Pensar a História: 72 anos da histórica Greve
dos 300 Mil que paralisou São Paulo
Em 26 de março de 1953, a cidade de São Paulo
servia de palco a um dos grandes marcos do movimento operário do Brasil: a
Greve dos 300 mil. Iniciada pelos trabalhadores da indústria têxtil, a greve
logo se estendeu para outras categorias, paralisando quase todo o parque fabril
paulista.
A greve foi motivada pelo descontentamento
generalizado dos trabalhadores com o aumento do custo de vida e com a perda do
poder de compra. O movimento se estendeu por um mês e terminou com a vitória
dos operários, que conquistaram um reajuste médio de 32% em seus salários.
A Greve dos 300 Mil também se notabilizou por
contestar a estrutura sindical aparelhada herdada do Estado Novo, contribuindo
para o surgimento de um movimento operário mais autônomo e combativo, apto a
viabilizar avanços mais concretos para os trabalhadores.
• O
arrocho de Dutra e a volta de Vargas
O retorno de Getúlio Vargas à Presidência do
Brasil em 1951 representou a esperança de alívio para a classe trabalhadora.
Chegava ao fim o péssimo governo de Eurico Gaspar Dutra, marcado por políticas
de arrocho salarial, aumento da inflação, repressão aos trabalhadores e
intervenção nos sindicatos.
O salário mínimo estava sem aumento há 8
anos. O último reajuste ocorrera em 1943 — e fora concedido pelo próprio
Vargas. Durante o governo Dutra, o custo de vida subiu 60%, mas os salários
permaneceram praticamente congelados. Para agravar a situação, o aumento dos
preços estava concentrado sobre gêneros de primeira necessidade, moradia e
transporte, afetando sobretudo as classes populares.
Em São Paulo, a situação era ainda pior.
Entre 1943 e 1951, o custo de vida na cidade havia aumentado 100%, ao passo que
a renda dos trabalhadores crescera apenas 14%. A combinação entre inflação alta
e salários baixos corroeu o poder de compra da classe trabalhadora, resultando
no crescimento acelerado da pobreza.
Ao mesmo tempo em que empobrecia os
trabalhadores, Dutra implementava uma série de medidas para neutralizar as
ações do movimento operário. Em 1946, o militar havia promulgado o Decreto-Lei
nº. 9.070, que restringiu o direito à greve e criou uma série de limitações
para a ação dos sindicatos.
Dutra também fortaleceu a estrutura sindical
legada pelo Estado Novo, que amarrava os sindicatos ao governo, destruindo a
autonomia do movimento operário.
Os poucos sindicatos que divergiam da norma
eram punidos rigorosamente. Usando do pretexto de estar “combatendo os
comunistas”, Dutra interveio em mais de 140 sindicatos e ordenou a prisão de
vários líderes trabalhistas, acusando-os de “subversão”.
Assim, os trabalhadores enxergaram o retorno
de Vargas ao governo como uma oportunidade para retomar a mobilização operária
em condições mais favoráveis.
A onda grevista se iniciou já no primeiro ano
do mandato de Vargas. Em 1951, 264 mil trabalhadores entraram em greve. No ano
seguinte, esse montante saltou para 411 mil. E em 1953, mais de 800 mil
operários cruzaram os braços.
• A
Marcha das Panelas Vazias
Em São Paulo, o movimento foi iniciado pelos
trabalhadores das indústrias têxteis. Em 10 de março de 1953, um grupo de 8.000
operários fez uma manifestação no centro da cidade reivindicando reajuste
salarial. Os tecelões também protestavam contra uma declaração da Delegacia
Regional do Trabalho, que havia desqualificado a mobilização como uma “baderna
de agitadores”.
Decididos a mostrar que estavam falando
sério, os trabalhadores deram uma impressionante demonstração de força alguns
dias depois. Em 18 de março, as ruas do centro de São Paulo foram tomadas pela
Marcha das Panelas Vazias. Empunhando faixas e cartazes denunciando a carestia
e a fome, um grupo de 60 mil trabalhadores marchou da Praça da Sé até o Palácio
dos Campos Elíseos, a antiga sede do governo paulista.
Após chegarem ao local, representantes dos
trabalhadores entregaram um requerimento com as reivindicações ao governador
Lucas Nogueira Garcez. Além do aumento dos salários, os manifestantes exigiam
medidas de combate à miséria, ações para baixar o preço do arroz e do feijão e
o cancelamento do reajuste das tarifas dos ônibus.
A marcha foi brutalmente reprimida pela força
pública. Os trabalhadores reagiram às agressões dos policiais e conflito
evoluiu para uma pancadaria generalizada pelas ruas do centro. Centenas de
manifestantes foram presos. A repressão, entretanto, apenas inflamou ainda mais
os ânimos dos trabalhadores.
Um sintoma do descontentamento generalizado
da população e da importância da mobilização operária foi sentido poucos dias
depois, quando foi realizada a eleição para prefeito de São Paulo. Francisco
Antônio Cardoso, o candidato apoiado por Getúlio Vargas e pelo governador Lucas
Garcez, foi derrotado pelo conservador Jânio Quadros, que havia apoiado
enfaticamente a marcha dos trabalhadores.
• A
Greve dos 300 Mil
A greve teve início do no dia 26 de março de
1953, puxada pelos operários da Fábrica de Tecidos Matarazzo. Os grevistas
receberam o reforço dos trabalhadores da Companhia Paulista de Aniagem, do
Lanifício Paulista e do Lanifício Inglês, que também cruzaram os braços. Em
dois dias, quase toda a indústria têxtil de São Paulo estava paralisada.
O movimento logo se expandiu para as outras
categorias. Ainda no dia 26 de março, os metalúrgicos decretaram greve. Em
seguida, os gráficos, os vidraceiros e os marceneiros também aderiram à
paralisação. Os grevistas exigiam um aumento de 60% nos salários. Reivindicavam
também o direito à estabilidade, medidas governamentais para combater a
carestia e mais autonomia para os sindicatos
A velocidade com que a greve se alastrou
impressionou o governo e o patronato. Os cinco maiores sindicatos de São Paulo
apoiaram de imediato a mobilização. Já no segundo dia da paralisação, o jornal
Folha da Manhã registrava que mais de 100 mil operários estavam sem trabalhar.
Os galpões industriais de bairros como Mooca, Brás e Belém estavam
completamente vazios.
O desafio de realizar uma greve geral a
partir de uma estrutura sindical fortemente aparelhada pelo Estado levou os
grevistas a pensarem em soluções alternativas. Os trabalhadores passaram a se
organizar em comitês paralelos, desvinculados do aparato sindical tradicional.
Os grevistas também criaram o Comando Intersindical, responsável por articular
a ação conjunta das categorias mobilizadas.
Esse sistema sindical paralelo possibilitava
maior participação dos trabalhadores nos rumos do movimento operário. O
processo decisório tinha início nos próprios comitês e as decisões eram
referendadas pelos trabalhadores nas assembleias.
O Partido Comunista do Brasil (PCB) teve
atuação fundamental na realização da greve e na criação dessa estrutura
sindical paralela. Boa parte dos sindicatos que aderiram à paralisação eram
dirigidos por militantes do partido.
Pedro Pomar, um dos principais dirigentes do
PCB, atuou como articulador político da greve. Vários militantes do partido,
incluindo João Saldanha e Carlos Marighella, participaram ativamente da
mobilização dos trabalhadores.
A greve se estendeu pelo interior de São
Paulo e mobilizou novas categorias — ferroviários, condutores e trabalhadores
dos portos, etc. Na capital paulista, os grevistas também buscavam agitar as
massas. Os trabalhadores organizaram piquetes e realizaram uma série de
passeatas pelas ruas do centro, exibindo cartazes com suas reivindicações e
entoando palavras de ordem.
• A
repressão e o fim da greve
Diante da persistência da paralisação, a
imprensa passou a atacar o movimento grevista, acusando-o de ser “obra de
agitadores comunistas que pretendiam destruir a ordem social”. Os atos de rua
foram violentamente reprimidos pela polícia — em alguns casos, com uso de armas
de fogo. Centenas de trabalhadores foram presos.
A greve foi considerada ilegal pela Delegacia
Regional do Trabalho. José de Segadas Viana, o Ministro do Trabalho do governo
Vargas, tentou intimidar os grevistas, ameaçando processá-los pela Lei de
Segurança Nacional. Os operários, entretanto, seguiram firmes com a
paralisação.
As tentativas de direcionar a opinião pública
contra o movimento também foram em vão. A greve contou com forte respaldo da
população — que também sentia no bolso a perda do poder de compra.
Populares, estudantes e comerciantes se
mobilizaram para contribuir com doações para os fundos de greve. Os
trabalhadores receberam apoio de outras categorias — incluindo o sindicato dos
médicos, que ofereceu assistência gratuita aos grevistas.
Várias negociações foram realizadas, mas os
patrões se recusavam a ceder um aumento salarial superior a 15% — que os
trabalhadores achavam inaceitável. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) tentou
mediar uma solução, propondo um reajuste de 23% nos salários, mas a proposta
foi rejeitada pelo patronato.
Os trabalhadores se mantiveram resolutos e a
greve prosseguiu. Após quase um mês com as plantas industriais paradas, os
patrões se viram forçados a aceitar um segundo acordo proposto pelo TRT,
concedendo aumento salarial de 32%.
Os trabalhadores aceitaram o acordo, mas
fizeram três exigências adicionais: o pagamento dos dias parados, a garantia de
que os grevistas não seriam demitidos e a libertação dos trabalhadores presos.
A greve chegou ao fim no dia 23 de abril.
Alguns sindicatos permaneceram em greve até que os trabalhadores presos fossem
libertados. Apesar do compromisso assumido pelos patrões, mais de 400
metalúrgicos e 1.000 operários da indústria têxtil foram demitidos, como
retaliação pela participação no movimento grevista.
• O
legado da greve
A Greve dos 300 Mil se tornou um dos grandes
marcos do movimento operário brasileiro. A paralisação teve um papel
fundamental ao reafirmar o direito à greve e deixou um legado de enorme
importância ao contestar o modelo sindical do Estado Novo, contribuindo para o
surgimento de um sindicalismo mais autônomo, democrático e combativo.
Revestidos de legitimidade pela adesão às
pautas populares, os sindicatos ganharam força e conseguiram concretizar uma
série de avanços nos anos seguintes. O fortalecimento do movimento operário
levaria à queda do Ministro do Trabalho Segadas Viana, substituído ainda em
1953 por João Goulart.
O Comando Intersindical de Greves, que havia
sido durante a paralisação, foi convertido no Pacto de União e Ação, que, por
sua vez, daria origem ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) — organização
que teria enorme relevância na mobilização da classe operária até nos 60.
O movimento também estimularia a criação do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE),
criado em resposta à demanda dos grevistas por uma organização apta a produzir
estudos confiáveis sobre o custo de vida.
Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi
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