segunda-feira, 21 de abril de 2025

Guerra no Sudão faz 2 anos em cenário cada vez mais complexo

O Sudão, terceiro maior país da África, vem enfrentando há dois anos uma espiral negativa desde que um conflito entre os generais das Forças Armadas Sudanesas e as Forças de Apoio Rápido escalou para uma guerra.

De acordo com as Nações Unidas, o país do nordeste africano – rico em ouro, petróleo e terras férteis – mergulhou em uma das maiores crises humanitárias e de deslocamento forçado do mundo. Da população de 51 milhões, 64% agora dependem de assistência humanitária, e cerca de 12 milhões foram deslocadas.

Mulheres e meninas sudanesas foram particularmente afetadas pela crise, pois não apenas constituem a maioria dos deslocados, mas também sofrem com agressões sexuais generalizadas e estupros coletivos.

Estimar o número de mortos é difícil devido aos combates em andamento, mas dados mais recentes de organizações humanitárias internacionais saltaram de cerca de 40 mil para 150 mil mortos.

À medida que a guerra entra em seu terceiro ano nesta terça-feira (15/04), o país corre cada vez mais o risco de ser dividido entre duas administrações rivais.

Para Hager Ali, pesquisadora do Instituto para Estudos Globais e Regionais (Giga), isso limitaria ainda mais a esperança de um fim à violência. "Temos que olhar para um horizonte temporal de 20 anos ou mais. O Sudão não precisa apenas de um acordo de paz, pois os cismas entre o centro do país e a periferia, etnias, religiões e tribos se aprofundaram", disse ela à DW.

Por que a guerra começou? Em outubro de 2021, um golpe militar liderado pelo general Abdel-Fattah Burhan, das Forças Armadas Sudanesas (SAF), e apoiado por seu vice e chefe dos paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF), general Mohamed Hamdan Dagalo, depôs o governo de transição do Sudão que tinha a tarefa de implementar uma rota para a democracia.

No entanto, após Burhan não conseguir criar um governo liderado por civis em estreita cooperação com um Conselho Supremo liderado por militares e por Dagalo, ambos os generais se desentenderam sobre a integração das paramilitares RSF às SAF em meados de abril de 2023.

"A guerra começou com um grande impasse na capital do Sudão, Cartum, onde os combates se transformaram em uma guerra de trincheiras urbanas que se espalhou por todo o país", disse Ali.

No início deste ano, as SAF recapturaram Cartum e agora controlam a maior parte do norte e leste do país, além da cidade central de Wad Madani, numa região agrícola amplamente destruída.

Dagalo e sua RSF, que emergiram da notória milícia Janjaweed, firmaram-se como uma força importante na região de Darfur, no oeste do Sudão.

Ambos os lados continuam a sitiar vários campos de refugiados na capital do estado de Darfur do Norte, El-Fasher, onde a fome e os bombardeios constantes estão matando civis, de acordo com relatos angustiantes de testemunhas oculares, organizações humanitárias internacionais e da ONU.

Por que a guerra ainda não acabou? De acordo com o Comitê Internacional de Resgate, uma ONG global que responde às piores crises humanitárias do mundo, a dinâmica do conflito no Sudão se tornou mais complexa nos últimos 24 meses.

"O conflito está atraindo mais grupos, fazendo com que um acordo de paz precise atender a interesses diversos e, portanto, seja mais difícil negociar e sustentar", disse Alexandra Janecek, porta-voz da ONG.

Além disso, apoiadores regionais e internacionais "estão injetando armas no Sudão, o que está desestabilizando o país e a região", acrescentou.

As SAF contam com o apoio político e militar do Egito e do Catar. As RSF são supostamente apoiadas por entregas de armas dos Emirados Árabes Unidos através do vizinho Chade.

Os Emirados Árabes Unidos negaram as alegações, embora evidências sobre armas produzidas pelos Emirados Árabes Unidos pareçam indicar o contrário.

Sociedade civil é tábua de salvação. Cerca de 9 milhões de sudaneses fugiram para outras regiões do país, e mais de 3,3 milhões partiram para o Egito, Líbia, Chade ou Sudão do Sul. Lá, eles enfrentam seus próprios desafios, incluindo violência, falta de ajuda humanitária, problemas de visto e insegurança.

Aqueles que permaneceram, apesar do conflito em curso, sofrem não apenas com a violência e a fome, mas também com a infraestrutura em grande parte colapsada, incluindo uma economia e um sistema de saúde em ruínas.

