sábado, 12 de abril de 2025

Quem é o ‘czar do tarifaço de Trump’, que acredita que os ‘EUA estão morrendo por culpa da China’

Ele é um dos principais arquitetos da controversa política tarifária do presidente americano, Donald Trump, e também um de seus mais fiéis seguidores, cuja lealdade ele demonstrou ao se tornar o primeiro funcionário do seu primeiro governo a ir para a prisão por se recusar a cooperar com a investigação do Congresso sobre a invasão de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio.

Ele é muito próximo do presidente, que frequentemente se refere a ele como “meu Peter”.

Mas Peter Navarro, o principal assessor de Trump para comércio e manufatura, e um dos economistas mais poderosos da atualidade, também tem críticos ferozes dentro do governo dos Estados Unidos.

Elon Musk, com quem ele teve um desentendimento público, o descreveu como “um idiota mais burro do que um saco de tijolos”.

Mais tarde, Musk se desculpou... com os tijolos.

Navarro havia dito que Musk, mais do que um fabricante, é um “montador” de automóveis, e que a crítica do bilionário do setor de tecnologia ao alcance das tarifas se devia ao fato de ele importar peças para seus veículos da Tesla, de modo que ele estava zelando por seus próprios interesses.

A briga foi a maior demonstração pública de divergência até agora dentro da equipe mais próxima de Trump, que conta com Musk, o homem mais rico do mundo, como chefe do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), encarregado de reduzir o tamanho e os gastos do governo federal.

As tarifas extremas que os EUA começaram a impor na quarta-feira (9/4) — que chegam a 125% sobre certas importações chinesas — são, em grande parte, produto das ideias de Navarro.

Mas Navarro queria ir ainda mais além, disseram fontes com conhecimento sobre como as tarifas foram criadas à Bloomberg.

O assessor propôs uma tarifa geral de 25% — Trump acabou optando por uma tarifa de 10% — ou uma fórmula “recíproca” baseada nos déficits comerciais com cada país, de acordo com a agência de notícias americana.

Após semanas de deliberação, o plano que emergiu da equipe de Trump foi o que mais se assemelhava à proposta de Navarro.

O destino destas tarifas, no entanto, permaneceu incerto na quarta-feira, depois que Trump anunciou que havia reduzido as tarifas recíprocas para 10%, uma taxa universal para todos os países, incluindo México e Canadá.

E que por 90 dias ele suspenderia a aplicação de novas tarifas a todos os países do mundo acima destes 10%.

Estas novas medidas não se aplicam à China, que deve enfrentar uma tarifa de 125% porque, de acordo com Trump, Pequim optou por tomar medidas retaliatórias contra os EUA.

·        ‘Sistema quebrado’

Os efeitos deste “experimento extremo”, como muitos economistas definem, abalaram a economia global antes mesmo de sua implementação, com perdas superiores a trilhões de dólares nos mercados financeiros, cujas consequências, alertam os especialistas, serão sentidas nos nossos próprios bolsos.

Mas Navarro, assim como Trump, acredita que o melhor (para os EUA) ainda está por vir.

“Chegaremos a um ponto em que os EUA vão voltar a fabricar coisas novamente, os salários reais vão subir, e os lucros vão aumentar”, disse Navarro em uma entrevista recente à rede CNBC.

Em um artigo de opinião publicado no Financial Times, Navarro afirmou que as tarifas “vão consertar um sistema comercial internacional quebrado”, e que elas buscam “corrigir um erro” — basicamente, o déficit comercial dos EUA, que, na sua opinião, “transferiu mais de US$ 20 trilhões de riqueza americana para mãos estrangeiras”.

No entanto, suas ideias são vistas por outros economistas como pouco ortodoxas ou até mesmo sem respaldo empírico, como vários professores universitários sugeriram ao jornalista Gerardo Lissardy, da BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, em 2019, quando Trump impôs tarifas sobre as importações chinesas durante seu primeiro mandato.

A China é, de fato, uma das grandes obsessões de Navarro.

O assessor de Trump escreveu três livros sobre a potência asiática e seu poder econômico: The Coming China Wars (“As Próximas Guerras da China”, em tradução livre), Death by China (“Morte pela China”, em tradução livre) e Crouching Tiger: What China’s Militarism Means for the World (“Tigre de prontidão: O que a ascensão militar da China significa para o mundo”).

Trump recrutou Navarro para sua campanha eleitoral de 2016, quando concorreu ao seu primeiro mandato, depois que seu genro Jared Kushner descobriu o livro Death by China online. A obra, escrita em parceria com Greg Autry em 2012, deu origem a um documentário de mesmo nome narrado pelo ator Martin Sheen.

Navarro argumenta no livro que a China tira vantagem do comércio global manipulando sua moeda, subsidiando produtos e permitindo condições de trabalho proibidas nos EUA.

Ele sugere uma resposta firme, impedindo por exemplo que as companhias chinesas adquiram empresas americanas ou pressionem para obter acesso à tecnologia dos EUA.

