segunda-feira, 7 de abril de 2025

O PAPEL DA AMÉRICA LATINA NO TABULEIRO REGIONAL: O jogo de Trump-Rubio

Na capa do New York Post de 8 de janeiro, um dos jornais mais populares dos Estados Unidos, uma imagem de Donald Trump apontando para um mapa do hemisfério ocidental gerou repercussão. No mapa, o Canadá aparece identificado como o “51º estado”, o Golfo do México é renomeado para “Golfo da América”, o Canal do Panamá rebatizado, e a Groenlândia rotulada como “Nossa Terra”. A manchete estampa “A Doutrina Donroe”, uma referência à Doutrina Monroe de 1823, quando os Estados Unidos declararam o hemisfério ocidental fechado à interferência europeia.

O conteúdo da notícia não causa surpresa absoluta. A Doutrina Monroe tem sido um elemento central na relação dos Estados Unidos com a América Latina e, periodicamente, ressurge no discurso de figuras influentes da política externa norte-americana. Em 2018, o então secretário de Estado Rex Tillerson elogiou a Doutrina Monroe como um “sucesso”, alertando sobre as ambições “imperiais” da China no continente e reafirmando os Estados Unidos como parceiro comercial preferencial da região. A declaração marcou um rompimento com a política externa da administração Obama, cujo secretário de Estado, John Kerry, havia declarado em 2013 que a era da Doutrina Monroe havia chegado ao fim.

Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, sua administração parece determinada a resgatar os princípios da Doutrina Monroe, buscando afastar influências concorrentes –especialmente da China e da Venezuela. A nomeação de Marco Rubio como secretário de Estado, o primeiro latino a ocupar um cargo de alto escalão no governo Trump, reforça essa diretriz. Defendendo uma política externa pautada no lema America First, Rubio publicou um artigo expressando sua intenção de priorizar o hemisfério ocidental, destacando a necessidade de fortalecer parcerias em segurança e comércio e conter a influência chinesa na região.

O renovado interesse dos Estados Unidos nos assuntos regionais desperta reações distintas dos países latino-americanos. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, manifestou apoio, inclusive com uma proposta de receber prisioneiros condenados nos Estados Unidos em troca de compensação econômica. Na Venezuela, Nicolás Maduro criticou Rubio, rotulando-o de “imbecil” depois que os Estados Unidos sugeriram que a força militar poderia ser empregada caso o país atacasse a Guiana.

Diante desse cenário, torna-se essencial examinar os fatores mais amplos que moldam a relação entre os Estados Unidos e a América Latina sob essa administração. As próximas seções deste artigo analisam o projeto de America First, as propostas de engajamento da administração Trump-Rubio na região e as perspectivas futuras desse relacionamento.

<><> O projeto de America First

A expressão America First, cunhada inicialmente durante a primeira campanha presidencial de Trump, adquire uma nova dimensão sob a influência de Marco Rubio no Departamento de Estado. Nesse contexto, a primazia dos interesses nacionais norte-americano torna-se o princípio orientador de qualquer interação diplomática ou econômica com outras nações.

A América Latina assume um papel central nesse projeto político, mas não como um parceiro igualitário. Diferente de administrações anteriores, que priorizavam as relações com a região como forma de promover a estabilidade global, a política de America First implica uma hierarquização das prioridades diplomáticas e econômicas norte-americanas. Mais especificamente, os países latino-americanos são tratados como instrumentos para reforçar a segurança nacional dos Estados Unidos e para conter a crescente influência de potências rivais, como a China.

O discurso de cooperação é frequentemente utilizado para justificar ações que, na prática, consolidam a dependência econômica e política da região em relação a Washington. Rubio e Trump articulam essa política como um pacto de segurança e prosperidade mútua, embora o equilíbrio de poder permaneça claramente assimétrico e unilateralista.

No âmbito securitário, essa política se traduz em medidas mais rígidas de controle migratório, aumento das deportações e fortalecimento da presença militar na região, especialmente em países-chave da América Central e Caribe. O foco em questões como o narcotráfico e a imigração irregular serve de justificativa para intervenções diretas ou para condicionar a ajuda econômica a mudanças na política interna dos países latino-americanos. Assim, Washington não apenas reforça sua presença estratégica na região, mas também delimita quem são os aliados e os adversários, com base no alinhamento às prioridades norte-americanas.

