Lula e Trump têm 'mesmo inimigo', mas
decidiram chamá-lo por nomes diferentes, diz pesquisador da direita radical
Apesar
de estarem de lados opostos da polarização, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump dividem um
interesse por "narrativas conspiratórias" que enquadram a elite que
controla a política tradicional como o inimigo, diz o professor de Relações
Internacionais e pesquisador da direita radical Benjamin Teitelbaum.
Professor
da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, Teitelbaum é autor do
livro Guerra pela Eternidade (Unicamp, 2020), sobre a corrente
de pensamento que inspirou Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, Alexandr Dugin, ultranacionalista
que influenciou Vladimir Putin, e Olavo de Carvalho.
Em
entrevista à BBC News Brasil, Teitelbaum disse acreditar que os presidentes do
Brasil e dos Estados Unidos se baseiam em ideias semelhantes ao criticarem o
dito "establishment político ocidental", mas usam de nomes diferentes
para caracterizar seus "adversários".
"Quando
Trump fala sobre um establishment globalista que precisa ser atacado e que é
responsável por todo tipo de transgressão, para mim é fácil identificar que
Lula e ele estão falando sobre a mesma coisa", diz.
"Eles
apenas decidem chamá-la de entidades ligeiramente diferentes: trata-se do
imperialismo ocidental em um caso [de Lula] e do globalismo liberal no outro
[Trump]."
O termo
"globalismo" é utilizado por Trump e seus seguidores em referência a
uma ideologia ou um conjunto de práticas políticas, econômicas e sociais que
defendem a maior integração entre os países.
Apesar
de ser definido por especialistas como um termo vago, o presidente dos EUA
geralmente o emprega como um sinônimo de perda de soberania nacional e
enfraquecimento da cultura americana.
Já Lula
adotou, ao longo de sua carreira, uma postura crítica em relação às dinâmicas
de poder e influência das potências ocidentais no cenário internacional.
Segundo
o presidente brasileiro, o mundo precisa caminhar para um cenário mais
multipolar, no qual as grandes potências do Ocidente não exerçam tanta
influência e os países do Sul Global possam ter mais voz e autonomia.
Na
entrevista à BBC Brasil, Teitelbaum ainda comparou a postura de Donald Trump
diante da Rússia e do presidente Vladimir Putin com a tomada por Lula desde o início
da guerra na Ucrânia.
"Trump
tem estado bastante disposto a dar voz à análise e às narrativas de Putin sobre
a situação na Rússia. E Lula também, tenho que dizer", diz
"Ambos
têm se mostrado mais do que satisfeitos em dizer coisas como 'Putin foi
ameaçado e a Ucrânia começou a guerra' ou que ambos são responsáveis pela guerra."
Questionado
sobre o porquê dos líderes adotarem tal posição, o professor da Universidade de
Colorado afirmou que enquanto Trump tenta buscar a simpatia de Putin durante as
negociações sobre a Ucrânia, Lula vê o tema como uma oportunidade de amplificar seu papel como liderança
do Sul Global.
Teitelbaum
afirmou, porém, também acreditar que o petista é "mais aberto e
interessado em narrativas conspiratórias desde que estejam se opondo a um
"establishment ocidental".
"E
acho que ele compartilha isso com Trump. [...] Há uma espécie de instinto da
perspectiva da esquerda de que se deve suspeitar das potências ocidentais, das
forças ocidentais e talvez até das organizações internacionais ocidentais como
uma fonte de imoralidade e traição no mundo."
"E
você pode chegar a essa mesma posição olhando a perspectiva populista da
direita radical."
·
'Eles vieram para ficar'
Em
livro publicado em 2020, Benjamin Teitelbaum faz um mergulho na corrente
filosófica tradicionalista que inspirou o americano Steve Bannon, o brasileiro
Olavo de Carvalho e o russo Alexandr Dugin. Nas suas pesquisas, o professor
também examina o crescimento e a influência de ideologias de direita no cenário
global.
Para
Teitelbaum, a direita radical populista que ganhou força no mundo nos últimos
anos "veio para ficar". Mas segundo o pesquisador, o que deve
mantê-la no poder não é "seu grande sucesso ou popularidade", mas sim
o desaparecimento da centro-direita.
"Eu
me pergunto se quando a direita populista enfrentar os desafios de ser o
incumbente e começar a tramar seus contra-ataques, responder às derrotas e se
reconstruir, haverá uma centro-direita para participar desse processo",
questiona.
