sábado, 12 de abril de 2025

Entenda esquema entre CV e PCC que girou R$ 6 bilhões do tráfico no RJ e em SP

O esquema de lavagem de dinheiro que uniu Comando Vermelho e PCC em uma "aliança estratégica e logística", segundo investigações da Polícia Civil, incluía várias empresas de fachada em dois estados, um banco digital e a atuação de um homem que foi preso em São Paulo na operação.

O relatório de investigação da polícia do Rio diz que o modo de operação do grupo "envolveria um esquema complexo e bem estruturado, com características de sofisticação e planejamento, visando ocultar a origem ilícita de grandes quantias de capital", diz um trecho.

"A investigação, embasada em Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs), aponta para a utilização da técnica de "movimentação" para distanciar o dinheiro de sua origem, por meio de repetidas transações, até alcançar seu destino", aponta o documento, obtido pela TV Globo.

Para a polícia, o esquema de lavagem de dinheiro, que chegou a movimentar R$ 6 bilhões em um ano, funcionava da seguinte forma:

•        Dinheiro da venda de drogas era depositado em espécie em agências da Zona Sul e da Barra da Tijuca.

•        Uma mulher foi presa em uma agência no Catete, na Zona Sul, carregando uma mochila com R$ 150 mil quando ia depositar o dinheiro para um endereço em São Paulo.

•        Depósitos de valores entre R$ 150 mil e R$ 750 mil eram feitos com notas de R$ 5, R$ 10 e R$ 20. Vários dos envelopes estavam mofados e com cheiro de drogas, segundo a polícia.

•        O destino dos recursos era uma perfumaria em São Paulo, que movimentou R$ 155 milhões em um ano. A "empresa", que ficava em uma casa, era usada como fachada para lavar dinheiro.

•        A sócia da Ônix Perfumes, segundo as investigações, recebe auxílio emergencial. Elisângela Gomes Franca é apontada como uma "laranja" do esquema criminoso.

•        A investigação identificou várias pessoas sem passagens pela polícia que faziam os depósitos para empresas suspeitas. Elas foram chamadas de "mulas financeiras" pela polícia.

•        O dinheiro era pulverizado para diversas empresas, como floriculturas, empresas de transporte e uma plataforma contábil que chegou a fazer transações de R$ 100 milhões em três meses.

•        Os recursos iam para uma intermediadora de pagamento, um banco digital, que tinha como sócio oculto o cunhado de um dos chefes do PCC. O banco já foi alvo da polícia de São Paulo.

•        Os recursos bilionários do banco digital iam para instituições financeiras em áreas de fronteira com países que costumam exportar drogas para o Brasil, como Bolívia e Paraguai.

•        Parte do dinheiro retornava como lucro para o Comando Vermelho em empresas fantasmas no Rio de Janeiro, com sócios ligados ao tráfico de drogas.

•        Outra parte do dinheiro era usada para comprar drogas e armas para fortalecer a expansão da facção.

•        Responsável por atuar como elo entre PCC e CV foi preso em Franca, em São Paulo.

O esquema usava uma rede empresas de diferentes setores e locais, e fracionava os depósitos pra dificultar o rastreamento do dinheiro.

O banco digital 4TBANK, segundo a polícia, movimentou R$ 1,4 bilhões entre janeiro e maio de 2024.

<><> Preso atuava em RJ e SP

Preso durante a operação de quinta-feira em São Paulo, Tiago Ferreira dos Santos, era um dos responsáveis pelo esquema de lavagem de dinheiro envolvendo as duas facções. Ele tinha mandado de prisão emitido pela Justiça Federal.

"Ele é um operador financeiro que tinha mandado por organização criminosa, lavagem de dinheiro, operar banco irregularmente associado ao PCC. Ele é um dos elos financeiros entre o PCC e o Comando (Vermelho)", afirmou o delegado Jefferson Ferreira, titular da Delegacia de Roubos e Furtos. (DRF).

O delegado afirmou que o esquema já funcionava há anos em São Paulo, operado pelo PCC, e agora o Comando Vermelho foi incorporado nos negócios ilegais.

"Esse mesmo nacional remete recursos recebidos desse banco digital para empresas de fachada aqui no estado do Rio de Janeiro", explicou o delegado.

Ao todo, 20 empresas são investigadas no inquérito. Segundo a polícia fluminense, esta é a maior operação já realizada contra lavagem de dinheiro do Comando Vermelho no Rio. Os mandados foram cumpridos em:

•        RJ: nas zonas Oeste, Norte e Sul da capital, além de municípios do interior do estado. Entre os endereços estão os complexos da Maré e do Fallet-Fogueteiro.

•        SP: na capital, Região Metropolitana e nos municípios de Franca, Praia Grande e Santos.

