites, uma alvorada surge nos Estados Unidos da América e aqui no Brasil.

Nos Estados Unidos, o “New York Times” noticia a expansão de marchas populares contra a política de Trump cada vez mais questionada, quando não repelida, tanto por insuspeitos analistas políticos e econômicos - dentre outros, Paul Krugman e o próprio presidente do Banco Central americano - além de protestos crescentes nas principais cidades do país. A lua de mel com o MAGA mostra sua face autoritária de forma insustentável.

A última performance midiática de Trump nos jardins da Casa Branca, diante de uma plateia minguada e irrelevante, teve como apogeu a quase cômica sustentação nos braços do presidente de um cartaz de enigmáticos números diante de uma lista de países.

Imediatamente comparada com um anúncio de “partidas e chegadas” de um aeroporto de subúrbio, o cartaz só não levou a melhor diante da já cansativa e obsessiva exposição da assinatura pública de Trump - cada vez mais parecida com a imagem de sismógrafo de um terremoto asiático ou a de eletrocardiograma de uma arritmia grave da coronária descendente - seguida da farta distribuição de canetas obesas e talidominifórmicas. Um show besta.

No Brasil, a Alvorada foi digna dos céus de Brasília. O Senado Federal aprova por unanimidade um projeto de lei, relatado pela senadora Teresa Cristina, ex-ministra da Agricultura, que autoriza o Poder Executivo a tomar medidas cabíveis de retaliação aos prejuízos eventualmente causados ao Brasil pela política extravagante de Trump.
Posteriormente enviada à Câmara dos Deputados - e após uma tentativa de obstrução provocada por razões conhecidas de todos - o interesse nacional predomina e o projeto de lei é elevado à sanção presidencial.
Não há como não reconhecer a importância da aprovação do projeto de lei, poderoso instrumento a ser eventualmente utilizado pelos negociadores brasileiros, seja em nossas conversações bilaterais com os Estados Unidos da América, seja nas deliberações multilaterais.

Trata-se de recurso legítimo e usual em negociações diplomáticas. Todo e qualquer agente diplomático brasileiro já terá ouvido de negociadores americanos que esta ou aquela concessão, tarifária ou não, estaria impedida por lei aprovada pelo Congresso americano. Não há como não ver que se está diante de um argumento de defesa da soberania nacional, peça angular do Direito Internacional. Nada seria mais colidente com a prática das negociações internacionais do que adjetivar o uso da soberania nacional como hostil a qualquer parceiro tanto em negociações multilaterais quanto bilaterais. Apenas a má-fé ou o abuso de direito poderiam subscrever o disparate.

A gestão da política externa de Trump - e a interna também, mas isso é já denunciado por marchas de protesto como acima relatei - parece abusar de inegável poder de mercado, acompanhado de uma visão predatória do comércio internacional, para conseguir vantagens abusivas diante de concorrentes.

Os que me seguem até este ponto me permitirão esclarecer as artimanhas de Trump hoje apresentadas como legítimas para impor tarifas ao Brasil. Argumenta Trump que os Estados Unidos estão a ser historicamente espoliados pelo resto mundo, uma vez que há déficit na balança comercial entre os americanos e os demais países. O argumento é faccioso, primário e desonesto.

Vejamos o caso brasileiro. De fato, quando se consideram os últimos dados estatísticos disponíveis, o Brasil tem alguns poucos milhões de dólares a seu favor. Porém, quando se olha para o valor total de comércio, que inclui bens e serviços - royalties e outros - o superávit americano contra o Brasil supera 20 bilhões de dólares.

Trump parece ter o olho de vidro do pirata da perna de pau. Mas, ele sabe muito bem que a inclusão de serviços nas regras da OMC foi vitória dos países desenvolvidos à revelia dos interesses dos países em desenvolvimento.

Na barganha das tarifas para aumentar um pouco o acesso de produtos primários do agronegócio ao mercado americano, o Brasil e outros países tiveram que aceitar a contrapartida de incluir uma abusiva proteção das patentes farmacêuticas americanas, tema das mais graves consequências cuja amplitude escapa aos limites deste artigo.

Espanta que renomados “especialistas" brasileiros proponham “compreensão” diante desses atos abusivos de Trump. Ou ignoram - o que seria lamentável - a realidade das negociações na OMC ou tentam ignorar o direito de o Brasil lutar por seus interesses, o que, mais do que lamentável, é digno do maior desprezo acadêmico e pessoal.

