Na guerra comercial, a China tem mais cartas
na manga do que Trump pode imaginar, garante Linggong Kong
"A
estratégia tarifária de Trump já levou a China e autoridades da União Europeia a considerar o
fortalecimento de suas próprias relações comerciais, anteriormente tensas, algo
que poderia enfraquecer a aliança transatlântica que buscava se desvincular
da China",
escreve Linggong Kong, doutorando em Ciência Política na Universidade
de Auburn.
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Eis o artigo.
Quando Donald Trump recuou em seu
plano de impor tarifas altíssimas aos parceiros comerciais ao redor do mundo,
houve uma exceção importante: a China.
Enquanto
o restante do mundo ganharia uma trégua de 90 dias
sobre tarifas adicionais além dos novos 10% impostos a todos os parceiros
comerciais dos EUA, a China sentiria ainda mais pressão. Em
09-09-2025, Trump aumentou a tarifa sobre produtos chineses para 125%
– elevando o total de tarifas dos EUA sobre algumas
importações chinesas para 145%.
Segundo
Trump, a medida foi motivada pela “falta de respeito da China pelos
mercados globais”. Mas é bem possível que o presidente dos EUA estivesse
reagindo à aparente disposição de Pequim em enfrentar de frente
as tarifas americanas.
Enquanto
muitos países optaram por não retaliar contra os aumentos de tarifas recíprocas
– agora adiadas por Trump – preferindo a negociação e o
diálogo, Pequim escolheu outro
caminho. Respondeu com contramedidas rápidas e firmes. Em 11 de abril,
a China classificou as ações de Trump como uma “piada” e
aumentou sua própria tarifa contra os EUA para 125%.
As duas
economias estão agora presas em um impasse comercial intenso e total. E a China
não demonstra nenhum sinal de recuo.
Como
especialista em relações entre EUA e
China,
não esperaria mesmo que recuasse. Diferente da primeira guerra comercial entre os dois
países, durante o primeiro mandato de Trump, quando Pequim buscava negociar
ativamente com os EUA, a China agora tem muito mais poder de barganha.
De
fato, Pequim acredita que pode causar pelo menos tanto dano aos
Estados Unidos quanto os EUA podem causar a ela – ao mesmo tempo em que expande
sua posição global.
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Um cálculo diferente para a China
Não há
dúvida de que as consequências das tarifas são severas para os fabricantes
chineses voltados à exportação – especialmente aqueles localizados nas regiões
costeiras, que produzem móveis, roupas, brinquedos e eletrodomésticos para os
consumidores americanos.
Mas
desde que Trump lançou seu primeiro aumento de tarifas contra
a China em 2018, diversos fatores econômicos fundamentais mudaram
significativamente o <><> cálculo de Pequim.
Um novo
cálculo para a China
Crucialmente,
a importância do mercado dos EUA para a economia chinesa voltada à exportação
caiu de forma significativa. Em 2018, no início da primeira guerra comercial,
as exportações com destino aos EUA representavam 19,8% do total das exportações
chinesas. Em 2023, esse número havia caído para 12,8%. As tarifas podem ainda
acelerar a estratégia da China de “expansão da demanda interna”, liberando o
poder de consumo de sua população e fortalecendo sua economia doméstica.
Além
disso, enquanto a China entrou na guerra comercial de 2018 em uma
fase de forte crescimento econômico, o cenário atual é bem diferente. Mercados
imobiliários estagnados, fuga de capitais e o movimento de “desacoplamento”
promovido por países ocidentais empurraram a economia chinesa para um período
de desaceleração persistente.
Curiosamente,
essa desaceleração prolongada pode ter tornado a economia chinesa mais
resiliente a choques. Ela forçou empresas e formuladores de políticas a levarem
em conta realidades econômicas difíceis já existentes — mesmo antes do impacto
das tarifas de Trump.
A
política tarifária de Trump contra a China também pode
oferecer a Pequim um bode expiatório externo conveniente, permitindo
que mobilize o sentimento público e desvie a culpa pela desaceleração econômica
para a “agressão” dos EUA.
