Guerra
tarifária entre Trump e China é 'uma benção' para Brasil, diz Financial Times
A
escalada da guerra tarifária entre Estados Unidos
e China teve
um efeito positivo na América do Sul, mais especificamente no Brasil: o aumento das taxas
entre as duas maiores economias do mundo deu novo impulso ao setor agrícola brasileiro e já prejudica
o agro americano.
Esse é
um dos destaques de uma reportagem publicada pelo jornal britânico Financial
Times (FT) na edição de domingo (13/4).
O texto
destaca como China e União Europeia olham cada vez
mais para o Brasil como uma "opção estável" de bens alimentícios,
como soja, aves e carne
bovina.
Segundo
a publicação, o Brasil já havia sido "o grande vencedor" da primeira
troca de tarifas entre asiáticos e americanos, ocorrida ainda durante o
primeiro mandado de Donald Trump.
O setor
agrícola brasileiro já havia conseguido "expandir dramaticamente sua
liderança, outrora apertada, como o principal fornecedor de comida para
Pequim", diz o FT.
Mas,
com o desenrolar de fatos das últimas semanas, quando o presidente americano
anunciou taxas contra a China que podem chegar a até 145%, o Brasil pode
novamente se beneficiar.
O
analista de agricultura Isham Bhanu foi entrevistado pela reportagem e declarou
que a guerra tarifária representa uma "benção" para Brasil e também
para a Argentina.
"Os
países asiáticos vão buscar relações ainda melhores com a América do Sul", antevê ele.
O FT
aponta que a venda de carne bovina brasileira para a China subiu um terço
apenas no primeiro trimestre de 2025 em comparação com o mesmo período do ano
anterior.
O mesmo
aconteceu com as aves, cujo aumento foi de 19%.
A
demanda estrangeira por soja brasileira também se elevou e ganhou vantagem
sobre o mesmo grão produzido nos EUA.
Esse
recuo tem gerado repercussões entre o setor agropecuário americano. O FT aponta
que Caleb Ragland, presidente da Associação Americana de Soja, publicou uma
carta aberta pedindo que Trump faça um acordo "urgente" com a China.
A
reportagem aponta que a China vem bloqueando a entrada de carne bovina dos EUA
no país, além de impor limitações à importação de soja, trigo, milho e sorgo
americanos.
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Brasil em 'boa posição' — mas com gargalos
Entrevistado
pelo FT, Aurélio Pavinato, executivo da SLC Agrícola, uma das principais
produtoras de grão do Brasil, destacou que o país estava "numa boa
posição" para capitalizar diante da guerra tarifária.
"Com
a China de olho em diversificar os fornecedores e a Europa enxergando o Brasil
como uma opção estável, vemos um crescimento da demanda estrangeira e um
aumento significativo de preços", disse ele.
A
reportagem aponta que a participação dos EUA nas importações de comida pela
China caíram de 20,7% em 2016 para 13,5% em 2023. Nesse mesmo período, a fatia
brasileira pulou de 17,2% para 25,2%.
No
entanto, os Estados Unidos ainda possuem uma vantagem competitiva em relação ao
Brasil: a infra-estrutura.
O FT
revela alguns gargalos para escoar a produção brasileira, principalmente na
capacidade dos portos do país.
Mas
especialistas consultados para a matéria apontam que a guerra tarifária pode
levar a um aumento de investimentos estrangeiros na logística brasileira,
justamente para facilitar esse transporte de alimentos para outras partes do
mundo.
Por
fim, o FT destaca que os europeus aguardam a ratificação do acordo entre
Mercosul e União Europeia (UE) — algo que pode representar mais um impulso para
o setor agropecuário brasileiro.
A
preocupação aqui é se o Brasil terá capacidade de satisfazer sozinho esse
aumento da demanda global diante das taxas impostas pelos EUA.
Para
Pedro Cordero, que representa a Federação Europeia de Manufatura de Alimentos,
a UE vai competir com a China, além de outros países, pelos mesmos produtos.
Isso
pode representar um aumento dos preços dos alimentos, caso a demanda seja maior
que a oferta, declarou ele ao FT.
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Goldman Sachs alerta para impacto trilionário em caso de
desmanche financeiro entre EUA e China
Uma
eventual dissociação entre os mercados de capitais dos Estados Unidos e da
China pode gerar um impacto de até US$ 2,5 trilhões, segundo estimativa
apresentada em relatório divulgado nesta segunda-feira, 13, pelo Goldman Sachs.
A
projeção considera um cenário extremo em que investidores de ambos os países
seriam obrigados a liquidar ativos de ações e dívida em decorrência de
restrições regulatórias.
De
acordo com os analistas Kinger Lau e Timothy Moe, que assinam o documento,
investidores norte-americanos poderiam ser forçados a vender aproximadamente
US$ 800 bilhões em ações de empresas chinesas listadas nas bolsas dos EUA.
