segunda-feira, 7 de abril de 2025

Pensar a História: 72 anos da histórica Greve dos 300 Mil que paralisou São Paulo

Em 26 de março de 1953, a cidade de São Paulo servia de palco a um dos grandes marcos do movimento operário do Brasil: a Greve dos 300 mil. Iniciada pelos trabalhadores da indústria têxtil, a greve logo se estendeu para outras categorias, paralisando quase todo o parque fabril paulista.

A greve foi motivada pelo descontentamento generalizado dos trabalhadores com o aumento do custo de vida e com a perda do poder de compra. O movimento se estendeu por um mês e terminou com a vitória dos operários, que conquistaram um reajuste médio de 32% em seus salários.

A Greve dos 300 Mil também se notabilizou por contestar a estrutura sindical aparelhada herdada do Estado Novo, contribuindo para o surgimento de um movimento operário mais autônomo e combativo, apto a viabilizar avanços mais concretos para os trabalhadores.

•        O arrocho de Dutra e a volta de Vargas

O retorno de Getúlio Vargas à Presidência do Brasil em 1951 representou a esperança de alívio para a classe trabalhadora. Chegava ao fim o péssimo governo de Eurico Gaspar Dutra, marcado por políticas de arrocho salarial, aumento da inflação, repressão aos trabalhadores e intervenção nos sindicatos.

O salário mínimo estava sem aumento há 8 anos. O último reajuste ocorrera em 1943 — e fora concedido pelo próprio Vargas. Durante o governo Dutra, o custo de vida subiu 60%, mas os salários permaneceram praticamente congelados. Para agravar a situação, o aumento dos preços estava concentrado sobre gêneros de primeira necessidade, moradia e transporte, afetando sobretudo as classes populares.

Em São Paulo, a situação era ainda pior. Entre 1943 e 1951, o custo de vida na cidade havia aumentado 100%, ao passo que a renda dos trabalhadores crescera apenas 14%. A combinação entre inflação alta e salários baixos corroeu o poder de compra da classe trabalhadora, resultando no crescimento acelerado da pobreza.

Ao mesmo tempo em que empobrecia os trabalhadores, Dutra implementava uma série de medidas para neutralizar as ações do movimento operário. Em 1946, o militar havia promulgado o Decreto-Lei nº. 9.070, que restringiu o direito à greve e criou uma série de limitações para a ação dos sindicatos.

Dutra também fortaleceu a estrutura sindical legada pelo Estado Novo, que amarrava os sindicatos ao governo, destruindo a autonomia do movimento operário.

Os poucos sindicatos que divergiam da norma eram punidos rigorosamente. Usando do pretexto de estar “combatendo os comunistas”, Dutra interveio em mais de 140 sindicatos e ordenou a prisão de vários líderes trabalhistas, acusando-os de “subversão”.

Assim, os trabalhadores enxergaram o retorno de Vargas ao governo como uma oportunidade para retomar a mobilização operária em condições mais favoráveis.

A onda grevista se iniciou já no primeiro ano do mandato de Vargas. Em 1951, 264 mil trabalhadores entraram em greve. No ano seguinte, esse montante saltou para 411 mil. E em 1953, mais de 800 mil operários cruzaram os braços.

•        A Marcha das Panelas Vazias

Em São Paulo, o movimento foi iniciado pelos trabalhadores das indústrias têxteis. Em 10 de março de 1953, um grupo de 8.000 operários fez uma manifestação no centro da cidade reivindicando reajuste salarial. Os tecelões também protestavam contra uma declaração da Delegacia Regional do Trabalho, que havia desqualificado a mobilização como uma “baderna de agitadores”.

Decididos a mostrar que estavam falando sério, os trabalhadores deram uma impressionante demonstração de força alguns dias depois. Em 18 de março, as ruas do centro de São Paulo foram tomadas pela Marcha das Panelas Vazias. Empunhando faixas e cartazes denunciando a carestia e a fome, um grupo de 60 mil trabalhadores marchou da Praça da Sé até o Palácio dos Campos Elíseos, a antiga sede do governo paulista.

Após chegarem ao local, representantes dos trabalhadores entregaram um requerimento com as reivindicações ao governador Lucas Nogueira Garcez. Além do aumento dos salários, os manifestantes exigiam medidas de combate à miséria, ações para baixar o preço do arroz e do feijão e o cancelamento do reajuste das tarifas dos ônibus.

A marcha foi brutalmente reprimida pela força pública. Os trabalhadores reagiram às agressões dos policiais e conflito evoluiu para uma pancadaria generalizada pelas ruas do centro. Centenas de manifestantes foram presos. A repressão, entretanto, apenas inflamou ainda mais os ânimos dos trabalhadores.

Um sintoma do descontentamento generalizado da população e da importância da mobilização operária foi sentido poucos dias depois, quando foi realizada a eleição para prefeito de São Paulo. Francisco Antônio Cardoso, o candidato apoiado por Getúlio Vargas e pelo governador Lucas Garcez, foi derrotado pelo conservador Jânio Quadros, que havia apoiado enfaticamente a marcha dos trabalhadores.

•        A Greve dos 300 Mil

A greve teve início do no dia 26 de março de 1953, puxada pelos operários da Fábrica de Tecidos Matarazzo. Os grevistas receberam o reforço dos trabalhadores da Companhia Paulista de Aniagem, do Lanifício Paulista e do Lanifício Inglês, que também cruzaram os braços. Em dois dias, quase toda a indústria têxtil de São Paulo estava paralisada.