A China
também entende que os EUA não podem substituir facilmente sua
dependência dos produtos chineses, especialmente em termos de cadeias de
suprimentos. Embora as importações diretas dos EUA da China tenham diminuído,
muitos produtos agora importados de terceiros países ainda dependem de
componentes ou matérias-primas fabricadas na China.
Em
2022, os EUA dependiam da China para 532 categorias de
produtos essenciais — quase quatro vezes mais do que no ano 2000 — enquanto, no
mesmo período, a dependência chinesa de produtos norte-americanos foi reduzida
pela metade.
Há
também um cálculo relacionado à opinião pública: espera-se que o aumento das
tarifas eleve os preços, algo que pode gerar insatisfação entre os consumidores
americanos, especialmente entre os eleitores da classe trabalhadora. De
fato, Pequim acredita que as tarifas de Trump correm o
risco de empurrar a até então forte economia dos EUA
para uma recessão.
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Ferramentas potentes de retaliação
Além do
novo cenário econômico, a China também possui
diversas ferramentas estratégicas para retaliar os Estados Unidos.
Ela
domina a cadeia global de suprimento de "terras raras" – elementos
críticos para as indústrias militar e de alta tecnologia – fornecendo, segundo
algumas estimativas, cerca de 72% das importações americanas desses materiais.
Em 4 de março, a China incluiu 15 entidades americanas em sua lista de controle
de exportações, seguida por mais 12 em 9 de abril. Muitas delas eram
contratadas da área de defesa dos EUA ou empresas de tecnologia fortemente
dependentes de terras raras para fabricar seus produtos.
A China também
mantém a capacidade de mirar em setores-chave das exportações agrícolas dos
EUA, como aves e soja – indústrias fortemente dependentes da demanda chinesa e
concentradas em estados com tendência republicana. A China representa cerca de
metade das exportações de soja dos EUA e quase 10% das exportações de
carne de frango. Em 4 de março, Pequim revogou as autorizações de importação de
três grandes exportadoras americanas de soja.
No
setor de tecnologia, muitas empresas americanas – como Apple e Tesla – continuam
profundamente dependentes da manufatura chinesa. As tarifas ameaçam reduzir
significativamente suas margens de lucro, algo que Pequim acredita poder usar
como alavanca contra o governo Trump. Já há relatos de que a China esteja se
preparando para retaliar por meio de pressão regulatória sobre empresas dos EUA
que operam em território chinês.
Enquanto
isso, o fato de Elon Musk – um aliado
influente de Trump, mas que entrou em conflito com o conselheiro
comercial Peter Navarro sobre tarifas –
ter grandes interesses comerciais na China é uma brecha estratégica que Pequim
ainda pode explorar, tentando dividir a administração Trump a partir
de dentro.
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Uma oportunidade estratégica para a China?
Embora
Pequim acredite que pode resistir às tarifas generalizadas
de Trump em uma base bilateral, também enxerga que o ataque mais
amplo dos EUA contra seus próprios parceiros comerciais criou uma oportunidade
estratégica de geração para deslocar a hegemonia americana.
Mais
perto de casa, essa mudança pode redesenhar de forma significativa o cenário
geopolítico do Leste Asiático. Já em 30 de março – após o primeiro
aumento tarifário
de Trump contra Pequim – China, Japão e Coreia
do Sul realizaram seu primeiro diálogo econômico em cinco anos e se
comprometeram a avançar com um acordo de livre comércio trilateral.
Esse
movimento foi particularmente notável, considerando o quanto os Estados
Unidos haviam investido, durante o governo Biden, em fortalecer suas
alianças com Japão e Coreia do Sul como parte de uma
estratégia para conter a influência regional da China. Do ponto de vista
de Pequim, as ações de Trump representam uma oportunidade direta de enfraquecer
a influência americana no Indo-Pacífico.
De
maneira semelhante, as altas tarifas de Trump sobre os países
do Sudeste Asiático, que também foram
uma grande prioridade estratégica regional durante o governo Biden, podem
aproximar essas nações da China. A mídia estatal chinesa anunciou em 11 de
abril que o presidente Xi Jinping fará visitas de
estado ao Vietnã, Malásia e Camboja de 14 a 18 de
abril, com o objetivo de aprofundar a "cooperação abrangente" com os
países vizinhos. Vale ressaltar que todas as três nações do Sudeste Asiático foram
alvo de tarifas recíprocas, agora suspensas, pela
administração Trump – 49% sobre produtos cambojanos, 46% sobre
exportações vietnamitas e 24% sobre produtos da Malásia.