"E
não, eu acho que não [haverá]. A centro-direita está se desintegrando
completamente em todos os lugares."
"Então,
nesse aspecto, eles vieram para ficar. Mas é o desaparecimento da
centro-direita que me deixa mais confiante disso, ao invés apenas do grande
sucesso e popularidade da direita populista em si."
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Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
·
Estamos vendo atualmente o que parece ser uma aproximação
entre os EUA sob Trump e a Rússia sob Vladimir Putin. O que une esses dois
líderes?
Benjamin
Teitelbaum - Há
vários aspectos. Por um lado, na superfície, estamos falando de dois homens que
se consideram líderes fortes e dispensam o decoro. Trump também parece motivado
a abraçar Putin porque isso incomoda seus inimigos - e rejeitar as ideias do
establishment de Washington, que prega que um presidente americano não pode ser
amigo do presidente da Rússia, é uma forma de mostrar sua própria
independência.
Por
outro lado, é preciso notar que há raízes mais profundas, e eu dediquei muito
tempo a estudar isso para o meu livro. Para mim, uma das ideias expostas por
Steve Bannon [ideólogo da direita radical e ex-conselheiro de Trump] é a de que
tanto a Rússia quanto os Estados Unidos são Estados nacionalistas e cristãos e,
por isso, deveriam se alinhar contra Estados que não são nenhuma dessas coisas
- especialmente contra a China.
Não sei
exatamente os caminhos que esse pensamento encontrou para chegar ao topo [da
liderança] em Washington, mas com certeza ele chegou lá. Marco Rubio,
secretário de Estado [dos EUA], fala exatamente nessas linhas. E tudo isso está
por trás do relacionamento atual de Trump com Putin.
·
Há quem diga que Donald Trump cultiva uma certa admiração
por Putin…
Teitelbaum
- Trump
tem estado bastante disposto a dar voz à análise e às narrativas de Putin sobre
a situação na Rússia. E Lula também, tenho que dizer. Ambos têm se mostrado
mais do que satisfeitos em dizer coisas como 'Putin foi ameaçado e a Ucrânia
começou a guerra' ou que 'ambos são responsáveis pela guerra'. Trump também
disse que [o presidente da Ucrânia, Volodymyr]
Zelensky é um ditador.
Trump
pode ser agradável. Seus oponentes não gostam de admitir isso, mas ele tem um
carisma interpessoal e parece, em muitos casos, querer encontrar maneiras de se
dar bem com a pessoa na frente dele na mesa de negociação.
Mas meu
interesse está menos em todo o teatro ao redor dessa aproximação e mais nas
coisas que ele tem dito, nas propostas e nas narrativas sobre Putin que ele tem
se disposto a apresentar. E isso me mostra admiração. Me mostra respeito. Me
mostra uma deferência a Putin que vai além de um sorriso quando estão frente a
frente.
·
O senhor mencionou o apoio de Lula à versão dos fatos
adotada por Putin. Qual o interesse dele, na sua visão, em tomar essa posição?
Teitelbaum
- Lula
vê uma oportunidade de fortalecer os Brics e a ideia de não-alinhamento,
especialmente entre os Estados do Sul. Ele tem feito isso por vários anos e
ajusta sua análise moral e seus relatos sobre a história para tornar esse
objetivo político mais atingível.
Uma
visão mais cínica seria de que ele está mais aberto e interessado em narrativas
conspiratórias desde que estejam se opondo a um establishment ocidental. E acho
que ele compartilha isso com Trump. Há uma espécie de instinto da perspectiva
da esquerda de que se deve suspeitar das potências ocidentais, das forças
ocidentais e talvez até das organizações internacionais ocidentais como uma
fonte de imoralidade e traição no mundo. E você pode chegar a essa mesma
posição olhando a perspectiva populista da direita radical.
Não é
que Trump odeie o governo dos Estados Unidos em si, mas quando ele fala sobre
um establishment globalista que precisa ser atacado e que é responsável por
todos os tipos de transgressão para mim é fácil identificar que Lula e eles
estão falando sobre a mesma coisa. Eles apenas decidem chamá-la de entidades
ligeiramente diferentes: trata-se do imperialismo ocidental em um caso e do
globalismo liberal no outro.
·
O que a aliança inesperada entre Trump e Putin pode
significar para o futuro da guerra na Ucrânia e da ordem mundial, na sua
opinião?