A redefinição das relações interamericanas também reflete um descolamento das instituições multilaterais tradicionais. Ao enfraquecer fóruns como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e questionar a validade de acordos comerciais regionais, como o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), a administração Trump-Rubio substitui a lógica de governança multilateral por um modelo de influência bilateral, a partir do qual os Estados Unidos exercem controle direto sobre as decisões estratégicas na região.

O fortalecimento de laços com governos considerados “aliados confiáveis”, como a Costa Rica e El Salvador, e o distanciamento de regimes considerados hostis, como a Venezuela e a Nicarágua, revelam uma estratégia de seleção e categorização dos parceiros regionais segundo os critérios de conveniência dos Estados Unidos. Como afirmou Rubio: “Uma das minhas prioridades é garantir que a política externa dos Estados Unidos seja uma política em que é melhor ser amigo do que inimigo; é melhor ser aliado do que alguém que cria problemas”. A declaração ilustra como Washington condiciona apoio e rotula suas parcerias mediante seus interesses estratégicos.

Assim, a política de America First não é apenas uma reafirmação de uma doutrina isolacionista, mas sim uma tentativa de reconfigurar a ordem hemisférica sob uma lógica de poder e controle direto. Ao reforçar sua presença militar, econômica e política na América Latina, a administração Trump-Rubio redefine o papel dos Estados Unidos na região, consolidando uma nova forma de liderança regional que combina cooperação estratégica seletiva, pressão política e incentivos econômicos condicionados à obediência aos interesses norte-americanos.

<><> A primeira viagem de Rubio pela América Latina

A América Latina é paradoxal. Apesar de ser uma das regiões mais pacíficas em termos de conflitos armados, segue como uma das mais violenta do mundo, com fragilidades em segurança e desenvolvimento. O fortalecimento do crime organizado, impulsionado pelo narcotráfico e pela imigração ilegal, agrava essa instabilidade. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2024 da ONU, a produção de cocaína cresceu entre 12% e 20%, atingindo 355 mil hectares. O fentanil ampliou a crise, gerando uma emergência sanitária e intensificando os desafios enfrentados pelos governos locais.

Foi com essa pauta em mente que Marco Rubio realizou sua primeira viagem oficial a cinco países da América Latina logo no início do mandato de Donald Trump: Panamá, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e República Dominicana. Como primeiro secretário de Estado dos Estados Unidos a priorizar a América Central desde 1912, essa viagem reflete o reposicionamento da região na agenda dos Estados Unidos.

Embora Rubio tenha promovido um discurso de fortalecimento de alianças históricas, as propostas de engajamento foram ditadas pela agenda de segurança dos norte-americanos. Foram priorizados objetivos de contenção da imigração ilegal, combate ao tráfico de drogas e limitação da influência chinesa na região.

O discurso de cooperação utilizado durante a passagem de Rubio pela América Latina revela uma estratégia de manipulação e intimidação, na qual Washington se apresenta como parceiro benevolente enquanto prioriza seus próprios interesses. A relação com o Panamá ilustra bem essa dinâmica. Desde dezembro, Trump defende que os Estados Unidos retomem o controle do Canal do Panamá, alegando que a China opera a via. Embora o presidente panamenho José Raúl Mulino tenha reafirmado a soberania do país, ele cedeu em pontos estratégicos, como priorizar navios norte-americanos e revisar acordos com Pequim.

Além disso, o Panamá aceitou reforçar a segurança na região de Darién, um corredor migratório crucial, e ampliar as deportações. Essas concessões fortalecem a posição dos Estados Unidos no país e ajudaram Mulino a projetar uma imagem nacionalista, desviando a atenção de dificuldades políticas internas. Dessa forma, Washington atingiu um de seus principais objetivos: ampliar o controle sobre o Canal do Panamá sem recorrer a medidas coercitivas, consolidando sua influência regional por meio de pressões políticas e econômicas.