Mais
distante da China, há uma oportunidade estratégica ainda mais promissora.
A estratégia tarifária de Trump já levou a China e
autoridades da União Europeia a considerar o fortalecimento de suas
próprias relações comerciais, anteriormente tensas, algo que poderia
enfraquecer a aliança transatlântica que buscava se desvincular da China.
Em 8 de
abril, a presidente da Comissão Europeia fez uma ligação com o
primeiro-ministro da China, durante a qual ambos os lados condenaram
conjuntamente o protecionismo comercial dos EUA e defenderam o comércio livre e
aberto. Coincidentemente, em 9 de abril, no dia em que
a China aumentou as tarifas sobre produtos dos EUA para
84%, a UE também anunciou sua primeira onda de medidas retaliatórias
– impondo uma tarifa de 25% sobre importações selecionadas dos EUA no valor superior
a 20 bilhões de euros – mas adiou a implementação após a pausa de 90 dias
de Trump.
Agora,
autoridades da UE e da China estão em
negociações sobre barreiras comerciais existentes e considerando a realização
de uma cúpula plena na China em julho.
Finalmente,
a China vê na política tarifária de Trump um
enfraquecimento potencial da posição internacional do dólar dos EUA. As
tarifas amplamente impostas a vários países abalaram a confiança dos
investidores na economia dos EUA, contribuindo para a queda do valor do dólar.
Tradicionalmente,
o dólar e os títulos do
Tesouro dos EUA eram vistos como ativos de refúgio, mas a recente turbulência
no mercado colocou em dúvida esse status. Ao mesmo tempo, as altas
tarifas aumentaram as preocupações sobre a saúde da economia dos EUA e a
sustentabilidade de sua dívida, minando a confiança tanto no dólar quanto nos
títulos do Tesouro dos EUA.
Embora
as tarifas de Trump inevitavelmente prejudiquem partes da economia
chinesa, Pequim parece ter muito mais cartas a jogar desta vez. Ela
possui as ferramentas para causar danos significativos aos interesses dos EUA –
e talvez mais importante, a guerra tarifária total de Trump está
oferecendo à China uma oportunidade estratégica rara e sem
precedentes.
¨
“A China está vencendo a
guerra comercial porque tem uma sociedade mais resiliente", diz Evandro
Carvalho
A crescente rivalidade econômica e
geopolítica entre Estados Unidos e China foi tema de uma entrevista concedida
pelo jurista e professor Evandro Menezes de Carvalho ao jornalista Leonardo
Attuch, editor da TV 247. Autor do livro “China: Tradição e Modernidade na
Governança do País”, o jurista é considerado um dos maiores sinólogos do Brasil
e defende que a vitória chinesa na guerra comercial é resultado direto da
resiliência de sua sociedade e da eficácia de seu sistema de governança.
“O que estamos constatando é que a sociedade
chinesa é mais resiliente e que por isso está vencendo a guerra comercial”,
afirmou Carvalho. Para ele, a preparação estratégica da China, combinada com
investimentos pesados em ciência, tecnologia e educação, está permitindo ao
país não apenas resistir à pressão dos Estados Unidos, mas ultrapassá-los em
setores-chave. “A China já está vencendo em todas as indústrias da fronteira
tecnológica”, destacou.
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Carvalho lembra que a mudança de postura
chinesa foi anunciada pelo próprio presidente Xi Jinping ainda em 2017, quando
declarou que a China estava se aproximando do centro do palco mundial e que
isso exigiria maiores responsabilidades. “Isso representava uma mudança em
relação ao discurso de Deng Xiaoping, que defendia uma postura mais discreta,
mas era sobretudo uma constatação: a inevitabilidade de se tornar a maior
economia do mundo”, disse.