De fato, o Congresso Nacional afirmou, de forma inequívoca, que não somos um país candidato a inaugurar uma nova forma de colonialismo autoritário, onde os povos de países pobres pagam excessivas tarifas alfandegárias a um hegemônico interessado em reduzir o imposto de renda da classe super-rica de Musks e outros espécimes rastejantes.

Neste ano de 2025, ainda teremos aqui no Brasil, no Rio de Janeiro e em Belém, importantíssimas reuniões dos BRICs e da COP-30. Estarão nelas chefes de Estado de aproximadamente um terço do PIB mundial. Não se trata de uma reunião de pobres coitados.

Destas reuniões podem surgir novas orientações muito mais modernas e humanas do que o "mondo cane" que os Estados Unidos de Trump, Musk, Steve Bannon "et caterva“ estão a nos propor como se fôssemos todos estupidamente ignorantes, descrentes de nossas inteligências e profundamente alienados do futuro do nosso país.

¨      China pede que EUA 'eliminem completamente' tarifas recíprocas e corrijam seus 'erros'

China pediu aos Estados Unidos, neste domingo (13), que "eliminem completamente" suas tarifas recíprocas.

Em um comunicado oficial, o Ministério do Comércio chinês comentou a decisão anunciada pelo governo Donald Trump nesta sexta-feira (11), de isentar celulares, computadores e outros produtos eletrônicos das tarifas. Afirmou que foi um "pequeno passo" e que a China estava "avaliando o impacto" dela.

"Instamos os Estados Unidos (...) a tomarem medidas importantes para corrigir seus erros, eliminar completamente a prática errônea de tarifas recíprocas e voltar ao caminho certo do respeito mútuo", disse o porta-voz do ministério no texto.

As isenções beneficiarão empresas de tecnologia dos EUA, como Nvidia e Dell, assim como a Apple, que fabrica iPhones e outros produtos de ponta na China.

maioria dos produtos chineses ainda enfrenta uma tarifa geral de 145% para entrar nos Estados Unidos.

<><> Eletrônicos isentos

Ao anunciar a isenção, a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA listou 20 categorias de produtos, que além dos celulares e computadores, incluem semicondutores, chips de memória e monitores de tela plana.

Os eletrônicos representam parte significativa das importações da China para os EUA.

Em 2024, os smartphones foram a principal importação chinesa para o país, totalizando US$ 41,7 bilhões, e os laptops ficar em segundo lugar, com US$ 33,1 bilhões, de acordo com dados do US Census Bureau divulgados pela Reuters.

A isenção sobre esses produtos pode reduzir o impacto no bolso dos consumidores americanos e beneficiar grandes empresas do setor, segundo a agência de notícias Bloomberg.

Analistas da Wedbush chamaram a exclusão tarifária de "a melhor notícia possível para investidores em tecnologia", neste sábado (12), segundo a CNN.

¨      Grandes montadoras globais começam a abandonar os EUA após tarifaço de Trump

As novas tarifas sobre veículos e autopeças impostas pelo governo dos Estados Unidos começaram a impactar diretamente a dinâmica do setor automotivo.

Desde o dia 3 de abril, quando entrou em vigor a taxa adicional de 25% sobre a importação de carros de passeio, picapes e componentes, fabricantes internacionais têm revisto suas estratégias comerciais em relação ao mercado norte-americano.

Marcas tradicionais como Audi e Jaguar Land Rover foram as primeiras a suspender as exportações para os Estados Unidos. Além dessas, outras montadoras também iniciaram ajustes.

O Grupo Stellantis, responsável por marcas como Jeep e Fiat, interrompeu operações em fábricas localizadas no Canadá e no México, com a consequente dispensa temporária de centenas de trabalhadores.

A medida adotada pela administração Trump afeta particularmente empresas que operam plantas industriais fora do território norte-americano, com destaque para o México.

A produção automotiva no país vizinho é favorecida por menores custos de mão de obra, incentivos fiscais e localização geográfica estratégica, que facilita a logística de exportação para os Estados Unidos.

De acordo com relatos obtidos junto a representantes do setor, as reações variam. Enquanto algumas empresas decidiram suspender operações ou exportações, outras preferiram aguardar os desdobramentos para avaliar os impactos e decidir sobre possíveis mudanças. Mesmo com declarações comedidas, a maioria das montadoras demonstrou preocupação com o novo cenário.