Essa abordagem se repete nos demais países visitados por Rubio, que adotou uma lógica de aproximação baseada na concessão de apoios políticos e econômicos como forma de recompensar determinados comportamentos. O caso de Nayib Bukele é interessante nesse sentido. Inicialmente, Trump acusou o presidente salvadorenho de exportar criminosos para os Estados Unidos, sugerindo que a queda da criminalidade em El Salvador era resultado dessa prática. Mais tarde, Rubio se aproximou de Bukele, que propôs receber criminosos salvadorenhos detidos nos Estados Unidos em troca de compensação econômica. O silêncio norte-americano sobre o autoritarismo do governo salvadorenho, acusado de prisões arbitrárias e violações de direitos humanos, demonstra que, enquanto Bukele atender a interesses estratégicos, críticas a seu modelo de governo serão ignoradas.

Na Costa Rica, Rubio elogiou o país como aliado exemplar, contrastando-o com a Nicarágua. No entanto, esse reconhecimento esteve atrelado a compromissos específicos, como ampliar a cooperação com agências responsáveis por combater o crime organizado. Além disso, os Estados Unidos reforçaram seu apoio à Costa Rica após o governo de Rodrigo Chaves barrar a Huawei da rede 5G, em alinhamento com a política norte-americana contra a China. Esse episódio mostra como Washington define aliados com base na obediência a suas diretrizes, utilizando incentivos para reforçar sua influência.

A relação com a Guatemala e República Dominicana seguem a mesma lógica. O governo de Bernardo Arévalo aceitou aumentar em 40% os voos com deportados e reforçar a segurança na fronteira com o México, fortalecendo laços com Washington. Como contrapartida, os Estados Unidos prometeram discutir investimentos em infraestrutura, condicionando a cooperação econômica ao controle migratório. Além disso, a Guatemala manteve o reconhecimento de Taiwan, o que gerou elogios norte-americanos e consolidou seu status de parceiro estratégico.

Com a República Dominicana, Rubio expressou apoio ao endurecimento das políticas migratórias de Luis Abinader, alinhadas às de Trump, incluindo deportações em massa de haitianos. Em troca, os Estados Unidos garantiram suporte à segurança no Haiti e à Missão Multinacional de Apoio à Segurança. Além disso, Abinader comprometeu-se a colaborar no combate ao narcotráfico e na exploração de terras raras, setor estratégico para os Estados Unidos.

A viagem de Rubio gerou diversas impressões, sendo uma das mais evidentes a tentativa dos Estados Unidos de consolidar um discurso que naturaliza sua presença na região, apresentando-a como indispensável para a segurança regional e oferecendo recompensas para os que optarem pela parceria com os norte-americanos.

Washington, ao adotar uma abordagem cada vez mais assertiva, também busca conter a crescente influência da China na América Latina. Em meio à disputa comercial entre as duas potências, Marco Rubio enfatiza a importância da presença ativa dos Estados Unidos na região, propondo alternativas concretas aos investimentos chineses como forma de fortalecer laços estratégicos. Além disso, os Estados Unidos têm intensificado seus esforços para oferecer apoio militar, econômico e em infraestrutura, buscando consolidar sua posição dominante e limitar a expansão da influência geopolítica e econômica de Pequim.

Diante desses acontecimentos, surgem dois cenários possíveis: os Estados Unidos conseguirem controlar os países latino-americanos com uma “rédea curta”, oferecendo concessão de benefícios a seus seguidores, ou a região buscar refazer suas alianças em novas configurações de poder. Isso porque alguns países podem passar a temer relações de longo prazo com os Estados Unidos, percebendo que esses vínculos não são sustentáveis. A tentativa de retomar a política “Fique no México” e a imposição de tarifas ao Canadá exemplificam a busca de Trump por interesses estratégicos imediatos, reforçando a percepção de uma política externa volúvel, sujeita a mudanças a qualquer momento.