A Operação Contenção é uma ofensiva permanente para impedir o avanço territorial do Comando Vermelho na Zona Oeste do Rio. O principal objetivo é desarticular a estrutura financeira, logística e operacional da organização criminosa, além de prender traficantes que atuam na região.

A ação desta quinta foi realizada pela Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento-Geral de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (DGCOR-LD) e da Polícia Civil de São Paulo.

•        A decadência do Rio de Janeiro. Por Thomas Milz

O Rio de Janeiro continua lindo. Faz 12 anos que moro na "cidade maravilhosa", depois de ter vivido por igual período em São Paulo. Mas conheci o Rio já antes da minha chegada, pelas coisas que me contava meu pai, que morou aqui entre 1955 e 1963. Ele pegou todos os anos bons do Rio: a onda da Bossa Nova, a esperança da presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a chegada da cultura de massa.

Ele ainda conta dos dias de jogo, quando uma multidão se dirigia ao Maracanã para ver Pelé jogar, e da festa depois do primeiro título mundial em 1958. Fala também de como andava a pé do centro para o aeroporto Santos Dumont, para pegar a ponte aérea. Ou como ele, morador do bairro Laranjeiras, ia às favelas próximas para festejar ou jogar cartas. E conta dos bailes chiques no antigo Cassino da Urca; todo mundo de terno e gravata. Nas falas dele, tudo naquela época parecia fácil e seguro. De violência, ele não tem lembrança.

Diferente dos tempos de hoje. Escuto muitas pessoas falando de como se sentem inseguras andando pelo Rio. Ou da ansiedade de quem tem filhos adolescentes, que tardam para chegar das festas noturnas. Falam do aumento de sem-teto e de mendigos, e que pensam em ir para outro lugar.

Tudo bem que minha percepção se limita, em grande parte, às áreas asfaltadas da Zona Sul. Mas também escuto de pessoas que vivem ou trabalham na Zona Norte como a falta de segurança atrapalha a vida deles. Preferem fechar os olhos para a existência do crime organizado – se for possível fazer isso, claro.

O sentimento de falta de segurança tem alguma base nas estatísticas. Tanto roubos de veículo como de carga cresceram em 2024. E de celular também. Escuto pessoas que vivem na Zona Sul e no centro relatando o medo de andar com o celular na rua. Quem anda de ônibus prefere ter o "celular do bandido": um aparelho velho para ser entregue em caso de assalto, enquanto se guarda o celular bom em outro lugar.

Por outro lado, os homicídios dolosos estão no menor patamar deste 1991, enquanto as mortes pela polícia baixaram para o nível de 2015. Mas isso são dados do estado do Rio como um todo, e não apenas da cidade do Rio. Além disso, analistas acreditam que isso se deve, por um lado, à acomodação entre os grupos criminosos. Por outro lado, vale lembrar que, desde a pandemia, a entrada de forças policiais nas favelas tem sido limitada pelo STF, reduzindo os confrontos violentos.

Houve muito ruído quando a economista Zeina Latif, num texto recente no jornal O Globo, chamou a atenção para o baixo crescimento econômico do Rio. Ela apontou para a má distribuição de renda no estado, que só é pior na Paraíba e no Piauí. O que "salva" a economia local é a indústria extrativa, enquanto a construção, o comércio e a indústria de transformação encolheram recentemente. A taxa de ocupação é menor que na média nacional, e a taxa de desemprego, maior.

Latif aponta que o Rio ganha com os royalties de petróleo como nenhum outro estado, mas que isso não se traduz em boas políticas públicas. E, ao mesmo tempo, o estado é o mais endividado de todos. "Chega a dar tristeza a decadência econômica do estado, ainda mais sendo referência no patrimônio histórico e na riqueza artística e cultural", conclui Latif.

A FecomercioRJ criticou a publicação da economista, listando números positivos sobre a economia do Rio, ao mesmo tempo afirmando que – sim – há problemas. Mas argumentou que "qualificar o Rio, com tanto a mostrar, como decadente é ajudar a manter em nosso estado uma visão fatalista que em nada contribui para darmos os necessários passos à frente, com estabilidade e com consistência".

Lembro-me do ano de 2009, quando o Brasil foi escolhido como país-sede da Copa de 2014 e, no mesmo ano, o Rio foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Em várias entrevistas que fiz na época, pessoas chamaram essas escolhas de "última chance" para o Rio: se a cidade não achasse seu rumo com todos esses investimentos, nunca o acharia.

Acompanhei o processo de criação das UPPs, as Unidades de Polícia Pacificadora, nas áreas pobres da cidade. Muito dinheiro investido, mas da população local se ouvia poucas palavras esperançosas. "Quando acabarem os jogos, acabam também esses programas", foi a profecia deles, na época. E aconteceu mesmo. Foi para "inglês ver", e alemão também.

 

Fonte: g1/DW Brasil

 

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