O que é a 'supercana' de Eike Batista, a nova
aposta para reerguer seu império
Depois de quase uma década longe dos
holofotes, o empresário Eike Batista anunciou no fim de fevereiro em suas redes
sociais que estava "de volta".
"I'm back", ele escreveu no X, ao
compartilhar uma notícia da plataforma de informações financeiras Bloomberg em
que ele alegava ter garantido investimento de US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,95
bilhões) para seu mais recente empreendimento: explorar uma nova variedade de
cana-de-açúcar como matéria-prima para a produção de combustível de aviação e
embalagens sustentáveis.
Também em inglês, o post seguinte marcava
Elon Musk, o bilionário à frente do X e de empresas como Tesla e SpaceX:
"Hey @elonmusk, remember Rio '08? Let's talk supercana and X!"
('"Hey Elon Musk, lembra do Rio em 2008? Vamos falar de supercana e
X!")
O texto fazia referência a um suposto
encontro dele com o atual conselheiro sênior da gestão Donald Trump na Casa
Branca — um churrasco na casa de Eike — e à aposta do empresário brasileiro no
que apelidou de "supercana".
Nos comentários, as opiniões se dividiram.
Alguns o parabenizaram pelo retorno ao mundo dos negócios, expressaram
admiração por sua trajetória, enquanto outros reagiram com ceticismo e com
críticas ácidas, muitas respondidas pelo empresário.
"Nossa, como gosto de haters!!!",
ele chegou a rebater, em maiúsculas.
Parte da desconfiança se deve à trajetória de
ascensão e ruína de Eike e de seu "império X", um conglomerado que
reuniu empresas de logística, óleo e gás e mineração no final da década de 2000
e que em poucos anos desmoronou em meio a escândalos envolvendo, por exemplo, o
suposto superdimensionamento do potencial de projetos nos quais as companhias
estavam envolvidas.
À BBC News Brasil, Eike se defendeu
argumentando que parte dos objetivos ambiciosos daquela época não se
concretizaram porque os brasileiros, "por uma questão cultural", não
lhe deram o tempo de que precisava para reerguer seu negócio quando ele se viu
diante de uma "crisezinha".
E citou mais uma vez Elon Musk, que teria
"quase pedido falência em 2019", para depois encaixar uma trajetória
de crescimento em suas empresas.
"Só que, nos Estados Unidos, o pessoal
tem mais paciência. Viu que o projeto era bom e disse: 'Tá certo, vamos dar
mais uma oportunidade'. Deixou ele levantar mais recursos na bolsa",
completou, em entrevista por viodeconferência de seu escritório no Rio de
Janeiro.
Ele também se disse vítima da má gestão de
executivos da empresa, que estariam entre os responsáveis pelos números que
alimentaram as estimativas demasiadamente otimistas, comparando sua situação
com o que aconteceu recentemente com as Americanas, que esteve no centro de uma
fraude contábil.
Eike chegou a ser o homem mais rico do
Brasil, com uma fortuna que atingiu US$ 34,5 bilhões em 2012.
Foi preso em 2017 e detido em 2019 no escopo
da Operação Lava Jato, assinou acordo de delação premiada com a
Procuradoria-Geral da República em 2020 e foi condenado pela Justiça Federal do
Rio por crimes contra o mercado de capitais em 2021.
Ele é alvo de cinco ações penais em andamento
e recorre em todas elas. Parte de seu patrimônio ainda está bloqueada pela
Justiça.
Um dos aspectos mais marcantes da derrocada
do império X foram as promessas bilionárias que não se concretizaram, em
especial as reservas de petróleo da OGX, que acabaram revisadas para uma fração
do previsto inicialmente, dando início à crise que engoliu o grupo em 2013.
Daí o ceticismo em torno da
"supercana" que o empresário tenta agora promover, que produziria de
duas a três vezes mais etanol por hectare do que a cana convencional e de 7 a
12 vezes mais bagaço, na mesma comparação.
Essa não é, contudo, a única razão.
• Novo
capítulo de uma história antiga
Muita gente da indústria canavieira olhou
para o anúncio com ressalvas.
Primeiro, porque o setor passou anos
investindo em pesquisas de variedades de cana-de-açúcar semelhantes à do
projeto, que produzissem mais bagaço, e acabou abandonando a maioria das
iniciativas, que muitas vezes não se mostraram economicamente viáveis.
Depois, porque o próprio negócio que é hoje
foco do empresário também tem uma história que críticos veem como fracassada.
