O
PAPEL DA AMÉRICA LATINA NO TABULEIRO REGIONAL: O jogo de Trump-Rubio
Na capa
do New York Post de 8 de janeiro, um dos jornais mais
populares dos Estados Unidos, uma imagem de Donald Trump apontando para um mapa
do hemisfério ocidental gerou repercussão. No mapa, o Canadá aparece
identificado como o “51º estado”, o Golfo do México é renomeado para “Golfo da
América”, o Canal do Panamá rebatizado, e a Groenlândia rotulada como “Nossa
Terra”. A manchete estampa “A Doutrina Donroe”, uma referência à Doutrina
Monroe de 1823, quando os Estados Unidos declararam o hemisfério ocidental
fechado à interferência europeia.
O
conteúdo da notícia não causa surpresa absoluta. A Doutrina Monroe tem sido um
elemento central na relação dos Estados Unidos com a América Latina e,
periodicamente, ressurge no discurso de figuras influentes da política externa
norte-americana. Em 2018, o então secretário de Estado Rex Tillerson elogiou a
Doutrina Monroe como um “sucesso”, alertando sobre as ambições “imperiais” da
China no continente e reafirmando os Estados Unidos como parceiro comercial
preferencial da região. A declaração marcou um rompimento com a política
externa da administração Obama, cujo secretário de Estado, John Kerry, havia
declarado em 2013 que a era da Doutrina Monroe havia chegado ao fim.
Com o
retorno de Donald Trump à Casa Branca, sua administração parece determinada a
resgatar os princípios da Doutrina Monroe, buscando afastar influências
concorrentes –especialmente da China e da Venezuela. A nomeação de Marco Rubio
como secretário de Estado, o primeiro latino a ocupar um cargo de alto escalão
no governo Trump, reforça essa diretriz. Defendendo uma política externa
pautada no lema America First, Rubio publicou um artigo expressando
sua intenção de priorizar o hemisfério ocidental, destacando a necessidade de
fortalecer parcerias em segurança e comércio e conter a influência chinesa na
região.
O
renovado interesse dos Estados Unidos nos assuntos regionais desperta reações
distintas dos países latino-americanos. O presidente de El Salvador, Nayib
Bukele, manifestou apoio, inclusive com uma proposta de receber prisioneiros
condenados nos Estados Unidos em troca de compensação econômica. Na Venezuela,
Nicolás Maduro criticou Rubio, rotulando-o de “imbecil” depois que os Estados
Unidos sugeriram que a força militar poderia ser empregada caso o país atacasse
a Guiana.
Diante
desse cenário, torna-se essencial examinar os fatores mais amplos que moldam a
relação entre os Estados Unidos e a América Latina sob essa administração. As
próximas seções deste artigo analisam o projeto de America First,
as propostas de engajamento da administração Trump-Rubio na região e as
perspectivas futuras desse relacionamento.
<><>
O projeto de America First
A
expressão America First, cunhada inicialmente durante a primeira
campanha presidencial de Trump, adquire uma nova dimensão sob a influência de
Marco Rubio no Departamento de Estado. Nesse contexto, a primazia dos
interesses nacionais norte-americano torna-se o princípio orientador de
qualquer interação diplomática ou econômica com outras nações.
A
América Latina assume um papel central nesse projeto político, mas não como um
parceiro igualitário. Diferente de administrações anteriores, que priorizavam
as relações com a região como forma de promover a estabilidade global, a
política de America First implica uma hierarquização das
prioridades diplomáticas e econômicas norte-americanas. Mais especificamente,
os países latino-americanos são tratados como instrumentos para reforçar a
segurança nacional dos Estados Unidos e para conter a crescente influência de
potências rivais, como a China.
O
discurso de cooperação é frequentemente utilizado para justificar ações que, na
prática, consolidam a dependência econômica e política da região em relação a
Washington. Rubio e Trump articulam essa política como um pacto de segurança e
prosperidade mútua, embora o equilíbrio de poder permaneça claramente
assimétrico e unilateralista.