Em
contrapartida, a China poderia se desfazer de US$ 1,3 trilhão em títulos do
Tesouro dos EUA e US$ 370 bilhões em ações de empresas norte-americanas.
O
relatório foi publicado em meio ao aumento das tensões comerciais e financeiras
entre Washington e Pequim. Segundo os analistas, os riscos de uma dissociação
entre as duas maiores economias do mundo têm se expandido para além do
comércio, com repercussões diretas no mercado financeiro.
A
possibilidade de exclusão de empresas chinesas das bolsas norte-americanas foi
mencionada publicamente pelo Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, como
uma das medidas consideradas durante o atual conflito tarifário.
O
governo dos EUA implementou uma tarifa de 145% sobre exportações provenientes
da China. Em resposta, Pequim elevou para 125% as tarifas sobre todas as
importações dos Estados Unidos, além de aplicar um adicional de 20% a produtos
selecionados. A escalada regulatória reacendeu o debate sobre o futuro das
empresas chinesas listadas no mercado acionário norte-americano.
“Nos
mercados de capitais, os investidores em ações estão muito focados no risco
renovado de fechamento de capital dos ADRs [recibos de depósito americanos]
chineses”, afirmaram os analistas do Goldman Sachs.
Em
março, 286 empresas com sede na China continental estavam listadas na Bolsa de
Valores de Nova York (NYSE), NYSE American e Nasdaq, somando uma capitalização
de mercado de US$ 1,1 trilhão, conforme dados da Comissão de Revisão Econômica
e de Segurança EUA-China.
James
Wang, chefe de estratégia para a China no UBS Investment Bank Research, apontou
possíveis consequências estruturais para as companhias afetadas.
“A
retirada de empresas chinesas da bolsa dos EUA pode ter implicações
fundamentais significativas, incluindo acesso reduzido ao maior pool de capital
nos EUA, múltiplos de avaliação potencialmente mais baixos devido à perda da
base de investidores e menor liquidez”, declarou.
Wang
também observou que a captação de recursos via ADRs tem diminuído nos últimos
anos, enquanto as listagens em Hong Kong têm ganhado espaço.
O
Alibaba Group Holding, maior empresa chinesa listada nos Estados Unidos, tem
atualmente valor de mercado de US$ 257 bilhões, segundo a Bloomberg. Em seguida
vêm a PDD Holdings, com US$ 125,7 bilhões, e a NetEase, do setor de jogos
online, com US$ 64 bilhões.
O
índice Nasdaq Golden Dragon China, que reúne 68 empresas chinesas negociadas
nos EUA, registrou queda de 15% neste mês. O índice, que tem valor de mercado
agregado de US$ 239,2 bilhões, sofreu impacto direto das medidas tarifárias
anunciadas pelo governo norte-americano. No mesmo período, o índice S&P 500
caiu 4,4% e o Hang Seng, de Hong Kong, recuou 9,5%.
O
desempenho reflete o risco regulatório crescente enfrentado pelas empresas
chinesas, muitas das quais operam por meio de ADRs.
Em
2022, cinco grandes estatais chinesas — PetroChina, China Petroleum and
Chemical Corp, China Life Insurance, Aluminium Corporation of China e Sinopec
Shanghai Petrochemical — deixaram voluntariamente as bolsas dos EUA após
impasse com autoridades americanas sobre normas de auditoria. O conflito foi
atenuado após a assinatura de um acordo que permitiu inspeções de auditoria em
Hong Kong.
Desde
então, várias empresas buscaram listagens secundárias ou duplas em Hong Kong,
com o objetivo de mitigar riscos associados à permanência nas bolsas
norte-americanas.
A
Alibaba completou sua conversão para listagem dupla em agosto de 2023, o que
viabilizou a negociação de suas ações por investidores da China continental por
meio do programa Stock Connect.
O
Goldman Sachs projeta que novas empresas chinesas listadas nos EUA devem buscar
a migração para o mercado de Hong Kong diante do aumento das tensões.
Atualmente,
27 companhias com listagens primárias nos Estados Unidos estão qualificadas
para uma listagem secundária ou dupla na bolsa da cidade. Juntas, essas
empresas representam um valor de mercado de US$ 184 bilhões. Entre elas estão a
PDD Holdings, a plataforma logística Full Truck Alliance e a corretora Futu.
“Acreditamos
que uma possível listagem dessas empresas em Hong Kong provavelmente
catalisaria uma reclassificação, dada a flexibilidade dos investidores
americanos para converter seus ADRs em ações de Hong Kong” em caso de eventos
disruptivos de liquidez, concluíram os analistas do Goldman Sachs.
