Guerra
no Sudão faz 2 anos em cenário cada vez mais complexo
O Sudão,
terceiro maior país da África, vem enfrentando há dois anos uma espiral
negativa desde que um conflito entre os generais das Forças Armadas Sudanesas e
as Forças de Apoio Rápido escalou para uma guerra.
De
acordo com as Nações Unidas, o país do nordeste africano – rico em ouro,
petróleo e terras férteis – mergulhou em uma das maiores crises humanitárias e
de deslocamento forçado do mundo. Da população de 51 milhões, 64% agora
dependem de assistência humanitária, e cerca de 12 milhões foram
deslocadas.
Mulheres e meninas sudanesas foram
particularmente afetadas pela crise, pois não apenas constituem a maioria dos
deslocados, mas também sofrem com agressões sexuais generalizadas e estupros
coletivos.
Estimar
o número de mortos é difícil devido aos combates em andamento, mas dados mais
recentes de organizações humanitárias internacionais saltaram de cerca de 40
mil para 150 mil mortos.
À
medida que a guerra entra em seu terceiro ano nesta terça-feira (15/04), o país
corre cada vez mais o risco de ser dividido entre duas administrações rivais.
Para Hager
Ali, pesquisadora do Instituto para Estudos Globais e
Regionais (Giga), isso limitaria ainda mais a esperança de um fim à
violência. "Temos que olhar para um horizonte temporal de 20 anos ou mais.
O Sudão não precisa apenas de um acordo de paz, pois os cismas entre
o centro do país e a periferia, etnias, religiões e tribos se
aprofundaram", disse ela à DW.
Por que
a guerra começou? Em outubro de 2021, um golpe militar liderado pelo general Abdel-Fattah
Burhan,
das Forças Armadas Sudanesas (SAF), e apoiado por seu vice e chefe
dos paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF), general
Mohamed Hamdan Dagalo,
depôs o governo de transição do Sudão que tinha a tarefa de
implementar uma rota para a democracia.
No
entanto, após Burhan não conseguir criar um governo liderado por civis em
estreita cooperação com um Conselho Supremo liderado por militares e por
Dagalo, ambos os generais se desentenderam sobre a integração das
paramilitares RSF às SAF em meados de abril de 2023.
"A
guerra começou com um grande impasse na capital do Sudão, Cartum,
onde os combates se transformaram em uma guerra de trincheiras urbanas que se
espalhou por todo o país", disse Ali.
No
início deste ano, as SAF recapturaram Cartum e agora
controlam a maior parte do norte e leste do país, além da cidade central
de Wad Madani, numa região agrícola amplamente destruída.
Dagalo e
sua RSF, que emergiram da notória milícia Janjaweed, firmaram-se como
uma força importante na região de Darfur, no oeste do Sudão.
Ambos
os lados continuam a sitiar vários campos de refugiados na capital do estado
de Darfur do Norte, El-Fasher, onde a fome e os bombardeios
constantes estão matando civis, de acordo com relatos angustiantes de
testemunhas oculares, organizações humanitárias internacionais e da ONU.
Por que
a guerra ainda não acabou? De acordo com o Comitê Internacional de
Resgate, uma ONG global que responde às piores crises humanitárias do mundo, a
dinâmica do conflito no Sudão se tornou mais complexa nos
últimos 24 meses.
"O conflito está
atraindo mais grupos, fazendo com que um acordo de paz precise atender a
interesses diversos e, portanto, seja mais difícil negociar e sustentar",
disse Alexandra Janecek, porta-voz da ONG.
Além
disso, apoiadores regionais e internacionais "estão injetando armas
no Sudão, o que está desestabilizando o país e a região",
acrescentou.
As SAF contam
com o apoio político e militar do Egito e do Catar. As RSF são supostamente
apoiadas por entregas de armas dos Emirados Árabes Unidos através do
vizinho Chade.
Os Emirados
Árabes Unidos negaram as alegações, embora evidências sobre armas
produzidas pelos Emirados Árabes Unidos pareçam indicar o contrário.
Sociedade
civil é tábua de salvação. Cerca de 9 milhões de sudaneses fugiram para
outras regiões do país, e mais de 3,3 milhões partiram para
o Egito, Líbia, Chade ou Sudão do Sul. Lá, eles
enfrentam seus próprios desafios, incluindo violência, falta de ajuda
humanitária, problemas de visto e insegurança.
Aqueles
que permaneceram, apesar do conflito em curso, sofrem não apenas com
a violência e a fome, mas também com a infraestrutura em grande parte
colapsada, incluindo uma economia e um sistema de saúde em ruínas.
