sábado, 19 de abril de 2025

O peso da "zona de segurança" de Israel para o povo de Gaza

Israel fortaleceu ainda mais seus controles sobre a Faixa de Gaza, cujos 2,3 milhões de habitantes têm que viver num espaço cada vez mais reduzido, enquanto a ofensiva militar prossegue na estreita zona litorânea.

As Forças de Defesa Israelenses (IDF) informaram nesta quarta-feira (16/04) que consideram cerca de 30% da Faixa de Gaza como "zonas de segurança", nas quais os palestinos não podem residir.

Em 11 de abril, o ministro da Defesa Israel Katz já havia anunciado que as IDF haviam ocupado grandes áreas do sul de Gaza, incluindo o corredor de Morag, que atravessa Gaza entre Rafah e Khan Yunis. "Assim, todo o território entre o corredor Filadélfia e o de Morag torna-se parte da zona de segurança israelense", disse.

Os militares denominam "corredor Filadélfia" uma zona de segurança de 14 quilômetros de extensão entre Gaza e a fronteira egípcia. O novo corredor de Morag se estende por cerca de 12 quilômetros, de leste a oeste, isolando a cidade de Rafah da vizinha Khan Yunis; e o resto da Faixa, da passagem de fronteira para o Egito.

Na plataforma X, Katz acrescentou que "a Faixa de Gaza se torna menor e mais isolada, e cada vez mais habitantes serão obrigados a se retirar das zonas de combate". Além disso, exortou os palestinos a "tirar o poder do Hamas" e "dar fim à guerra".

Detendo o controle da Faixa de Gaza desde 2007, a organização islamista é apoiada pelo Irã e classificada como terrorista por diversos Estados. Tel Aviv tem sempre enfatizado que sua ofensiva militar seria um meio de pressionar o Hamas. A finalidade da política de "força máxima" seria garantir que os últimos 59 reféns israelenses do ataque de 7 de outubro de 2023 sejam libertados, e que o grupo extremista islâmico aceite um novo acordo.

·        Civis pagam o preço

Antes da guerra, Rafah e cercanias, no extremo sul de Gaza, contavam cerca de 200 mil moradores. Um deles é Abdul Rahman Abu Taha, que retornou em janeiro, após o início do cessar-fogo. Ele conta que apenas uma pequena porção da casa não fora destruída, porém a família permaneceu nas ruínas.

No começo de abril, dias antes da nova ofensiva israelense, contudo, o Exército voltou a dar ordens de evacuação, e o palestino de 51 anos e os seus tiveram que fugir novamente. Atualmente estão alojados numa barraca em Khan Yunis.

"Rafah está quase completamente destruída. Só muito poucas casas não sofreram algum tipo de dano. As ruas são só escombros, e precisam ser reconstruídas. Agora, eles vão provavelmente levar sua missão até o fim e destruir o que ainda restou."

Após o fim da primeira fase do cessar-fogo, no início de março, o governo israelense suspendeu todo o fornecimento de artigos comerciais e humanitários para a Faixa de Gaza. Em 14 de abril, a Organização das Nações Unidas advertiu que "a situação humanitária atual é provavelmente a pior desde a eclosão das hostilidades, 18 meses atrás".

"Justo quando a gente pensava que a guerra tinha acabado, ela voltou com toda violência. A carnificina continua, 24 horas por dia", relata Abu Taha. "O caos é maior ainda, a situação de segurança começa a piorar. É uma sensação assustadora." Ele está preocupado que sua cidade natal tenha aparentemente se transformado numa "zona de segurança".

Parece-lhe inimaginável que nunca mais vá poder retornar à casa, e sua esperança é que Israel "esteja fazendo isso agora para intimidar e exercer pressão política". No entanto permanece inquietante o fato de que "todo o futuro da Faixa de Gaza não é mais claro".

·        ONU teme consequências de bloqueios humanitários

Através de seus pontos de fronteira, Israel controla os movimentos entre os corredores de segurança ou isola as áreas. O novo corredor é denominado segundo o antigo assentamento israelense Morag, dissolvido em 2005 juntamente com o corredor de Netzarim, no centro de Gaza.