Especialistas em economia e indústria automobilística projetam desaceleração no crescimento global do setor em 2025. Estimativas anteriores apontavam uma alta de 4% na produção e vendas mundiais de veículos, mas a expectativa agora é de revisão para baixo.

Parte dessa retração estaria ligada à elevação dos preços dos veículos importados nos Estados Unidos, que, segundo previsões de mercado, podem sofrer aumento de até US$ 12 mil. A elevação dos custos é considerada um fator decisivo para a queda na demanda.

Estudos indicam que a redução nas vendas pode chegar a 1 milhão de unidades, afetando diretamente a cadeia produtiva e o consumo.

Embora o aumento das tarifas possa, em tese, beneficiar montadoras nacionais, analistas afirmam que a substituição de modelos importados por similares produzidos nos Estados Unidos não é imediata. Consumidores que buscam marcas ou modelos específicos tendem a adiar a compra, em vez de migrar para veículos de outras fabricantes.

Outro impacto previsto é no processo de eletrificação da frota norte-americana. A fabricação de veículos elétricos depende fortemente de componentes importados, que também foram atingidos pelas novas tarifas. Isso pode atrasar a transição energética no setor e comprometer metas de descarbonização estabelecidas por governos e fabricantes.

A justificativa do presidente Donald Trump para a medida é baseada em alegações de desequilíbrio nas relações comerciais. Segundo ele, outros países impõem tarifas elevadas sobre veículos fabricados nos Estados Unidos.

Como exemplo, citou a União Europeia, que aplica uma alíquota de 10% sobre carros americanos, enquanto os EUA cobravam anteriormente 2,5% sobre automóveis europeus.

No entanto, o governo norte-americano já aplicava, antes da nova medida, uma tarifa de 25% sobre a importação de picapes — o segmento de maior volume de vendas no país. Especialistas apontam que, ao considerar esse dado, o argumento de desproporcionalidade perde força.

Trump declarou ainda que a política tarifária visa fortalecer a indústria automotiva nacional. Em 2024, dados da agência de classificação de risco Standard & Poor’s revelaram que 46% dos 16 milhões de veículos vendidos no país foram importados — mais de 7 milhões de unidades.

O mercado norte-americano, apesar da presença de grandes fabricantes locais como Ford e General Motors, depende fortemente das importações para atender à demanda.

Os principais países exportadores para os Estados Unidos incluem México, Japão, Coreia do Sul e Canadá. No caso mexicano, aproximadamente 76% da produção de veículos é destinada ao mercado norte-americano, o que representa mais de 3 milhões de unidades.

Com a imposição das tarifas, a tendência é que parte dessa produção fique sem destino, especialmente se as exportações forem interrompidas ou reduzidas significativamente.

Analistas destacam que o excedente da produção mexicana pode ser redirecionado para outros mercados, incluindo a América Latina. O Brasil é apontado como destino provável para esse fluxo, em razão do acordo de livre comércio firmado com o México.

A entrada de veículos mexicanos no mercado brasileiro em volumes maiores pode gerar impacto direto na competitividade da indústria nacional, especialmente em segmentos mais sensíveis a variações de preço.

A reconfiguração das relações comerciais e industriais provocada pela medida dos Estados Unidos está sendo monitorada de perto por governos, empresas e analistas.

As consequências para o mercado global de automóveis ainda são incertas, mas a expectativa é de que os efeitos se prolonguem ao longo dos próximos meses, com implicações tanto econômicas quanto geopolíticas.

¨      Empresas chinesas apostam na produção local e ampliam presença industrial no Brasil

Empresas chinesas do setor tecnológico e automotivo estão adotando uma nova estratégia para operar no mercado brasileiro: a instalação de fábricas em território nacional.

A mudança de abordagem busca contornar barreiras tarifárias, reduzir custos operacionais e fortalecer relações com países do Sul Global. A iniciativa marca uma transição da China de fornecedora global para investidora industrial com atuação local.

De acordo com o portal chinês Guancha, empresas como Xiaomi, OPPO e Vivo têm intensificado sua presença no Brasil por meio de fábricas e parcerias locais. A Vivo, por exemplo, iniciou operações no país sob a marca JOVI após a inauguração de sua unidade fabril em Manaus.

A entrada no mercado brasileiro, apesar de tardia, ocorre em um ambiente tributário complexo e com altas taxas de importação, que podem chegar a 60% sobre eletrônicos como smartphones.

