sexta-feira, 11 de abril de 2025

Trump ergue muros de tarifas contra o mundo

O anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, em 2 de abril, de novas tarifas abrangentes contra diversos países não é motivado apenas por uma lógica econômica (já questionável). Reflete, acima de tudo, a visão profundamente adversarial do atual ocupante da Casa Branca. Desde seu retorno à presidência, Trump desencadeou uma onda de tarifas sem precedentes em escopo. Aliados tradicionais e rivais estratégicos agora são tratados sob a mesma lógica, marcando uma guinada radical na política comercial de Washington – endurecendo medidas de seu primeiro mandato e amplificando-as com um exercício desinibido de poder.

Assim como em 2017, quando falou em “carnificina americana”, Trump pinta um quadro apocalíptico dos EUA: um país que teria sido “saqueado, pilhado e traído por nações próximas e distantes, tanto aliadas quanto inimigas”. A esse discurso dramático, ele opõe a dupla promessa de “libertação” e a restauração de uma nova “era dourada”.

As tarifas, assim, se tornam as armas de uma cruzada nacionalista – onde cada importação é um ataque à soberania, e cada exportação, um ato simbólico de reconquista.

<><> Uma visão autoritária do comércio internacional

A doutrina comercial de Trump integra uma estratégia mais ampla, definida por confronto, centralização do poder executivo e uma visão neoimperial da economia global. Suas medidas tarifárias vão muito além da proteção à indústria doméstica: buscam remodelar a ordem mundial conforme sua própria interpretação de interesse nacional. Este segundo ato da revolução trumpista não é uma repetição, mas uma escalada – baseada em ambições autoritárias, na rejeição ao multilateralismo (evidente no desprezo pela OMC) e na glorificação da soberania bruta.

A suposta lógica econômica por trás dessas políticas é tão frágil quanto reveladora. O método de cálculo escolhido – dividir o déficit comercial bilateral pelo volume de importações – não passa de um instrumento rudimentar para pressionar países com os quais os EUA têm saldo negativo. Oficialmente, o objetivo é reduzir déficits, repatriar empregos e aumentar receitas. Mas a agenda real é mais profunda: consolidar o poder presidencial e substituir a cooperação global por uma doutrina de dominação econômica.

<><> Tarifas como instrumentos de poder e mensagem

O primeiro mandato de Trump já mostrou os limites dessa estratégia. A guerra comercial com a China, em particular, provocou alta de preços para consumidores, desorganizou cadeias de suprimentos e prejudicou gravemente exportadores agrícolas americanos. Um estudo estimou que os consumidores dos EUA absorveram a maior parte desses custos, com aumento médio de 1% nos preços de manufaturados.

Trump não age como um chefe de Estado tradicional, operando dentro de um marco multilateral. Ele se comporta como um governante solitário, distribuindo recompensas e punições conforme sua agenda política – ou até pessoal. Nesse contexto, as tarifas funcionam tanto como golpe midiático quanto ferramenta econômica. Batizadas de “tarifas recíprocas”, constroem uma narrativa simplificada e poderosa: a de um cruzado que corrige injustiças sofridas por cidadãos traídos pelo livre-comércio.

Essa mensagem ressoa entre trabalhadores de setores como o automotivo. Oferece vilões convenientes: China, Europa e a elite doméstica que apoia acordos comerciais. A política comercial deixa de ser negociação para virar retribuição. Nessa visão, o aumento de tarifas não é só uma manobra econômica – é uma afirmação de soberania, até mesmo de poder simbólico.

<><> De obsessão pessoal a doutrina de Estado

O protecionismo de Trump não é um fenômeno recente, mas parte de uma obsessão antiga. Já em 1987, ele atacava os superávits comerciais do Japão e pedia tarifas pesadas contra Tóquio. Falava dos EUA sendo “passados para trás” e demonstrava um temor quase paranoico de humilhação nacional. No fundo, isso reflete um impulso de reafirmar domínio – de “vencer” num mundo que ele vê como inerentemente hostil. É uma das poucas constantes em sua visão de mundo, dada sua falta de coerência ideológica em outros temas.

Hoje, tudo é enquadrado como questão de soberania: terras-raras, minerais estratégicos, fluxos de dados, rotas marítimas. Essa visão ecoa o imperialismo do final do século XIX, especialmente sob o presidente William McKinley (1897–1901) – figura que Trump citou explicitamente em seu segundo discurso de posse.

Essa lógica também explica alguns de seus gestos mais provocadores: declarar interesse em comprar a Groenlândia, pressionar o Canadá por acesso a recursos naturais e cobiçar o potencial mineral da Ucrânia. A ideia subjacente é clara: recursos são finitos, e é melhor garantir a sua parte antes que outros o façam. Nesse jogo de soma zero, onde o ganho de um país é a perda de outro, a cooperação cede lugar à conquista.