De acordo com o Banco Central do Sudão, a libra sudanesa despencou e fez os preços dos produtos nos mercados dispararem mais de 142% em 2024.

Enquanto isso, a sociedade civil do Sudão se tornou uma tábua de salvação para a população. Uma rede nacional das chamadas salas de emergência tem ajudado os civis com informações sobre rotas de evacuação, cuidados médicos e necessidades básicas. Esses grupos, vagamente conectados, surgiram do movimento de oposição do Sudão que desempenhou um papel fundamental na deposição do governante de longa data Omar Al-Bashir em 2019.

"Um dos pontos fortes do movimento de oposição no Sudão sempre foi sua heterogeneidade", disse Tareq Sydiq, especialista em movimentos de protesto. "O movimento era composto por partidos políticos tradicionais, sindicatos, associações profissionais e uma ampla gama de comitês clandestinos de resistência", acrescentou.

Desde o início da guerra em abril de 2023, esses grupos "reduziram o escopo de suas demandas políticas e se concentraram na guerra e na proteção das comunidades civis", ressaltou Sadiq.

Na opinião do pesquisador, esse é um "repertório clássico de resistência que visa mitigar os efeitos da guerra, mas também manter algum elemento da organização social para tempos melhores que possam vir em algum momento".

Para Michelle D'Arcy, diretora do escritório da organização humanitária Ajuda Popular Norueguesa no Sudão, os esforços da sociedade civil sudanesa continuam a servir como uma centelha de esperança.

"Existem grupos inspiradores de jovens e mulheres que realmente se mobilizaram, clamando por paz, um cessar-fogo, e pressionando para acabar com a guerra por meio de um processo político, enquanto continuam a prestar serviços vitais em suas comunidades", disse ela. "No entanto, eles também enfrentaram desafios relacionados à polarização, ao espaço cívico limitado e ao acesso a recursos."

Jancek, do Comitê Internacional de Resgate, acrescentou que programas que antes eram "uma tábua de salvação para milhões de sudaneses" estavam sendo encerrados. "Pelo menos 60% das 1.400 cozinhas comunitárias que atendiam cerca de 2 milhões de pessoas não conseguem mais funcionar", disse ela. O principal motivo para isso é a falta de financiamento.

Nas garras de uma crise humanitária. Segundo a ONU, dos 4,2 bilhões de dólares (R$ 24,6 bilhões) necessários para fornecer ajuda humanitária em 2025, apenas 6,3% foram recebidos.

A situação é ainda mais agravada pela recente decisão dos EUA de cortar os gastos com ajuda externa. Em 2024, os fundos americanos representavam quase metade de toda a assistência humanitária no Sudão.

"O Sudão continua nas garras de uma crise humanitária de proporções alarmantes", disse Edem Wosornu, do Escritório de Coordenação de Ajuda Humanitária da ONU (OCHA), ao Conselho de Segurança da ONU em janeiro – com a "crise provocada pelo homem" aparentemente longe do fim.

¨      Dois anos de guerra no Sudão: milhões de pessoas vivem uma das maiores crises humanitárias do mundo

Assinado pela Cáritas África, Caritas Internationalis, Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Conferência das Igrejas de África, Associação das Conferências Episcopais Membros da África Oriental e pela Aliança ACT, o comunicado alerta que mais de 30 milhões de pessoas (o que corresponde a mais de metade da população do Sudão) “necessitam de assistência urgente”, mas o Sudão e o seu povo continuam a ser “deixados na sombra, à medida que a crise continua a aumentar e as pessoas lutam para sobreviver”.

“A situação no Sudão é terrível e sem um forte impulso concertado para as conversações de paz o conflito só irá piorar. (…) Temos de atuar de forma decisiva para levar as partes à mesa de negociações e trabalhar no sentido de uma resolução sustentável do conflito”, pode ler-se no texto, redigido na sequência de um encontro entre os líderes das diferentes organizações que teve lugar em Londres.

O comunicado assinala que, só na passada sexta-feira, 11 de abril, um ataque lançado pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) e milícias aliadas nos campos de deslocados de Zamzam e Abu Shorouk e na cidade vizinha de el-Fasher, a capital da província de Darfur do norte, provocou pelo menos uma centena de mortos, incluindo vinte crianças e nove trabalhadores humanitários.5

Um grupo de relatores da ONU confirma, numa nota divulgada esta terça-feira, que “a crise de fome extrema enfrentada pelo Sudão é a pior de todo o mundo. Com os pequenos produtores a ter de escapar da violência, o sistema de cultivo foi levado ao colapso. O preço do trigo e do sorgo está 100% mais caro do que no ano passado”.