A decisão por uma produção localizada reflete uma reação à política de proteção da indústria brasileira, que tradicionalmente impõe tarifas elevadas sobre produtos estrangeiros. Como exemplo, o iPhone 15 foi lançado no país a R$ 7.299, valor significativamente superior ao praticado nos Estados Unidos.

A Samsung, que fabrica produtos localmente desde 1999, consolidou sua vantagem competitiva nesse cenário. A Apple, mesmo com tentativas de nacionalização parcial da produção por meio da Foxconn, permanece com menos de 10% do mercado.

Empresas chinesas seguem esse modelo, firmando parcerias com companhias brasileiras como a Multi, que atua como intermediária tecnológica. A OPPO, ao instalar produção local, também busca adaptar produtos aos hábitos de consumo regionais, como o desenvolvimento de câmeras com funcionalidades voltadas ao público latino-americano.

O movimento de expansão industrial da China no Brasil ocorre em um contexto geopolítico global marcado por políticas de isolamento econômico.

Com a reeleição de Donald Trump em 2025 e o reforço de medidas protecionistas nos Estados Unidos, a China adotou estratégia oposta, promovendo parcerias e compartilhamento tecnológico com países em desenvolvimento.

“O que os países em desenvolvimento mais precisam é de tecnologias produtivas que permitam elevar a renda de suas populações. E a China está disposta a compartilhar isso”, afirma a reportagem do Guancha. Segundo o veículo, a atuação chinesa contribui para a criação de novas cadeias produtivas e para o fortalecimento da competitividade industrial local.

Fatores estruturais tornam o Brasil um destino atrativo para essas iniciativas. A urbanização atinge 87,6% da população, o Sistema Único de Saúde cobre 75% dos habitantes e o uso de smartphones alcança 85% da população. Além disso, dados da empresa AppAnnie apontam que brasileiros utilizam o celular por uma média de 5,4 horas diárias.

A entrada da DiDi no mercado brasileiro também reflete essa tendência. Após adquirir a plataforma 99, a companhia chinesa passou a atuar nos setores de transporte, pagamentos digitais — por meio da “99Pay” — e entregas. O modelo de cooperação inclui intercâmbio entre engenheiros chineses e equipes brasileiras, promovendo capacitação técnica e inovação no país.

A estratégia chinesa se assemelha a práticas adotadas em outros mercados. No Japão, a fabricante Hisense ultrapassou 40% de participação no setor de televisores em 2024 após a aquisição da divisão da Toshiba e o relançamento sob a marca REGZA.

A Haier, por sua vez, segue desde os anos 1990 uma política baseada em três frentes: produção e venda internas, produção nacional para exportação e produção local para consumo no exterior.

Na Europa e na Coreia do Sul, empresas chinesas também têm buscado diferenciação por meio da adaptação cultural e da colaboração com atores locais. O foco, segundo analistas, está em desenvolver valor compartilhado com os parceiros, superando estratégias meramente baseadas em preço.

O investimento chinês em países do Sul Global se distancia de práticas de extração de recursos naturais adotadas por antigas potências coloniais. Um exemplo citado pelo Guancha é o caso da Hungria, que se tornou o segundo maior produtor de veículos elétricos no mundo graças ao capital chinês, mantendo, ao mesmo tempo, autonomia política.

Para o especialista Lin Xueping, a estratégia tem êxito quando há integração produtiva e desenvolvimento conjunto. Um exemplo negativo ocorreu na Índia, onde uma empresa chinesa foi alvo de retaliação governamental por tentar operar sem transferência de conhecimento, importando tecnologia e mão de obra diretamente da China.

A atual expansão da China no exterior se baseia na ideia de reciprocidade e complementaridade. Assim como a Volkswagen contribuiu para o desenvolvimento da indústria automotiva chinesa na década de 1980, empresas chinesas agora buscam replicar esse modelo em outros mercados, com foco em geração de demanda e construção conjunta.

Diante da política externa dos Estados Unidos, marcada por medidas restritivas, a China tem respondido com investimentos industriais, acordos de cooperação e ampliação de parcerias produtivas.

A consolidação de fábricas chinesas no Brasil indica uma reconfiguração das relações comerciais e aponta para a formação de uma nova arquitetura econômica global, em que o país sul-americano ocupa posição estratégica na rota da industrialização tecnológica entre nações do Sul Global.

 

Fonte: JB/ig/g1/O Cafezinho

 

Nenhum comentário: