terça-feira, 15 de abril de 2025

Guerra tarifária entre Trump e China é 'uma benção' para Brasil, diz Financial Times

A escalada da guerra tarifária entre Estados Unidos e China teve um efeito positivo na América do Sul, mais especificamente no Brasil: o aumento das taxas entre as duas maiores economias do mundo deu novo impulso ao setor agrícola brasileiro e já prejudica o agro americano.

Esse é um dos destaques de uma reportagem publicada pelo jornal britânico Financial Times (FT) na edição de domingo (13/4).

O texto destaca como China e União Europeia olham cada vez mais para o Brasil como uma "opção estável" de bens alimentícios, como soja, aves e carne bovina.

Segundo a publicação, o Brasil já havia sido "o grande vencedor" da primeira troca de tarifas entre asiáticos e americanos, ocorrida ainda durante o primeiro mandado de Donald Trump.

O setor agrícola brasileiro já havia conseguido "expandir dramaticamente sua liderança, outrora apertada, como o principal fornecedor de comida para Pequim", diz o FT.

Mas, com o desenrolar de fatos das últimas semanas, quando o presidente americano anunciou taxas contra a China que podem chegar a até 145%, o Brasil pode novamente se beneficiar.

O analista de agricultura Isham Bhanu foi entrevistado pela reportagem e declarou que a guerra tarifária representa uma "benção" para Brasil e também para a Argentina.

"Os países asiáticos vão buscar relações ainda melhores com a América do Sul", antevê ele.

O FT aponta que a venda de carne bovina brasileira para a China subiu um terço apenas no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o mesmo período do ano anterior.

O mesmo aconteceu com as aves, cujo aumento foi de 19%.

A demanda estrangeira por soja brasileira também se elevou e ganhou vantagem sobre o mesmo grão produzido nos EUA.

Esse recuo tem gerado repercussões entre o setor agropecuário americano. O FT aponta que Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja, publicou uma carta aberta pedindo que Trump faça um acordo "urgente" com a China.

A reportagem aponta que a China vem bloqueando a entrada de carne bovina dos EUA no país, além de impor limitações à importação de soja, trigo, milho e sorgo americanos.

<><> Brasil em 'boa posição' — mas com gargalos

Entrevistado pelo FT, Aurélio Pavinato, executivo da SLC Agrícola, uma das principais produtoras de grão do Brasil, destacou que o país estava "numa boa posição" para capitalizar diante da guerra tarifária.

"Com a China de olho em diversificar os fornecedores e a Europa enxergando o Brasil como uma opção estável, vemos um crescimento da demanda estrangeira e um aumento significativo de preços", disse ele.

A reportagem aponta que a participação dos EUA nas importações de comida pela China caíram de 20,7% em 2016 para 13,5% em 2023. Nesse mesmo período, a fatia brasileira pulou de 17,2% para 25,2%.

No entanto, os Estados Unidos ainda possuem uma vantagem competitiva em relação ao Brasil: a infra-estrutura.

O FT revela alguns gargalos para escoar a produção brasileira, principalmente na capacidade dos portos do país.

Mas especialistas consultados para a matéria apontam que a guerra tarifária pode levar a um aumento de investimentos estrangeiros na logística brasileira, justamente para facilitar esse transporte de alimentos para outras partes do mundo.

Por fim, o FT destaca que os europeus aguardam a ratificação do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) — algo que pode representar mais um impulso para o setor agropecuário brasileiro.

A preocupação aqui é se o Brasil terá capacidade de satisfazer sozinho esse aumento da demanda global diante das taxas impostas pelos EUA.

Para Pedro Cordero, que representa a Federação Europeia de Manufatura de Alimentos, a UE vai competir com a China, além de outros países, pelos mesmos produtos.

Isso pode representar um aumento dos preços dos alimentos, caso a demanda seja maior que a oferta, declarou ele ao FT.

¨      Goldman Sachs alerta para impacto trilionário em caso de desmanche financeiro entre EUA e China

Uma eventual dissociação entre os mercados de capitais dos Estados Unidos e da China pode gerar um impacto de até US$ 2,5 trilhões, segundo estimativa apresentada em relatório divulgado nesta segunda-feira, 13, pelo Goldman Sachs.

A projeção considera um cenário extremo em que investidores de ambos os países seriam obrigados a liquidar ativos de ações e dívida em decorrência de restrições regulatórias.

De acordo com os analistas Kinger Lau e Timothy Moe, que assinam o documento, investidores norte-americanos poderiam ser forçados a vender aproximadamente US$ 800 bilhões em ações de empresas chinesas listadas nas bolsas dos EUA.