O empresário Rubens Ometto, controlador da
Cosan, conglomerado que atua na produção de etanol e açúcar, tocou em ambos os
assuntos em um comentário breve durante uma conferência promovida pelo banco
BTG Pactual em fevereiro.
"Falar do Eike... É difícil criticar,
mas já fizemos isso e abortamos. Começamos pequenos e abortamos. Conheço os
técnicos que estão lá, que eram daquela empresa da Votorantim...", ele
disse.
Um dos técnicos aos quais Ometto faz
referência é o agrônomo Sizuo Matsuoka, que há décadas se dedica ao
melhoramento genético da cana-de-açúcar e é personagem central da nova
empreitada de Eike Batista.
Por e-mail, ele declinou o pedido de
entrevista feito pela BBC News Brasil.
Neto de imigrantes japoneses, Matsuoka
começou a estudar sobre cana-de-açúcar em 1968 no Instituto Agronômico de
Campinas (IAC) e foi professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
No início dos anos 2000, fez parte da equipe
que fundou a CanaVialis, uma iniciativa da Votorantim Novos Negócios focada no
melhoramento genético da cana com diferentes finalidades, para desenvolvimento
de variedades que produzissem mais açúcar, por exemplo, ou mais bagaço.
A pesquisa do agrônomo se concentrou nessa
última vertente, que acabou ficando conhecida no setor como
"cana-energia".
Nesse tipo de aplicação, a biomassa da cana
(o bagaço) é, de forma simplificada, queimada para produzir energia.
A lógica é a mesma da lenha ou de qualquer
outra matéria orgânica usada com fim semelhante: o calor da queima esquenta
água até que ela produza vapor, que deve então ser capaz de girar uma turbina
para converter energia mecânica em energia elétrica.
Por isso, o foco do melhoramento genético em
variedades que produzissem mais bagaço. Quanto mais bagaço, mais insumo para
queimar.
"Cana-energia nada mais é do que você
tentar selecionar variedades de cana que, em vez de produzirem açúcar,
transformem esse açúcar em celulose", explica Fernando Reinach, que foi
contemporâneo de Matsuoka na CanaVialis e presidente da companhia.
"Ela não é uma 'supercana'. É
selecionada para, em vez de produzir açúcar, produzir energia."
Em 2008, a CanaVialis foi vendida para a
Monsanto, que fechou a empresa em 2015. Muito antes disso, contudo, Matsuoka
havia deixado a companhia para investir no próprio negócio, batizado de Vignis,
e dar continuidade à sua pesquisa.
Em uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo
em 2014, ele disse que a decisão de sair se deu porque sabia que a ideia da
cana voltada para a produção de biomassa e energia ia "se perder" na
CanaVialis, que teria eleito outras prioridades de pesquisa.
A Vignis operou entre 2011 e 2017, quando
entrou em recuperação judicial. Eike se aproximou de Matsuoka ainda em 2015,
quando, por meio de uma companhia batizada de BRX, embarcou no negócio.
Na visão do empresário, a falência da Vignis
foi de certa forma efeito colateral das dificuldades financeiras que o grupo
Odebrecht, que era então um de seus principais clientes, passou a enfrentar
quando se viu no centro da Operação Lava Jato.
"Se a Odebrecht não tivesse quebrado lá
atrás, essa empresa [Vignis] já estaria voando há muito tempo", ele
comentou durante a conversa com a reportagem.
Apesar do revés, ainda segundo Eike, o
agrônomo insistiu na pesquisa nesses últimos anos, tendo importado germoplasmas
(material genético) de cana-de-açúcar dos Estados Unidos, da França e da ilha
de Barbados e promovido cruzamentos para desenvolver 17 novas variedades.
"Por isso que a gente chama esse o maior
programa de melhoramento genético convencional do mundo", diz Eike.
O "convencional" se deve ao fato de
que as variedades são desenvolvidas a partir do cruzamento de plantas, ao
contrário, por exemplo, da engenharia genética feita em laboratório, que produz
plantas geneticamente modificadas.
• As
críticas
Na última década, contudo, os projetos na
área de cana-energia têm sido abandonados pelos principais centros de pesquisa
do país.
O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma
das referências globais no desenvolvimento de variedades de cana-de-açúcar, é
um exemplo.
Segundo sua assessoria de imprensa, o foco
hoje é no desenvolvimento de "variedades por melhoramento genético e
biotecnologia tendo em vista o aumento da produtividade dos canaviais e
controle da broca-da-cana".