Teitelbaum
- A
Rússia quer a Ucrânia e não será convencida por negociações sobre a Otan
[Organização do Tratado do Atlântico Norte] ou a União Europeia, porque no fim
das contas essa guerra não é sobre nenhuma dessas coisas. Putin reivindica uma
espécie de direito histórico sagrado à Ucrânia e continuará até alcançar esse
objetivo.
Por
outro lado, não acho que a Rússia será capaz de conseguir o que quer na
Ucrânia. Mesmo se vencer essa guerra da forma como sonha e ocupar a Ucrânia,
uma insurgência surgiria, já que a maior parte da população não vai aceitar ser
governada por Moscou. Isso significa uma nova guerra e mais desestabilidade
para a Europa até que se estabeleça uma fronteira que a Rússia seja obrigada a
respeitar. Essa é a única maneira que eu vejo de essa guerra acabar, na
verdade.
E só
com o estabelecimento dessa fronteira devemos começar a ver um realinhamento de
[forças], possibilitando que os Estados Unidos se afastem da Europa. Se essa
guerra continuar, Trump pode até fingir estar se afastando, mas não pode operar
como de costume quando há tanta instabilidade no Ocidente.
·
Há um aparente crescimento do catolicismo conservador nos
EUA, em linha com o que o vice-presidente JD Vance prega. Como você avalia esse
movimento?
Teitelbaum
- O
Tradicionalismo e essa nova ascensão do catolicismo, que às vezes é chamado de
catolicismo tradicional, seguem um mesmo caminho. Me parece que ambos estão
expressando um anseio por transcendência ou direção arcaica, além de uma
insatisfação com a modernidade liberal secular e um sentimento de falta de
objetivo e de identidade
·
Mas por que mais pessoas estão buscando o catolicismo
tradicional nesse momento?
Teitelbaum
- Vejo
como mais uma expressão da insatisfação com a democracia, o liberalismo e a
modernidade. Essa é a grande história por trás da política ao redor do mundo
hoje: os cidadãos e eleitores não confiam mais nas instituições. E podemos
conectar esse fenômeno com uma perda de confiança em quaisquer instituições
religiosas que existiam.
Mas
acho sensato também analisar mais profundamente e dizer que as pessoas estão,
na verdade, reagindo contra uma cultura e um sistema dominantes - que incluem o
governo, as universidades, a ciência e o secularismo - que pregam que sua vida
será melhor se você conseguir se libertar das superstições da religião. Essa é
a mensagem liberal progressista atual.
E ao
mesmo tempo em que as sociedades sentem que outras instituições democráticas
liberais não as servem mais, também começam a perceber que o secularismo também
não as serve. Nesse momento se voltam não para qualquer movimento religioso,
mas para movimentos religiosos que parecem ser anteriores à modernidade. O
catolicismo é um desses movimentos, assim como as Igrejas Ortodoxas Orientais.
·
Em determinado momento, parecia que a nova direita estava
perdendo força, com a derrota de Trump nas eleições de 2020 e o fim do governo
Bolsonaro. Mas Trump está de volta, a direita radical está crescendo na
Alemanha e em outras partes da Europa e as críticas à democracia liberal, à
globalização e às alianças internacionais parecem estar mais fortes do que
nunca. Na sua opinião, esse movimento veio para ficar?
Teitelbaum
- Sim,
mas não exatamente pelos motivos que você mencionou. Há uma maneira de
interpretar as eleições recentes que faz a direita radical parecer mais sortuda
do que forte: os verdadeiros perdedores dos últimos anos foram os políticos
incumbentes. Quem quer que estivesse no poder nos últimos anos enfrentou grande
dificuldade para vencer.
E eu me
pergunto se quando a direita populista enfrentar os desafios de ser o
incumbente e começar a tramar seus contra-ataques, responder às derrotas e se
reconstruir, haverá uma centro-direita para participar desse processo. E não,
eu acho que não [haverá]. A centro-direita está se desintegrando completamente
em todos os lugares.
Então,
nesse aspecto, eles vieram para ficar. Mas é o desaparecimento da
centro-direita que me deixa mais confiante disso, ao invés apenas do grande
sucesso e popularidade da direita populista em si.
¨
Como o agro brasileiro pode aumentar vendas para China
com retaliação de Pequim aos EUA
A retaliação da China ao tarifaço dos
Estados Unidos pode
ser uma oportunidade para o Brasil aumentar suas vendas para o país asiático,
segundo especialistas ouvidos pelo g1.
Trump
impôs uma taxa de 34% para produtos
do país asiático que forem importados pelos EUA. Ao decidir adotar a mesma
tarifa contra produtos americanos, a China pode torná-los menos atraentes para
os compradores.
