Precisamos
de chocolate sem cacau?
A
primeira coisa que percebo é a falta de um aroma marcante. Não há aquele cheiro
forte e familiar de cacau ao abrir esse pacote de doces, a embalagem de
biscoitos ou as trufas recheadas com caramelo.
E, ao
provar cada um deles como parte do meu compromisso solene de informar o
público, não sinto o mesmo estouro de sabor de chocolate que você esperaria de
guloseimas com aquele revestimento familiar, ceroso, de tom marrom claro
cor-de-chocolate.
A
questão é que isso não é chocolate. É feito com sementes de girassol. Ou com
favas (também chamadas de feijões-fava ou feijão-de-lima).
A
seleção à minha frente é apenas uma amostra das alternativas ao chocolate
feitas sem cacau que estão surgindo no mercado varejista europeu neste momento.
Seus fabricantes viram uma oportunidade, em parte porque os preços do chocolate
verdadeiro estão disparando.
No
Brasil, o cupulate – feito a partir das amêndoas do cupuaçu – também é uma
alternativa ao chocolate tradicional, embora ele ainda não seja muito comum nas
prateleiras dos supermercados.
"O
aumento médio no preço do chocolate foi de 9% em 2024", diz Richard
Caines, analista de alimentos e bebidas da empresa de pesquisa de mercado
Mintel. "Em janeiro passado, subiu 14%."
Esse é
o preço de varejo do chocolate. O preço no atacado do ingrediente principal, o
cacau – que é feito de grãos de cacau fermentados, torrados e moídos – aumentou
surpreendentes 300% em 2024.
"Venho
acompanhando o mercado de chocolate há alguns anos – não me lembro de um caso
tão relevante como esse de aumento dos custos", acrescenta Caines.
Um dos
principais motivos para esse aumento é o impacto das mudanças climáticas nas
plantações de cacau, especialmente na África Ocidental.
Além
disso, alguns agricultores em Gana estão abandonando a produção de cacau em
favor da mineração ilegal de ouro, segundo relatos.
Isso
resultou em um déficit de cerca de 500 mil toneladas de cacau no mercado global
no ano passado.
O
chocolate verdadeiro pode se tornar um item de "luxo" no futuro, diz
Massimo Sabatini, cofundador e CEO da empresa italiana Foreverland, que fabrica
um substituto do cacau em pó chamado Choruba.
A
empresa abriu sua unidade de produção em março, onde os funcionários processam,
em vez de sementes de cacau, vagens de alfarroba.
As
árvores de alfarroba produzem vagens pequenas, marrons e com formato de banana
que contêm sementes. É possível processar essas vagens para criar um pó
semelhante ao cacau. No entanto, essa alternativa ao chocolate tem uma longa
história – e não muito feliz.
Um
artigo da revista New Yorker afirma que uma geração foi
"traumatizada" por doces à base de alfarroba nos anos 1970. O sabor
não era tão bom quanto o do chocolate verdadeiro e aparentemente não derretia
na boca da mesma forma.
Mas
Sabatini insiste que ele e seus colegas criaram um produto que vale a pena. Ele
reconhece que a alfarroba "realmente não tem gosto de chocolate", mas
acrescenta que o processo de fermentação e torrefação da Foreverland remove
parte do sabor da alfarroba para aproximá-lo mais do cacau.
Sua
alternativa de chocolate amargo à base de alfarroba é mais doce e tem sabor
mais próximo ao caramelo do que o chocolate amargo verdadeiro, explica.
Isso
pode ter benefícios para a saúde. "Podemos reduzir drasticamente o teor de
açúcar", diz Sabatini. A alfarroba também é mais rica em fibras e tem
menos gordura do que o cacau.
A
fabricante alemã Planet A Foods desenvolveu uma alternativa diferente ao
chocolate.
Sara
Marquart, cofundadora e diretora de tecnologia, diz que seu objetivo não é
substituir o chocolate, mas ajudar a preencher a lacuna no mercado causada pela
volatilidade da disponibilidade e dos preços do cacau.
Diferentemente
da Foreverland, a Planet A Foods escolheu sementes de girassol como ingrediente
principal em seu substituto do cacau em pó, chamado ChoViva.
"Processamos
sementes de girassol como se fossem grãos de cacau", explica Marquart.
"É um ingrediente altamente abundante, há milhões e milhões de toneladas
no mercado."
O
ChoViva já está presente em cerca de 35 produtos no varejo, principalmente na
Alemanha e na França – embora também apareça em doces em formato de miniovos
vendidos no Reino Unido pela fabricante Aldi. Esses doces são feitos com
amendoim e têm uma cobertura semelhante ao chocolate contendo ChoViva.
Ao
experimentá-los, o sabor predominante é o amendoim salgado no centro do doce.
Mas a textura da cobertura é impressionante. O mesmo vale para os biscoitos
cobertos com ChoViva feitos pela empresa.
Notei
que a cobertura semelhante ao chocolate é um pouco fina e não tem um sabor tão
intenso. Mas, novamente, a textura é praticamente a mesma do chocolate
verdadeiro, embora não derreta da mesma forma.