Em contrapartida, a China poderia se desfazer de US$ 1,3 trilhão em títulos do Tesouro dos EUA e US$ 370 bilhões em ações de empresas norte-americanas.

O relatório foi publicado em meio ao aumento das tensões comerciais e financeiras entre Washington e Pequim. Segundo os analistas, os riscos de uma dissociação entre as duas maiores economias do mundo têm se expandido para além do comércio, com repercussões diretas no mercado financeiro.

A possibilidade de exclusão de empresas chinesas das bolsas norte-americanas foi mencionada publicamente pelo Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, como uma das medidas consideradas durante o atual conflito tarifário.

O governo dos EUA implementou uma tarifa de 145% sobre exportações provenientes da China. Em resposta, Pequim elevou para 125% as tarifas sobre todas as importações dos Estados Unidos, além de aplicar um adicional de 20% a produtos selecionados. A escalada regulatória reacendeu o debate sobre o futuro das empresas chinesas listadas no mercado acionário norte-americano.

“Nos mercados de capitais, os investidores em ações estão muito focados no risco renovado de fechamento de capital dos ADRs [recibos de depósito americanos] chineses”, afirmaram os analistas do Goldman Sachs.

Em março, 286 empresas com sede na China continental estavam listadas na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), NYSE American e Nasdaq, somando uma capitalização de mercado de US$ 1,1 trilhão, conforme dados da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China.

James Wang, chefe de estratégia para a China no UBS Investment Bank Research, apontou possíveis consequências estruturais para as companhias afetadas.

“A retirada de empresas chinesas da bolsa dos EUA pode ter implicações fundamentais significativas, incluindo acesso reduzido ao maior pool de capital nos EUA, múltiplos de avaliação potencialmente mais baixos devido à perda da base de investidores e menor liquidez”, declarou.

Wang também observou que a captação de recursos via ADRs tem diminuído nos últimos anos, enquanto as listagens em Hong Kong têm ganhado espaço.

O Alibaba Group Holding, maior empresa chinesa listada nos Estados Unidos, tem atualmente valor de mercado de US$ 257 bilhões, segundo a Bloomberg. Em seguida vêm a PDD Holdings, com US$ 125,7 bilhões, e a NetEase, do setor de jogos online, com US$ 64 bilhões.

O índice Nasdaq Golden Dragon China, que reúne 68 empresas chinesas negociadas nos EUA, registrou queda de 15% neste mês. O índice, que tem valor de mercado agregado de US$ 239,2 bilhões, sofreu impacto direto das medidas tarifárias anunciadas pelo governo norte-americano. No mesmo período, o índice S&P 500 caiu 4,4% e o Hang Seng, de Hong Kong, recuou 9,5%.

O desempenho reflete o risco regulatório crescente enfrentado pelas empresas chinesas, muitas das quais operam por meio de ADRs.

Em 2022, cinco grandes estatais chinesas — PetroChina, China Petroleum and Chemical Corp, China Life Insurance, Aluminium Corporation of China e Sinopec Shanghai Petrochemical — deixaram voluntariamente as bolsas dos EUA após impasse com autoridades americanas sobre normas de auditoria. O conflito foi atenuado após a assinatura de um acordo que permitiu inspeções de auditoria em Hong Kong.

Desde então, várias empresas buscaram listagens secundárias ou duplas em Hong Kong, com o objetivo de mitigar riscos associados à permanência nas bolsas norte-americanas.

A Alibaba completou sua conversão para listagem dupla em agosto de 2023, o que viabilizou a negociação de suas ações por investidores da China continental por meio do programa Stock Connect.

O Goldman Sachs projeta que novas empresas chinesas listadas nos EUA devem buscar a migração para o mercado de Hong Kong diante do aumento das tensões.

Atualmente, 27 companhias com listagens primárias nos Estados Unidos estão qualificadas para uma listagem secundária ou dupla na bolsa da cidade. Juntas, essas empresas representam um valor de mercado de US$ 184 bilhões. Entre elas estão a PDD Holdings, a plataforma logística Full Truck Alliance e a corretora Futu.

“Acreditamos que uma possível listagem dessas empresas em Hong Kong provavelmente catalisaria uma reclassificação, dada a flexibilidade dos investidores americanos para converter seus ADRs em ações de Hong Kong” em caso de eventos disruptivos de liquidez, concluíram os analistas do Goldman Sachs.