O movimento logo se expandiu para as outras categorias. Ainda no dia 26 de março, os metalúrgicos decretaram greve. Em seguida, os gráficos, os vidraceiros e os marceneiros também aderiram à paralisação. Os grevistas exigiam um aumento de 60% nos salários. Reivindicavam também o direito à estabilidade, medidas governamentais para combater a carestia e mais autonomia para os sindicatos

A velocidade com que a greve se alastrou impressionou o governo e o patronato. Os cinco maiores sindicatos de São Paulo apoiaram de imediato a mobilização. Já no segundo dia da paralisação, o jornal Folha da Manhã registrava que mais de 100 mil operários estavam sem trabalhar. Os galpões industriais de bairros como Mooca, Brás e Belém estavam completamente vazios.

O desafio de realizar uma greve geral a partir de uma estrutura sindical fortemente aparelhada pelo Estado levou os grevistas a pensarem em soluções alternativas. Os trabalhadores passaram a se organizar em comitês paralelos, desvinculados do aparato sindical tradicional. Os grevistas também criaram o Comando Intersindical, responsável por articular a ação conjunta das categorias mobilizadas.

Esse sistema sindical paralelo possibilitava maior participação dos trabalhadores nos rumos do movimento operário. O processo decisório tinha início nos próprios comitês e as decisões eram referendadas pelos trabalhadores nas assembleias.

O Partido Comunista do Brasil (PCB) teve atuação fundamental na realização da greve e na criação dessa estrutura sindical paralela. Boa parte dos sindicatos que aderiram à paralisação eram dirigidos por militantes do partido.

Pedro Pomar, um dos principais dirigentes do PCB, atuou como articulador político da greve. Vários militantes do partido, incluindo João Saldanha e Carlos Marighella, participaram ativamente da mobilização dos trabalhadores.

A greve se estendeu pelo interior de São Paulo e mobilizou novas categorias — ferroviários, condutores e trabalhadores dos portos, etc. Na capital paulista, os grevistas também buscavam agitar as massas. Os trabalhadores organizaram piquetes e realizaram uma série de passeatas pelas ruas do centro, exibindo cartazes com suas reivindicações e entoando palavras de ordem.

•        A repressão e o fim da greve

Diante da persistência da paralisação, a imprensa passou a atacar o movimento grevista, acusando-o de ser “obra de agitadores comunistas que pretendiam destruir a ordem social”. Os atos de rua foram violentamente reprimidos pela polícia — em alguns casos, com uso de armas de fogo. Centenas de trabalhadores foram presos.

A greve foi considerada ilegal pela Delegacia Regional do Trabalho. José de Segadas Viana, o Ministro do Trabalho do governo Vargas, tentou intimidar os grevistas, ameaçando processá-los pela Lei de Segurança Nacional. Os operários, entretanto, seguiram firmes com a paralisação.

As tentativas de direcionar a opinião pública contra o movimento também foram em vão. A greve contou com forte respaldo da população — que também sentia no bolso a perda do poder de compra.

Populares, estudantes e comerciantes se mobilizaram para contribuir com doações para os fundos de greve. Os trabalhadores receberam apoio de outras categorias — incluindo o sindicato dos médicos, que ofereceu assistência gratuita aos grevistas.

Várias negociações foram realizadas, mas os patrões se recusavam a ceder um aumento salarial superior a 15% — que os trabalhadores achavam inaceitável. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) tentou mediar uma solução, propondo um reajuste de 23% nos salários, mas a proposta foi rejeitada pelo patronato.

Os trabalhadores se mantiveram resolutos e a greve prosseguiu. Após quase um mês com as plantas industriais paradas, os patrões se viram forçados a aceitar um segundo acordo proposto pelo TRT, concedendo aumento salarial de 32%.

Os trabalhadores aceitaram o acordo, mas fizeram três exigências adicionais: o pagamento dos dias parados, a garantia de que os grevistas não seriam demitidos e a libertação dos trabalhadores presos.

A greve chegou ao fim no dia 23 de abril. Alguns sindicatos permaneceram em greve até que os trabalhadores presos fossem libertados. Apesar do compromisso assumido pelos patrões, mais de 400 metalúrgicos e 1.000 operários da indústria têxtil foram demitidos, como retaliação pela participação no movimento grevista.

•        O legado da greve

A Greve dos 300 Mil se tornou um dos grandes marcos do movimento operário brasileiro. A paralisação teve um papel fundamental ao reafirmar o direito à greve e deixou um legado de enorme importância ao contestar o modelo sindical do Estado Novo, contribuindo para o surgimento de um sindicalismo mais autônomo, democrático e combativo.

Revestidos de legitimidade pela adesão às pautas populares, os sindicatos ganharam força e conseguiram concretizar uma série de avanços nos anos seguintes. O fortalecimento do movimento operário levaria à queda do Ministro do Trabalho Segadas Viana, substituído ainda em 1953 por João Goulart.

O Comando Intersindical de Greves, que havia sido durante a paralisação, foi convertido no Pacto de União e Ação, que, por sua vez, daria origem ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) — organização que teria enorme relevância na mobilização da classe operária até nos 60.

O movimento também estimularia a criação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), criado em resposta à demanda dos grevistas por uma organização apta a produzir estudos confiáveis sobre o custo de vida.

 

Fonte: Por Estevam Silva, em Opera Mundi

 

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