<><> Rumo a um mercantilismo tecnonacionalista?

Nessa visão, a competição não é vista como fonte de inovação, mas como ameaça a ser eliminada. O objetivo não é tornar os EUA mais competitivos, mas sabotar a competitividade alheia. O país já não se apresenta – nem mesmo retoricamente – como uma democracia que segue as regras dos mercados globais. Age, em vez disso, como uma corporação em busca de monopólio.

Essa guinada autoritária ressoa com pensadores-chave do trumpismo. Peter Thiel, mentor do vice-presidente JD Vance, já declarou que “capitalismo e competição são opostos”, defendendo o monopólio como meta final. Cortes no governo federal e desregulamentação não visam liberar mercados, mas consolidar controle e domínio.

O objetivo agora é contornar sistemas globais, não integrá-los – construindo uma autarquia de estilo imperial, onde os EUA controlam uma esfera fechada de influência, blindada contra competição externa. É o mercantilismo reinventado para a era digital: em vez de ouro e prata, a moeda são dados, infraestrutura, dólares e criptoativos. A cooperação dá lugar à coerção.

<><> Rumo a uma ordem autoritária – ou a um desastre político?

O anúncio de 2 de abril vai muito além de uma decisão econômica. É uma declaração política ousada – um movimento deliberado em direção a uma nova ordem mundial baseada em força e lealdade, não em leis e cooperação.

Há clara continuidade com o primeiro mandato de Trump. Desta vez, porém, a escala, o radicalismo e a concentração de poder representam uma escalada decisiva. Trump trata o Estado cada vez mais como propriedade pessoal – ou um negócio privado, no que alguns chamam de “patrimonialismo”. Ele molda um modelo autoritário em que o comércio vira arma numa nova guerra fria global, movida por medo do declínio e obsessão por controle. Nessa lógica, prosperidade não é mais um objetivo nacional compartilhado – é um privilégio reservado aos que detêm o poder.

Esse caminho pode se tornar politicamente explosivo, especialmente com mercados em queda e inflação à vista – ambos ameaçando desgastar sua presidência. Se ele insistir, mesmo com aprovação em declínio, legisladores republicanos podem ser forçados – pela pressão de eleitores e doadores – a reagir e reafirmar seu papel constitucional. Já há sinais iniciais de dissidência no Partido Republicano, assim como um descontentamento público ainda difuso, mas cada vez mais difícil de ignorar.

¨      China diz que ações de Trump não têm apoio e terminarão em fracasso

A China afirmou que tomará medidas para se proteger diante das novas tarifas de Donald Trump anunciadas nesta quarta (9). Era madrugada na China quando o presidente aumentou a aposta e subiu para 125% a cobrança sobre os produtos chineses — antes, a taxa era de 104%.

Em coletiva de imprensa na madrugada desta quinta (10), o porta-voz do Ministério do Comércio afirmou que os desafios econômicos "aumentaram significativamente" e seguiu criticando as medidas.

"As ações dos Estados Unidos não têm o apoio do povo e terminarão em fracasso", disse .

O país asiático também voltou a dizer que não vai recuar diante das provocações de Trump. "Nunca aceitaremos pressão extrema ou intimidação por parte dos Estados Unidos".

"Tomar medidas adicionais para se opor às ações de intimidação dos EUA não tem como único objetivo proteger nossa própria soberania, segurança e interesses de desenvolvimento. Também visa proteger a equidade e a justiça internacionais", disse.

"Vamos lidar inabalavelmente com nossos próprios assuntos, para compensar a incerteza do ambiente externo", continuou.

<><> Guerra comercial

Começam a valer nesta quinta-feira (10) as tarifas de 84% da China sobre produtos importados dos Estados Unidos. A medida, anunciada na véspera pelo Ministério das Finanças chinês, é uma resposta às taxas aplicadas pelo presidente norte-americano, Donald Trump.

Os Estados Unidos revidaram com mais um aumento de taxa, chegando a 125%.

"Com base na falta de respeito que a China demonstrou aos mercados mundiais, estou, por meio deste, aumentando a tarifa cobrada da China pelos Estados Unidos da América para 125%, com efeito imediato", escreveu o líder norte-americano em sua rede social.

Esse é mais um episódio da disputa comercial entre EUA e China, iniciada pelo tarifaço de Trump. No último dia 2 de abril, o republicano anunciou taxas de importação de 10% a 50% sobre 180 nações de todo o mundo. De lá para cá, houve retaliações entre os dois países, com elevação tarifas.

<><> Entenda como a taxa sobre a China chegou a 125%:

Paralelamente, o líder norte-americano anunciou uma redução para 10% as taxas recíprocas a outros países, pelo prazo de 90 dias. Ele se referiu à decisão como uma "pausa" no tarifaço, que há uma semana resultou na escalada da guerra comercial global.