De
acordo com o Banco Central do Sudão, a libra sudanesa despencou e fez os
preços dos produtos nos mercados dispararem mais de 142% em 2024.
Enquanto
isso, a sociedade civil do Sudão se tornou uma tábua de salvação para a
população. Uma rede nacional das chamadas salas de emergência tem ajudado os
civis com informações sobre rotas de evacuação, cuidados médicos e necessidades
básicas. Esses grupos, vagamente conectados, surgiram do movimento de oposição
do Sudão que desempenhou um papel fundamental na deposição do
governante de longa data Omar Al-Bashir em 2019.
"Um
dos pontos fortes do movimento de oposição no Sudão sempre foi sua
heterogeneidade", disse Tareq Sydiq, especialista em movimentos de
protesto. "O movimento era composto por partidos políticos tradicionais,
sindicatos, associações profissionais e uma ampla gama de comitês clandestinos
de resistência", acrescentou.
Desde o
início da guerra em abril de 2023, esses grupos "reduziram o escopo de
suas demandas políticas e se concentraram na guerra e na proteção das
comunidades civis", ressaltou Sadiq.
Na
opinião do pesquisador, esse é um "repertório clássico de resistência que
visa mitigar os efeitos da guerra, mas também manter algum elemento da
organização social para tempos melhores que possam vir em algum momento".
Para Michelle
D'Arcy, diretora do escritório da organização humanitária Ajuda Popular
Norueguesa no Sudão, os esforços da sociedade
civil sudanesa continuam a servir como uma centelha de esperança.
"Existem
grupos inspiradores de jovens e mulheres que realmente se mobilizaram, clamando
por paz, um cessar-fogo, e pressionando para acabar com a guerra por meio de um
processo político, enquanto continuam a prestar serviços vitais em suas
comunidades", disse ela. "No entanto, eles também enfrentaram
desafios relacionados à polarização, ao espaço cívico limitado e ao acesso a
recursos."
Jancek,
do Comitê Internacional de Resgate, acrescentou que programas que antes
eram "uma tábua de salvação para milhões de sudaneses" estavam sendo
encerrados. "Pelo menos 60% das 1.400 cozinhas comunitárias que atendiam
cerca de 2 milhões de pessoas não conseguem mais funcionar", disse ela. O
principal motivo para isso é a falta de financiamento.
Nas
garras de uma crise humanitária. Segundo a ONU, dos 4,2 bilhões de dólares
(R$ 24,6 bilhões) necessários para fornecer ajuda humanitária em 2025, apenas
6,3% foram recebidos.
A
situação é ainda mais agravada pela recente decisão dos EUA de cortar
os gastos com ajuda externa. Em 2024, os fundos americanos representavam quase
metade de toda a assistência humanitária no Sudão.
"O Sudão continua
nas garras de uma crise humanitária de proporções alarmantes",
disse Edem Wosornu, do Escritório de Coordenação de Ajuda Humanitária
da ONU (OCHA), ao Conselho de Segurança da ONU em janeiro – com
a "crise provocada pelo homem" aparentemente longe do fim.
¨
Dois anos de guerra no Sudão: milhões de pessoas vivem
uma das maiores crises humanitárias do mundo
Assinado
pela Cáritas África, Caritas
Internationalis, Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Conferência das Igrejas de
África, Associação das Conferências Episcopais Membros da África Oriental e
pela Aliança ACT, o comunicado alerta que mais
de 30 milhões de pessoas (o que corresponde a mais de metade da população do
Sudão) “necessitam de assistência urgente”, mas o Sudão e o seu povo continuam
a ser “deixados na sombra, à medida que a crise continua a aumentar e as pessoas
lutam para sobreviver”.
“A
situação no Sudão é terrível e sem um forte impulso concertado para
as conversações de paz o conflito só irá piorar. (…) Temos de atuar de forma
decisiva para levar as partes à mesa de negociações e trabalhar no sentido de
uma resolução sustentável do conflito”, pode ler-se no texto, redigido na
sequência de um encontro entre os líderes das diferentes organizações que teve
lugar em Londres.
O
comunicado assinala que, só na passada sexta-feira, 11 de abril, um ataque
lançado pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) e milícias aliadas nos campos de
deslocados de Zamzam e Abu Shorouk e na cidade vizinha
de el-Fasher,
a capital da província de Darfur do norte, provocou pelo menos uma
centena de mortos, incluindo vinte crianças e nove trabalhadores humanitários.5
Um
grupo de relatores da ONU confirma, numa nota divulgada esta
terça-feira, que “a crise de fome extrema enfrentada pelo Sudão é a pior de
todo o mundo. Com os pequenos produtores a ter de escapar da violência, o
sistema de cultivo foi levado ao colapso. O preço do trigo e do sorgo está 100%
mais caro do que no ano passado”.
Além
disso, há “dezenas de milhares de casos de cólera e dengue” e “outra
preocupação grave é com a violência sexual, que se tem tornado uma arma de
conflito no Sudão”.
A mesma
nota da ONU News refere ainda dados da Unicef que indicam
que o número de menores a precisar de ajuda humanitária duplicou, tendo passado
de 7,8 milhões em 2023 para 15 milhões.
Citado
no comunicado conjunto das organizações católicas, o alto-comissário das Nações
Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, afirma que “dois anos deste
conflito brutal e sem sentido devem servir de alerta para que as partes
deponham as armas e para que a comunidade internacional aja.
O Sudão não deve permanecer neste caminho destrutivo”.
Também
no último domingo, o Papa havia já assinalado o “triste” segundo
aniversário do início do conflito no Sudão, “com milhares de mortes e
milhões de famílias forçadas a abandonar as próprias casas”.
“O
sofrimento das crianças, das mulheres e das pessoas vulneráveis clama aos céus
e implora-nos a agir. Renovo o meu apelo às partes envolvidas, para que ponham
fim à violência e assumam caminhos de diálogo, e à comunidade internacional,
para que não falte a ajuda essencial às populações”, escreveu Francisco,
na reflexão preparada para o Angelus.
¨
Não podemos “continuar a fechar os olhos ao Sudão”,
apelam organizações cristãs
O Sudão está a viver “a
maior e mais devastadora crise humana do mundo” e “a comunidade internacional
não pode continuar a fechar os olhos”. O apelo é feito por diferentes
organizações cristãs num comunicado conjunto divulgado esta terça-feira, 15 de
abril, data em que se assinala o segundo aniversário da guerra naquele país.
Assinado
pela Cáritas África, Caritas
Internationalis, Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Conferência das Igrejas de
África, Associação das Conferências Episcopais Membros da África Oriental e
pela Aliança ACT, o comunicado alerta que mais
de 30 milhões de pessoas (o que corresponde a mais de metade da população do
Sudão) “necessitam de assistência urgente”, mas o Sudão e o seu povo continuam
a ser “deixados na sombra, à medida que a crise continua a aumentar e as pessoas
lutam para sobreviver”.
“A
situação no Sudão é terrível e sem um forte impulso concertado para
as conversações de paz o conflito só irá piorar. (…) Temos de atuar de forma
decisiva para levar as partes à mesa de negociações e trabalhar no sentido de
uma resolução sustentável do conflito”, pode ler-se no texto, redigido na
sequência de um encontro entre os líderes das diferentes organizações que teve
lugar em Londres.
O
comunicado assinala que, só na passada sexta-feira, 11 de abril, um ataque
lançado pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) e milícias aliadas nos campos de
deslocados de Zamzam e Abu Shorouk e na cidade vizinha
de el-Fasher,
a capital da província de Darfur do norte, provocou pelo menos uma
centena de mortos, incluindo vinte crianças e nove trabalhadores humanitários.5
Um
grupo de relatores da ONU confirma, numa nota divulgada esta
terça-feira, que “a crise de fome extrema enfrentada pelo Sudão é a pior de
todo o mundo. Com os pequenos produtores a ter de escapar da violência, o
sistema de cultivo foi levado ao colapso. O preço do trigo e do sorgo está 100%
mais caro do que no ano passado”.
Além
disso, há “dezenas de milhares de casos de cólera e dengue” e “outra
preocupação grave é com a violência sexual, que se tem tornado uma arma de
conflito no Sudão”.
A mesma
nota da ONU News refere ainda dados da Unicef que indicam
que o número de menores a precisar de ajuda humanitária duplicou, tendo passado
de 7,8 milhões em 2023 para 15 milhões.
Citado
no comunicado conjunto das organizações católicas, o alto-comissário das Nações
Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, afirma que “dois anos deste
conflito brutal e sem sentido devem servir de alerta para que as partes
deponham as armas e para que a comunidade internacional aja.
O Sudão não deve permanecer neste caminho destrutivo”.
Também
no último domingo, o Papa havia já assinalado o “triste” segundo
aniversário do início do conflito no Sudão, “com milhares de mortes e
milhões de famílias forçadas a abandonar as próprias casas”.
“O
sofrimento das crianças, das mulheres e das pessoas vulneráveis clama aos céus
e implora-nos a agir. Renovo o meu apelo às partes envolvidas, para que ponham
fim à violência e assumam caminhos de diálogo, e à comunidade internacional,
para que não falte a ajuda essencial às populações”, escreveu Francisco,
na reflexão preparada para o Angelus.
Fonte: DW
Brasil/MSF/7MARGENS

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