A
possibilidade de desacoplamento financeiro entre EUA e China segue sendo
monitorada por investidores e instituições globais, que buscam avaliar os
desdobramentos potenciais sobre fluxos de capital, políticas monetárias e
acesso a mercados estratégicos. Até o momento, nenhuma das medidas discutidas
foi oficialmente implementada.
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China manda sinal verde para que UE se alie contra a
guerra comercial de Trump
O
governo chinês voltou a criticar a política tarifária dos Estados Unidos e
reafirmou seu compromisso com a defesa do comércio multilateral, em declaração
feita nesta segunda-feira, 14, pelo porta-voz do Ministério das Relações
Exteriores da China, Lin Jian.
A fala
ocorreu em resposta a questionamentos sobre o diálogo entre China e União
Europeia (UE) a respeito das tarifas impostas por Washington.
Segundo
Lin, o uso de tarifas pelos Estados Unidos como instrumento de pressão
constitui “um exemplo típico de unilateralismo e protecionismo”, e tem causado
prejuízos a diversas economias globais, incluindo a China e a UE.
A
declaração ocorre em um contexto de aumento das tensões comerciais envolvendo
os três principais blocos econômicos do mundo.
Lin
destacou que China e União Europeia ocupam, respectivamente, a segunda e a
terceira posições entre as maiores economias do planeta.
De
acordo com o porta-voz, a soma da produção econômica dos dois blocos
corresponde a mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) global, e o
volume de comércio bilateral representa aproximadamente um quarto do comércio
mundial.
Durante
a coletiva, Lin afirmou que tanto a China quanto a União Europeia têm posição
clara em defesa da globalização econômica e da liberalização comercial. Segundo
ele, ambas as partes se colocam como defensoras da Organização Mundial do
Comércio (OMC) e do sistema multilateral baseado em regras.
“A UE e
a China estão comprometidas em salvaguardar o sistema de comércio multilateral
justo e livre, tendo a OMC como seu núcleo”, disse Lin. Ele acrescentou que
essa postura visa a garantir o desenvolvimento estável das relações econômicas
e comerciais internacionais, com foco na previsibilidade e segurança jurídica
das transações globais.
O
porta-voz também declarou que o governo chinês já adotou e continuará a adotar
“medidas resolutas” para proteger seus interesses legítimos diante do atual
cenário geopolítico.
Ele
reiterou que a China está disposta a cooperar com outros países e blocos
econômicos para promover a estabilidade e o crescimento sustentável do comércio
internacional.
De
acordo com Lin, o país asiático está “pronto para trabalhar com a comunidade
internacional, incluindo a UE, para aprimorar a comunicação e a coordenação,
compartilhar oportunidades de desenvolvimento, expandir a cooperação aberta e
alcançar benefícios mútuos e resultados vantajosos para todos”.
As
declarações ocorrem em meio a novas discussões sobre as tarifas impostas pelos
Estados Unidos a produtos chineses, tema que tem sido objeto de críticas
frequentes por parte de Pequim e preocupação entre países europeus.
Washington
tem intensificado barreiras comerciais com o argumento de proteger setores
estratégicos e corrigir desequilíbrios na balança comercial, o que tem levado a
reações diplomáticas de seus principais parceiros econômicos.
A União
Europeia, por sua vez, também avalia medidas em resposta à guerra comercial
entre EUA e China, devido ao impacto indireto que o conflito pode gerar sobre
suas exportações e cadeias de suprimentos.
Representantes
da Comissão Europeia têm defendido a necessidade de reforçar o papel da OMC na
resolução de disputas comerciais e evitar fragmentações no sistema global de
comércio.
O
posicionamento de Pequim reflete o esforço do governo chinês em se apresentar
como ator comprometido com a ordem econômica multilateral em um contexto de
crescente polarização internacional.
A China
tem buscado intensificar seus laços com parceiros europeus e outras economias
emergentes, com o objetivo de reduzir sua dependência de mercados considerados
politicamente instáveis.
A
aproximação entre China e União Europeia também ocorre em meio a negociações
sobre acordos bilaterais em áreas como tecnologia, energia e transição
climática.
Ambos
os lados têm defendido o aprofundamento da cooperação em setores estratégicos,
ao mesmo tempo em que monitoram o impacto de medidas adotadas por Washington
sobre o comércio internacional.
Até o
momento, não houve resposta oficial por parte do governo dos Estados Unidos às
declarações feitas por Lin Jian. A Casa Branca tem reiterado sua política de
defesa da indústria nacional, mas enfrenta pressões internas e externas para
equilibrar a proteção de setores sensíveis com os compromissos internacionais
assumidos no âmbito da OMC.
O
cenário global permanece em observação por diplomatas e agentes econômicos, que
acompanham os desdobramentos das tensões comerciais entre as maiores potências
econômicas do mundo e seus reflexos sobre a estabilidade das cadeias globais de
produção e investimento.
Fonte:
BBC News Brasil/O Cafezinho
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