“Como os livros do professor Navarro não oferecem muitos dados, não há como outros economistas verificarem se os dados foram analisados ​​adequadamente”, disse à BBC News Mundo, em 2019, Amihai Glazer, professor de economia da Universidade da Califórnia em Irvine, onde Navarro trabalhou, e que revisou suas publicações.

Algumas das antigas ideias de Navarro acabaram se transformando em políticas que abalaram a economia internacional, traumatizaram os mercados financeiros e alimentaram temores de uma recessão global.

·        Início democrata

Filho de pai saxofonista e criado desde pequeno pela mãe divorciada, Navarro, hoje com 75 anos, tem doutorado em economia pela Universidade de Harvard, e é professor emérito da Universidade da Califórnia em Irvine.

No início de sua carreira, ele se especializou em energia, e chegou a ser um defensor do livre comércio, mas mudou de posição diante do que considerava perdas de empregos devido à concorrência estrangeira.

Ele também concorreu em várias eleições locais na Califórnia como democrata, sem vencer nenhuma delas.

Durante o primeiro mandato de Trump, Peter Navarro chefiou o Departamento de Políticas de Comércio e Manufatura da Casa Branca, que ele criou em 2017.

Naqueles quatro anos, Trump iniciou uma guerra comercial com a China, impondo tarifas no valor de bilhões de dólares sobre produtos eletrônicos, têxteis e componentes industriais.

Mas naquele primeiro mandato, a equipe econômica de Trump ainda estava dividida entre os mais protecionistas, como Navarro, e os defensores do livre comércio que, até certo ponto, moderavam suas políticas.

Na equipe que cerca Trump hoje, e na qual Navarro tem um grande peso, há pouco espaço para esse tipo de debate.

·        Fiel até mesmo na prisão

A lealdade de Peter Navarro ao presidente levou até mesmo à sua prisão.

Após a eleição de novembro de 2020, vencida pelo democrata Joe Biden, Navarro trabalhou em várias estratégias para reverter os resultados da eleição, e manter Donald Trump na Casa Branca, como ele mesmo reconheceu em um livro de memórias de 2021, In Trump Time (“Em Tempos de Trump”, em tradução livre).

O plano exigia que os republicanos do Congresso adiassem a certificação da vitória eleitoral de Biden, um procedimento padrão que estava programado para 6 de janeiro de 2021.

Naquele dia, centenas de apoiadores de Trump invadiram o Congresso dos EUA para tentar impedir a certificação, agredindo policiais e funcionários durante o processo, no que se transformou em um dos dias mais sombrios para a democracia americana nos últimos anos.

Em sua investigação para apurar a responsabilidade pelo ocorrido, um comitê especial da Câmara dos Representantes dos EUA intimou Navarro pela primeira vez em fevereiro de 2022, mas o ex-assessor não entregou nenhum dos e-mails ou documentos solicitados pelo comitê.

Navarro alegou, então, que Trump havia ordenado que ele invocasse o “privilégio executivo”, um princípio legal que permite que algumas comunicações da Casa Branca sejam mantidas em sigilo.

O juiz do caso determinou que o privilégio executivo não protegia Navarro da intimação — e, três anos após o ataque ao Capitólio, Navarro foi condenado a quatro meses de prisão por desacato e multado em US$ 9,5 mil.

Ele se tornou assim o primeiro funcionário da era Trump a ser preso.

Logo após sair da prisão, Navarro participou da Convenção Republicana realizada poucos dias depois do atentado contra Trump, que aceitou formalmente sua indicação como candidato para a eleição presidencial de 2024.

Navarro brincou com os milhares de apoiadores de Trump dizendo que eles deveriam ver “a tatuagem MAGA que fiz (na prisão)”, uma referência ao slogan do presidente, Make America Great Again (“Tornar os EUA Grande Novamente”).

Mas também se apresentou como o mártir que, de certa forma, salvou Trump: “Eles queriam que eu traísse Donald J. Trump para salvar minha própria pele, e eu recusei”.

Sua lealdade foi recompensada.

¨      Por que Trump decidiu focar guerra tarifária na China

De repente, a guerra comercial do presidente americano, Donald Trump, está com um foco mais definido.

Em vez de lutar em todas as frentes contra o mundo, está caminhando mais para um embate em uma arena conhecida de Trump: Estados Unidos x China.

pausa de 90 dias nas tarifas “retaliatórias” mais altas cobradas de dezenas de países ainda deixa em vigor uma tarifa universal de 10%.

Mas a China — que exporta de tudo, de iPhones a brinquedos, e responde por cerca de 14% de todas as importações dos EUA — foi alvo de um tratamento muito mais severo, com uma taxa astronômica de 145%.

Trump disse que o aumento se deve à prontidão de Pequim em retaliar impondo sua própria taxa de 84% sobre os produtos americanos, uma medida que o presidente americano descreveu como “falta de respeito”.

No entanto, para um político que chegou à Casa Branca com base em um discurso anti-China, isso tudo vai muito além de uma simples retaliação.

Para Trump, trata-se de um assunto pendente do primeiro mandato.

“Não tivemos tempo de fazer a coisa certa, o que estamos fazendo agora”, disse ele a jornalistas.