A possibilidade de desacoplamento financeiro entre EUA e China segue sendo monitorada por investidores e instituições globais, que buscam avaliar os desdobramentos potenciais sobre fluxos de capital, políticas monetárias e acesso a mercados estratégicos. Até o momento, nenhuma das medidas discutidas foi oficialmente implementada.

¨      China manda sinal verde para que UE se alie contra a guerra comercial de Trump

O governo chinês voltou a criticar a política tarifária dos Estados Unidos e reafirmou seu compromisso com a defesa do comércio multilateral, em declaração feita nesta segunda-feira, 14, pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lin Jian.

A fala ocorreu em resposta a questionamentos sobre o diálogo entre China e União Europeia (UE) a respeito das tarifas impostas por Washington.

Segundo Lin, o uso de tarifas pelos Estados Unidos como instrumento de pressão constitui “um exemplo típico de unilateralismo e protecionismo”, e tem causado prejuízos a diversas economias globais, incluindo a China e a UE.

A declaração ocorre em um contexto de aumento das tensões comerciais envolvendo os três principais blocos econômicos do mundo.

Lin destacou que China e União Europeia ocupam, respectivamente, a segunda e a terceira posições entre as maiores economias do planeta.

De acordo com o porta-voz, a soma da produção econômica dos dois blocos corresponde a mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) global, e o volume de comércio bilateral representa aproximadamente um quarto do comércio mundial.

Durante a coletiva, Lin afirmou que tanto a China quanto a União Europeia têm posição clara em defesa da globalização econômica e da liberalização comercial. Segundo ele, ambas as partes se colocam como defensoras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do sistema multilateral baseado em regras.

“A UE e a China estão comprometidas em salvaguardar o sistema de comércio multilateral justo e livre, tendo a OMC como seu núcleo”, disse Lin. Ele acrescentou que essa postura visa a garantir o desenvolvimento estável das relações econômicas e comerciais internacionais, com foco na previsibilidade e segurança jurídica das transações globais.

O porta-voz também declarou que o governo chinês já adotou e continuará a adotar “medidas resolutas” para proteger seus interesses legítimos diante do atual cenário geopolítico.

Ele reiterou que a China está disposta a cooperar com outros países e blocos econômicos para promover a estabilidade e o crescimento sustentável do comércio internacional.

De acordo com Lin, o país asiático está “pronto para trabalhar com a comunidade internacional, incluindo a UE, para aprimorar a comunicação e a coordenação, compartilhar oportunidades de desenvolvimento, expandir a cooperação aberta e alcançar benefícios mútuos e resultados vantajosos para todos”.

As declarações ocorrem em meio a novas discussões sobre as tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos chineses, tema que tem sido objeto de críticas frequentes por parte de Pequim e preocupação entre países europeus.

Washington tem intensificado barreiras comerciais com o argumento de proteger setores estratégicos e corrigir desequilíbrios na balança comercial, o que tem levado a reações diplomáticas de seus principais parceiros econômicos.

A União Europeia, por sua vez, também avalia medidas em resposta à guerra comercial entre EUA e China, devido ao impacto indireto que o conflito pode gerar sobre suas exportações e cadeias de suprimentos.

Representantes da Comissão Europeia têm defendido a necessidade de reforçar o papel da OMC na resolução de disputas comerciais e evitar fragmentações no sistema global de comércio.

O posicionamento de Pequim reflete o esforço do governo chinês em se apresentar como ator comprometido com a ordem econômica multilateral em um contexto de crescente polarização internacional.

A China tem buscado intensificar seus laços com parceiros europeus e outras economias emergentes, com o objetivo de reduzir sua dependência de mercados considerados politicamente instáveis.

A aproximação entre China e União Europeia também ocorre em meio a negociações sobre acordos bilaterais em áreas como tecnologia, energia e transição climática.

Ambos os lados têm defendido o aprofundamento da cooperação em setores estratégicos, ao mesmo tempo em que monitoram o impacto de medidas adotadas por Washington sobre o comércio internacional.

Até o momento, não houve resposta oficial por parte do governo dos Estados Unidos às declarações feitas por Lin Jian. A Casa Branca tem reiterado sua política de defesa da indústria nacional, mas enfrenta pressões internas e externas para equilibrar a proteção de setores sensíveis com os compromissos internacionais assumidos no âmbito da OMC.

O cenário global permanece em observação por diplomatas e agentes econômicos, que acompanham os desdobramentos das tensões comerciais entre as maiores potências econômicas do mundo e seus reflexos sobre a estabilidade das cadeias globais de produção e investimento.

 

Fonte: BBC News Brasil/O Cafezinho

 

Nenhum comentário: