Cinzas
de queimadas reduzem seres vivos e comida em ambientes aquáticos, sugere estudo
Incêndios
florestais, além de devastarem quilômetros de áreas de vegetação, têm efeitos
profundos e subestimados sobre os ambientes aquáticos. Isso é o que sugere uma
pesquisa conduzida no Laboratório de Morfologia e Fisiologia de Culicidae e
Chironomidae (Lamfic2) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ao indicar que
as cinzas originadas de incêndios florestais causam danos significativos a uma
espécie de mosquito não picador usada como indicador de impactos ambientais
sobre organismos aquáticos.
Ao
verificar as consequências de cinzas de baixa a moderada intensidade, que são
as mais comuns e com menos compostos químicos, a pesquisa demostrou que larvas
de mosquitos não picadores da espécie Chironomus sancticaroli expostas as
cinzas sofreram redução da capacidade de transporte de oxigênio e aumentaram
sua capacidade de detoxificação aos metais. Além disso as cinzas foram capazes
de aumentar o estresse oxidativo, ou seja, uma dificuldade de compensar danos
sofridos em nível celular, o que expõe o ser vivo a doenças e complicações de
desenvolvimento.
Além
dos problemas biológicos, as larvas apresentaram retrocessos morfológicos, isto
é, deformações corporais. Exibiram redução no tamanho corporal, sugerindo
impactos do ambiente com cinzas no crescimento e no desenvolvimento da espécie.
Outros
organismos aquáticos também foram afetados, incluindo girinos, peixes e
minicrustáceos Daphnia magna. Esses animais apresentaram alterações
comportamentais e celulares ao serem expostos às cinzas. Com isso, os
resultados apontam que os incêndios florestais e a poluição por cinzas não
afetam apenas uma espécie, mas toda a cadeia alimentar aquática.
Publicados
na revista Journal of Hazardous Material, os resultados estão na tese de
doutorado da pesquisadora Ronnilda Maria Gonçalves Araujo e são parte de um
projeto mais amplo sobre os efeitos das cinzas pós-incêndio florestal sobre a
natureza. Além da UFPR, o projeto conta com cientistas de outras duas
instituições, as universidades federais de Santa Catarina (UFSC) e do Mato
Grosso (UFMT).
Para
Mário Antônio Navarro da Silva, professor do Departamento de Zoologia e
coordenador do Lamfic2, o estudo avança ao expor impactos frequentemente
ignorados das queimadas sobre os ecossistemas aquáticos.
“Os
efeitos adversos sobre a biota aquática são profundos e afetam não só os
organismos diretamente expostos, mas toda a cadeia trófica, que eventualmente
pode impactar o consumo humano”, alerta Navarro.
• Poluentes entram na cadeia alimentar e
chegam aos seres humanos
Uma das
dificuldades dos estudos de impacto de cinzas de queimadas sobre corpos d’água
é definir a composição dessas cinzas. Isso porque as cinzas de incêndios
florestais podem modificar de diferentes formas os parâmetros da água, como pH
(medida de acidez), turbidez (grau de “sujeira” visível na água) e concentração
de oxigênio. Para medir o melhor possível a situação, as amostras precisam ser
coletadas rapidamente em relação ao incêndio.
As
alterações causadas pelas cinzas comprometem a qualidade da água, tornando-a
imprópria para consumo humano e afetando a saúde de outros organismos
aquáticos. Quando a água contaminada por cinzas contém metais pesados e
hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), conhecidos pela ligação com
mutações genéticas e câncer, o risco à saúde humana se torna maior.
No
caso, as amostras de cinzas foram recolhidas do Parque Nacional de São Joaquim,
em Urubici (SC), em uma região montanhosa de Mata Atlântica. Nesse parque, as
queimadas são de baixa intensidade, com impactos menos significativos para a
fauna e a flora, e facilidade de contenção.
A
análise de cientistas do Grupo de Química Ambiental da UFPR mostrou que as
cinzas das pastagens contêm micro e nanopartículas com alta solubilidade — ou
seja, se integram à água — e são ricas em metais e HPAs, poluentes de difícil
degradação.
O
experimento indicou que adicionar essas cinzas à água aumentou o pH — ou seja,
mudou o ambiente deixando a água menos ácida — e os sólidos totais. Ao mesmo
tempo, diminuiu os níveis de oxigênio dissolvido, um elemento essencial para a
existência de fauna aquática.
Esses
contaminantes também são capazes de se transferir para a cadeia alimentar,
porque afeta seres que estão na base dessa cadeia. É o caso do Chironomus
sancticaroli, que desempenha papel fundamental nos ciclos da natureza pelos
quais matéria orgânica se transforma em nutrientes dentro d’água.
Como
presas de peixes e outros animais, esses organismos contaminados podem resultar
na bioacumulação de metais pesados e compostos tóxicos em níveis tróficos
superiores, chegando eventualmente ao consumo humano.
• Ensinamentos sobre políticas públicas e
colaborações científicas
Doutoranda
no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação de Biodiversidade da
UFMT, Ronnilda Araujo avalia que o controle rigoroso de queimadas é necessário
para minimizar os impactos da poluição por cinzas nos ecossistemas aquáticos,
devido à vulnerabilidade deles.
Quando
incêndios são seguidos por ventos e chuvas intensos, as cinzas são
transportadas para os corpos d’água, aumentando a contaminação e os riscos para
a fauna local e para as comunidades humanas que dependem desses recursos.
“É
essencial que as políticas públicas se concentrem não apenas na prevenção de
incêndios, mas também no monitoramento e no controle das cinzas após os
incêndios. A preservação da saúde dos ecossistemas aquáticos é fundamental para
garantir a sustentabilidade desses ambientes”.
A
pesquisa sugere ainda que as queimas controladas, uma estratégia de prevenção a
incêndios pela redução da vegetação seca, seja aplicada o mais distante
possível de ambientes aquáticos, a fim de minimizar os impactos sobre a
biodiversidade e a saúde pública.
Responsável
por reunir a equipe de cientistas, a pesquisadora é orientada na UFMT pelo
professor Bruno Renaly Souza Figueiredo, do Departamento de Ecologia e Zoologia
da UFSC, coordenador de projetos de pesquisa sobre poluição de ambientes
aquáticos por cinzas.
Em
estudos anteriores, o grupo da UFSC indicou que a contaminação por cinzas
impactar a cadeia alimentar ligada a rios e mares de duas formas: via
bioacumulação e redução do estoque de pescado.
“Os
organismos contaminados pelas cinzas podem transferir compostos tóxicos para
animais maiores, como peixes, que, ao serem consumidos pelo ser humano, podem
levar à intoxicação”, alerta Figueiredo.
A
inserção da UFPR nessa dinâmica expande horizontes de atuação, propiciando
ainda a interconexão de linhas de pesquisa já tradicionais na instituição, como
a zoologia e a química ambiental.
“Colaborações
não só aumentam a visibilidade, mas também favorecem a integração entre
diferentes áreas do conhecimento e contribuem para o avanço das pesquisas
interdisciplinares sobre as questões ambientais”, acredita Navarro.
Fonte:
Portal Ciência UFPR
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