Nesse
contexto, o agronegócio brasileiro pode ocupar o espaço dos EUA nos
setores onde os dois países são concorrentes no mercado
chinês: carnes, soja e milho.
Os EUA
já tinham perdido terreno para o Brasil na venda de soja para a China em 2018 e
2019, durante o primeiro mandato de Trump, quando o país asiático também foi
taxado.
- Carne de porco
deve ganhar mercado
No
setor de carnes, a grande beneficiada será a de porco, diz o analista da
consultoria Safras & Mercado Fernando Henrique Iglesias. “Vamos ter que
revisar para cima nossa projeção de exportação para a China”, afirma.
Quanto
à carne bovina, ainda há dúvidas sobre um aumento significativo das vendas do
Brasil.
O
motivo é a investigação sobre os efeitos das importações dessa carne,
aberta pelo governo chinês em dezembro de 2024. Ela abrange todos os
fornecedores do produto para a China, não só o Brasil.
“Nesta
semana, eles [a China] prometeram ser justos na investigação. Mas eles podem
acabar impondo tarifas maiores para a carne bovina, mais para o final do ano,
se chegarem ao entendimento de que essa carne importada de fato prejudica a
produção local”, diz Iglesias.
“Mas
eles precisam colocar na balança qual é o peso que isso vai ter em relação à
segurança alimentar da população chinesa. Então, não é uma decisão fácil.
Lembrando que a China sempre preza muito por questões que envolvem segurança
alimentar”, acrescenta.
Essa
investigação da China pode resultar em tarifas adicionais sobre a carne bovina,
mas não deve impedir as importações, acredita Marcos Jank, professor de
agronegócio do Insper.
“Nos
últimos anos, a classe média alta chinesa começou a se interessar pela carne
bovina e a importação de carnes, principalmente do Brasil, cresceu. Duvido
que eles fechem o mercado, porque vão precisar dessa carne”, diz.
- Soja
Hoje,
o Brasil é o maior exportador da leguminosa para o mercado chinês, mas os
EUA ainda são relevantes, sendo o segundo maior fornecedor para a China.
“A
China pode concentrar ainda mais as suas compras de soja no Brasil. Mas o que
pode acontecer também é que outros países que compram soja brasileira passem a
comprar mais dos EUA”, diz Ana Luiza Lodi, analista de grãos da StoneX Brasil.
“A
gente tem que lembrar que hoje a China retaliou, mas os outros países ainda não
retaliaram. O que tende a acontecer é um rearranjo do fluxo de soja do mundo”,
observa Lodi.
Ela
explica que o Brasil já exporta mais soja no primeiro semestre do que os EUA,
enquanto a safra norte-americana se destaca na segunda metade do ano.
“Sazonalmente,
a gente está num momento de exportação muito forte. Temos que ver agora como
essas tarifas podem reforçar a demanda chinesa”, acrescenta a analista.
Esse
movimento, segundo Marcos Jank, dará tempo à China para negociar com os EUA.
“Tenho a impressão de que esse vai ser um dos primeiros produtos que a China
vai tentar flexibilizar [a tarifa], porque ela precisa dessa soja americana.”
- Milho
Plantação
de milho em propriedade de Sergipe — Foto: Arquivo/Igor Feitosa Araujo
Já em
relação ao milho, não há tanta certeza de que o Brasil vai aumentar muito as
exportações para o país. Lodi afirma que os chineses estão importando menos
nesta safra do que nos últimos quatro anos.
Vale
lembrar que os chineses são o segundo maior produtor de milho do mundo, atrás
dos EUA. Em terceiro, está o Brasil, segundo dados do Departamento de
Agricultura dos EUA (USDA)
“A
China teve uma safra muito boa, então a necessidade de importação diminuiu”,
destaca.
"Para
2025, espera-se um aumento ainda maior na produção chinesa de milho. Já no
Brasil, as expectativas iniciais de uma boa safra têm sido revistas devido à
falta de chuva em regiões importantes produtoras, como no Paraná e em
Goiás", disse em nota ao g1, a Associação Brasileira dos Produtores
de Milho e Sorgo (Abramilho).
Segundo
Marcos Jank, do Insper, o quadro pode mudar caso as tarifas mútuas durem
mais tempo.
“Quando
a safra é muito boa, eles de fato não precisam, mas essa é uma situação desse
ano. Se a guerra comercial perdurar, podemos ter espaço”, diz o professor do
Insper.
Fonte: BBC News Brasil/g1
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