O CTC não respondeu ao questionamento feito
pela reportagem sobre a razão para a ausência de pesquisas especificamente na
área de cana-energia.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), por sua vez, também declinou pedido de entrevista da BBC News
Brasil.
Sua assessoria de imprensa afirmou que
"pesquisas com cana-de-açúcar acontecem em diferentes centros de pesquisa
da empresa", mas que, "considerando o contexto da matéria, o tema
'supercana' não está entre os abordados em nossas pesquisas no momento".
Reinach enxerga pelo menos duas principais
razões que explicam por que a cana-energia saiu do foco do setor nos últimos
anos.
Uma delas é que ela tem poder calorífico
menor do que outras fontes de biomassa, como a lenha, por exemplo. Ou seja, é
necessário um volume maior de bagaço para produzir a mesma quantidade de
energia. Isso significa maior custo de transporte, caso o bagaço tenha que ser
queimado em um local mais distante de onde a cana foi plantada.
"Quando você traz de longe, ele fica não
competitivo", explica o pesquisador, que é membro da Academia Brasileira
de Ciências.
Outro motivo seria o fato de que a cana que
produz mais celulose e menos açúcar é muito mais difícil de processar.
"Ela fica tão dura que é quase
impossível você colocar em uma moenda para tentar tirar açúcar", ilustra.
Esse ponto também foi destacado por José
Carlos Hausknecht, sócio-diretor da consultoria MB Agro.
Ele cita o caso ilustrativo da GranBio,
empresa que investiu na cana-energia para produção de etanol de segunda geração
(feito a partir de celulose em vez de açúcar) nos últimos dois anos e esbarrou
em uma série de problemas, entre eles, a tecnologia usada para processar o
bagaço.
A empresa acreditava, equivocadamente, que
conseguiria utilizar o maquinário que já era empregado em outros tipos de
biomassa, como a madeira, para processar a cana. Foi o que disse, em janeiro, o
CEO da companhia, Bernardo Gradin, durante o lançamento do projeto que
justamente reorientou a direção dos esforços do negócio.
Segundo reportagem da plataforma Capital
Reset, o uso de bagaço de cana e de outros tipos de biomassa para produzir o
combustível verde não seria mais o foco, que passaria a fontes como o
biometano.
• 'A
gente não está aqui pra divulgar mentira'
Questionado pela reportagem sobre as
críticas, Eike Batista diz que seu objetivo não é explorar a
"supercana" para produzir energia por meio da queima, mas para usos
"mais nobres", como matéria-prima para a fabricação de plástico
biodegradável, a partir do bagaço, e de combustível sustentável de aviação
(SAF, na sigla em inglês), a partir do etanol.
"O etanol vai pro SAF, que eles querem
botar na [nos aviões da] Emirates", diz o empresário, referindo-se ao
fundo árabe que, segundo ele, prometeu os US$ 500 milhões para o investimento,
o Abu Dhabi Investment Group (Adig).
Sobre a dificuldade de processar a cana com
mais bagaço, ele afirma que o projeto prevê o desenvolvimento de novas
máquinas, maiores e mais reforçadas.
"As pessoas levam de um jeito muito
leve: 'Ah, as plantas não dão para processar essa cana'. Mas peraí, se eu tô
produzindo três vezes mais, essa conta se paga numa velocidade absurda. Por
isso, nosso negócio começa todo do zero", pontua.
Segundo o empresário, a "supercana"
é hoje cultivada de forma experimental em uma usina de referência no interior
de São Paulo, em Araras.
O projeto modelo deve ter início neste ano,
com o plantio de 50 hectares no norte do Estado do Rio, em uma região próxima
ao porto de Açu, onde também serão construídas três fábricas de processamento.
As projeções dos gestores preveem que as
embalagens a partir do bagaço comecem a ser produzidas em 2026 e o SAF, a
partir de 2028. A estimativa é que, até 2031, a área plantada alcance 70 mil
hectares.
Eike diz que já tem sido procurado por
cooperativas interessadas em fazer consórcios. E encerra a entrevista se
referindo aos "haters":
"Tem gente que [fala] 'Ah, mas o Ometto
falou…', mas tem gente que vai pesquisar mais, vai querer ver e todo mundo vai
falar assim: 'Não, a supercana do Eike que vai virar tudo de cabeça para
baixo'. E a gente não está aqui para ficar divulgando o quê, uma mentira? Que
besteira é essa?"
Fonte: BBC News Brasil

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