No
âmbito securitário, essa política se traduz em medidas mais rígidas de controle
migratório, aumento das deportações e fortalecimento da presença militar na
região, especialmente em países-chave da América Central e Caribe. O foco em
questões como o narcotráfico e a imigração irregular serve de justificativa
para intervenções diretas ou para condicionar a ajuda econômica a mudanças na
política interna dos países latino-americanos. Assim, Washington não apenas
reforça sua presença estratégica na região, mas também delimita quem são os
aliados e os adversários, com base no alinhamento às prioridades
norte-americanas.
A
redefinição das relações interamericanas também reflete um descolamento das
instituições multilaterais tradicionais. Ao enfraquecer fóruns como a
Organização dos Estados Americanos (OEA) e questionar a validade de acordos
comerciais regionais, como o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), a
administração Trump-Rubio substitui a lógica de governança multilateral por um
modelo de influência bilateral, a partir do qual os Estados Unidos exercem
controle direto sobre as decisões estratégicas na região.
O
fortalecimento de laços com governos considerados “aliados confiáveis”, como a
Costa Rica e El Salvador, e o distanciamento de regimes considerados hostis,
como a Venezuela e a Nicarágua, revelam uma estratégia de seleção e
categorização dos parceiros regionais segundo os critérios de conveniência dos
Estados Unidos. Como afirmou Rubio: “Uma das minhas
prioridades é garantir que a política externa dos Estados Unidos seja uma
política em que é melhor ser amigo do que inimigo; é melhor ser aliado do que
alguém que cria problemas”. A declaração ilustra como Washington condiciona
apoio e rotula suas parcerias mediante seus interesses estratégicos.
Assim,
a política de America First não é apenas uma reafirmação de
uma doutrina isolacionista, mas sim uma tentativa de reconfigurar a ordem
hemisférica sob uma lógica de poder e controle direto. Ao reforçar sua presença
militar, econômica e política na América Latina, a administração Trump-Rubio
redefine o papel dos Estados Unidos na região, consolidando uma nova forma de
liderança regional que combina cooperação estratégica seletiva, pressão
política e incentivos econômicos condicionados à obediência aos interesses
norte-americanos.
<><>
A primeira viagem de Rubio pela América Latina
A
América Latina é paradoxal. Apesar de ser uma das regiões mais pacíficas em
termos de conflitos armados, segue como uma das mais violenta do
mundo,
com fragilidades em segurança e desenvolvimento. O fortalecimento do crime
organizado, impulsionado pelo narcotráfico e pela imigração ilegal, agrava essa
instabilidade. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2024
da ONU,
a produção de cocaína cresceu entre 12% e 20%, atingindo 355 mil hectares. O
fentanil ampliou a crise, gerando uma emergência sanitária e intensificando os
desafios enfrentados pelos governos locais.
Foi com
essa pauta em mente que Marco Rubio realizou sua primeira viagem oficial a
cinco países da América Latina logo no início do mandato de Donald Trump:
Panamá, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e República Dominicana. Como
primeiro secretário de Estado dos Estados Unidos a priorizar a América
Central desde 1912, essa viagem reflete
o reposicionamento da região na agenda dos Estados Unidos.
Embora
Rubio tenha promovido um discurso de fortalecimento de alianças históricas, as
propostas de engajamento foram ditadas pela agenda de segurança dos
norte-americanos. Foram priorizados objetivos de contenção da imigração ilegal,
combate ao tráfico de drogas e limitação da influência chinesa na região.
O
discurso de cooperação utilizado durante a passagem de Rubio pela América
Latina revela uma estratégia de manipulação e intimidação, na qual Washington
se apresenta como parceiro benevolente enquanto prioriza seus próprios
interesses. A relação com o Panamá ilustra bem essa dinâmica. Desde dezembro,
Trump defende que os Estados Unidos retomem o controle do Canal do Panamá, alegando que a
China opera a via. Embora o presidente panamenho José Raúl Mulino tenha
reafirmado a soberania do país, ele cedeu em pontos estratégicos, como
priorizar navios norte-americanos e revisar acordos com Pequim.
Além
disso, o Panamá aceitou reforçar a segurança na região de Darién, um corredor
migratório crucial, e ampliar as deportações. Essas concessões fortalecem a
posição dos Estados Unidos no país e ajudaram Mulino a projetar uma imagem
nacionalista, desviando a atenção de dificuldades políticas internas. Dessa
forma, Washington atingiu um de seus principais objetivos: ampliar o controle
sobre o Canal do Panamá sem recorrer a medidas coercitivas, consolidando sua
influência regional por meio de pressões políticas e econômicas.