Segundo a imprensa, foram destruídas centenas de casas para o estabelecimento do corredor de Morag e a criação de uma zona-tampão de vários quilômetros de largura, contendo diversos pontos de apoio militares e um aparato de vigilância abrangente.

Até agora, o governo ultradireitista do premiê Benjamin Netanyahu não divulgou planos concretos para o pós-guerra em Gaza, insistindo sobretudo numa estratégia de "pressão máxima" sobre o Hamas.

Segundo grupos de direitos humanos, contudo, Tel Aviv estaria lançando os fundamentos para um controle militar permanente, ao dividir a Faixa em diversas zonas, através de corredores, e ampliar maciçamente a zona-tampão existente ao longo da fronteira.

Nesta quarta-feira, o ministro Katz admitiu que o Exército não se retirará necessariamente de certas áreas, acrescentando: "Até agora, centenas de milhares de moradores foram evacuados, parcelas consideráveis do território foram anexadas às zonas de segurança."

Durante o cessar-fogo, centenas de milhares de palestinos expulsos do sul puderam retornar ao norte. Agora, no entanto, as IDF ordenam que prossigam para o oeste. O Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) estima em 400 mil o número dos desalojados pela ofensiva mais recente.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, comentou no X: "Quase 70% da Faixa de Gaza está submetida agora às ordens de evacuação israelenses, ou definida como no-go area. Estou muito apreensivo de que a assistência continue a ser bloqueada, com consequências devastadoras."

·        "Limpeza étnica em larga escala"

Por sua vez, as forças ocupadoras têm repetido que as evacuações visavam manter a população civil fora das zonas de perigo. Algumas das operações também afetaram locais de onde foram lançados mísseis palestinos contra Israel.

No último fim de semana, Katz frisou que seu país possibilitaria a "todos que assim desejem" a "emigração voluntária" para países terceiros. Desse modo, ele se referiu ao "plano de reassentamento" aventado pelo presidente americano, Donald Trump, o qual, para a ONU, equivale a uma realocação compulsória.

A organização Breaking the Silence, que recolhe depoimentos de antigos soldados das IDF nos territórios palestinos, declarou nesta quarta-feira no X: "Eles a denominam uma 'zona-tampão' para a segurança. Porém ela já concentra 36% de toda a Faixa de Gaza. Transformá-la numa instituição permanente não passa de uma limpeza étnica em larga escala. A questão nunca foi segurança, mas sim controle. Expulsão e destruição não criam segurança."

Em abril, a ONG israelense publicou um relatório descrevendo a destruição sistemática de casas, infraestrutura e áreas agrícolas na zona-tampão, que teria sido basicamente transformada num tabu para os palestinos.

"Nós destruímos tudo lá: campos aráveis, cemitérios, zonas industriais, casas, é claro. As IDF partem do princípio de que assim ganhamos mais segurança. E por quê? Porque aí podemos ver quando o Hamas ou o Jihad Islâmico se aproximam", comentou Nadav Weiman, diretor da Breaking the Silence.

Grande parte do território declarado zona-tampão era antes utilizado na agricultura. Isso suscita questões sobre os efeitos de longo prazo, por exemplo se Gaza jamais será capaz de voltar a produzir parte de seus alimentos.

A família de Lamia Bahtiti, de 43 anos, abandonou na segunda semana de abril seu bairro, Shejaiya, no leste da cidade de Gaza, indo morar com parentes na zona oeste: "Todas as áreas próximas às fronteiras, no norte, sul e leste, foram ocupadas e agora se encontram sob ataque da artilharia. Todas as áreas próximas da Faixa de Gaza são bombardeadas a partir do ar. Não há como escapar."

A luta diária para manter sua família está cada vez mais dura: "Não há produtos de limpeza no mercado, nem água potável, alimentos suficientes, gás de cozinha, e o abastecimento de saúde é catastrófico. Gaza não é mais o que foi", lamenta Bahtiti. "A gente tenta sobreviver, por causa dos nossos filhos e da esperança de um futuro melhor."