O objetivo é nada menos do que derrubar um sistema estabelecido de comércio global centrado na China como a “fábrica do mundo”, assim como a visão outrora amplamente difundida que o sustentava — a ideia de que mais desse comércio era, por si só, uma coisa boa.

Para entender o quanto isso é fundamental para o pensamento do presidente dos EUA, é preciso voltar ao tempo em que ninguém pensava nele como um possível candidato ao cargo, muito menos como um provável vencedor.

Em 2012, quando fiz minha primeira reportagem em Xangai, a capital empresarial da China, o aumento do comércio com o país asiático era visto por quase todo mundo —líderes empresariais globais, autoridades chinesas, governos estrangeiros e delegações comerciais convidadas, correspondentes estrangeiros e economistas experientes — como algo óbvio.

A China estava impulsionando o crescimento global, fornecendo um suprimento infinito de produtos baratos, aprimorando o exército chinês de novos trabalhadores de fábrica cada vez mais inseridos nas cadeias de suprimentos globais, e proporcionando oportunidades lucrativas para as empresas multinacionais que vendiam seus produtos para a recém-formada classe média.

Poucos anos após minha chegada, a China havia ultrapassado os EUA e se tornado o maior mercado do mundo para a Rolls Royce, General Motors e Volkswagen.

Havia também uma justificativa mais profunda.

À medida que a China ficava mais rica, segundo a teoria, o povo chinês começaria a exigir reformas políticas.

Seus hábitos de consumo também ajudariam a China a fazer a transição para uma sociedade de consumo.

Mas o primeiro desses anseios nunca aconteceu, e o Partido Comunista da China apenas fortaleceu sua permanência no poder.

E o segundo não aconteceu rápido o suficiente — a China não apenas ainda é dependente das exportações, como planeja abertamente se tornar cada vez mais dominante.

Seu conhecido plano estratégico — publicado em 2015, e intitulado Made in China 2025 — estabeleceu uma visão ambiciosa apoiada pelo Estado de se tornar líder global em vários setores importantes da manufatura, desde a indústria aeroespacial até a de construção naval e veículos elétricos.

E foi assim que, apenas um ano depois, um completo desconhecido na política começou a concorrer à presidência dos EUA, argumentando repetidamente na campanha que a ascensão da China havia esvaziado a economia americana, impulsionado o declínio do chamado “cinturão da ferrugem” e custado aos operários americanos seus meios de subsistência e dignidade.

A guerra comercial do primeiro mandato de Trump rompeu com os padrões estabelecidos e quebrou o consenso. Seu sucessor, o ex-presidente Joe Biden, manteve grande parte de suas tarifas sobre a China.

E, no entanto, embora tenham causado, sem dúvida, algum sofrimento ao país asiático, elas não fizeram muito para mudar o modelo econômico.

Atualmente, a China produz 60% dos carros elétricos do mundo — uma grande parte deles fabricados por suas próprias marcas nacionais —, e 80% das baterias que os abastecem.

E, agora, Trump está de volta, com essa escalada retaliatória de tarifas.

Este poderia ser o maior choque já sofrido pelo sistema de comércio global estabelecido, se não fosse por todo vaivém de medidas tarifárias que o presidente dos EUA implementou nos últimos dias.

O que vai acontecer em seguida depende de duas questões fundamentais.

Em primeiro lugar, saber se a China vai aceitar essa oferta para negociar.

E, em segundo lugar, supondo que isso aconteça, se a China está disposta a fazer as concessões importantes que os EUA estão buscando, incluindo uma revisão completa de seu modelo econômico voltado para a exportação.

Ao responder a essas questões, a primeira coisa a dizer é que estamos em um território completamente desconhecido, portanto, devemos desconfiar de qualquer pessoa que diga que sabe como Pequim provavelmente vai reagir.

Mas certamente há razões para ser cauteloso.

A visão da China sobre sua força econômica — baseada em um considerável volume de exportações e em um mercado interno fortemente protegido — está agora intimamente ligada à sua ideia de rejuvenescimento nacional e à supremacia de seu sistema de partido único.

Seu controle rígido sobre a esfera da informação significa que é improvável que o país diminua suas barreiras às empresas americanas de tecnologia, por exemplo.

Mas há uma terceira pergunta, que cabe aos EUA responder.

Os EUA ainda acreditam no livre comércio? Donald Trump frequentemente sugere que as tarifas são uma coisa boa, não apenas como um meio para alcançar um fim, mas como um fim por si só.

Ele fala sobre o benefício de uma barreira protecionista para os EUA, a fim de estimular o investimento interno, incentivar as empresas americanas a trazerem essas cadeias de suprimentos estrangeiras de volta para o país, e aumentar a receita tributária.

E se Pequim acreditar que esse é, de fato, o objetivo principal das tarifas, pode decidir que não há nada a ser negociado.

Em vez de defender a ideia de cooperação econômica, as duas maiores superpotências do mundo podem se ver presas em uma luta pela supremacia econômica do tipo “o vencedor leva tudo”.

Se for este o caso, vai sinalizar uma quebra do antigo consenso, e um futuro muito diferente — e possivelmente muito perigoso.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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