O
produto com ChoViva mais parecido com chocolate que experimentei foi a pipoca
coberta com o ingrediente – o sabor da pipoca não se sobrepõe ao da cobertura.
No
geral, não há nada nesses produtos que incomodaria um consumidor –
especialmente um que não saiba que esses produtos não contêm chocolate de
verdade.
Uma
startup do Reino Unido que também quer competir nesse espaço é a Nukoko. Dois
dos fundadores já tinham um negócio de chocolate verdadeiro e se juntaram a um
cientista de alimentos para criar a nova empresa.
"Nós
vimos de perto os problemas da cadeia de suprimento do chocolate", diz
Ross Newton, cofundador.
Assim
como a Foreverland e a Planet A Foods, a Nukoko optou por um ingrediente-chave
que pode ser obtido e processado localmente – para reduzir a pegada de carbono
e os riscos da cadeia de suprimento. Mas, no caso da Nukoko, a matéria-prima
escolhida não é alfarroba nem sementes de girassol, e sim favas.
"Cerca
de um milhão de toneladas são colhidas no Reino Unido todos os anos". diz
Newton.
A
empresa ainda está em fase inicial, mas ele acrescenta que espera começar a
vender sua alternativa ao pó de cacau para empresas alimentícias ainda este
ano.
Newton
afirma que imitar o sabor do chocolate verdadeiro é muito difícil, mas que, dos
25 compostos de sabor cruciais presentes no chocolate, o produto da sua empresa
consegue incluir 24 – embora em algumas concentrações um pouco diferentes.
A
empresa me enviou quatro trufas recheadas com caramelo para experimentar. O
caramelo domina completamente e as trufas são muito doces. Mas o substituto do
chocolate é tão suave e brilhante quanto o esperado, e muito agradável de
mastigar.
"Qualquer
produto novo que surgir precisa atender às mesmas expectativas de sabor",
diz Caines, observando o quão exigentes são os consumidores em relação aos seus
produtos favoritos com chocolate. Fazer com que aceitem alternativas sem cacau
não será fácil.
Ele
acrescenta que essas alternativas podem ter mais sucesso em produtos de
panificação – como as gotas em cookies com pedaços de chocolate: "O
chocolate não é exatamente a estrela nesses casos, então pode ser mais
aceitável."
• O cupulate
No
Brasil, as sementes de cupuaçu vêm sido desenvolvidas como uma alternativa ao
cacau para a fabricação de um alimento similar ao chocolate: o cupulate – que
não deve ser confundido com bombons feitos de cacau e cupuaçu vendidos em
supermercados pelo Brasil afora.
Trata-se
de um produto que muitos brasileiros ainda desconhecem, mas que, na opinião de
pesquisadores, pode cumprir um papel importante no desenvolvimento da floresta
amazônica e contribuir para a economia do país.
Duas
marcas de cupulate se destacam hoje no Brasil.
A
amazônica De Mendes, que desenvolveu seu cupulate a partir de uma receita
tradicional usada por mulheres de uma comunidade agroextrativista do Pará. E a
baiana Amma, que foi pioneira e comercializa seu cupulate orgânico há quase uma
década.
"Quando
você mastiga, sente um perfume muito característico do cupuaçu. E, no sabor,
percebe o azedinho, a lembrança da fruta, da polpa da fruta", diz o
macapaense César de Mendes, dono da empresa que leva seu nome.
Mas o
cupulate teria o mesmo potencial comercial que o chocolate?
"O
chocolate é um produto que tem uma cultura de consumo em massa de cem anos. É
um sabor consagrado no mundo todo. Você vai contrastar [o chocolate] com um
outro produto, é delicado de fazer uma projeção", diz o climatologista
Carlos Nobre, líder do projeto Amazônia 4.0, que quer instalar minifábricas no
coração da floresta para transformar bioinsumos amazônicos em produtos de maior
valor agregado.
"Vejo
potencial. Mas depende da forma como [o cupulate] vai ser entregue para o
mundo."
• Cacau ameaçado?
Caso as
alternativas ao chocolate tenham sucesso, há o risco de isso impactar
negativamente os produtores de cacau, alerta Tonya Lander, professora de
biologia da Universidade de Oxford.
"É
algo que deve ser trabalhado em conjunto com os agricultores ou com
cooperativas", diz ela. Os produtores de cacau estão entre os
trabalhadores agrícolas mais pobres do mundo.
A
Nukoko, a Planet A Foods e a Foreverland afirmam que não têm a intenção de
substituir o chocolate, e sim preencher a lacuna deixada pela escassez na
produção de cacau.
Lander
e seus colegas estudam fatores ambientais que influenciam a produtividade das
árvores de cacau.
Polinização
insuficiente e temperaturas elevadas afetam negativamente a quantidade de cacau
que as árvores produzem, de acordo com estudo publicado em fevereiro.
Somar
estratégias como o sombreamento das plantações de cacau pode melhorar as
colheitas e, potencialmente, reduzir a volatilidade no fornecimento de cacau.
Essas
intervenções, junto com as alternativas ao cacau, podem ajudar a satisfazer os
consumidores apaixonados por doces nos próximos anos.
Fonte:
BBC News

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