De acordo com o sinólogo, esse movimento não
foi improvisado. “A China já vem se preparando para este cenário de guerra
comercial há muitos anos”, ressaltou. E os resultados são visíveis: “No ano
passado, a China teve um superávit com o resto do mundo de US$ 1 trilhão”.
Carvalho também faz críticas diretas à visão
que o Ocidente tem da China. “Há uma empáfia dos Estados Unidos, que se veem
como fortes demais. Esse é um vício da potência hegemônica. Há uma cegueira
sobre a China”, afirmou. Na avaliação do especialista, essa arrogância impede
que os EUA compreendam a profundidade das transformações em curso no país
asiático. “Os Estados Unidos são um país fraturado, como a maioria das
sociedades ocidentais”, disse.
<><> Mais participação popular
O sistema político chinês, segundo Carvalho,
combina elementos do marxismo com a tradição milenar da cultura chinesa. “A
sabedoria chinesa explica a governança chinesa”, observou. Ele argumenta que a
China se define como uma democracia de processo integral, com ampla
participação popular — um processo que está em constante expansão. “Eles estão
construindo um processo de participação popular cada vez mais intenso”, disse.
“A China está mostrando ser uma república mais avançada do que as democracias
do Ocidente.”
No campo científico e educacional, os avanços
também são notáveis. “A China hoje tem várias universidades de primeira linha e
está muito avançada em todas as tecnologias. Já supera os Estados Unidos em
patentes e artigos científicos. O investimento é nas mentes. A ideia de uma
China imparável parte daí”, afirmou. Ele acrescenta que “até para cooperar com
a China no mesmo nível, é preciso investir em muita educação e pesquisa”.
<><> Vassalagem e cooperação
Carvalho também abordou o papel do Brasil e
da América Latina nesse novo equilíbrio global. “O Brasil e a América Latina
sempre terão que lidar com essa balança, entre China e Estados Unidos”, disse.
Para ele, o desafio está em manter a soberania. “Lamentavelmente, algumas
autoridades estadunidenses ainda se referem à América Latina como quintal. Os
Estados Unidos querem estabelecer uma relação de vassalagem com a América
Latina, enquanto a China busca a cooperação”, afirmou. Nesse contexto, o Brasil
precisa agir com equilíbrio. “O Brasil deve ter a habilidade para manter uma
relação soberana com os Estados Unidos e aprofundar suas relações com a China.”
Graduado em Direito pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE) e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São
Paulo (USP), Evandro Carvalho é uma das principais vozes no Brasil quando o
assunto é China. Seu olhar crítico sobre o Ocidente e sua compreensão profunda
da cultura e da política chinesas oferecem uma contribuição importante ao
debate sobre os rumos da geopolítica mundial.
<><> China "tem as
cartas" na guerra comercial contra Trump, diz Financial Times
O jornal londrino Financial Times avalia que
as tarifas dos Estados Unidos sobre a China podem não surtir o efeito esperado
pelo presidente americano, Donald Trump, uma vez que Beijing "tem as
cartas" para retaliar.
Na quarta-feira (16), a Casa Branca afirmou
que os EUA imporiam tarifas de até 245% sobre produtos importados da China como
medida de resposta à retaliação chinesa.
Segundo o FT, alguns fatores contribuem para
a posição de vantagem da China na guerra comercial:
• Superávit
comercial de mais de 300 bilhões de dólares favorável à China em relação aos
EUA, permitindo ao país asiático que substitua importações mais facilmente;
• Exportação
de produtos de alta tecnologia aos EUA, como semicondutores;
• Nearshoring
chinês em países do sudeste asiático, reduzindo a exposição do país às tarifas
de Trump;
• Títulos
da dívida dos EUA detidos pela China, que poderiam ser utilizado como uma arma
contra o dólar;
• Dependência
americana em minerais críticos chineses, que tiveram recentemente suas
exportações restringidas em resposta às tarifas
De acordo com a análise, publicada nesta
quarta-feira, "Beijing tem bastante poder de negociação em uma guerra
comercial com os Estados Unidos. A questão é até que ponto pode usar essa
vantagem sem sofrer ainda mais danos".
Fonte: The Conversation/Brasil 247

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