"Autorizei uma pausa de 90 dias e uma tarifa recíproca substancialmente reduzida durante esse período, de 10%, também com efeito imediato", escreveu Trump.

Na prática, os EUA passam a ter agora uma taxa geral de 10% sobre quase todas as importações do país, o que inclui produtos brasileiros. Tarifas específicas já em vigor, como as de 25% sobre aço e alumínio, não são afetadas pela medida — e continuam valendo.

<><> Veja a íntegra da nota de Donald Trump

Com base na falta de respeito que a China demonstrou aos mercados mundiais, estou, por meio deste, aumentando a tarifa cobrada da China pelos Estados Unidos da América para 125%, com efeito imediato. Em algum momento, esperançosamente em um futuro próximo, a China perceberá que os dias de exploração dos EUA e de outros países não são mais sustentáveis ou aceitáveis. Por outro lado, e com base no fato de que mais de 75 países convocaram representantes dos Estados Unidos, incluindo os Departamentos de Comércio, Tesouro e USTR, para negociar uma solução para os assuntos em discussão relativos a Comércio, Barreiras Comerciais, Tarifas, Manipulação Cambial e Tarifas Não Monetárias, e que esses países não retaliaram de forma alguma contra os Estados Unidos, por minha forte sugestão, autorizei uma PAUSA de 90 dias e uma Tarifa Recíproca substancialmente reduzida durante esse período, de 10%, também com efeito imediato. Obrigado pela sua atenção a este assunto!

<><> Entenda, ponto a ponto, o embate entre China e EUA

Nesta quarta-feira, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, sugeriu que Trump usou as tarifas para criar vantagens de negociação.

"Essa foi a estratégia dele o tempo todo", disse a repórteres. "E pode-se até dizer que ele incitou a China a uma posição ruim. Eles reagiram. Eles se mostraram ao mundo como os maus atores."

<><> Reflexos nos mercados

Apesar da nova ofensiva contra os chineses, o recuo de Trump em relação ao tarifaço fez o humor dos mercados mudar completamente.

Os principais índices dos EUA dispararam e fecharam com ganhos de até 12% nesta quarta. As bolsas asiáticas também fecharam em alta nesta quinta (10).

¨      Tarifas dos EUA contra a China somam 145%, esclarece Casa Branca

As tarifas aplicadas pelos Estados Unidos aos produtos importados da China agora somam 145%, afirmou a Casa Branca nesta quinta-feira (10).

O presidente americano Donald Trump anunciou nesta quarta (9) um aumento das taxas contra os chineses de 125%, com efeito imediato, devido às retaliações aplicadas por Pequim.

Agora, a Casa Branca esclareceu que esse aumento é em relação à taxa de 84% anunciada por Trump nesta semana, que, por sua vez, se soma à tarifa de 20% relacionada ao fentanil e imposta anteriormente à China.

Entenda como a taxa sobre a China chegou a 145%:

<><> Escalada da guerra comercial

Trump justificou o novo aumento na taxação contra Pequim na quarta-feira (9) "com base na falta de respeito que a China demonstrou aos mercados mundiais", por causa da retaliação do país ao tarifaço.

O republicano disse esperar que, "em um futuro próximo, a China perceba que os dias de exploração dos EUA e de outros países não são mais sustentáveis ou aceitáveis".

Aos "países que não retaliaram de forma alguma", Trump reduziu as taxas "recíprocas" para 10%, pelo prazo de 90 dias. Ele se referiu à decisão como uma "pausa" no tarifaço, que há uma semana resultou na escalada da guerra comercial global.

Trump segue dizendo que está confiante em chegar a um acordo com Pequim. "Ele é meu amigo, o presidente Xi (Jinping). Eu gosto dele, eu o respeito", afirmou Trump durante uma sessão de perguntas e respostas com jornalistas no Salão Oval da Casa Branca na noite de quarta-feira (9).

"É um cara inteligente que ama seu país, isso é um fato, eu o conheço muito bem", disse.

Até a tarde desta quinta-feira (10), a China não havia anunciado uma retaliação ao novo aumento. No entanto, durante a madrugada, o porta-voz do Ministério do Comércio chinês afirmou que não vai recuar.

"Ao usar tarifas como arma para exercer a máxima pressão em benefício próprio, os EUA estão se colocando contra o resto do mundo", afirmou o ministro do Comércio chinês, Wang Wentao.

"Embora a China permaneça aberta a conversas, qualquer negociação deve ser baseada no respeito mútuo e conduzida em pé de igualdade. Se os EUA estiverem determinados a travar uma guerra comercial, a China lutará até o fim", disse, em comunicado.

"Pressão, ameaças e chantagem não são a maneira certa de lidar com a China. Não permitiremos, de forma alguma, que alguém tire os direitos e interesses legítimos do povo chinês, ou que alguém sabote as regras do comércio internacional e o sistema multilateral de comércio".

 

Fonte: The Conversation/g1

 

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