<><> Uma cooperação condicionada

A política de “America First” sob a liderança de Trump e Rubio evidencia a continuidade de um dos princípios centrais da Doutrina Monroe, ainda que sob uma roupagem contemporânea. Além de reforçar o papel dos Estados Unidos na América Latina, esse projeto sustenta uma dinâmica de poder assimétrica que privilegia os interesses estratégicos de Washington em detrimento de uma parceria genuína e equilibrada.

Os Estados Unidos buscam sua primazia sobre o hemisfério ocidental, desta vez usando a retórica da segurança e desenvolvimento. As ações da administração Trump-Rubio revelam um modelo de dependência, em que o apoio político e econômico dos Estados Unidos é condicionado à obediência e à submissão dos países latino-americanos. A ênfase em questões securitárias, como imigração, narcotráfico e contenção da influência chinesa, demonstra que a lógica subjacente a essa política é a manutenção da hegemonia regional, e não o fortalecimento de uma comunidade de nações autônomas e cooperativas.

Nesse contexto, a América Latina se encontra em um dilema estratégico. De um lado, os benefícios econômicos e securitários oferecidos pelos Estados Unidos podem garantir maior estabilidade e crescimento em curto prazo; de outro, a falta de espaço para negociações e a imposição de um alinhamento incondicional aos interesses de Washington criam um ambiente de instabilidade e vulnerabilidade política e – por que não? – de hostilidade desde a Casa Branca.

A reação da América Latina a essa nova configuração de poder determinará o futuro das relações interamericanas. Se buscar alternativas para diversificar suas alianças e fortalecer suas próprias instituições regionais, a região poderá reduzir sua dependência dos Estados Unidos e conquistar maior autonomia estratégica. Caso contrário, o alinhamento automático aos interesses de Washington consolidará um ciclo de dependência e subordinação, limitando as perspectivas de desenvolvimento e de cooperação regional, bem como agravando a fragmentação do multilateralismo.

¨      Humilhação histórica sofrida por Milei nos EUA revolta argentinos

O presidente argentino, Javier Milei, foi submetido a uma das maiores humilhações de que se tem notícia na história das relações internacionais. O chefe de Estado extremista, assim que Donald Trump anunciou sua famigerada e irracional tabela do tarifaço para todos os países do mundo, saiu de Buenos Aires como um relâmpago e foi direto para os EUA afirmando que se sentaria imediatamente com o líder da Casa Branca “para trabalhar lado a lado” neste momento tão importante. A desculpa oficial era de que o sul-americano tinha um prêmio para receber numa cerimônia na qual o estadunidense também estaria.

Ele desembarcou na Flórida e foi direto para Mar-a-Lago, onde Trump tem uma luxuosa residência. O problema é que o chefe da Casa Branca sequer apareceu no tal evento e também não autorizou Milei a encontrá-lo. Na prática, o argentino atravessou o continente para ser ignorado e repelido pelo homem que ele idolatrada como um verdadeiro cachorrinho fiel.

Nas redes, o “bolo” humilhante foi alvo de indignação e revolta por parte de nossos “hermanos”, mas não em relação a Trump. Milei é que passou a ser insultado e vítima de inúmeros comentários agressivos pela postura de total subserviência e submissão ao homem mais poderoso do mundo. Expressões em espanhol equivalentes a “puxa-saco”, “baba-ovo” e “cadelinha” foram direcionadas ao extremista que gosta de se classificar como “libertário”.

Mas se engana quem pensa que ele se viu humilhado. Antes mesmo de pisar de volta em solo argentino, Milei já avisou que segue fiel e completamente submisso a Trump, dando razão para as medidas tomadas por ele que prejudicam seu próprio país e explicando que, se necessário for, mudará até as leis nacionais para satisfazer as vontades comerciais violentas de seu ídolo.

“Para tornar a Argentina grande novamente... precisamos trabalhar lado a lado, como parceiros estratégicos com objetivos comuns... A Argentina avançará para adaptar sua legislação para que possamos atender aos requisitos da proposta de tarifas recíprocas elaborada... Já cumprimos nove dos 16 requisitos necessários”, foram algumas das afirmações de Milei, que se referiu o tempo todo a Trump como “o grande líder”.

 

Fonte: Por Tamya Rebelo e Roberto Uebel, no Le Monde/Fórum

 

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