Além disso, há “dezenas de milhares de casos de cólera e dengue” e “outra preocupação grave é com a violência sexual, que se tem tornado uma arma de conflito no Sudão”.

A mesma nota da ONU News refere ainda dados da Unicef que indicam que o número de menores a precisar de ajuda humanitária duplicou, tendo passado de 7,8 milhões em 2023 para 15 milhões.

Citado no comunicado conjunto das organizações católicas, o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, afirma que “dois anos deste conflito brutal e sem sentido devem servir de alerta para que as partes deponham as armas e para que a comunidade internacional aja. O Sudão não deve permanecer neste caminho destrutivo”.

Também no último domingo, o Papa havia já assinalado o “triste” segundo aniversário do início do conflito no Sudão, “com milhares de mortes e milhões de famílias forçadas a abandonar as próprias casas”.

“O sofrimento das crianças, das mulheres e das pessoas vulneráveis clama aos céus e implora-nos a agir. Renovo o meu apelo às partes envolvidas, para que ponham fim à violência e assumam caminhos de diálogo, e à comunidade internacional, para que não falte a ajuda essencial às populações”, escreveu Francisco, na reflexão preparada para o Angelus.

¨      Não podemos “continuar a fechar os olhos ao Sudão”, apelam organizações cristãs

Sudão está a viver “a maior e mais devastadora crise humana do mundo” e “a comunidade internacional não pode continuar a fechar os olhos”. O apelo é feito por diferentes organizações cristãs num comunicado conjunto divulgado esta terça-feira, 15 de abril, data em que se assinala o segundo aniversário da guerra naquele país.

Assinado pela Cáritas África, Caritas Internationalis, Conselho Mundial de Igrejas (CMI), Conferência das Igrejas de África, Associação das Conferências Episcopais Membros da África Oriental e pela Aliança ACT, o comunicado alerta que mais de 30 milhões de pessoas (o que corresponde a mais de metade da população do Sudão) “necessitam de assistência urgente”, mas o Sudão e o seu povo continuam a ser “deixados na sombra, à medida que a crise continua a aumentar e as pessoas lutam para sobreviver”.

“A situação no Sudão é terrível e sem um forte impulso concertado para as conversações de paz o conflito só irá piorar. (…) Temos de atuar de forma decisiva para levar as partes à mesa de negociações e trabalhar no sentido de uma resolução sustentável do conflito”, pode ler-se no texto, redigido na sequência de um encontro entre os líderes das diferentes organizações que teve lugar em Londres.

O comunicado assinala que, só na passada sexta-feira, 11 de abril, um ataque lançado pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) e milícias aliadas nos campos de deslocados de Zamzam e Abu Shorouk e na cidade vizinha de el-Fasher, a capital da província de Darfur do norte, provocou pelo menos uma centena de mortos, incluindo vinte crianças e nove trabalhadores humanitários.5

Um grupo de relatores da ONU confirma, numa nota divulgada esta terça-feira, que “a crise de fome extrema enfrentada pelo Sudão é a pior de todo o mundo. Com os pequenos produtores a ter de escapar da violência, o sistema de cultivo foi levado ao colapso. O preço do trigo e do sorgo está 100% mais caro do que no ano passado”.

Além disso, há “dezenas de milhares de casos de cólera e dengue” e “outra preocupação grave é com a violência sexual, que se tem tornado uma arma de conflito no Sudão”.

A mesma nota da ONU News refere ainda dados da Unicef que indicam que o número de menores a precisar de ajuda humanitária duplicou, tendo passado de 7,8 milhões em 2023 para 15 milhões.

Citado no comunicado conjunto das organizações católicas, o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk, afirma que “dois anos deste conflito brutal e sem sentido devem servir de alerta para que as partes deponham as armas e para que a comunidade internacional aja. O Sudão não deve permanecer neste caminho destrutivo”.

Também no último domingo, o Papa havia já assinalado o “triste” segundo aniversário do início do conflito no Sudão, “com milhares de mortes e milhões de famílias forçadas a abandonar as próprias casas”.

“O sofrimento das crianças, das mulheres e das pessoas vulneráveis clama aos céus e implora-nos a agir. Renovo o meu apelo às partes envolvidas, para que ponham fim à violência e assumam caminhos de diálogo, e à comunidade internacional, para que não falte a ajuda essencial às populações”, escreveu Francisco, na reflexão preparada para o Angelus.

 

Fonte: DW Brasil/MSF/7MARGENS

 

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