Essa
abordagem se repete nos demais países visitados por Rubio, que adotou uma
lógica de aproximação baseada na concessão de apoios políticos e econômicos
como forma de recompensar determinados comportamentos. O caso de Nayib Bukele é
interessante nesse sentido. Inicialmente, Trump acusou o presidente
salvadorenho de exportar criminosos para os Estados Unidos, sugerindo que a
queda da criminalidade em El Salvador era resultado dessa prática. Mais tarde,
Rubio se aproximou de Bukele, que propôs receber criminosos salvadorenhos
detidos nos Estados Unidos em troca de compensação econômica. O silêncio
norte-americano sobre o autoritarismo do governo salvadorenho, acusado de
prisões arbitrárias e violações de direitos humanos, demonstra que, enquanto
Bukele atender a interesses estratégicos, críticas a seu modelo de governo
serão ignoradas.
Na
Costa Rica, Rubio elogiou o país como aliado exemplar, contrastando-o com a
Nicarágua. No entanto, esse reconhecimento esteve atrelado a compromissos
específicos, como ampliar a cooperação com agências responsáveis por combater o
crime organizado. Além disso, os Estados Unidos reforçaram seu apoio à Costa
Rica após o governo de Rodrigo Chaves barrar a Huawei da rede 5G, em
alinhamento com a política norte-americana contra a China. Esse episódio mostra
como Washington define aliados com base na obediência a suas diretrizes,
utilizando incentivos para reforçar sua influência.
A
relação com a Guatemala e República Dominicana seguem a mesma lógica. O governo
de Bernardo Arévalo aceitou aumentar em 40% os voos com deportados e reforçar a
segurança na fronteira com o México, fortalecendo laços com Washington. Como
contrapartida, os Estados Unidos prometeram discutir investimentos em
infraestrutura, condicionando a cooperação econômica ao controle migratório.
Além disso, a Guatemala manteve o reconhecimento de Taiwan, o que gerou elogios
norte-americanos e consolidou seu status de parceiro estratégico.
Com a
República Dominicana, Rubio expressou apoio ao endurecimento das políticas
migratórias de Luis Abinader, alinhadas às de Trump, incluindo deportações em
massa de haitianos. Em troca, os Estados Unidos garantiram suporte à segurança
no Haiti e à Missão Multinacional de Apoio à Segurança. Além disso, Abinader
comprometeu-se a colaborar no combate ao narcotráfico e na exploração de terras
raras, setor estratégico para os Estados Unidos.
A
viagem de Rubio gerou diversas impressões, sendo uma das mais evidentes a
tentativa dos Estados Unidos de consolidar um discurso que naturaliza sua
presença na região, apresentando-a como indispensável para a segurança regional
e oferecendo recompensas para os que optarem pela parceria com os
norte-americanos.
Washington,
ao adotar uma abordagem cada vez mais assertiva, também busca conter a
crescente influência da China na América Latina. Em meio à disputa comercial
entre as duas potências, Marco Rubio enfatiza a importância da presença ativa
dos Estados Unidos na região, propondo alternativas concretas aos investimentos
chineses como forma de fortalecer laços estratégicos. Além disso, os Estados
Unidos têm intensificado seus esforços para oferecer apoio militar, econômico e
em infraestrutura, buscando consolidar sua posição dominante e limitar a
expansão da influência geopolítica e econômica de Pequim.
Diante
desses acontecimentos, surgem dois cenários possíveis: os Estados Unidos
conseguirem controlar os países latino-americanos com uma “rédea curta”,
oferecendo concessão de benefícios a seus seguidores, ou a região buscar
refazer suas alianças em novas configurações de poder. Isso porque alguns
países podem passar a temer relações de longo prazo com os Estados Unidos,
percebendo que esses vínculos não são sustentáveis. A tentativa de retomar a
política “Fique no México” e a imposição de tarifas ao Canadá exemplificam a
busca de Trump por interesses estratégicos imediatos, reforçando a percepção de
uma política externa volúvel, sujeita a mudanças a qualquer momento.