¨      Israel ataca hospital em Gaza enquanto Hamas analisa nova proposta de cessar-fogo

Ao menos 17 palestinos foram mortos e 69 ficaram feridos em ataques israelenses na Faixa de Gaza nas últimas 24 horas desta terça-feira (15/04), de acordo com as informações fornecidas pelo Ministério da Saúde do enclave. Uma das ofensivas atingiu um hospital localizado em um campo de refugiados na região de Al-Mawasi, na província de Khan Younis, no sul, área onde centenas de milhares de palestinos buscam abrigos em tendas. 

O bombardeio direcionado ao Hospital do Kuwait matou um médico e feriu nove pessoas, incluindo diversos profissionais de saúde, de acordo com o porta-voz do centro hospitalar, Saber Mohammed.

“O direcionamento confirma a intenção deliberada da ocupação de infligir maiores danos ao sistema de saúde e ameaçar o tratamento dos feridos e doentes, mesmo em leitos hospitalares”, disse a pasta em um comunicado publicado no Telegram.

“Os crimes da ocupação contra instalações médicas não cessarão enquanto não houver uma posição firme das instituições internacionais e humanitárias. O Ministério da Saúde reitera seu apelo a todas as partes internacionais e interessadas em fornecer proteção aos hospitais e ao pessoal médico”, acrescentou.

Durante os 18 meses de massacre em Gaza, o Exército de Israel tem atacado inúmeros hospitais sob alegação de neles estarem membros do Hamas escondidos.

Em meio aos ataques, no dia anterior, o grupo palestino confirmou que recebeu uma proposta do governo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu para libertar um grupo de 10 reféns, incluindo um soldado americano-israelense, de acordo com um alto funcionário do movimento em entrevista à TV libanesa Al- Mayadeen.

Segundo o relato, a iniciativa também inclui um cessar-fogo nos combates por 45 dias, período no qual as travessias de fronteira seriam permitidas para a entrega de ajuda humanitária. 

O plano israelense também prevê a redistribuição das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) em Gaza para áreas ocupadas antes de 2 de março e um compromisso de negociar uma segunda fase. Essas negociações incluiriam discussões sobre um cessar-fogo permanente, a retirada militar do regime sionista, o desarmamento do Hamas e a futura governança do enclave palestino.

O Hamas afirmou, por meio de comunicado, que estava revisando a proposta israelense e responderia “o mais rápido possível”. Entretanto, um alto funcionário do grupo, Sami Abu Zuhri, afirmou à Al Jazeera que o movimento palestino não aceitaria qualquer exigência de desarmamento “enquanto houver uma ocupação”.

“O pedido para desarmar o Hamas nem é aceitável de se ouvir. Esta não é apenas uma linha vermelha, é um milhão de linhas vermelhas”, disse Abu Zuhri ao veículo.

·        Palestina pede fim do genocídio em Gaza

No âmbito do diálogo político de alto nível entre União Europeia e Palestina no Luxemburgo, o Ministério dos Relações Exteriores palestino instou a comunidade internacional a pôr fim aos crimes de Israel nos territórios ocupados.

No encontro, Mohammad Mustafa ressaltou a urgência de uma intervenção e pressão de nações estrangeiras para acabar integralmente a limpeza étnica promovida por Israel, que matou grande parte da população na Cisjordânia, incluindo Jerusalém, especialmente nos campos de refugiados no norte.

A autoridade também exigiu que o regime sionista desbloqueie a passagem de fronteira para Gaza, permitindo o acesso a recursos básicos, como alimentos, água e suprimentos médicos. 

A delegação palestina foi composta pelo ministro do Planejamento e Cooperação Internacional, Wael Zakout; o ministro de Estado das Relações Exteriores, Varsen Shaheen; o embaixador palestino na UE, Bélgica e Luxemburgo, Amal Jadou Shakaa; e o vice-ministro das Relações Exteriores, embaixador Omar Awadallah.

Por fim, o grupo de representantes reforçou os mecanismos de apoio ao Plano de Reconstrução de Gaza, adotado na Cúpula da Liga Árabe no Cairo e apoiado pela Organização de Cooperação Islâmica, enfatizando a necessidade de um plano para deter a agressão israelense e promover a ajuda humanitária.

 

Fonte: DW Brasil/Telesur 

 

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