Se
Trump quer conter a China, está fazendo tudo errado
Saltos
tecnológicos raramente nascem do conforto. São forjados em meio a conflitos,
competição e necessidade. Foi assim com a energia nuclear, a corrida espacial e
agora com a crescente rivalidade em inteligência artificial entre Estados
Unidos e China — a inovação avança quando os riscos são mais altos. A guerra
tarifária do presidente Donald Trump pode causar danos econômicos sérios à
China, mas também pode desencadear uma onda de inovação — não por estratégia,
mas por sobrevivência.
Embora
o desafio mais urgente da China seja interno, tarifas de 125% impõem a Pequim
um pretexto claro para agir: estimular a economia de forma agressiva, subsidiar
setores estratégicos, aguçar seu instinto de sobrevivência e redobrar a aposta
na supremacia tecnológica.
Se o
objetivo de Washington é conter a ascensão chinesa, está escolhendo o caminho
errado.
Tarifas
não apenas alteram fluxos comerciais — elas redirecionam recursos e
reconfiguram estruturas industriais. Se Trump realmente quisesse travar o
progresso tecnológico chinês, manteria tarifas baixas sobre a maior parte das
exportações da China para os EUA, forçando o país a continuar preso à
manufatura básica e de baixo valor agregado. Ao mesmo tempo, incentivaria as
exportações americanas de alta tecnologia para a China, impedindo avanços
chineses em componentes sofisticados.
Mas
está acontecendo o oposto. Ironia das ironias, da mesma forma que o “choque
China” empurrou os EUA para fora da indústria de base, o “choque Trump” está
levando a China a direcionar seus recursos para tecnologias de ponta,
competindo diretamente com os EUA.
Pequim
já tirou sua conclusão: a inovação e o domínio sobre tecnologias essenciais são
a única defesa sustentável contra tarifas. Empresas com tecnologia própria —
como Huawei e BYD — estão mais protegidas contra tarifas e rupturas nas cadeias
de suprimento. A China projeta um novo modelo de cadeia tecnológica: produção
regional, soberania tecnológica e redes globais redundantes.
Jamais
tecnologia e inovação ocuparam lugar tão central na agenda nacional chinesa
como agora. A estratégia “IA+” busca incorporar rapidamente inteligência
artificial em todos os setores possíveis. A DeepSeek, criadora de modelos de IA
de baixo custo, nasceu sob restrições — e hoje já é utilizada no mundo inteiro.
Em
2019, o governo chinês criou um fundo de 200 bilhões de yuans para substituir
70% das importações em áreas críticas em apenas três anos. O país está
investindo fortemente em computação quântica fotônica, redes de satélites de
baixa órbita para competir com a Starlink de Elon Musk, e na construção de
estações espaciais comerciais. Também busca avanços na fabricação de chips e já
lidera o mundo em densidade de robôs industriais.
Se a
China caminhava em direção a uma agenda estatal mais intervencionista, o choque
tarifário a está levando de volta aos fundamentos econômicos. A guerra
comercial está funcionando como uma reinicialização, reafirmando a importância
do crescimento e da competição. O apoio ao setor privado dá sinais de
renovação. Reduções fiscais e políticas pró-negócios estão voltando.
Restrições
tecnológicas muitas vezes têm efeitos inesperados. Em vez de frear o progresso,
elas redirecionam a demanda para dentro. Tomemos os semicondutores: a China
consome um terço dos chips do planeta e antes dependia fortemente de
fornecedores americanos. As sanções não reduziram essa demanda — apenas a
redirecionaram. Hoje, empresas locais como a SMIC estão registrando receitas
recordes e reinvestindo em pesquisa e desenvolvimento.
Como
diz um provérbio chinês, boas empresas não “ficam deitadas” — elas se adaptam.
A primeira onda de sanções de Trump gerou uma verdadeira febre de globalização
entre empresas chinesas. Muitas transferiram produção, expandiram mercados e
reformularam seus modelos de negócios. A Transsion, listada na bolsa de
Shenzhen, detém agora 51% do mercado de smartphones da África. A Xiaomi obtém
42% de sua receita fora da China.
O
aumento das tarifas também acelera a migração para cadeias de suprimento
digitais, comércio de serviços e infraestrutura em nuvem — áreas nas quais a
China se destaca em plataformas digitais, inteligência artificial e comércio
eletrônico. Embora continue sendo uma potência industrial, a China responde por
menos de 6% do comércio global de serviços — um campo com amplo espaço de
crescimento, especialmente diante da estagnação no comércio de bens.
A
história já testemunhou essa dinâmica. Quando Napoleão tentou sufocar o
comércio britânico com o Sistema Continental, o Reino Unido redirecionou seus
esforços para Ásia, África e Américas, investindo em industrialização e
mecanização. O aumento dos custos e a pressão sobre os salários impulsionaram a
criação da máquina a vapor, das fábricas têxteis e do poder naval.
Os EUA
podem estar repetindo esse erro. Se o objetivo for “tornar a América grande
novamente”, Trump não deveria temer uma China confortável — e sim uma China
pressionada.
¨
Com tarifaço, UE e China correm em busca de novos
mercados
Com
as exportações para os Estados Unidos duramente prejudicadas pelas tarifas de
Donald Trump, a China tenta diálogo com antigos rivais e mira entorno; Europa
busca novas parcerias comerciais no Sul Global.
“Reduzir
riscos, diversificar e redirecionar o comércio” – esse mantra, por muito tempo
entoado no contexto do domínio crescente da China sobre o comércio global, tem
sido agora aplicado aos Estados Unidos. As tarifas do presidente Donald Trump,
que por ora totalizam impressionantes 145% sobre os produtos fabricados na
China, provocaram turbulências nos mercados financeiros de Sydney a São Paulo.
A
consultoria Capital Economics alertou na quinta-feira (10/04) que, se não
houver um recuo de Trump, as exportações da China para os EUA cairão mais da
metade nos próximos anos, reduzindo o crescimento econômico do país asiático em
até 1,5%.
Pesa
ainda contra a China, que rebateu à pressão de Trump subindo também suas
tarifas sobre produtos americanos, o fato de o país ter boa parte de sua
produção muito voltada para as especificidades do mercado americano, o que
dificulta o redirecionamento dessas mercadorias para os consumidores chineses.
Com isso em vista, o presidente chinês, Xi Jinping, prometeu aprofundar a
“cooperação global”com seus vizinhos, no início da semana.
Entre
esses potenciais novos parceiros comerciais estão países com os quais Pequim
tem relações historicamente tensas, pontua Diana Choyleva, economista-chefe da
Enodo Economics, empresa de pesquisa com foco na China sediada em Londres.
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China, Japão e Coreia do Sul sentam à mesa
“A
recente retomada dos diálogos econômicos de Pequim com o Japão – os primeiros
em seis anos – e com a Coreia do Sul sugere que as potências regionais estão
reavaliando suas relações em resposta à incerteza americana”, disse Choyleva à
DW.
“Embora
a Coreia do Sul tenha negado as alegações da mídia estatal chinesa de uma
‘resposta conjunta’ às tarifas, a mera renovação da cooperação econômica
trilateral [envolvendo também o Japão] após anos de relações tensas sinaliza
uma guinada estratégica.”
Xi deve
buscar ainda estreitar laços no Sudeste Asiático, e já tem viagem marcada na
próxima semana ao Vietnã, Malásia e Camboja.
Nas
últimas duas décadas, a China aprofundou significativamente suas relações
comerciais com a região. Em 2023, o volume total de comércio entre a China e os
países do Sudeste Asiático atingiu aproximadamente 872 bilhões de dólares
(cerca de R$ 5,1 trilhões), de acordo com dados do governo chinês. Esse número
deve crescer ainda mais com a guerra comercial deflagrada por Trump, que
efetivamente vai barrar as empresas chinesas de vender para os EUA.
“[Os
fabricantes chineses] vão procurar nichos de oportunidade no Sudeste Asiático
que, no passado, talvez não tenham explorado com tempo, esforço ou
investimento, porque contavam com um mercado americano lucrativo que absorvia
tudo o que produziam”, disse à DW Deborah Elms, diretora de política comercial
da Hinrich Foundation, com sede em Singapura.
Ela
acredita que pode haver uma “explosão inicial” de produtos de baixo preço da
Ásia para o resto do mundo, uma vez que os produtores estão “sentados em uma
montanha de mercadorias”.
“Mas
eles não continuarão produzindo bens que não geram lucro, de modo que as
empresas chinesas passarão rapidamente a fabricar outros produtos. Caso
contrário, ficarão fora do mercado”, acredita.
·
Europa também precisa diversificar comércio
Embora
suspensa por 90 dias, uma tarifa de 20% está prevista sobre as exportações
europeias para os EUA. Assim como a China tem procurado alternativas para
escoar sua produção, a União Europeia tem mirado o Sul Global em sua busca por
novos parceiros comerciais.
Durante
uma visita de três dias ao Vietnã nesta semana, o primeiro-ministro da Espanha,
Pedro Sanchez, insistiu para que a Europa explorasse novos mercados e disse que
seu governo estava “firmemente comprometido”com a abertura de seu país e da
Europa para um maior comércio com o Sudeste Asiático.
Não
será tarefa fácil achar compradores que ocupem o lugar deixado pelos
americanos, pondera Varg Folkman, analista de políticas do think tank European
Policy Centre (EPC).
Folkman
destacou uma “grande resistência” entre os europeus a novos arranjos comerciais
– com destaque à relutância da França em abrir seu setor agrícola para o Brasil
e a Argentina no acordo comercial da UE com o Mercosul – que levou 25 anos para
ser negociado e ainda não foi ratificado.
“Os
acordos comerciais são controversos”, disse à DW. “Será potencialmente muito
difícil implementar novos acordos, mesmo com a urgência que vemos hoje.”
Embora
a UE e a China possam tentar impulsionar o comércio bilateral, economistas e
formuladores de políticas vêem a rivalidade comercial entre ambos como mais um
elemento da guerra comercial em curso.
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Excesso de oferta chinesa ameaça europeus
As
tarifas dos EUA sobre a China “podem muito bem acabar gerando um desvio de
produtos de exportação chineses para a União Europeia, o que colocará pressões
adicionais sobre os produtores europeus e provavelmente aumentará os pedidos de
uma resposta protecionista de Bruxelas”, afirmou, em comunicado, o Centro de
Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), think tank com sede em
Washington.
Há
muito tempo a UE vem expressando sua preocupação com os grandes subsídios
estatais concedidos aos produtores chineses, permitindo que eles “despejem”
produtos artificialmente baratos nos mercados europeus. Mão de obra barata e
enormes ganhos de escala também são fatores que pressionaram os concorrentes
europeus, levando a falências e cortes significativos de empregos.
O caso
dos veículos elétricos é o mais recente. Graças a subsídios do governo,
isenções fiscais e empréstimos baratos, marcas chinesas como BYD, Nio e Xpeng
chegaram com tudo do mercado da UE, forçando seus concorrentes locais a baixar
os preços. Como consequência, o setor automotivo europeu atravessa uma grande
reestruturação, com a ameaça de redução e fechamento de fábricas e a perda de
dezenas de milhares de empregos, especialmente na Alemanha.
Enquanto
Washington impôs uma tarifa de 100% sobre os veículos elétricos fabricados na
China, o que na prática impede a venda de carros chineses aos EUA, a tarifa da
UE difere de acordo com a montadora chinesa. A alíquota máxima é de 35,3% – no
caso da BYD, 17%.
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Alerta contra dumping
Jörg
Wuttke, ex-diretor da gigante industrial alemã Basf na China, alertou sobre um
“tsunami” de produtos chineses em direção à Europa, o que ele espera que não
desencadeie novas barreiras comerciais por parte da UE.
Ele
recomenda melhor “comunicação e confiança” entre Bruxelas e Pequim para evitar
novas práticas de dumping – quando produtos são vendidos a um preço
artificialmente baixo, às vezes até menor do que o custo de produção, para
eliminar a concorrência e dominar um mercado consumidor.
Em
2023, a UE anunciou planos para uma força-tarefa de vigilância de importações
para monitorar aumentos repentinos nas importações que poderiam ameaçar as
indústrias europeias. O sistema de alerta precoce foi criado para ajudar o
bloco a se livrar da China em meio a tensões geopolíticas e suspeitas de
dumping.
Entretanto,
há preocupações de que outros exportadores asiáticos, e também os EUA,
descarreguem o excesso de mercadorias na UE a preços baixos. A força-tarefa
poderia ajudar Bruxelas a responder muito mais rapidamente às ameaças, com
investigações antidumping, tarifas e restrições temporárias às importações.
Bruxelas,
no entanto, enfrentaria críticas por espelhar as políticas protecionistas de
Trump. Isso representaria um distanciamento do apoio de longa data da UE ao
livre comércio, um enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e
um risco maior de escalada global das tensões comerciais.
¨
China busca apoio do Reino Unido contra tarifaço dos EUA
e intensifica articulação diplomática
A China
solicitou apoio do Reino Unido ao comércio multilateral em meio à
intensificação da disputa tarifária com os Estados Unidos. O apelo foi feito
pelo vice-ministro do Comércio, Ling Ji, ao ministro britânico do Comércio,
Douglas Alexander, durante encontro realizado em Pequim na sexta-feira.
“Diante
dos desafios do unilateralismo e do protecionismo, o multilateralismo é a única
solução”, declarou Ling, segundo nota oficial do Ministério do Comércio chinês.
O
governo de Pequim tem buscado ampliar alianças internacionais após os recentes
aumentos tarifários anunciados pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump
sobre produtos chineses.
Durante
a visita, Ling afirmou que as contramedidas implementadas pela China são uma
resposta necessária para proteger os próprios interesses comerciais e reforçou
a disposição do país em cooperar com o Reino Unido para apoiar o sistema
multilateral de comércio. Segundo ele, a parceria contribuiria para maior
estabilidade e previsibilidade na economia global.
A
viagem de Alexander à China ocorreu no mesmo período em que o governo chinês
anunciou novas medidas comerciais em resposta às tarifas norte-americanas.
Entre
as ações está o aumento da alíquota de importação sobre produtos dos EUA para
125%. Pequim também rejeitou as tarifas impostas por Trump, classificando-as
como “uma piada”.
De
acordo com o Ministério do Comércio da China, os dois representantes “trocaram
opiniões” sobre as medidas norte-americanas. O comunicado acrescenta que “ambos
os lados concordaram em… fortalecer a cooperação em comércio, investimento e
cadeias de suprimentos”.
A nota
também informa que o ministro britânico manifestou interesse em colaborar com a
China na promoção do livre comércio, ampliação do acesso a mercados e
enfrentamento conjunto dos desafios atuais do sistema internacional.
Na
última semana, o ex-presidente Trump suspendeu temporariamente tarifas sobre
dezenas de países por um período de 90 dias, mas ampliou os impostos sobre
produtos chineses para 145%, elevando a taxa efetiva média para aproximadamente
156%. A suspensão parcial abriu espaço para negociações, criando uma janela que
Pequim e Washington agora utilizam para buscar apoio internacional.
Em
resposta à escalada das medidas, autoridades chinesas afirmaram na sexta-feira
que “simplesmente ignorariam” novas elevações tarifárias vindas dos Estados
Unidos.
O
governo de Xi Jinping iniciou uma série de ações diplomáticas com o objetivo de
impedir o isolamento econômico do país.
Durante
visita do primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, o presidente Xi Jinping
solicitou o apoio da União Europeia contra o que classificou como “intimidação
unilateral”.
O
pedido foi reiterado por outras autoridades do governo chinês ao longo da
sexta-feira, incluindo o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, durante
reunião com representantes do grupo Brics.
Segundo
o Ministério do Comércio da China, a posição do país foi defendida na reunião
do Brics como um apelo coletivo contra o unilateralismo e o protecionismo. O
encontro também foi utilizado por Pequim para apresentar sua perspectiva sobre
os efeitos das medidas norte-americanas no comércio internacional.
Além do
Reino Unido e da União Europeia, o governo chinês também buscou apoio em países
do Sudeste Asiático. Na próxima semana, o presidente Xi visitará Camboja,
Malásia e Vietnã com o objetivo de fortalecer alianças regionais.
Na
frente multilateral, o ministro do Comércio da China, Wang Wentao, reuniu-se
com a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi
Okonjo-Iweala, e com o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin.
Durante
o encontro, Wang afirmou que “as diferenças econômicas e comerciais entre os
membros da OMC são normais e as soluções para suas respectivas preocupações
devem ser encontradas por meio de negociações baseadas no respeito mútuo e na
igualdade de tratamento”.
A
ofensiva diplomática chinesa ocorre em um momento de crescente tensão no
comércio internacional, com impactos diretos sobre cadeias produtivas e fluxos
de investimento. As movimentações recentes indicam que Pequim pretende utilizar
canais multilaterais e bilaterais para resistir às medidas comerciais impostas
por Washington.
A
expectativa é que, nas próximas semanas, novos posicionamentos sejam adotados
por governos e instituições internacionais diante da escalada nas disputas
comerciais entre China e Estados Unidos. O governo chinês segue articulando
apoio externo para sustentar sua posição nas negociações e pressionar por
mudanças na política tarifária norte-americana.
O
desdobramento dessas ações pode influenciar decisões futuras na OMC, além de
afetar diretamente acordos bilaterais e blocos comerciais. Enquanto isso, os
esforços diplomáticos da China se intensificam em várias frentes com o objetivo
de manter acesso a mercados estratégicos e reforçar sua posição no comércio
global.
Fonte:
Financial Times/DW/SCMP
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