<><>
Uma cooperação condicionada
A
política de “America First” sob a liderança de Trump e Rubio evidencia a
continuidade de um dos princípios centrais da Doutrina Monroe, ainda que sob
uma roupagem contemporânea. Além de reforçar o papel dos Estados Unidos na
América Latina, esse projeto sustenta uma dinâmica de poder assimétrica que
privilegia os interesses estratégicos de Washington em detrimento de uma
parceria genuína e equilibrada.
Os
Estados Unidos buscam sua primazia sobre o hemisfério ocidental, desta vez
usando a retórica da segurança e desenvolvimento. As ações da administração
Trump-Rubio revelam um modelo de dependência, em que o apoio político e
econômico dos Estados Unidos é condicionado à obediência e à submissão dos
países latino-americanos. A ênfase em questões securitárias, como imigração,
narcotráfico e contenção da influência chinesa, demonstra que a lógica
subjacente a essa política é a manutenção da hegemonia regional, e não o
fortalecimento de uma comunidade de nações autônomas e cooperativas.
Nesse
contexto, a América Latina se encontra em um dilema estratégico. De um lado, os
benefícios econômicos e securitários oferecidos pelos Estados Unidos podem
garantir maior estabilidade e crescimento em curto prazo; de outro, a falta de
espaço para negociações e a imposição de um alinhamento incondicional aos
interesses de Washington criam um ambiente de instabilidade e vulnerabilidade
política e – por que não? – de hostilidade desde a Casa Branca.
A
reação da América Latina a essa nova configuração de poder determinará o futuro
das relações interamericanas. Se buscar alternativas para diversificar suas
alianças e fortalecer suas próprias instituições regionais, a região poderá
reduzir sua dependência dos Estados Unidos e conquistar maior autonomia
estratégica. Caso contrário, o alinhamento automático aos interesses de
Washington consolidará um ciclo de dependência e subordinação, limitando as
perspectivas de desenvolvimento e de cooperação regional, bem como agravando
a fragmentação do multilateralismo.
¨
Humilhação histórica sofrida por Milei nos EUA revolta
argentinos
O
presidente argentino, Javier Milei, foi submetido a uma das maiores humilhações
de que se tem notícia na história das relações internacionais. O chefe de
Estado extremista, assim que Donald Trump anunciou sua famigerada e irracional
tabela do tarifaço para todos os países do mundo, saiu de Buenos Aires como um
relâmpago e foi direto para os EUA afirmando que se sentaria imediatamente com
o líder da Casa Branca “para trabalhar lado a lado” neste momento tão
importante. A desculpa oficial era de que o sul-americano tinha um prêmio para
receber numa cerimônia na qual o estadunidense também estaria.
Ele
desembarcou na Flórida e foi direto para Mar-a-Lago, onde Trump tem uma luxuosa
residência. O problema é que o chefe da Casa Branca sequer apareceu no
tal evento e também não autorizou Milei a encontrá-lo. Na prática, o
argentino atravessou o continente para ser ignorado e repelido pelo homem que
ele idolatrada como um verdadeiro cachorrinho fiel.
Nas
redes, o “bolo” humilhante foi alvo de indignação e revolta por parte de nossos
“hermanos”, mas não em relação a Trump. Milei é que passou a ser insultado e
vítima de inúmeros comentários agressivos pela postura de total subserviência e
submissão ao homem mais poderoso do mundo. Expressões em espanhol equivalentes
a “puxa-saco”, “baba-ovo” e “cadelinha” foram direcionadas ao extremista que
gosta de se classificar como “libertário”.
Mas se
engana quem pensa que ele se viu humilhado. Antes mesmo de pisar de volta em
solo argentino, Milei já avisou que segue fiel e completamente submisso a
Trump, dando razão para as medidas tomadas por ele que prejudicam seu próprio
país e explicando que, se necessário for, mudará até as leis nacionais para
satisfazer as vontades comerciais violentas de seu ídolo.
“Para
tornar a Argentina grande novamente... precisamos trabalhar lado a lado, como
parceiros estratégicos com objetivos comuns... A Argentina avançará para
adaptar sua legislação para que possamos atender aos requisitos da proposta de
tarifas recíprocas elaborada... Já cumprimos nove dos 16 requisitos
necessários”, foram algumas das afirmações de Milei, que se referiu o tempo
todo a Trump como “o grande líder”.
Fonte: Por Tamya Rebelo e Roberto Uebel, no
Le Monde/Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário